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PsicoUSF

versão impressa ISSN 1413-8271

PsicoUSF v.10 n.1 Itatiba jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Psicoterapias breves psicodinâmicas: características da produção científica nacional e estrangeira (1980/2003)

 

Brief psychodynamic psychotherapies: Characteristics of national and foreign scientific production (1980/2003)

 

 

Elisa Medici Pizão YoshidaI, 1, *; Tales Vilela SanteiroII, **; Fabíola Ribeiro de Moraes SanteiroIII, ***; Glaucia Mitsuko Ataka da RochaI, ****

I Pontifícia Universidade Católica de Campinas
II Universidade de Franca
III Colégio Alto Padrão Objetivo de Franca

 

 


RESUMO

Apresenta o levantamento de algumas características formais da produção científica para saber quem, onde e o que tem sido indexado nas bases de dados eletrônicas, sob os verbetes: "psicoterapias breves psicodinâmicas" e "psicoterapias psicodinâmicas de tempo limitado". As produções estrangeira e nacional foram cotejadas e críticas apresentadas. A amostra de 534 resumos (1980 a 2003), publicados em bases nacionais e internacionais, indicou que a produção estrangeira foi quantitativamente superior quanto ao número de referências, periódicos científicos e autores. No entanto, a nacional equipara-se em aspectos tais como: média de referência por autor, predomínio de autoria única e adoção de psicoterapias integrativas, em que influências de outras abordagens, que não a psicodinâmica, são identificadas. Nas duas realidades predominaram, ainda, publicações sobre psicoterapias individuais de adultos, veiculadas por periódicos psiquiátricos. Espera-se que com a expansão das bases de dados da psicologia, esta última característica venha a se reverter, ao menos no Brasil.

Palavras-chave: Publicação científica, Produção científica, Metaciência, Psicoterapia focal.


ABSTRACT

It presents a survey of some formal characteristics of the scientific production with the aim of knowing whom, where, and what have been indexed in electronic databases, under the entry: "brief psychodynamic psychotherapy" and "time-limited psychodynamic psychotherapy". Foreign and national productions were checked and critiques were presented. The sample of 534 abstracts (1980 to 2003), published in Brazil and abroad, indicated that the foreign production was quantitatively superior concerning the number of references, journals and authors. However, the national production compares in some aspects such as: reference average by author, predominance of unique authorship and adoption of integrative psychotherapy, in which influences of other approaches, rather than the psychodynamic, are identified. In the two realities there was a predominance of publications about adult single psychotherapies, in psychiatric journals. It is expected that, with the expansion of psychology database, the last characteristic changes, at least in Brazil.

Keywords: Scientific publication, Scientific production, Metascience, Focal psychotherapy.


 

 

Introdução

Desde a sua origem, nos anos 50, as psicoterapias breves psicodinâmicas (PB) têm apresentado grande expansão de alternativas técnicas, desenvolvidas com o propósito de abarcarem um número crescente de patolo-gias. Paralelamente a esta tendência de cunho pragmático, podem-se observar modificações nos enfoques teóricos dos autores, que têm acompanhado tanto os avanços específicos do movimento psicanalítico, quanto os da psicologia em geral. Como conseqüência, dentre as chamadas psicoterapias breves psicodinâmicas encontram-se atualmente algumas técnicas, dificilmente classificáveis como de abordagem psicodinâmica (Yoshida, 2004).

Verifica-se, todavia, que, a despeito da flexibi-lização e ampliação do escopo técnico e de uma certa descaracterização conceitual do campo, um grande número de trabalhos encontra-se indexado nas bases eletrônicas sob os verbetes: "psicoterapias breves psicodinâmicas" ou "psicoterapias psicodinâmicas de tempo limitado". Tecnicamente, o que têm em comum é que se referem a psicoterapias com objetivos e tempo delimitados (Hoyt, 2003; Knobel, 1986), em que a atenção do terapeuta está voltada para um foco ou situação problema (Simon, 1989), com vistas a ajudar o paciente a superar um conflito específico. Do ponto de vista teórico, há trabalhos de inspiração eminentemente psicanalítica, outros em que psicoterapias de orientação psicanalítica são comparadas às de outras abordagens, tais como as cognitivas e comportamentais, e ainda outros, para os quais a denominação psicoterapia integrativa ou eclética seria mais condizente (Messer & Warren, 1995).

Em face do volume e heterogeneidade da produção existente, considerou-se relevante proceder a um estudo exploratório que permitisse traçar um perfil de algumas características formais da produção científica sobre o tema e responder basicamente às seguintes questões: quem, onde e o que tem sido produzido sobre as psicote-rapias breves psicodinâmicas? Além disso importava saber em que medida a produção nacional se distinguiria da estrangeira, em relação às características pesquisadas. E por isso elas foram analisadas separadamente e compa-rações entre estes dois âmbitos de investigação foram empreendidas. Para cada um deles foram definidas as seguintes características como categorias de análise: 1. tipo e fonte de publicação; 2. autores e modelo teórico adotado; 3. tipo de autoria; 4. distribuição da produção ao longo do período pesquisado; 5. idioma de publicação e países; 6. faixa etária da população-alvo e modalidade de atendimento; 7. tipo de contribuição segundo seu objetivo; 7a. delineamento metodológico dos estudos empíricos.

Quanto ao período de tempo pesquisado, foi o compreendido entre 1980 e primeiro semestre de 2003, ano em que os dados foram coletados. A opção pelas duas últimas décadas deveu-se à falta de informação sistematizada sobre este importante período da história das psicoterapias breves, e que corresponde às produções da segunda e terceira geração de autores (Yoshida, 2004). Não foram encontradas pesquisas estrangeiras de análise da produção científica, e dentre as nacionais, apenas uma, realizada por Yoshida e cols. (1995) e que cobre a produção entre 90 e 94. Mais recentemente, Ferreira (2002) avaliou a produção científica sobre as PB do Brasil e demais países da América Latina, referente à década de 90.

Como fonte de pesquisa foram definidas as princi-pais bases de dados eletrônicas internacionais e brasileiras, das áreas das Ciências Humanas e da Saúde e que cobriam o período de tempo analisado. A opção por elas deveu-se: à facilidade de acesso a um número expressivo de traba-lhos, o que garantiria amostra representativa da produção; e ao potencial de impacto que a informação ali constante detém, em face da grande visibilidade que apresenta.

Estes critérios podem ser naturalmente contes-tados sob a argumentação de que ao se eleger as bases eletrônicas se está privilegiando um determinado tipo de produção, que atende aos critérios de indexação das instituições responsáveis por elas. E com isso, os resultados da pesquisa conteriam um viés imposto por este critério de seleção da amostra. Outro ponto diz respeito à questão das palavras-chave ou verbetes utilizados para o acesso à literatura, que impõem necessariamente um recorte ao material acessado.

No que concerne aos critérios de indexação, vale destacar que têm sido cada vez mais aceitos pelos pesquisadores, por atenderem principalmente a exigências metodológicas que conferem qualidade desejável à produ-ção. Ademais, por causa das semelhanças dos critérios das diferentes bases, é possível fazerem-se comparações entre, por exemplo, as provenientes de diferentes países ou de diferentes períodos temporais, como as realizadas na presente pesquisa, em que se cotejou a produção estran-geira com a nacional e a da década de 80 com a de 90.

Em relação às palavras-chave, foram definidas segundo o objetivo da pesquisa, que era o de mapear o que tem sido produzido sob o rótulo de psicoterapia breve ou de tempo limitado de orientação psicodinâmica. E, portanto, esses verbetes foram combinados de diferentes formas, procurando atender às possibilidades usualmente encontradas na literatura. Ao ser ponderado cada um dos argumentos contrários à metodologia escolhida para a coleta de dados, a representatividade da amostra, a facilidade de acesso e a visibilidade da produção pesaram na decisão de se utilizarem as bases de dados eletrônicas como fonte de dados e decidiu-se assumir as inevitáveis limitações.

 

Método

Material

Resumos de artigos, teses, dissertações, livros e capítulos de livros, publicados entre os anos 1980 e 2003 (N=534), obtidos mediante o acesso às bases de dados internacionais PsycINFO, Medline e Lilacs, e às bases nacionais, Indexpsi e Teses Brasileiras.

Procedimento

Os documentos foram obtidos com o cruzamento dos verbetes brief dynamic psychotherapy, short-term psychodynamic psychotherapy, short term dynamic psychotherapy e time limited psychodynamic psychotherapy, nas bases internacionais e com os seus equivalentes em português para as bases nacionais. Foram pesquisados os anos entre 1980 e primeiro semestre de 2003.

 

Resultados e discussão

Considerando as ressalvas feitas acima quanto aos limites metodológicos que uma pesquisa calcada em dados obtidos de bases eletrônicas pode conter, apresentam-se a seguir os resultados, acompanhados da discussão, com o objetivo de facilitar a leitura.

Tipo e fonte de publicação

Das 534 referências obtidas nas bases de dados, 78% (N=415) foram de publicações de autores estrangeiros (Es) e 22% (N=119) de nacionais (Nacs). A maioria representada por artigos (86%), seguidos de dissertações e teses (9%) e, finalmente, livros e capítulos de livros (5%). Quando se observaram as publicações separadas, obteve-se a seguinte distribuição: Es - 83% de artigos, 11% de dissertações e teses e 6% de livros e capítulos de livros. Quanto às Nacs foram: 78% de artigos, 19% de teses e dissertações e 3% de livros e capítulos de livros.

A proporção significantemente maior de artigos, nas duas realidades (p<0,001 para ambas), é compatível com o que se espera atualmente de uma área do conhe-cimento em que "o periódico científico é visto como um meio natural de disseminação e escoamento da produção científica" (Sampaio, Sabadini & Linguanotto, 2002, p. 186). No entanto, é necessário lembrar que as bases de dados, mesmo antes das versões eletrônicas como, por exemplo, o Psychological Abstracts e, hoje, PsycINFO, foram originalmente concebidas para a veiculação do conteúdo de periódicos e, apenas posteriormente, e mesmo assim em apenas alguns casos, admitida a indexação de outros tipos de produção. Com isso, as pesquisas que têm bases de dados eletrônicas como referência, tendem a evidenciar um perfil em que predominam artigos, em detrimento dos outros tipos de suporte.

Os artigos estavam distribuídos por 129 perió-dicos, dos quais 22% eram brasileiros e os demais provenientes de vários países, dentre os quais se destacam os Estados Unidos. Em relação à freqüência de artigos por periódicos, variou entre um e 48 artigos dentre os Es e de um a 20 dentre os Nacs. A Tabela 1 apresenta os dez periódicos com maior número de publicações nas duas amostras.

 

 

Os dez periódicos Es com maior produção pu-blicaram 205 artigos, o que corresponde a 56% do total de artigos Es. Enquanto os dez Nacs publicaram 69 ar-tigos, ou 74% dos artigos nacionais. A maior concentração, neste último caso, deve-se, naturalmente, ao número proporcionalmente menor de periódicos brasileiros. Vale destacar que o International Journal of Short-Term Psychotherapy (48 referências), passou recentemente a ser chamado de International Journal of Intensive Short-Term Dynamic Psychotherapy (IJISTP) (24 referências), e se constitui no único periódico exclusivamente dedicado às psicoterapias breves. Neste sentido, à produção do primeiro periódico deve-se somar a do terceiro, o que resulta em 72 referências. Trata-se de publicação da John Wiley and Sons, de difícil acesso aos brasileiros pelo fato de não fazer parte do acervo de nenhuma biblioteca nacional. Ademais, grande parte dos artigos ali encontrados é de interesse limitado para a maioria dos profissionais, uma vez que veicula artigos de autores ligados a Habib Davanloo, que desenvolveu a técnica da Psicoterapia Dinâmica Intensiva Breve (Davanloo, 1992), conforme indicado no título do periódico. Esta técnica, de difícil manejo, requer treinamento específico do terapeuta para sua adequada aplicação. Excetuando o IJISTP, o restante dos trabalhos sobre as PB é veiculado em periódicos gerais, tanto da área médica quanto da psicologia. Há também alguns com foco relativamente específico, como é o caso do Psychotherapy and Psychosomatics, que aparece em segundo lugar, com 35 artigos.

Quanto aos periódicos nacionais, observa-se que o Jornal Brasileiro de Psiquiatria é o que veiculou maior número de artigos (N=20), sugerindo o interesse da psiquiatria brasileira pelas PB. A este respeito cabe assi-nalar que esta modalidade psicoterapêutica surgiu no contexto hospitalar no período que sucedeu à Segunda Guerra Mundial e segue sendo praticada e pesquisada por psiquiatras, na maioria dos países. Em segundo lugar, aparece a revista Estudos de Psicologia (PUC-Campinas) (N=10) que veiculou, no período pesquisado, especialmente trabalhos da docente Elisa M. P. Yoshida, alguns deles realizados em conjunto com orientandos ou membros do seu grupo de pesquisa. Esta prática, de publicar trabalhos de docentes da própria IES, muito freqüente nos anos 80 e 90, vem sendo rapidamente abandonada pelos editores atuais, por caracterizar endogenia e, portanto, comprometer a avaliação do periódico. É razoável, então, supor que levantamentos futuros da produção deverão indicar novo perfil deste e de outros periódicos nacionais, no que concerne a esta variável.

Em terceiro e quinto lugares aparecem duas revistas de divulgação científica, respectivamente, Insight Psicoterapia (N=8) e Viver Psicologia (N=5), ambas indexadas na INDEXPSI. Somadas as produções, correspondem a 13% dos artigos e 11% da produção nacional total. Esta característica contrasta visivelmente com a qualidade da produção estrangeira, em que apenas periódicos cientí-ficos foram identificados. A diferença deve-se ao fato da Indexpsi ser uma base de dados que se propõe a reunir as publicações nacionais da psicologia, sem se ater a critérios científicos. Atualmente, no Brasil apenas a SciELO atende aos critérios internacionais de indexação científica compatíveis com as demais bases pesquisadas, todavia deve ser mencionado que, quando foi feito o levantamento dos dados, obteve-se com os verbetes selecionados para a pesquisa apenas uma referência, que também constava da Indexpsi, ou seja, o artigo de Cunha e Azevedo (2001). E nesta medida, optou-se por restringir a busca apenas à Indexpsi, mesmo com a desvantagem das diferenças de critério.

Quanto às dissertações e teses, elas refletem o interesse de jovens pesquisadores pelo tema estudado, e neste sentido é positivo que cerca de 11% da produção Es. e 19% da Nac. sejam representados por este tipo de produção. No entanto, há que se destacar que, especial-mente no caso das estrangeiras, este índice sem dúvida subestima a produção real, já que nas bases pesquisadas aparecem predominantemente as americanas. No caso do Brasil, a existência de uma base de dados específica para este tipo de produção é especialmente relevante, pois as dissertações e teses não chegam, muitas vezes, a ser publicadas, e correspondem muitas vezes à única produção do pesquisador. A criação do Banco de Teses pela CAPES (www.capes.gov.br), que indexa produções acadêmicas datadas de 1997 até os dias atuais, responde a essa demanda. No que concerne aos livros e capítulos de livros, são em sua maioria voltados para a exposição e discussão de aspectos teóricos e técnicos, muitos deles manuais para fins didáticos, sendo, portanto, razoável que representem apenas um pequeno contingente da produção em psicoterapias breves, tanto estrangeira quanto nacional.

Autores e modelo teórico adotado

Quanto ao número de autores, foram 687 e, deste total, 80% são estrangeiros e 20% brasileiros, com médias de referências por autor, respectivamente, de: 0,75 (DP=2,12) e 0,87 (DP=1,08). O test-t para amostras independentes indicou diferença não significante entre as médias (t=0,666, gl=685), sugerindo que, quanto à média de produtividade, os autores nacionais não se diferenciam dos estrangeiros. Entre os estrangeiros, a dispersão vai de 1 a 20, enquanto para os nacionais, de 1 até 10, mas nos dois casos há um alto percentual de autores com apenas uma referência no período estudado: 72% entre os estrangeiros e 79% entre os nacionais.

Hans H. Strupp, da Universidade Vanderbilt, é o autor com maior número de referências (N=20), seguido por Per Hoglend, da Universidade de Oslo (N=17). Strupp tem maior produção no final dos anos 80 e início dos anos 90, quando as pesquisas em torno da eficácia das psicoterapias tornaram-se muito numerosas (Binder, Henry & Strupp, 1987). Neste cenário ganharam destaque as pesquisas sobre as técnicas "manualizadas", como é o caso da Terapia Dinâmica de Tempo Limitado, desenvolvida por ele em conjunto com Jeffrey Binder (que neste levantamento aparece como autor e/ou co-autor de 10 trabalhos) (Strupp & Binder, 1984), além da colaboração de W. P. Henry (11 referências). Quanto a Hoglend, da Universidade de Oslo, desenvolve atualmente pesquisas em torno de interpretações transferenciais em psicoterapias dinâmicas breves, tempo de tratamento necessário para mudanças caracterológicas limitadas e critérios de seleção para este tipo de tratamento (Hoglend, 2003). Pela relevância de suas pesquisas, recebeu, há alguns anos atrás, o Early Career Award da Society for Psychotherapy Research, conforme informação dos editores contida no v. 13, no 3, p. 271, do Journal of the Society for Psychotherapy Research. Outros pesquisadores de seu grupo são: Heyerdahl, Sorbye (cinco referências cada) e Sorlie (três referências), entre outros. Em conjunto, eles dão continuidade à tradição de pesquisas sobre as psicoterapias breves iniciada nos anos 80 na Noruega sob a influência de Sifneos e Malan, que lá estiveram participando de simpósios e cursos para terapeutas (Hoglend, 2003). Naquela ocasião, o grupo de pesquisadores da Universidade de Oslo era liderado por Husby, que no levantamento realizado conta com cinco referências. Efetivamente, a contribuição da Noruega, especialmente com pesquisas sobre a eficiência das psicoterapias breves, é amplamente reconhecida (Yoshida & cols., 1995).

Empatados em terceiro lugar dentre os autores estrangeiros, aparecem, com 12 referências cada, Mardi J. Horowitz e Tewifk Said. Horowitz (Horowitz e cols., 1984) é líder de grupo de pesquisa da Universidade da Califórnia e desenvolveu a Terapia Dinâmica Breve para a Síndrome de Resposta ao Stress, tendo recentemente publicado um livro em que enfatiza a importância da formulação de casos e a abordagem integrativa para distúrbios causados por eventos estressores de vida, tais como: perdas, traumas e terror (Horowitz, 2003). Quanto a Tewifk Said, do Hospital Geral de Montreal, é atualmente o principal divulgador da Psicoterapia Dinâmica Breve Intensiva, desenvolvida por Davanloo.

No que concerne ao modelo teórico da psicote-rapia que praticam, Strupp, Binder e Henry reconhecem claramente a influência das idéias de Sullivan sobre as suas, e adotam como foco dos atendimentos o padrão mal-adaptativo cíclico, ou CMP do inglês Cyclical Maladaptive Pattern (Binder, Henry & Strupp, 1987; Strupp & Binder, 1984). No caso dos noruegueses Hoglend, Heyerdahl e Sorbye, ainda persiste a influência de Sifneos quanto à técnica de terapia breve adotada (veja por ex.: Hoglend, 1996, 2003; Hoglend, Heyerdahl, Amlo & Engelstad, 1993), e, no caso de Said, do Canadá, a principal fonte de influência é naturalmente, Davanloo (veja por ex. Said, 1996). Quanto a Horowitz, defende uma abordagem in-tegrativa de psicoterapia em que à pesquisa clínica se soma uma tentativa de síntese teórica de diferentes vertentes psicanalíticas e cognitivistas (Horowitz, 2003).

Dentre os autores brasileiros, aparece, com dez referências, Elisa M. P. Yoshida da PUC-Campinas, seguida por Vera Lemgruber, da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (cinco referências) e Maria Leonor E. Enéas, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com qua-tro referências. Yoshida e Enéas fazem parte do grupo de pesquisa do Diretório de Pesquisa do CNPq, "Psicoterapia Breve Psicodinâmica: avaliação de mudança e instrumentos de medida", e têm trabalhos em co-autoria (por ex.: Yoshida & Enéas, 2004a). Quanto a Lemgruber, além de vários artigos, é autora de quatro livros sobre psico-terapia breve (Lemgruber, 1984, 1995, 1997, 2000), estando atualmente à frente do Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para o Ensino e Pesquisa em Psicoterapia do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (Lemgruber, Junqueira, Stingel & Agostini, 2004). A seguir, com três referências cada, aparecem: Aristides V. Cordioli e Claudio L. Eizirik, ambos da UFRGS; Liliana A. M. Guimarães da UNICAMP e Ryad Simon da USP. Yoshida e Enéas (2004b), Lemgruber (Lemgruber, Junqueira, Stingel & Agostini, 2004), Guimarães (Guima-rães, Domingues & Thebaldi, 1990) e Simon (1989, 1996) defendem técnicas que podem ser consideradas integra-tivas, uma vez que ao enfoque psicodinâmico "combinam aspectos teóricos e/ou técnicos de outras abordagens" (Yoshida, 2004, p. 22). Os autores gaúchos, Cordioli (1993) e Eizirik, estariam mais alinhados com a psicanálise propriamente dita e de acordo com o modelo das rela-ções objetais (veja por ex.: Eizirik, Aguiar & Schestatsky, 1989; Eizirik & Gauer, 1993).

Antes de passar para outro tópico, vale destacar que importantes autores das psicoterapias breves psico-dinâmicas não apareceram neste levantamento com nú-mero expressivo de referências não porque não tenham produção em periódicos indexados, mas provavelmente em razão da nomenclatura que utilizam para designar suas técnicas de psicoterapia. Este, por exemplo, é o caso de Lester Luborsky (seis referências) e Paul Crits-Christoph (nove referências), que desenvolveram o Método do Tema Central de Relacionamento Conflituoso, CCRT (Luborsky & Crits-Christoph, 1990, 1998). Como utilizam mais freqüentemente a designação "psicoterapia psicodinâmica" para se referir à sua técnica, sem distinguir situações breves das de longo prazo, grande parte de suas produções não chegou a ser acessada pelos verbetes utilizados nesta pesquisa. Na verdade, ao lado de Strupp e Binder, estes pesquisadores são atualmente os mais influentes em todo o campo das psicoterapias psicodinâmicas. Uma visão sucinta das idéias e da produção desses autores pode ser encontrada em Rocha (2004).

Tipo de autoria

Tem sido cada vez mais valorizada a realização de pesquisas envolvendo grupos de pesquisadores, in-clusive de diferentes instituições e centros de pesquisas. Basicamente, a idéia é a de que o esforço comum pode imprimir um ritmo mais acelerado à produção, garantir maior volume de dados, além de favorecer a socialização do conhecimento. Neste sentido, a co-autoria tem sido considerada um dos itens relevantes no processo de análise da produção científica de uma área. Esta tendência é mais evidente nas "ciências duras", onde o trabalho em equipes, inclusive multidisciplinares, tem maior tradição. Nas ciências humanas e biológicas, observa-se que esta tendência começa a ganhar espaço, ainda que incipiente em algumas subáreas.

No caso específico da produção sobre as PB, predominou nas últimas duas décadas a autoria única (55% do total), percentual ainda mais alto (71%) na amostra nacional do que na estrangeira (51%). Em segundo lugar, vieram as autorias múltiplas (= 3) (28% da amostra total e 32% da estrangeira); ficando a autoria dupla em último lugar do total (16%) e em segundo na amostra nacional (15%), ainda que neste último caso, num percentual próximo do das autorias múltiplas (13%). Ou seja, a tendência para a autoria múltipla parece estar crescendo também entre os autores brasileiros, e deverá se consolidar com a implementação do Diretório de Pesquisas do CNPq, que vem contribuindo para a modificação da face da pesquisa no Brasil, na medida que a ênfase é colocada no grupo de pesquisa e não no pesquisador.

Distribuição da produção ao longo do período pesquisado

Quando se compara a produção da década de 90 com a de 80 (Figura 1), verifica-se que 61% situa-se nos anos 90, com modas em 1991, 1993 e 1999. Quanto à média geral, até 2000, foi em torno de 24 trabalhos/ano, mas na década de 80 foram 15 trabalhos/ano, enquanto nos anos 90 saltou para 32 trabalhos/ano. O incre-mento significante da produção na última década pode ser reflexo da contínua expansão das bases de dados, com o cadastramento de novos periódicos, fenômeno especialmente significante nos anos 90 com a expansão da internet. Com isto, não se pode falar propriamente que teria havido apenas aumento de interesse pelo tema, mas a maior visibilidade da produção existente. Esta observação é especialmente relevante para a produção brasileira, em que só no final dos anos 90 foram implementadas as primeiras bases de dados como o SciELO, Indexpsi e Teses Brasileiras.

 

 

No que diz respeito ao volume de trabalhos do início desta década (2000 a 2003), a proporção é de 17 trabalhos/ano, com maior número de referências em 2000 (N=23), bem inferior a 1999. Para se compreender melhor esta diferença, há que se aguardar ainda mais algum tempo para se saber se há efetivamente um decréscimo de produção na área, indicando, portanto, um "esgotamento" do interesse pelo tema, ou se se trata de um período em que novos projetos de pesquisa encontram-se em andamento, e seus resultados só aparecerão decorrido algum tempo.

Idioma de publicação e países

Para a avaliação adequada dos idiomas predo-minantemente usados, foi necessário separar a produção das bases estrangeiras das nacionais. Do contrário, o português apareceria naturalmente hiperinflacionado em decorrência do critério adotado para a coleta de dados - consulta a várias bases de dados brasileiras - e não por sua representatividade no panorama internacional.

Excluindo-se, portanto, os trabalhos das bases nacionais (Indexpsi e Teses Brasileiras) (N=113), predomi-naram aqueles em inglês (90%), seguidos dos em alemão (5%), espanhol (2%) e português (1%). Quanto ao inglês, é o idioma oficial das ciências e, então, adotado por periódicos de diferentes países, mesmo quando este não é seu idioma. Dentre as referências em inglês, apenas duas eram de autores brasileiros. São elas: Eizirik e cols. (1991) e Blay e cols. (2002). Em ambos os casos, traba-lhos de grupos de psiquiatras. O primeiro da UFRGS e o segundo da UNIFESP. O alemão é o idioma adotado por alguns periódicos da Alemanha, Áustria e Suíça que veiculam predominantemente trabalhos de pesquisadores europeus. Quanto ao espanhol, além da Espanha, é o idioma de vários países latino-americanos, dentre os quais se destaca o Chile como produtor na área das psicoterapias breves (Ferreira, 2002). As referências em português são de autores brasileiros, o que é um indicador alentador, quando se considera que ele também é o idioma oficial de outros países. No entanto, em termos absolutos, a presença brasileira no período foi incipiente, limitada a artigos de revistas médicas - Jornal Brasileiro de Psiquiatria (JBP) (N=3) e Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (N=1).

A ausência de artigos em periódicos de psicologia pode ser possivelmente explicada pelo fato de só muito recentemente ter surgido a preocupação com a inde-xação nas bases de dados internacionais pelos editores desta área. Para isso, tem contribuído enormemente a Avaliação dos Periódicos Brasileiros da Área de Psicologia, promovida pela CAPES-ANPEPP, e cuja versão pioneira cobriu o período 1996-1998 (http://www.anpepp.org.br). Desde então, observa-se um incremento da qualidade das publicações da psicologia e a busca por maior visibilidade da produção.

Faixa etária da população-alvo e modalidade de atendimento

Como ocorreu com a psicanálise, as psicote-rapias breves foram inicialmente desenvolvidas para pacientes adultos e só posteriormente expandidas para as demais faixas etárias. Como conseqüência, observa-se tanto nos trabalhos teóricos quanto nos de pesquisas que a população adulta continua o principal alvo, mesmo em épocas mais recentes, como o período de tempo pesquisado. Na amostra, ela correspondeu a 86% do total, dos quais 91% tratava-se de aplicações ou indicações de terapias individuais e apenas 9% de terapias de grupo. Em segundo lugar, apareceram as crianças e/ou seus pais (9%) como população-alvo. Destes, 92% eram de trabalhos sobre atendimentos individuais da criança e os demais de atendimentos em grupo de crianças e/ou pais.

Apesar das pesquisas apontarem que as crianças constituem a maioria dos pacientes que buscam atendi-mento psicológico em instituições tais como, por exemplo, as clínicas-escola (Oliveira, 1999), há efetivamente poucos pesquisadores trabalhando com esta faixa etária e, por conseguinte, escassa literatura pertinente. Esta escassez contrasta com o que se observa na prática clínica com crianças, em que a curta duração das psicoterapias constitui antes a regra do que a exceção, uma vez que nesta faixa etária as mudanças ocorrem muito rapidamente em razão de suas características de desenvolvimento específicas. Dito de outra forma, na prática clínica infantil as psicoterapias breves constituem a modalidade de atendimento by default e não por planejamento, conforme o sugerem Messer e Warren (1995, p. 284).

De forma semelhante, o reduzido número de trabalhos voltados para as psicoterapias breves de ado-lescentes (3%) reflete o pouco interesse dos pesquisa-dores por esta faixa etária, a despeito da importância que ela tem para a saúde mental do adulto. Dentre eles, cerca de 25% corresponderam a atendimentos em grupo, um percentual mais elevado se comparado aos adultos e crianças, em que os atendimentos grupais perfizeram respectivamente 9% e 8% do total. E isso se deve provavelmente ao fato de o adolescente aderir mais facilmente a grupos do que aos tratamentos indi-viduais em virtude de suas características de desenvol-vimento. Finalmente, as terapias breves com idosos apareceram apenas em 2% das referências, todas elas individuais, voltadas usualmente para temas relacionados a episódios depressivos (por ex., Gaston, Marmar, Thompson & Gallagher, 1988) ou discussões sobre vivências relacionadas à proximidade com a morte (por ex., Gorsuch, 1998). Observa-se, portanto, a ausência de terapias breves em grupo voltadas para a discussão de temas referentes à saúde e à qualidade de vida, tão necessárias nos dias de hoje, em que a longevidade já deixou de significar, necessariamente, doença e morte.

 

Conclusões

O levantamento dos trabalhos sobre as psicoterapias breves psicodinâmicas, nos últimos 24 anos, permitiu traçar o perfil da produção científica da área. Como era esperado, a produção estrangeira foi quantitativamente superior no que se diz respeito ao volume de referências, periódicos científicos e autores. No entanto, a produção nacional mostrou-se relativa-mente equiparada em aspectos tais como: média de referência por autor, predomínio de autoria única e adoção de técnicas de psicoterapias integrativas, em que influências de outras abordagens, que não a psicodinâmica, são identificadas. Deve-se destacar ainda que grande parte da produção, nacional e estrangeira, foi veiculada em periódicos científicos da área da psiquiatria, com predomínio de trabalhos voltados para as psicoterapias breves de adultos. Esta tradição se reporta às origens desta modalidade terapêutica, iniciada nos anos 50, como resposta à busca crescente por atendimentos psicoterápicos em clínicas e serviços de psiquiatria, na Europa e Estados Unidos (Hoyt, 2003).

Quanto aos atendimentos de crianças e adoles-centes, apesar de serem tradicionalmente feitos por psicólogos, não têm sido usualmente acompanhados de investigação empírica. Há portanto, aí, um nicho promissor para a pesquisa e a produção científica da psicologia, que conta, no momento, com um número crescente de periódicos indexados em bases internacionais, diferentemente do verificado nas duas décadas passadas. Em relação aos idosos, considera-se que as PB são de fato a modalidade de intervenção psicológica mais adequada a esta fase do desenvolvimento, pois a ênfase recai nos aspectos de interação do sujeito com os outros e com o ambiente externo, e não nos conflitos estruturais de personalidade, cuja exploração pode expor o paciente a riscos de regressão e desestruturação indesejados (Messer, 2001). A grande lacuna observada quanto às produções de PB nesta etapa, assim como na infância e adolescência, sugere, portanto, a necessidade urgente de concentração de esforços nessas faixas etárias. As modalidades individual e em grupo devem ser exploradas, de forma que as indicações e contra-indicações se pautem em evidências empíricas, e não apenas em pressupostos teóricos, muitas vezes desenvolvidos em contextos socioculturais distintos dos observados na prática clínica. E neste campo, os psicólogos têm muito a contribuir, seja com propostas de intervenções específicas, seja com pesquisas bem fundamentadas, publicadas em periódicos indexados, para que tenham o devido impacto sobre o conhe-cimento construído na área.

 

Referências

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Recebido em outubro de 2004
Reformulado em maio de 2005
Aprovado em junho de 2005

 

 

1 Endereço para correspondência: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Psicologia - Av. John Boyd Dunlop, s/n - Jd. Ipaussurama - 13012-970 - Campinas-SP - E-mail: eyoshida@terra.com.br

Sobre os autores:

* Elisa Medici Pizão Yoshida é psicóloga, mestre e doutora em Psicologia Clínica pela USP, com pós-doutorado na Universidade de Montreal, e professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Campinas.
** Tales Vilela Santeiro é psicólogo clínico, mestre em Psicologia Clínica e doutor em Psicologia pela PUC-Campinas, e professor do Curso de Psicologia da Universidade de Franca.
*** Fabíola Ribeiro de Moraes Santeiro é psicóloga clínica e atua no Colégio Alto Padrão Objetivo, de Franca.
**** Glaucia Mitsuko Ataka da Rocha é psicóloga, mestre em Psicologia Clínica, doutoranda em Psicologia pela PUC-Campinas e bolsista do CNPq.