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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.12 n.1 Campinas jun. 2008

 

SUGESTÕES PRÁTICAS

 

O desenvolvimento da leitura no ensino básico

 

The development of the reading in the Basic School

 

 

Maria Aparecida Mezzalira Gomes *

 

 

Para atingir a leitura fluente são necessários diversos estágios de desenvolvimento no processamento da leitura, descritos por Sternberg e Grigorenko (2003). No início da aprendizagem da leitura o reconhecimento da palavra dá-se por pista visual, seguida pela consciência alfabética. Depois, ocorre o reconhecimento da palavra por pista fonética; a seguir esse reconhecimento torna-se controlado e, finalmente, isto passa a ocorrer de modo praticamente automático. Vencidas essas etapas o leitor aprende grande número de estratégias cognitivas e metacognitivas. A leitura torna-se fluente e o processo culmina com a possibilidade de leitura altamente proficiente. Em cada uma dessas fases, um tipo de conhecimento lingüístico e textual é necessário e a falta desses conhecimentos específicos reduz a motivação, os níveis de prática e as expectativas do aprendiz. As dificuldades não superadas produzem comportamentos compensatórios, porém insuficientes para que se atinja a compreensão e a proficiência em leitura.

O primeiro cuidado, portanto, do trabalho psicoeducacional é o de observar a evolução do processo de leitura desde quando a criança faz-de-conta que lê, ou tenta "adivinhar" palavras escritas em objetos, outdoors e materiais impressos. É quando ocorre o início do reconhecimento de palavras. No entanto, a criança já percebe a diversidade de textos e muitos dos usos sociais da leitura. As primeiras tentativas e experiências com a escrita freqüentemente antecedem o período de escolarização obrigatória. Porém, quando o ensino da leitura passa a ser formal podem-se identificar as primeiras dificuldades.

A realização de diagnósticos e procedimentos de intervenção adequados a cada etapa do desenvolvimento da leitura permitirá que o aprendiz progrida no processo não-linear, porém gradativo, de ler com compreensão, sem que seja rotulado. Por outro lado, não atentar para as possíveis dificuldades no percurso pode significar o comprometimento de uma trajetória que tem tudo para ser bem sucedida. Nesse sentido, um dos recursos será resgatar o ensino explícito de algumas habilidades básicas da leitura, ainda no início do processo de escolarização, sem que se perca de vista a sua função social nem a interação leitor/ texto/autor, que se estabelece no ato de ler.

A necessidade de uma intervenção precoce, no caso de dificuldades nesse processo de aprendizagem, torna-se mais evidente quando estudos mostram que o desempenho dos estudantes nas séries iniciais é um fator altamente preditivo do seu desempenho ulterior. Por outro lado, estudos remediativos têm obtido êxito duradouro e sem seqüelas de modo que intervenções cedo justificam o esforço e o investimento necessários para implementá-los (Spira, Bracken & Fischel, 2005). A superação é, portanto, possível.

A visão da compreensão leitora como um processo complexo de representação mental, que envolve raciocínio e não apenas memória, exige mais do que o estímulo sensorial e um esforço de ensinar a decodificação/codificação. Isto é verdadeiro desde o início do seu aprendizado. Ler é um processo de construção de significados e depende dos objetivos do leitor, das suas expectativas, das experiências e vivências anteriores, entre outros fatores.

Os conhecimentos prévios necessários se referem não apenas aos processos grafofônicos, à estrutura e aos usos sociais dos diferentes tipos de texto do sistema lingüístico e de seu funcionamento, mas, sobretudo, ao conhecimento de mundo.

Isto porque são três, os níveis de interpretação de um texto. No primeiro, são representadas as palavras, bem como as relações sintáticas e semânticas entre elas, o que corresponde às estruturas de superfície. No segundo, é representado o significado, num conjunto de proposições interligadas que constituem a microestrutura, ou base do texto. Esse nível comporta ainda a macroestrutura, diferente num texto narrativo, informativo, argumentativo, poético ou outros. O terceiro nível de representação do texto, e de maior nível de complexidade na compreensão e interpretação é relativo às situações a que ele se refere. Trata-se de uma representação que não se reporta à estrutura lingüística, mas sim aos aspectos de mundo descritos no texto.

Durante o processamento textual, em situação de escuta ou de leitura a representação mental do texto (representação textual) é ativada na memória episódica. Esta representação depende das experiências e dos modelos textuais construídos anteriormente. Permanecer ao nível das palavras, durante a leitura pode significar o descarte de uma compreensão leitora mais profunda, que ocorre no nível das micro e das macroproposições do texto e, sobretudo, da situação de interlocução que gerou a sua produção. Por outro lado, a apreensão das diferentes estruturas dos textos circulantes no espaço social é gradativa.

O trabalho psicoeducacional deve, portanto, envolver a coordenação de múltiplos fatores: os objetivos visados pela leitura, as circunstâncias em que esta ocorre e as características pessoais do leitor. As particularidades do texto, as intenções do autor e a intertextualidade também devem ser consideradas. Na verdade, o significado que o leitor elabora não provém apenas do texto escrito, mas integra a nova informação oferecida pelo autor e as experiências prévias do leitor. O leitor necessita, pois, de conhecimentos lingüísticos, discursivos e psicossociais para uma compreensão proficiente. Ainda que a aprendizagem da leitura ocorra em aulas de Língua Portuguesa, os professores de todas as disciplinas deverão contribuir para o desenvolvimento da compreensão leitora.

Uma das sugestões práticas para o ensino, prevenção ou remediação da compreensão leitora é a de que a aprendizagem da leitura, desde a Educação Infantil ocorra principalmente por meio de textos verdadeiros e significativos. A seleção dos materiais deve levar em conta as necessidades e interesses dos alunos e contemplar a diversidade textual presente nos diferentes eventos da vida em sociedade em atividades sociais significativas e compartilhadas. As sessões de intervenção, mesmo individuais, devem ocorrer em contextos significativos e a avaliação deverá ser processual e contínua.

O melhor teste de compreensão é, depois da leitura de um texto, conversar sobre a atividade com o estudante. Se não houve a compreensão, dificilmente ele será capaz de encontrar sem ajuda o sentido do texto, o que pode ocorrer pela falta de conhecimentos anteriores - temáticos ou metatextuais. Para aumentar a base de conhecimento prévio, necessário para a compreensão na leitura, pode-se trabalhar com filmes, debates, textos ilustrados acessíveis e interessantes (Walraven & Reitsma, 1992).

Outra sugestão diz respeito ao desenvolvimento da leitura estratégica. A aprendizagem de estratégias pode ocorrer logo após o reconhecimento de palavras. Uma das primeiras estratégias metacognitivas a ser desenvolvida é a que permite ao leitor ajustar a velocidade da leitura à dificuldade do texto (Sternberg & Grigorenko, 2003).

Diversos estudos e pesquisas têm constatado que os leitores proficientes utilizam diferentes estratégias para compreender e interpretar textos, assim como para monitorar a compreensão ao contrário de leitores que apresentam dificuldades. No entanto, conhecer as estratégias não é suficiente; é preciso utilizá-las conscientemente (Baumann, Jones, & Seifert-Kessel, 1996). A metacognição pode ser considerada como um fator preditivo da compreensão leitora; inclui a capacidade de planejar, avaliar, utilizar estratégias, de auto-regular a leitura. A compreensão monitorada pode ser incrementada ao longo da escolaridade elementar e média (Koli?-Vehovec & Bajšanski, 2003).

Dessa forma, a leitura estratégica reflete uma interação favorável entre conhecimento metacognitivo, a instrução em estratégias, a prática e fatores motivacionais (Dembo, 2000; Gomes, 2008). As estratégias são procedimentos, capacidades, atitudes ou processos mentais que se desenvolvem com o exercício. Podem ser aprendidas; pressupõem uma orientação finalística para um objetivo ou meta identificável e, portanto, podem ser ensinadas (Boruchovitch, 2004).

A estrutura básica do processo de intervenção para o ensino de estratégias inclui a demonstração, o ensino explícito ou direto e outros processos instrucionais, utilizados pelo educador, seguidos de atividades compartilhadas. Gradualmente a responsabilidade é atribuída ao aluno por meio da prática orientada, à qual se segue a aplicação, de responsabilidade exclusiva do aluno. O dinamismo do esquema pode ser exemplificado pela retomada de controle por parte do educador, quando necessário, para suprir carências ou contornar incompreensões e desajustamentos, e por nova transferência de responsabilidade ao aluno, sempre que possível.

Dembo (2000) enfatiza algumas estratégias básicas de compreensão leitora, tais como formular previsões e questionamentos sobre o texto, identificar informações relevantes, fazer inferências, detectar inconsistências e esclarecer dúvidas, elaborar paráfrases, identificar a idéia principal, resumi-lo, elaborar uma representação visual ou gráfica. As estratégias podem ser trabalhadas individualmente ou de forma combinada, nas sessões de intervenção psicoeducacionais. O apoio motivacional e as crenças de auto-eficácia são muito importantes e não podem ser esquecidos.

 

Referências

Baumann, J. F., Jones, L. A., & Seifert-Kessel, N. (1993). Monitoring Reading Comprehension by Thinking Aloud. Instructional Resource, (vol.1. Ed 360-612, 26 p.).

Boruchovitch, E. (2004). A auto-regulação da aprendizagem e a escolarização inicial. Em E. Boruchovitch, & J. A. Bzuneck (Orgs.), Aprendizagem - Processos psicológicos e o contexto social na escola (pp. 55-88). Petrópolis: Vozes.

Dembo, M. H. (2000). Motivation and learning strategies for college success - a self management approach. London: LEA.

Gomes, M. A. M. (2008). Compreensão auto-regulada em leitura: procedimentos de intervenção. Tese de Doutorado, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo.

Koli?-Vehovec, S., & Bajšanski, I. (2003). Children's metacognition as predictor of reading comprehension. Em G. Shiel & U. Ni Dhalaigh (Eds.), Other ways of seeing: Diversity in language and literacy, (Vol I, pp. 216-222). Dublin: Reading Association of Ireland.

Spira, E. G., Bracken, S. S., & Fischel, J. E. (2005). Predicting Improvement After First-Grade Reading Difficulties: The Effects of Oral Language, Emergent Literacy, and Behavior Skills. American Psychological Association, 41(1), 225-234.

Sternberg, R. J., & Grigorenko, E. L. (2003). Crianças rotuladas - o que é necessário saber sobre as dificuldades de aprendizagem. (M. F. Lopes, Trad.) Porto Alegre: Artmed.

Walraven, M., & Reitsma, P. (1992, December). Activating prior knowledge as a process-oriented strategy. Paper presented at the Annual Meeteng of the Nacional Reading Conference San Antonio, TX.

 

 

Sobre a autora:

* Maria Aparecida Mezzalira Gomes (cidgom@uol.com.br) Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, Área de Concentração Desenvolvimento Humano e Educação. Docente da Pós Graduação em Psicopedagogia do Centro Universitário de Barra Mansa, SOBEU / RJ, da Escola Superior de Educação Física de Jundiaí e do Centro Universitário Padre Anchieta.