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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.45 São Paulo dez. 2017

https://doi.org/10.5935/2175-3520.20170020 

COMPARTILHANDO

 

Programa mais educação: revisão de literatura1

 

More education program: literature review

 

Programa más educación: revisión de la literatura

 

 

Patrícia dos Santos PessoaI; Carolina Ferreira Barros KlumppII; Janaína da Silva Gonçalves FernandesIII; Márcia Siqueira de AndradeIV

IORCID: 0000-0003-0718-8897. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educacional, Centro Universitário FIEO-UNIFIEO
IIORCID: 0000-0001-5578-2044. Centro Universitário FIEO-UNIFIEO
IIIORCID: 0000-0001-6621-9185. Centro Universitário FIEO-UNIFIEO
IVORCID: 0000-0002-0998-0143. Professoras do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Educacional, Centro Universitário FIEO-UNIFIEO. cabarros1@hotmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão de literatura sobre Educação Integral no Brasil no âmbito do Programa Mais Educação (PME). O PME surgiu como política pública implantada pelo Governo Federal para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação Integral. Foram localizados oito artigos sobre o PME, publicados entre 2007/2015. Realizou-se Análise de Conteúdo, focalizando-se: aspectos históricos, ideológicos e políticos da Educação Integral e principais benefícios e desafios do PME. Dentre os benefícios foram identificados a formação integral e a melhoria do processo ensino-aprendizagem. As dificuldades apontadas referem-se à estrutura física das escolas e à política assistencialista do PME. Conclui-se pela necessidade da ampliação da produção científica sobre o PME enquanto política indutora da Educação Integral.

Palavras-chave: análise de conteúdo, aprendizagem, mais educação, período integral, revisão de literatura


ABSTRACT

The aim of this study was a literature review of Comprehensive Education in Brazil inserted into the More Education Program (PME). The PME emerged as a public policy implemented by the Federal Government to induce the extension of the school day and curriculum organization from the perspective of Comprehensive Education. The literature review included articles on CAPES Portal from 2007 to 2015. Content Analysis was also carried through with focus on the historical, ideological and political aspects of comprehensive education, and also on the main advantages and challenges of PME. Among the advantages, comprehensive training and improvement of learning process were identified. The difficulties pointed out concern the precariousness of the physical structure of schools and the program welfarist policy. We concluded that there is a need to expand the scientific production on the PME as policy that leads to Comprehensive Education.

Keywords: content analysis, learning, more education, school day, literature review


RESUMEN

El objetivo de este estudio es hacer una revisión de la literatura sobre la Educación Integral en Brasil en el marco del Programa Más Educación (PME). El PME ha surgido como una política pública implementada por el Gobierno Federal para inducir la expansión de la jornada escolar y la organización del currículo desde la perspectiva de la Educación Integral. Se encontrarón ocho artículos sobre el PME, publicados entre 2007/2015. Se ha realizado el análisis del contenido focalizando los aspectos históricos, ideológicos y políticos de la educación integral y principales beneficios y desafíos de la PME. Dentre los benefícios se identificaron: la formación integral y la mejoria de la enseñanza y aprendizaje. Las dificultades identificadas se relacionaron com la estructura física de las escuelas y la política asistencialista del PME. Se concluye por la necesidad de expansión de la literatura científica sobre PME como política de inducción de la Educación Integral.

Palabras clave: análisis de contenido, aprendizaje, Más educación, tiempo integral, revisión de la literatura


 

 

O Programa Mais Educação (PME) surge como política pública implantada pelo Governo Federal, instituído pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto 7.083/10, constituindo-se como estratégia do Ministério da Educação e Cultura (MEC) para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação Integral (Brasil, 2010). Essa ação governamental se coloca como uma opção estratégica aos resultados das avaliações nacionais, as quais têm apontado para insuficiência de aprendizagens das crianças e adolescentes da escola pública. Em resposta, o governo entende que a ampliação de tempos, espaços e oportunidades educativas qualificam o processo educacional e melhoram o aprendizado dos alunos.

Como ideal de uma educação pública e democrática, a proposta de educação integral, presente na legislação educacional brasileira, compreende o ser humano em suas múltiplas dimensões e como ser de direitos. Partindo deste entendimento, a Secretaria de Educação continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) incorporou em seus desafios a promoção da Educação Integral, e, com ela, a perspectiva de ampliar tempos, espaços, atores envolvidos no processo e oportunidades educativos em benefício da melhoria da qualidade da educação dos milhares de alunos brasileiros. Desse ideal constitui-se o Programa Mais Educação como estratégia do governo federal para a promoção da educação integral no Brasil contemporâneo. (Brasil, 2010, p. 5)

Coordenado pela Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC), em parceria com as secretarias estaduais e/ou municipais de Educação, sua operacionalização é feita por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

O PME visa fomentar a ampliação do tempo e do espaço educativo; contribuir para a redução da evasão escolar; oferecer atendimento educacional especializado aos alunos com necessidades educacionais especiais; combater o trabalho infantil, a exploração sexual e outras formas de violência contra os alunos; promover a aproximação entre a escola, famílias e comunidades (Brasil, 2007). Para atingir tais objetivos apoia atividades socioeducativas e culturais, no contraturno escolar, relacionadas a linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas; cultura digital, artísticas, esportivas, de lazer, propondo a abertura das escolas aos finais de semana.

Gerenciado em nível nacional pela Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, o programa tem vários níveis de organização, como a coordenação geral em nível estadual e a gestão do programa nas redes de ensino. Como dispõe a Resolução nº 04/2009, do FNDE (Brasil, 2009), o MEC oferece, no programa, uma ampla gama de atividades, organizadas em dez macrocampos: 1. Acompanhamento pedagógico; 2. Meio ambiente; 3. Esporte e lazer; 4. Direitos humanos em educação; 5. Cultura e artes; 6. Cultura digital; 7. Prevenção e promoção da saúde; 8. Comunicação e uso das mídias; 9. Investigação no campo das ciências da natureza; 10. Educação econômica. Fica a critério de cada escola optar pelas atividades que irá oferecer, distribuídas em, pelo menos, três macrocampos.

As atividades do PME tiveram início em 2008, com a participação de 1.380 escolas, em 55 municípios nos 26 estados e no Distrito Federal, atendendo 386 mil estudantes. Em 2014, estava prevista a adesão de 60.000 escolas em todo o país, atingindo em torno de 7 milhões de estudantes (Brasil, 2010). O Censo Escolar (Brasil, 2014) atesta a significativa ampliação da oferta de matrículas consideradas de tempo integral no período 2007-2013, nesse último ano com 34,7% das escolas públicas oferecendo matrículas em tempo integral.

Análises brasileiras sobre o tema escola de horário integral, especialmente sobre o PME, estão presentes em vários artigos publicados em diversas revistas. Entretanto, essa produção está dispersa no tempo e em diferentes publicações. Diante dessa situação, a abrangência do PME e do tempo transcorrido desde sua implantação, faz-se necessário sistematizar o conhecimento científico produzido sobre o tema, o que pode contribuir para a construção de uma pauta política e pedagógica em favor da Educação Integral. Assim sendo, o presente estudo teve como objetivo principal realizar a revisão da literatura,apresentada sob a forma de artigos publicados em periódicos,sobre o Programa Mais Educação.

A partir da busca de artigos no Portal CAPES Periódicos, utilizando-se os descritores "jornada escolar, ampliação, período integral, horário integral, programa mais educação", foram selecionados os artigos publicados entre 2007 e 2015, disponibilizados na íntegra,cujo foco era o Programa Mais Educação (PME).Os artigos foram analisados por meio da Análise de Conteúdo (Bardin, 2012), identificando-se duas temáticas, a seguir apresentadas.

 

ASPECTOS HISTÓRICOS, IDEOLÓGICOS E POLÍTICOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL

Antecedentes históricos

Pattaro e Machado (2014) destacam que, para a compreensão da proposta de Educação Integral, é importante resgatar o surgimento do movimento Escola Nova, cujo principal precursor foi Anísio Teixeira. A Escola Nova pretendia o desenvolvimento de uma escola integral que despertasse interesses em diferentes áreas como saúde, resistência e vitalidades físicas relacionando esses interesses à alegria de viver. Leclerc e Moll (2012), ao explicarem os ideais de Anísio Teixeira, apontam a ideia de Educação Integral como um modo de retomar o sentido do crescimento orgânico e humano, associando-o às múltiplas dimensões que envolvem o desenvolvimento do indivíduo.

O surgimento dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEP's), no Rio de Janeiro nas duas gestões do governador Leonel Brizola (1983 a 1986 e 1991 a 1994), no escopo do Programa Especial de Educação (PEE), tinha como objetivo a implantação da educação em tempo integral para o Ensino Fundamental. Tinha como justificativa o diagnóstico feito por Darcy Ribeiro sobre a incapacidade brasileira para educar sua população ou consolidar uma alimentação básica, e concepção pedagógica que procurava assegurar, a todos os alunos da 1ª à 4ª séries, o aprendizado da leitura, escrita e cálculo.

Como incentivo a políticas educacionais, Pattaro e Machado (2014) relatam que o Ministério da Educação na década de 2000 criou uma trilogia que visava orientar a implantação de políticas educacionais, a qual impunha a importância do projeto pedagógico, da formação de seus agentes, da infraestrutura e dos meios de implantação para a melhoria da formação educacional. Nessa trilogia destacava-se a contribuição e participação dos educadores, educandos e das comunidades para ampliação dos tempos e dos espaços de formação das crianças, adolescentes e jovens brasileiros, no que se referia à perspectiva de que o acesso à educação pública fosse complementado pelos processos de permanência e aprendizagem.

Como política pública implantada pelo Governo Lula na mesma década, Pio e Czernisz (2014) destacaram que a criação do PME tinha como proposta de Governo uma educação pragmática e uma provável amenização da exclusão social, possibilitando o crescimento do mercado, contribuindo para o crescimento econômico do país. Desse modo a educação estava associada principalmente ao desenvolvimento econômico e à distribuição de renda, tendo como foco a ampliação das políticas sociais para o combate à exclusão, à pobreza e à desigualdade.

Ideologia e Educação Integral

Nesse contexto, Pattaro e Machado (2014) destacaram que debates entre o poder público, a comunidade escolar e a sociedade civil demonstraram-se fundamentais para a formalização do período integral na rede pública de ensino, de maneira que pôde integrar o compromisso coletivo com a construção pedagógica e com direitos humanos da cidadania. Para Pattaro e Machado (2014), a educação integral estava fundamentada nas políticas assistencialistas do Governo, por meio de programas que visavam apaziguar apenas os problemas emergentes da exclusão, como, por exemplo, o Bolsa-Família, o qual é considerado um dos maiores programas para redução da pobreza, mas que, na prática, auxilia parcialmente as famílias em situações de pobreza extrema, não gerando empregos ou condições dignas de sobrevivência. Para as autoras, uma formação educacional deve conceber o homem como um ser multidimensional e sócio-histórico. A educação integral deveria promover, nesse sentido, uma aprendizagem completa por meio de atos educativos que proporcionassem ao indivíduo o desenvolvimento de suas habilidades cognitivas, afetivas e sociais. Compreende-se a intensidade da percepção de educação integral como desígnios de ideologias com diversificações de posicionamentos político-filosóficos, visando à aproximação no ideal para o desenvolvimento completo do ser humano.

Complementaram trazendo algumas definições sobre a Educação Integral: permanência que se amplia para além do turno escolar; considera a formação integral do indivíduo (aspectos cognitivos, estético, ético, lúdico, físico-motor, espiritual, entre outros); necessidade de reinvenção do cotidiano escolar; pode estar associada à educação não intencional, relacionando-a a processos de socialização; tentativa de religação entre as ações da escola e a vida em seu sentido amplo.

As autoras reforçaram também o conceito de intersetorialidade, que pressupõe que os espaços educativos sejam compreendidos como espaços significativos da vida do indivíduo, do bairro, da cidade, da cultura, excedendo, desse modo, o espaço específico da sala de aula e dos muros da instituição, criando uma inter-relação entre o aluno, a escola e a comunidade. Explicaram que essa perspectiva está em sentido oposto à segregação em que vivem milhões de crianças, adolescentes e jovens no Brasil.

Pattaro e Machado (2014) defenderam a ideia de que o Projeto Pedagógico de uma escola integral deve abarcar uma educação que amplie seu papel para com as atividades dos alunos no sentido de orientar quanto a sua prática. O modo de reorganizar a educação pensando-se na Educação Integral pode proporcionar novas redes de aprendizagem e o intercâmbio de ideias e práticas sociais e culturais. Ressaltaram que a Educação Integral admite por completo a concepção humana, visto que sua meta é abarcar as dimensões que integram a vida do sujeito como ser social, o qual se situa em um contexto sócio-histórico inserido em uma cultura abrangente ao longo de seu desenvolvimento.

Matos e Menezes (2012) apontam a existência de pressões internacionais para a melhoria da qualidade da Educação e necessidade da divisão de responsabilidades com outros setores da sociedade.

Leclerc e Moll (2012) defenderam que a Educação Integral no Brasil representa, além do objetivo principal de ampliar os tempos e os saberes escolares dos alunos, a intenção de inclusão social, por meio da formação do cidadão brasileiro, como sujeito integral. Ela tem como objetivo político o enfrentamento das desigualdades sociais e educacionais.

De acordo com os levantamentos abordados, conclui-se que a extensão da quantidade de horas na escola torna-se condição favorável para o desenvolvimento e qualidade de ensino.

Principais benefícios e desafios do PME

Os principais benefícios identificados nas pesquisas realizadas sobre o PME e a ampliação da jornada escolar se relacionaram aos aspectos, a seguir focalizados.

Formação integral do aluno e construção da cidadania

Matos (2010) ressaltou que a política de educação integral está focada no PME e que sua compreensão está em um sentido que haja a necessidade de ampliar os espaços, tempos e oportunidades educativas, principalmente no compromisso para com as tarefas ligadas diretamente ao ato de educar. E, para que isso ocorra, formam-se parcerias com pessoas e/ou instituições para este estímulo e compromisso no processo educacional implantados nas escolas, trabalhos com oficinas de dança, letramento, teatro, musicalidade, expressão gráfica, atividades culturais, uso de tecnologias, entre outras. Essas oficinas têm como fundamento a construção de um novo cidadão brasileiro, um sujeito integral (Matos e Menezes, 2012).

Leite (2012) apresentou em sua pesquisa sobre a ampliação da jornada escolar experiências advindas de dois projetos de educação integral realizados nas cidades de Belo Horizonte e Santarém. Apesar de as cidades apresentarem realidades distintas, essas experiências tinham em comum o fato de os projetos terem ultrapassados os muros da escola.

O projeto realizado em Santarém (Programa Escola da Gente) foi construído com o objetivo de desenvolver a formação integral dos estudantes, articulando a aprendizagem escolar com a formação social, ética, estética e corporal. Já o projeto realizado em Belo Horizonte (Programa Escola Integrada) apresentava uma perspectiva de se construir uma escola que dialogasse com a cidade e de uma rede de corresponsabilidade social, a partir de uma política intersetorial (Leite, 2012).

As propostas desses projetos não se prendiam apenas a um modelo escolar. Buscavam abordar todas as dimensões da formação dos indivíduos para além da dimensão cognitiva, valorizando os seus demais aspectos e valorizando outros saberes, construídos a partir de novas experiências de aprendizagem. Os resultados apontaram que essas experiências conceberam a Educação Integral intimamente relacionada ao direito dos alunos de viver uma educação em tempo ampliado como um direito de cidadania, por meio da formação integral do indivíduo (Leite, 2012).

Melhoria na qualidade do processo ensino-aprendizagem

Estudo realizado com as falas de estudantes do Ensino Fundamental de escolas públicas do Nordeste e Sudeste do Brasil que aderiram ao PME objetivou compreender a ampliação da jornada escolar em relação à vida desses alunos, dentro e fora do espaço escolar, como também abarcar as diversas atividades que realizam na escola, ao longo dos dias. A indagação principal era a de saber se as experiências vivenciadas poderiam ser consideradas como sendo de Educação Integral (Coelho, 2012). Foi solicitado nesse estudo aos alunos que contassem suas impressões sobre o tempo que ficavam a mais na escola e se as atividades que realizavam lhes pareciam significativas e por que assim as consideravam. Foram encontrados três conjuntos de justificativas que comportavam a opinião dos alunos sobre a ampliação da jornada escolar, as quais foram categorizadas como (Coelho, 2012): fatores intrínsecos à natureza da escola: os principais indicadores estavam relacionados às palavras café da manhã, pintura, música, deveres, atividades, capoeira, natação, jogos; fatores correlatos ao papel da escola contemporânea: os principais indicadores estavam relacionados às palavras e expressões tirar a criança da rua e boas experiências; fatores essenciais ao entendimento da natureza da Educação Integral: os principais indicadores estavam relacionados aos termos importância para o crescimento, aprendizagem e preparação para o futuro. Por meio das respostas dos alunos, identificaram-se atividades socioeducativas no contra turno escolar como: aula de português, matemática, reforço, horta, futebol, futsal, internet, coral, canto, rádio, aula de arte, música. As aplicações dessas atividades possibilitaram que a escola exercesse sua função social de modo ampliado, numa perspectiva intrínseca e simultaneamente contemporânea, ao proporcionar aos alunos melhoras em alguns fatores como: a aprendizagem, proteção contra o risco social, dinamismo na vida cotidiana e oportunidade de acesso a atividades culturais e novas experiências. Os resultados finais mostraram que os alunos significaram a Escola Integral como uma proposta de busca na melhoria na qualidade do ensino, por meio de uma formação mais completa do indivíduo; e como um meio de proteção à criança em situação de vulnerabilidade social. Outro ponto relevante apontado nessa pesquisa é que a apreensão do conhecimento por meiodo processo de aprendizagem demonstrou-se sempre presente nos discursos desses alunos. Nesse sentido, esse estudo considerou que a ampliação da jornada escolar promoveu a melhoria na qualidade do ensino e a proteção aos alunos em situação de vulnerabilidade social (Coelho, 2012).

Leclerc e Moll (2012) mostraram que o tempo ampliado e qualificado, proposto pela Educação Integral e o PME, abre espaço para a superação da fragmentação curricular e da lógica educativa, contribuindo desse modo para vários desafios ligados ao aprendizado, como a alfabetização tardia e a retenção de jovens ao término do ciclo.

Contrapondo-se a esses achados, destacam-se os resultados encontrados por Penteado (2014), que examinou o discurso de profissionais de escolas, da região metropolitana do Rio de Janeiro, que implementaram o PME. Ao contrário do previsto pelo programa- como uma possibilidade de implantação de uma educação de qualidade na Rede Pública-, concluiu-se que o programa tem servido melhor ao reforço escolar do que à formação integral do aluno e aos demais aspectos pedagógicos e sociais que deveriam ser desenvolvidos (Penteado, 2014).

Outro ponto discutido foi o fato de parecer haver, no senso comum e no próprio discurso dos profissionais, a representação de equivalência entre "educação integral" e "educação de qualidade", como se aquela promovesse por si só educação de qualidade, o que não foi verificado no estudo (Penteado, 2014).

Embora,segundo o Manual do PME, na formação do aluno devam estar presentes valores essenciais (como vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade), a utilização genérica de tais termos não permite mensurar se e como estão sendo ensinados. Ainda,uma vez que tal Manual não apresenta uma proposição clara dos benefícios da educação integral, muitas vezes o foco deste programa acaba recaindo na manutenção dos alunos em um ambiente seguro (deixando-os longe dos riscos da rua, do abandono e do ócio), deixando-se em segundo plano a qualidade do processo ensino-aprendizagem (Penteado, 2014).

Principais desafios do PME

Dentre os desafios a serem superados, as pesquisas indicaram: limitações das estruturas físicas das instituições e postura assistencialista.

Limitações das estruturas físicas das instituições

Como um desafio no que se refere à execução do PME, está a organização dos espaços, das estruturas físicas para a realização de oportunidades educativas, ampliação de tempos e territórios na perspectiva da Educação Integral (Leclerc e Moll, 2012).

A organização estrutural pedagógica das instituições de tempo integral determina que os alunos permaneçam, no mínimo, sete horas diárias sob responsabilidade da escola durante todo o período letivo. Essa é uma relação problemática, pois responsabiliza o Estado de garantir a estrutura física para instituições escolares, de modo que atenda às necessidades dos alunos: banheiro adequado, sala de refeições, entre outros (Pio e Czernisz, 2014). Existe claramente uma necessidade de revisão e reorganização do uso dos espaços internos e externos à escola (Leclerc e Moll, 2012).

Para que a ampliação da jornada escolar possa ser algo eficaz, é preciso ressaltar que há a carência na infraestrutura escolar, dificuldade de integração curricular entre atividades do programa e Projeto Político-Pedagógico da escola, as diversas concepções do que seja Educação Integral (Matos e Menezes, 2012). Vale ressaltar que é preciso repensar também na valorização dos profissionais da educação para que a ampliação do espaço educativo seja algo que possa transpassar o espaço educativo para além dos espaços escolares e que promova envolvimento dos sujeitos inseridos nesse contexto (Matos e Menezes, 2012).

Postura assistencialista

O PME constitui-se preferencialmente de escolas situadas em regiões mais periféricas, que têm maior vulnerabilidade social e com altos índices de violência, mantendo, desse modo, um caráter de discriminação com as demais escolas, uma vez que as mesmas recebem aportes orçamentários diferenciados e são prioritárias na relação com as universidades para a formação da docência e gestão (Leclerc e Moll, 2012).

Matos (2010) aponta que para a adesão dos municípios ao PME há requisitos necessários. Um deles é ter baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), além de estarem localizados na região metropolitana dos grandes centros urbanos do país. As escolas precisam identificar quais são os possíveis parceiros que integrarão esse processo, dentre elas, igrejas, clubes, áreas de lazer para, em seguida, organizar uma seleção das pessoas que tenham perfil para as programações que serão selecionadas pela escola. Somente após todos os procedimentos necessários é que haverá a definição dos recursos por meio do Programa Dinheiro Direta na Escola (PDDE). Ressalta-se que o PME deve estar integrado ao Projeto Político-Pedagógico da escola.

A proposta de Educação Integral do governo Lula objetivou a ampliação do tempo de permanência do aluno na escola principalmente para acolher os filhos dos trabalhadores e atender as crianças que estão em situações de vulnerabilidade social. Não existe uma discussão conceitual ainda para essa proposta, apenas a adesão de muitas instituições, exclusivamente aquelas que se encontram em regiões mais vulneráveis. Tanto é essa a realidade que o programa não visa atender a totalidade das instituições escolares, mas, essencialmente, apenas aquelas que se enquadram nos critérios de adesão ao programa (Pio e Czernisz, 2014).

Além desse aspecto, do ponto de vista da ação educacional cotidiana, a espinha dorsal do PME são os monitores. Porém a resolução que regulamenta o Programa Dinheiro Direto na Escola, ao tratar especificamente das ações voltadas para a educação integral, é explícita em determinar que os "trabalhos dos monitores" responsáveis pelo desenvolvimento de atividades de aprendizagem, culturais e artísticas, esportivas e de lazer, de direitos humanos, de meio ambiente, de inclusão digital e de saúde e sexualidade serão voluntários.

Há basicamente dois tipos de monitores: estudantes universitários e agentes comunitários detentores de algum saber específico. Devido à condição precária desse vínculo de trabalho, a rotatividade desses agentes é alta, especialmente nos grandes centros, o que agrava ainda mais as dificuldades de integração das atividades por eles conduzidas com as atividades da escola. Salvo exceções, há pouco contato entre eles e os professores. Em locais onde há distribuição de bônus pelo bom desempenho da escola, prática cada vez mais comum nos sistemas públicos de educação, os monitores, não tendo vínculos efetivos, ficam de fora. Nesse ponto, é preciso lembrar que a própria LDB, lei maior da educação brasileira, ao tratar dos profissionais da educação, determina tanto sua formação em nível superior, através de uma licenciatura, quanto o seu ingresso nos sistemas de ensino exclusivamente através de concurso público. Assim, na educação exige-se atuação profissional competente, assegurada por adequada capacitação e por relações de trabalho claramente regulamentadas.

Finalizando a discussão sobre benefícios e desafios do PME relatados nas pesquisas selecionadas, sobressaíram as dificuldades associadas às estruturas físicas e à organização dos espaços escolares e extraescolares para a implantação dos projetos previstos pelo Programa e o fato do PME ter sido concebido em uma política nacional assistencialista.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em que pesem características do Programa Mais Educação, próprias de processos de transição que antecedem políticas permanentes, seu papel indutor do debate e de reconstrução de sentido de uma educação de tempo completo e de formação humana integral. A análise da literatura científica sobre a ampliação da jornada escolar e o PME indicou que muitos dos objetivos pretendidos deixam de ser atingidos principalmente pela falta de planejamento, o que afeta a implantação da Educação Integral nas escolas. Nesse caso, ela se configura como educação compensatória, focada nos mais necessitados a fim de, por meio da intensificação da ação escolar, fazer valer a igualdade de oportunidades educacionais.

Nesse sentido, cabe caracterizar o foco do Programa Mais Educação a partir da sistematização dos estudos levantados: aspectos históricos,ideológicos e políticos da Educação Integral; e a discussão sobre os benefícios e desafios a serem superados. O Programa Mais Educação surgiu como política pública implantada pelo Governo Federal para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação Integral. A proposta era uma educação pragmática e amenização da exclusão social e, por consequência, melhorias no desenvolvimento econômico do país.

É necessário esclarecer que a ideia inicial de Educação Integral era de retomar a compreensão sobre o desenvolvimento do indivíduo a partir de múltiplas dimensões. Logo, a Educação Integral visa promover o desenvolvimento das habilidades cognitivas, afetivas e sociais, a partir de uma aprendizagem teórica e prática, que considere diversificações de posicionamentos e situe o indivíduo no seu contexto social, histórico e cultural. Enquanto a ampliação da jornada é caracterizada pela contribuição e participação dos atores interessados na educação, para ampliação do tempo e espaço de formação escolar formal. Todavia, a ampliação da permanência do aluno na escola direcionou-se para um viés de caráter assistencialista, ou seja, de atendimento de crianças em situação de vulnerabilidade social. Portanto, a Educação Integral não pode ser diretamente associada ao tempo integral no espaço escolar.

Por outro lado, os artigos analisados apontam a projeção de benefícios do Programa Mais Educação relacionada à ampliação da jornada escolar. Logo, idealizam-se a formação integral do aluno, contribuindo para a construção da cidadania; melhoria na qualidade do ensino e do processo de aprendizagem dos alunos. Como desafios são apontadas pelos artigos analisados: as limitações das estruturas físicas das instituições e a postura assistencialista encontrada nas escolas localizadas em regiões da periferia.

Pode-se inferir que, quando se prioriza as populações de baixa renda como requisito para a escola aderir ao Programa, o propósito de uma educação de qualidade permanece em segundo plano e segue orientação contrária ao propósito geral definido pelo Ministério da Educação, que é o de fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades socioeducativas no contraturno escolar, não excluindo desse modo nenhuma classe social. O acesso à educação deve ser para todos, independentemente da classe social, pois só assim é possível garantir a verdadeira democracia e cidadania.

Outro ponto importante a ser destacado é o fato de que, apesar do tema desta pesquisa ser um assunto de grande impacto, tanto por se referir à formação integral do ser humano, quanto por estar relacionado a políticas públicas educacionais em âmbito nacional, não foi possível identificar número significativo de artigos científicos sobre a temática. Talvez isso se deva ao fato do PME ser um projeto federal relativamente recente. Porém, dada sua importância atual, novas pesquisas devem ser realizadas para que seja comprovada ou não a eficácia do Programa, de modo que mostre os benefícios reais no processo de aprendizagem dos alunos, na proteção a riscos de crianças e adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade social e na formação do ser humano como cidadão e ser integral.

Assim, conhecer o impacto de programas de políticas educacionais para o processo de aprendizagem abre caminho para a melhoria da qualidade da educação, assim como conhecer seu impacto sobre o desenvolvimento do indivíduo em seus múltiplos aspectos é campo aberto para estudos da Psicologia Educacional.

 

REFERÊNCIAS

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1 Apoio financeiro da CAPES.

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