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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.49 São Paulo jul./dez. 2019

https://doi.org/10.5935/2175-3520.20190014 

ARTIGOS

 

Habilidades de resolução de problemas e métodos de ensino: o método Montessori e o ensino tradicional em questão

 

Problem-solving abilities and teaching methods: the Montessori method and the traditional teaching in question

 

Habilidades de resolución de problemas e métodos de enseñanza: el método Montessori y la enseñanza tradicional en cuestión

 

 

Roseane Ribeiro Mendonça; Altemir José Gonçalves Barbosa

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

 

 


RESUMO

Níveis elevados de habilidades de resolução de problemas são chaves para o êxito no sistema escolar e o Método Montessori (MM) se propõe a desenvolvê-las. Assim, compararam-se as habilidades de resolução de problemas de estudantes ensinados em escolas tradicionais e com o MM, considerando, no último caso, duas configurações quanto à fidelidade de implementação (Montessori Clássico ou Montessori Suplementar). Também foram feitas associações entre essas habilidades e variáveis demográficas (sexo) e educacionais (série e reprovação). Uma amostra (N = 91) de estudantes de quarto e quintos anos de quatro escolas que utilizam o MM e de escolas tradicionais participou da pesquisa. Foram utilizadas as Escalas de Resolução de Problemas (ERP), que propiciam dois escores: Habilidades de Resolução de Problemas (HRP) e Orientação em Relação ao Problema (ORP). Não foram obtidas diferenças estatisticamente significativas entre os alunos de escolas tradicionais e de escolas montessorianas tanto em HRP quanto em ORP. ORP também não se associou às variáveis demográficas e educacionais investigadas. Ao classificar os escores de HRP em níveis (alto, médio e baixo), observou-se maior concentração de alunas no nível médio. Os resultados permitem inferir que não basta afirmar em ideários que a escola desenvolve habilidades de resolução de problemas. Há que se planejar e implantar propostas pedagógicas que, de fato, desenvolvam as habilidades de resolução de problemas dos estudantes e não apenas considerem-nas pré-requisitos para o processo de aprendizagem.

Palavras-chaves: Resolução de Problemas; Método Montessori; Ensino Fundamental.


ABSTRACT

High levels of problem-solving skills are key to success in the school system, and the Montessori Method (MM) aims to develop them. Thus, problem-solving abilities of students taught in traditional schools and with the MM were compared, considering, in the latter case, two configurations regarding implementation fidelity (Classic Montessori or Supplementary Montessori). Associations were also made between these abilities and demographic (sex) and educational (grade and grade retention) variables. A sample (N = 91) of fourth and fifth graders from four schools using MM and traditional schools participated in the research. The Problem-Solving Scales were used, which provided two scores: Problem-Solving Skills (PSS) and Problem Orientation (PO). No statistically significant differences were found between students in traditional schools and Montessori schools in both PSS and PO. The later was also not associated with the demographic and educational variables investigated. When classifying the PSS scores in levels (high, medium and low), a higher concentration of female students were identified in the medium level. The results allow to infer that it is not enough to affirm based in ideology that the school develops problem-solving skills. It is necessary to plan and implement pedagogical propositions that, in fact, develop students' problem-solving skills and not only consider them prerequisites for the learning process.

Keywords: Problem-solving; Montessori Method; Elementary school.


RESUMEN

Niveles elevados de habilidades de resolución de problemas son claves para el éxito en el sistema educativo y el Método Montessori (MM) se propone desarrollarlas. Así, fueron comparadas las habilidades de resolución de problemas de estudiantes enseñados en escuelas tradicionales y con el MM, considerando, en el último caso, dos configuraciones con relación a la fidelidad de implementación (Montessori Clásico o Montessori Suplementario). También se hicieron asociaciones entre estas habilidades y variables demográficas (sexo) y educacionales (grado y suspensión). Una muestra (N=91) de estudiantes de cuarto y quinto grado de cuatro escuelas que utilizan el MM y de escuelas tradicionales ha participado de la investigación. Fueron utilizadas las Escalas de Resolución de Problemas (ERP), que han propiciado dos resultados: Habilidades de Resolución de Problemas (HRP) y Orientación en Relación al Problema (ORP). No fueron obtenidas diferencias estadísticamente significativas entre los alumnos de escuelas tradicionales y de escuelas montessorianas tanto en HRP cuanto en ORP. ORP también no se asoció a las variables demográficas y educacionales investigadas. Al clasificar los resultados de HRP en niveles (alto, mediano, bajo), se observó una concentración más alta de alumnas en nivel mediano. Los resultados permiten inferir que no es suficiente afirmar en idearios que la escuela desarrolla habilidades de resolución de problemas. Hay que planificar y implementar propuestas educativas que, de hecho, desarrollen las habilidades de resolución de problemas de los estudiantes y no solamente las consideren como requisitos previos para el proceso del aprendizaje.

Palabras clave: Resolución de Problemas; Método Montessori; Educación Primaria.


 

 

É crescente a preocupação em avaliar os impactos de processos educacionais no desenvolvimento global dos alunos, especialmente no pensamento crítico e nas habilidades de resolução de problemas (RP). Logo, é fundamental estudar os fatores que propiciam o desenvolvimento dessas habilidades no contexto escolar, pois a literatura científica (Bagby, 2002; Lillard, 2005; Lillard & Else-Quest, 2006) tem evidenciado que educar para a RP facilitará a transferência dessas competências para outros contextos de forma a utilizá-las em novas e diferentes situações problema.

Problema é uma situação ou tarefa que demanda uma resposta adaptativa, mas ela não se apresenta imediatamente à pessoa ou ao grupo que enfrenta a circunstância problemática (D'Zurilla, Nezu,& Maydeu-Olivares, 2004). RP é um processo complexo de operações sequenciais de ordem cognitiva, afetiva e comportamental voltado a atingir um objetivo (Heppner, Witty, & Dixon, 2004). Tais operações acontecem visando a adaptação frente a uma situação de estresse interno e demandas externas (Heppner et al., 2004).

D'Zurilla e Goldfried (1971) propuseram a existência de cinco estágios de RP: orientação geral em relação ao problema; formulação e definição do problema; geração de alternativas; tomada de decisões e verificação. Com base nessa teoria, foram realizados estudos que visavam testar o modelo empiricamente (D'Zurilla et al., 2004; Maydeu-Olivares & D'Zurilla, 1996). Constatou-se que esses estágios podem ser compreendidos a partir de dois componentes gerais: orientação em relação ao problema, que pode ser compreendido como o processo metacognitivo relacionado às crenças e afetos voltados aos problemas de uma forma geral e habilidades de resolução de problemas, referente às tarefas cognitivas e comportamentais necessárias para compreender o problema, tentar encontrar alternativas para resolvê-lo, executar essas ideias e monitorar a efetividade das soluções implementadas (D'Zurilla et al., 2004; Becker-Weidman, Jacobs, Reinecke, Silva & March, 2010).

As habilidades de RP não são inatas, mas aprendidas (Jonassen, 2011), sendo que a escola pode desempenhar um papel ímpar nesse processo. É importante avaliar se modelos e métodos pedagógicos trabalham em prol do desenvolvimento de habilidades de RP. Bagby (2002) propõe que o Método Montessori (MM), por ser um modelo de educação que propicia um ambiente centrado no aluno, encorajaria o desenvolvimento das habilidades de RP, bem como a transferência delas para diferentes situações. Shankland, França, Genolini, Guelfi, & Ionescu (2009), em um estudo sobre o papel de propostas pedagógicas no desenvolvimento de habilidades de coping focadas no problema - estratégia considerada mais adequada socialmente - demonstram que alunos de escolas montessorianas apresentam maiores índices destas quando comparados a estudantes de escolas tradicionais.

Um dos conceitos chaves na compreensão do MM é a concepção de criança como ser ativo em seu processo de aprendizagem. Lillard (2005) ressalta que Montessori elaborou um sistema que transformou essa prerrogativa teórica em uma prática pedagógica que, por meio de técnicas estruturadas, faz com que os alunos participem como agentes motivados em seu ambiente.

Ao longo do tempo, Montessori desenvolveu uma abordagem filosófica e um currículo pedagógico completo que fundamentava suas práticas pedagógicas (Lillard, 2005; Montessori, 1965). Teorizou, ainda, ao longo de suas observações, a respeito do processo de desenvolvimento infantil que a direcionou na sistematização de seu método educacional (Montessori, 1984/1938; 1987/1949; 2005/1949). Propôs princípios que a guiaram em sua concepção de desenvolvimento, como o fato do ser humano ser dotado de uma mente absorvente, que o possibilita a apreensão do mundo e a capacidade de dar respostas a estímulos em ambiente apropriado (Montessori, 1987/1949). Assim, propõe que a criança é protagonista em seu processo de aprendizado (Lillard, 2005; Montessori, 1965) e que é por meio da ação que se aprende comportamentos (Lagôa, 1981).

Embora ao longo de sua trajetória Montessori tenha tentado esclarecer todos os aspectos do sistema (método, filosofia e concepção de desenvolvimento) que propôs, persiste uma controvérsia na literatura atual: quão fidedigna é a implementação do MM pelas escolas e o quanto essa fidedignidade pode impactar o processo de desenvolvimento de crianças e adolescentes (Abraham, 2012; Lillard, 2012; Lillard & Heise, 2016; Meert, 2013). Powell (2009) relata que a própria Montessori expressou a preocupação de que, ao permitir que seu método fosse reproduzido por pessoas que não foram treinadas por ela, suas ideias poderiam ser distorcidas, desvalorizando seu legado.

Embora as escolas e classes montessorianas compartilhem prerrogativas filosóficas e pedagógicas de Montessori, os recursos usados na prática podem variar de lugar para lugar. Ao longo do tempo, muitas mudanças aconteceram na sociedade como macrossistema no qual a escola está inserida (Powell, 2009). Abraham (2012) menciona ainda a dificuldade de as escolas se adaptarem a questões como legislações educacionais locais ou demandas de famílias. Assim, o que se questiona é o quanto essas mudanças podem ou não impactar a implementação do MM, podendo influenciar, consequentemente, o desenvolvimento escolar da criança.

Mesmo que muitos autores tenham abordado elementos essenciais do MM (como Abraham, 2012; González, 2012; Lillard & Heise, 2016; Meert, 2013; Powell, 2009; Röhrs, 2010), fizeram-no de modo difuso. Assim, Lillard (2012) descreveu critérios concretos que permitem a realização de uma categorização da aplicação do sistema pedagógico, ainda que tenha ressalvado que a fidelidade de implementação do método pode ser mensurada de diversas formas e que não haja um consenso ou uma medida que seja formalmente aceita (Lillard, & Heise, 2016).

Para Lillard (2012), fidelidade designa o quanto um programa montessoriano está associado ao conceito original desenvolvido por Montessori, considerado o ideal. Desse modo, essa fidedignidade está associada a resultados positivos em aspectos do desenvolvimento e rendimento acadêmico. Lillard categoriza as instituições educacionais montessorianas em: Montessori Clássico, que seguem os postulados de Montessori de forma rigorosa, como concebidos em seus livros, e Montessori Suplementar, que utilizam o método com complementações e/ou adaptações, como adaptações culturais ou inserção de outros materiais diferentes daqueles desenvolvidos por Montessori, como quebra-cabeças e blocos de encaixes.

A filiação à Association Montessori Internationale (AMI) é outro critério utilizado por Lillard (2012) para classificar escolas como Montessori Clássico. A AMI foi fundada pela própria Maria Montessori, em 1929 (Röhrs, 2010). No Brasil há 45 escolas de 14 estados e do Distrito Federal associadas à Organização Montessori do Brasil (Organização Montessori do Brasil [OMB], 2016). Contudo, parece que, no Brasil, esse critério é pouco confiável, uma vez que nem todas as instituições associadas seguem fielmente o Método Montessori. Logo, esses critérios podem apresentar vieses no contexto brasileiro.

Para estabelecer parâmetros que permitem categorizar as escolas como "clássicas" ou "suplementares", considerou-se neste estudo o que a literatura estabelece como elementos essenciais do MM. Lillard (2005) pontua ainda a importância de sistematizar princípios do MM que apresentam evidências empíricas de eficácia. Assim, considerando os princípios encontrados na literatura, os parâmetros adotados foram: ambiente preparado, que trata da necessidade de organização do ambiente como um todo, desde um conjunto especifico de materiais que deve ser organizado pelo professor até a aparência estética do ambiente como um todo; materiais manipuláveis e/ou concretos, que se refere aos materiais desenvolvidos por Montessori e colaboradores, considerados uma característica peculiar do MM por possibilitar o trabalho autônomo dos estudantes e por serem autocorretivos; livre escolha, que implica a permissão para trabalhar com atividades escolhidas pelos próprios estudantes por determinado período de tempo todos os dias para que conduzam seus próprios interesses; eliminação do sistema de recompensas e punições, no qual notas e recompensas por bom comportamento não são valorizadas, uma vez que Montessori considerava que o sistema de notas fazia com que a criança focasse em agradar o adulto e não na atividade em questão, interferindo na concentração; aprendizagem centrada na criança, que enfatiza as necessidades individuais de cada criança e o desenvolvimento como um todo, valorizando os interesses pessoais; aprendizado pela ação, reconhecendo a importância do movimento para a cognição e sistematizando um trabalho que visa a atender a necessidade de movimentação das crianças, integrando o desenvolvimento cognitivo e o motor; agrupamento de idades, nos quais os estudantes de três idades diferentes (de 0 a 3 anos, de 3 a 6 anos, de 6 a 9 anos etc.), baseados na concepção de desenvolvimento de Montessori, são agrupados em uma mesma sala de aula; e necessidade de professores treinados no método.

Outros aspectos são encontrados na literatura como sendo importantes ao MM. As atividades com materiais montessorianos por um período sustentado (mínimo três horas diárias) sem interrupção, os hábitos de auto regulação, a importância da natureza e a existência de exercícios de vida prática em classes de todos os segmentos etários (Dorer, 2012; Lillard, 2005; Rathunde, 2015) constituem uma amostra deles.

Estabelecer os princípios essenciais do MM é fundamental, pois permite discriminar escolas que de fato adotam esse método daquelas que, apesar de afirmarem ser montessorianas, não o são. Essa classificação é essencial para pesquisas que comparam métodos de ensino, como os de Fero (1997), Rathunde e Csikszentmihalyi (2005), Lillard e Else-Quest (2006) e Lillard e Heise (2016). Lillard (2012) alerta que resultados de investigações discrepantes podem ser decorrentes de diferentes formas de implementação do MM nas escolas.

Em estudo longitudinal, Fero (1997) comparou o desempenho acadêmico de estudantes de escolas que utilizavam o MM e tradicionais. Constatou que as crianças de escolas montessorianas obtiveram melhores resultados em linguagem no segundo e no quinto ano. Em contrapartida, não observaram diferenças significativas entre os dois grupos de alunos no terceiro e no quarto ano. Já em matemática, os estudantes de escolas tradicionais apresentaram desempenho significantemente maior do que o dos discentes de instituições montessorianas.

Rathunde e Csikszentmihalyi (2005) compararam motivação e qualidade de experiência de alunos do Ensino Fundamental de escolas montessorianas e tradicionais. Os resultados revelaram que alunos de escolas com MM apresentam índices significantemente mais positivos de qualidade de experiência durante a realização de atividades acadêmicas, mas similares aos discentes do ensino tradicional quando realizam atividades não acadêmicas em ambiente escolar (por exemplo, tomar lanche e conversar com colegas). Aqueles estudantes apresentam, ainda, níveis mais altos de motivação intrínseca, enquanto os pares de escolas tradicionais apresentam maior motivação extrínseca para realizar atividades acadêmicas.

Lillard e Else-Quest (2006) comparam o impacto acadêmico e social do MM e do ensino tradicional na Educação Infantil aos 5 anos e nas séries iniciais do Ensino Fundamental aos 12 anos. Os resultados evidenciaram que, de modo geral, estudantes matriculados em escolas montessorianas apresentam melhor desempenho nas diversas variáveis analisadas (cognitivas, acadêmicas, sociais e comportamentais) em ambas as idades. Cabe destacar que alunos montessorianos tiveram melhor desempenho na resolução de problemas sociais hipotéticos, fazendo uso de estratégias de raciocínio abstrato sofisticadas, demonstraram ser mais criativos e assertivos e se destacaram em habilidades sociais.

Lillard e Heise (2016) descrevem uma intervenção baseada na retirada de materiais não montessorianos, de duas de três salas de aulas consideradas "montessorianas". Com a retirada desses materiais, verificou-se que essas duas classes obtiveram resultados melhores em leitura, matemática e funções executivas que a sala que manteve os materiais não montessorianos. Contudo, não houve diferenças significativas entre os dois grupos em conhecimentos sociais e em habilidades de resolução de problemas sociais.

Observa-se, desse modo, que os resultados referentes à RP, mais especificamente à RP sociais, são aparentemente contraditórios, pois o MM teria favorecido essa competência em um estudo (Lillard, & Else-Quest, 2006) e, em outro (Lillard, & Heise, 2016), não. Além disso, os problemas sociais - ainda que extremamente importantes - constituem apenas parte dos problemas que as pessoas têm que solucionar no dia a dia.

Embora se reconheça a relevância das habilidades gerais de RP para o processo educativo, bem como o quanto a educação deve desenvolvê-las, é escassa a produção científica que articula esses dois problemas e o MM. Ainda que alguns autores (Bagby, 2002; Lillard, 2005; Lillard & Else-Quest, 2006) associem esse método ao desenvolvimento de habilidades gerais de RP, não fizeram isso de modo empírico. Há, portanto, evidências de que a Psicologia não tem testado, pelo menos não empiricamente, a "hipótese" de Bagby (2002), isto é, que o Método Montessori promove as habilidades gerais de RP. Assim, o objetivo deste estudo foi comparar as habilidades de RP de alunos oriundos de escolas que adotam o MM (Clássico ou Suplementar) e dos pares oriundos do ensino tradicional. Adicionalmente, foram feitas associações entre essas habilidades e variáveis demográficas (sexo) e educacionais (ano escolar, escola e reprovação).

 

MÉTODO

Participantes

Participaram deste estudo 91 estudantes de quartos (n = 47; 51,6%) e quintos (n = 44; 48,4%) anos de quatro escolas de três estados brasileiros. Destes, 61,5% (n = 56) estudavam em escolas montessorianas e 57,1% (n = 52) eram do sexo feminino. A idade média em anos foi de 10,01 (DP = 0,71; 9-12 anos) e 8,8% (n = 8) declararam terem reprovação escolar. A escolha dos anos finais do primeiro ciclo do Ensino Fundamental se deu para que a maioria dos alunos das escolas que utilizam o MM já tivessem experienciado esse método por um determinado período de tempo.

A amostra de escolas foi não probabilística intencional. No caso das três escolas montessorianas, a escolha foi influenciada tanto pelo número restrito de instituições que adotam o MM no Brasil (45 registradas na OMB) quanto e principalmente pela facilidade (abertura etc.) e possibilidade (distância, recursos financeiros necessários etc.) de acesso. Além da facilidade e da possibilidade de acesso, a escolha da escola tradicional também considerou as características demográficas do corpo discente, que deveriam ser análogas às das montessorianas. Todas as instituições são privadas.

As três escolas montessorianas foram classificadas quanto à fidelidade de implementação do MM a partir de observações realizadas pela pesquisadora, incluindo observação das rotinas pedagógicas realizadas in loco, inclusive em sala de aula, e de análises de informações públicas (website etc.). Para tanto, foi utilizado um checklist com oito princípios essenciais do método, criada pelos próprios autores a partir da revisão da literatura. Considerou-se que o Montessori Clássico acata a, pelo menos, seis (75%) desses princípios. O Montessori Suplementar respeita entre dois (25%) e cinco (62,5%) princípios. Independentemente de seguir seis ou mais princípios do MM, considerou-se Montessori Suplementar a instituição que suplementa seu processo educativo com práticas e/ou princípios de outros métodos. Já a escola tradicional é ametódica.

Após essa análise, uma das escolas - Escola 4 - foi classificada como Montessori Suplementar (n = 16; 17,6%) e as outras duas - Escola 2 (n = 19; 20,9%) e Escola 3 (n = 21; 23,07%) - eram Montessori Clássico (n = 40; 43,9%). Reitera-se que apenas uma instituição tradicional - Escola 1 - participou do estudo (n = 35; 38,5%).

Materiais

Os participantes responderam as Escalas de Resolução de Problemas (ERP). Adicionalmente, preencheram a um questionário demográfico desenvolvido pelos próprios autores.

As ERP são escalas do tipo Likert com opções de respostas que variam de Nada a ver comigo (0) a Tudo a ver comigo (4). Seus 66 itens se distribuem em duas escalas: a Escala de Orientação em Relação ao Problema (ORP), com 20 itens; e a Escala de Habilidades de Resolução de Problemas (HRP), com 46 itens. Do número total de itens, 13 devem ser espelhados, sendo 12 de ORP e um de HRP. Logo, os escores totais variam de zero a 80 para a ORP e, para a HRP, de zero a 184, sendo que, evidentemente, escores mais elevados denotam, respectivamente, uma melhor abordagem dos problemas e o uso de estratégias mais adequadas para solucioná-los.

As ERP apresentam evidências de validade baseadas na estrutura interna, pois análises fatoriais confirmatórias atestaram a divisão em duas escalas - HRP e ORP - relacionadas. Essas medidas também possuem boas estimativas de fidedignidade, uma vez que HRP apresentou um Alfa de Cronbach igual 0,95 e, para ORP, o alfa foi 0,68.

Procedimento

Após os cuidados éticos necessários, incluindo a aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisas (CAEE 30427214.2.0000.5147), os dados foram coletados nas turmas alvo. Os instrumentos foram aplicados em sala de aula, sendo que a coleta durou aproximadamente 30 minutos em cada turma. Apenas um aluno optou por não participar do estudo e foi respeitada sua decisão. Estudantes com necessidades educacionais especiais que comprometiam a leitura da ERP e do questionário responderam os instrumentos na forma de entrevista individual estruturada e foram incluídos na amostra.

 

RESULTADOS

A média geral dos escores de HRP foi 98,20 (DP = 30,70) e de ORP foi de 46,32 (DP = 11,92). Obteve-se correlação positiva, significativa e fraca (r = 320) entre essas duas medidas.

Na Tabela 1, são descritos os escores de HRP e ORP considerando tanto a fidelidade ao MM quanto simplesmente se os alunos estudavam em escola montessoriana ou tradicional. No primeiro caso, não foram observadas diferenças significativas entre os grupos tanto para a HRP (F(2, 88) = 0,372; p = 0,691) quanto para a ORP (F(2, 88) = 0,002; p = 0,998). Os grupos de Ensino Tradicional e MM também não diferiram entre si: HRP (t(89) = 0,361; p = 0,719); e ORP (t(89) = 0,040; p = 0,968).

Quanto a outras variáveis da Tabela 1, não foram observadas diferenças significativas entre as escolas ao considerar HRP (F (3, 87) = 0,310; p = 0,818) e ORP (F (3, 87) = 0,059; p = 0,981). O mesmo ocorreu para as variáveis ano escolar (HRP (t(89) = 0,736; p = 0,464); ORP (t(89) = 0,235; p = 0,815)), reprovação (HRP (t(89) = 0,098; p = 0,922); ORP (t(89) = 0,186; p = 0,853)) e sexo (HRP (t(68) = 0,003; p = 0,997); ORP (t(89) = 0,711; p = 0,479)).

Não foi obtida correlação significativa (r = 0,084; p = 0,429) entre HRP e idade. O mesmo ocorreu com ORP (r = 0,097; p = 0,364).

Os escores da ERP foram classificados em três níveis, com base na média e no desvio padrão. Logo, atribuíram-se aos participantes uma classificação considerando HRP (Baixa HRP, zero a 67,49; Média HRP, 67,50 a 128,89; Alta HRP, 128,90 a 184) e ORP (Baixa ORP, zero a 34,40; Média ORP, 34,41 a 58,24; e Alta ORP, 58,25 a 80).

Análises cruzadas entre os níveis de HRP e variáveis educacionais e demográficas evidenciaram, por um lado, que não houve associação significativa com fidelidade de implementação no MM (χ2 = 1,122; gl = 4; p = 0,891), tipos de ensino (MM ou ensino tradicional) (χ2 = 0,560; gl = 2; p = 0,756), e ano escolar (χ2 = 1,598; gl = 2; p = 0,450). Por outro lado, a variável demográfica sexo associou-se de forma significativa aos níveis de HRP (χ2 = 8,073; gl = 2; p < 0,05), sendo observada uma maior concentração de alunas no nível médio. Os resultados do Qui-quadrado não foram passíveis de uso para a variável reprovação escolar devido ao número reduzido de estudantes reprovados. No caso da idade, a ANOVA revelou que níveis de HRP e idade também não se associaram significativamente (F(2, 91) = 0,551; p = 0,578).

Também não foi possível utilizar os resultados do Qui-quadrado para associar níveis de ORP e fidelidade de implementação do MM. Não obstante, chama a atenção o fato de 20% (n = 8) dos participantes de escolas Montessori Clássico apresentarem Alta ORP, sendo que os discentes dos outros subgrupos ou não atingem - Montessori Suplementar - esse nível de ORP ou poucos alcançam-no - Tradicional - (Tabela 2).

As análises cruzadas dos níveis de ORP e tipo de ensino (MM ou ensino tradicional) não demonstraram associação significativa entre eles (χ2 = 0,677; gl = 2; p = 0,713). O mesmo aconteceu com níveis de ORP e sexo (χ2 = 0,850; gl = 2; p = 0,654) e ano escolar (χ2 = 2,623; gl = 2; p = 0,269). O resultado do Qui-quadrado mais uma vez não é passível de uso para a variável reprovação escolar. O resultado da ANOVA demonstrou que a variável idade também não se associou significativamente aos níveis de ORP (F(2, 91) = 0,887; p = 0,416).

 

DISCUSSÃO

Este estudo revelou que estudantes de escolas montessorianas, sejam elas instituições que implementam o MM de forma fidedigna ou que o suplementam, não apresentam necessariamente mais habilidades de RP quando comparados aos pares de escolas tradicionais. Ainda que o foco tenha sido habilidades de RP sociais, ou seja, um domínio específico das habilidades gerais de RP, que constituíram o foco desta investigação, este resultado converge com o obtido por Lillard e Heise (2016), mas não com o de Lillard e Else-Quest (2006) ou ainda com o de Shankland et al., (2009). Reitera-se que Lillard (2012) credita a dissonância dos resultados das pesquisas sobre os impactos do MM no desenvolvimento de competência dos discentes à diversidade de formas de implementação desse método, que ao longo do tempo sofreu modificações. Propõe, ainda, a hipótese de que, quanto mais próxima uma escola está da aplicação clássica do MM, mais ela promove impactos positivos.

Alguns autores (por exemplo, Abraham, 2012; Meert, 2013; Powell, 2009) têm discutido as dificuldades de se definir de forma rigorosa o que é de fato uma escola montessoriana, questionando, ainda que implicitamente, a existência de instituições Montessori Suplementar. Assim, atualmente nem sempre é possível chancelar a do MM clássico, completamente fidedigno aos postulados de Montessori, embora a presente pesquisa tenha tentado controlar essa variável. Estudos futuros devem, inclusive, rever e, se necessário, aprimorar os critérios aqui propostos para classificar instituições escolares como Montessori clássico, suplementar e tradicional.

Sabe-se que a RP envolve uma série de processos de ordem afetiva e cognitiva complexos (Heppner, Witty & Dixon, 2004). Assim, muitos fatores podem contribuir para o desenvolvimento de tais habilidades em ambiente escolar, sendo que, apesar de sua relevância, esse contexto não é o único que as influenciam. A presença de professores empáticos, com habilidades interpessoais e amplo conhecimento sobre os processos de desenvolvimento humano constitui um exemplo de outros fatores que podem impactar positivamente esse percurso (Rathunde, 2015). Face aos resultados obtidos pode-se questionar se as escolas montessorianas estão conseguindo, de fato, desenvolver habilidades de RP como proposto pela literatura (Bagby, 2002; Lillard, 2005).

Quase não foram obtidas associações significativas entre habilidades de RP e variáveis demográficas e educacionais. A variável sexo foi a única exceção, pois meninas tenderam a se concentrar no nível médio de HRP. Heppner et al. (2004) discutem que, embora a maioria dos estudos sobre RP não tenham encontrado diferenças significativas relacionadas ao sexo, ainda existe uma lacuna de estudos que avaliem mais a fundo o desenvolvimento dessas habilidades entre os sexos ou, melhor, que superem a dicotomia feminino-masculino e investiguem os papeis de gênero e a avaliação que a pessoa faz de suas habilidades.

Além do sexo, a literatura sobre RP (Heppner et al., 2004; Maydeu-Olivares & D'Zurilla, 1996) reconhece que a percepção sobre problemas, isto é, ORP, pode ser influenciada por uma série de outras variáveis, como características pessoais e recursos ambientais. Quanto às HRP em especifico, reitera-se que se trata da aplicação de estratégias e técnicas no processo de RP (D'Zurilla et al., 2004), que também sofre a influência de outras variáveis. Logo, são necessários estudos que avaliem os processos específicos envolvidos na HRP, como tomada de decisão, e na ORP, como a autoeficácia para RP, incluindo comparações entre gêneros, pois pode não haver diferenças gerais e sim específicas.

Também são necessárias investigações que avaliem os impactos de outras propostas pedagógicas no desenvolvimento de habilidades de RP. Recomenda-se, ainda, pesquisas que comparem essas destrezas em diferentes etapas do curso de vida (crianças, adolescentes etc.) e da escolarização (Educação Infantil, Ensino Fundamental etc.). Quando se trata do contexto brasileiro, essa necessidade se torna um imperativo.

Essas e outras pesquisas devem, se possível, superar as limitações deste estudo. Uma delas diz respeito ao tamanho da amostra, que circunscreve a generalização dos resultados. Embora composta por um número razoável de participantes de escolas montessorianas, já que existem poucas escolas que adotam o MM no Brasil, não foram contemplados participantes das várias regiões geográficas do Brasil. Além disso, ela pode não ser representativa das escolas tradicionais.

O uso das ERP pode representar outra limitação deste estudo. Embora esses instrumentos tenham passado por processos de obtenção de evidências de validade de conteúdo e baseadas na estrutura interna, bem como por análise de sua consistência interna, suas escalas ainda precisam ter suas propriedades psicométricas corroboradas e ampliadas. A falta de normas para HRP e ORP limitou, por exemplo, estimar se a amostra possui baixa, mediana ou alta habilidade de RP.

Não obstante essas e outras circunscrições, este estudo oferece contribuições aos campos da psicologia e da educação, uma vez que chama a atenção para a necessidade de as escolas planejarem e implantarem propostas pedagógicas que, de fato, desenvolvam as habilidades de RP dos estudantes e não apenas considerem-nas pré-requisitos para o processo de aprendizagem. As escolas precisam desempenhar um papel ativo nesse processo, independentemente do método de ensino utilizado.

 

REFERÊNCIAS

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Roseane Ribeiro Mendonça é psicóloga, doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Universidade Federal de Juiz de Fora, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Juiz de Fora, MG, Brasil.
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5404-7045
E-mail: rosemendonca@hotmail.com
Altemir José Gonçalves Barbosa é doutor em Psicologia. Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFJF. Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Psicologia da UFJF, Juiz de Fora, MG, Brasil.
ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0106-7592
E-mail: altgonc@gmail.com

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