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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.51 São Paulo jul./dez. 2020

https://doi.org/10.23925/2175-3520.2020i51p31-41 

ARTIGOS

 

Análise conceitual da expressão "socioemocional" em artigos de psicologia

 

Conceptual analysis of the expression "socioemocional" in psychology articles

 

Análisis conceptual de la expresión "socioemocional" en artículos de psicología

 

 

Ariela Santana CardosoI; Thiago Gomes De CastroII

IPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS - Rio Grande do Sul - RS - Brasil; ariela.sc@gmail.com
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Rio Grande do Sul - RS - Brasil; thiago.cast@gmail.com

 

 


RESUMO

O uso da expressão 'socioemocional' tem se tornado cada vez mais frequente na literatura de Psicologia. Todavia, seu significado e demarcações operacionais para avaliação em pesquisas muitas vezes não convergem para uma compreensão homogênea. Considerando a relevância atual do tema para a pesquisa psicológica, o presente estudo buscou analisar o conceito a partir de seus contextos de aplicação e operacionalização. Foi conduzida uma busca de artigos publicados em periódicos de Psicologia entre 2005 e 2015 consultando as bases Web of Science, PsycInfo, Scielo e PePSIC. Para a busca foram utilizados os termos "socioemocional" e "psicologia" nas línguas inglesa e portuguesa. A análise conceitual conectiva buscou verificar os contextos de enunciação, os termos conectivos, e o grau de explicitude operacional relativos aos usos da expressão socioemocional. A busca retornou 198 artigos que, após filtragem, considerando apenas estudos empíricos não repetidos, reteve 74 artigos para a análise conceitual. Os resultados evidenciaram uma prevalência de textos publicados nas áreas de educação e psicologia do desenvolvimento. Ao todo, 26 termos conectivos foram registrados na vinculação com a expressão socioemocional. Prevaleceram os estudos em que a expressão socioemocional não apresentou definição explícita em sua enunciação. Conclui-se que, embora o uso da expressão socioemocional seja crescente na literatura de Psicologia, sua circulação e operacionalização heterogêneas demonstram a estrutura probabilística do conceito, referindo uma base teórica pouco clara na explicitação dos construtos e uma forte ênfase nas técnicas de avaliação para a definição do uso da expressão socioemocional.

Palavras-chave: Terminologia da psicologia; Respostas emocionais; Revisão de literatura; Pesquisa científica; Semântica.


ABSTRACT

The use of the expression 'socioemotional' has become increasingly frequent in current psychological literature. However, it's meaning and operational demarcations in research evaluation often do not converge to a homogeneous understanding. Considering the current relevance of the topic in psychological research, the present study sought to analyze the concept usage from its application and operationalization contexts. A search for articles published in journals of Psychology between 2005 and 2015 was conducted by consulting Web of Science, PsycInfo, Scielo and PePSIC databases. The terms "socioemotional" and "psychology" were used in English and Portuguese languages. The conceptual analysis sought to verify the contexts of enunciation, the connective terms, and the degree of operational explanation of the uses of the expression 'socioemotional'. The search returned 198 articles which, after filtering, considering only the inclusion of non-repeated empirical studies, retained 74 articles for the conceptual analysis. The results showed a prevalence of publications in the areas of education and developmental psychology. Altogether, 26 connective terms were recorded in association with the expression 'socioemotional'. Studies in which the expression did not present an explicit definition in its enunciation prevailed. It was concluded that although the usage of the expression 'socioemotional' is increasing in psychological literature, its heterogeneous circulation and operationalization demonstrates a probabilistic structure of the concept, referring to an unclear theoretical basis in the explanation of the constructs and a strong emphasis on evaluation techniques to define the use of the expression 'socioemotional'.

Keywords: Terminology of psychology; Emotional responses; Literature review; Scientific research; Semantics.


RESUMEN

El uso de la expresión "socioemocional" se ha vuelto frecuente en la investigación psicológica actual. Sin embargo, su significado y demarcación operacional en la investigación no convergen a una comprensión homogénea. Teniendo en cuenta la relevancia actual del tema, el presente estudio trató de analizar el uso del concepto socioemocional hasta sus contextos de aplicación y operacionalización. Se realizó una búsqueda de artículos publicados en revistas de Psicología entre 2005 y 2015 consultando las bases de datos Web of Science, PsycInfo, Scielo y PePSIC. Los términos "socioemocional" y "psicología" se utilizaron en inglés y portugués. Un análisis conceptual conectivo buscó verificar los contextos de enunciación, los términos conectivos y el grado de explicación operacional de los usos de las expresiones socioemocionales. La búsqueda devolvió 198 artículos, los cuales, considerando solo la inclusión de estudios empíricos no repetidos, conservaron 74 artículos para el análisis conceptual. Los resultados mostraron una concentración de publicaciones en las áreas de educación y psicología del desarrollo. En total, 26 términos conectivos se registraron en asociación con la expresión socioemocional. Hubo una alta prevalencia de estudios en que las expresiones socioemocionales no fueron explícitamente destacadas en su enunciación. Los resultados evidenciaron que, aunque el uso de la expresión socioemocional está aumentando en la literatura psicológica, su circulación heterogénea y operacionalización demuestra una estructura probabilística de uso conceptual. Esta conclusión destaca una base teórica poco clara de enunciado de constructo y un fuerte énfasis en las técnicas de evaluación para la definición de uso de la expresión socioemocional.

Palabras clave: Terminología da psicología; Respuestas emocionales; Pesquisa científica; Revisión de literatura; Semántica.


 

 

Introdução

Compreender a origem e o desenvolvimento de conceitos em Psicologia tem sido uma atribuição de áreas como a Psicologia Teórica e a Psicologia Filosófica (Bergner, 2017; Slaney & Racine, 2011). Ainda que relativamente restrita a esses meios, tal análise apresenta-se como um exercício epistemológico necessário para a compreensão de projetos científicos em períodos históricos variados. De modo especial, a observação dos padrões de enunciação, dispersão e conexão entre conceitos em torno de uma mesma nomenclatura tem sido considerada um exercício essencial ao processo de clarificação de agendas científicas (Racine & Slaney, 2013).

No presente estudo, examina-se a expressão "socioemocional" e suas aplicações em artigos de Psicologia a partir de uma modalidade de análise conceitual. O termo socioemocional parece compreender um grande espectro de investigações em áreas diversas de pesquisa, significando de modo abrangente a intersecção entre padrões de emoção em uma contextualização social (Järvelä, 2012). Nessa intersecção, a partir do aumento do número de estudos socioemocionais na Psicologia, Thompson (1990) diferenciou quatro possibilidades de compreensão da expressão socioemocional, que seriam: a) os modos de expressão das emoções em contextos sociais, b) a construção social da experiência emocional, c) as ramificações sociais das reações emocionais, e d) os efeitos da emoção no comportamento social.

A ocorrência do termo pode ser registrada em áreas da Psicologia que vão desde as neurociências (Hashimoto et al., 2015), passando pela psicologia do desenvolvimento (Zaslow et al., 2006), até a psicopatologia (Tso, Mui, Taylor, & Deldin, 2012). Essas pesquisas têm sinalizado, por exemplo, que o desenvolvimento socioemocional na infância é importante para um desenvolvimento cognitivo adequado (Arnold, Kupersmidt, Voegler-Lee, & Marshall, 2012) e que a primeira infância provê os fundamentos do desenvolvimento de competências socioemocionais que influenciarão em padrões de interação social na vida adulta (Halle et al., 2014).

No Brasil, o campo de pesquisa em torno da expressão tem sido propagado, por exemplo, através de ações recentes do governo federal como atestam programas de financiamento ao desenvolvimento de competências socioemocionais entre professores (CAPES, 2014) e a implantação, pelo Conselho Nacional de Educação, de diretrizes que buscam favorecer o desenvolvimento de competências socioemocionais na educação básica. Além disso, eventos vinculados à expressão socioemocional têm sido realizados no Brasil como o Encontro Nacional Ciência e Habilidades Socioemocionais realizado em 2016 na Universidade Federal de Sergipe e o I Congresso Nacional de Inteligência Socioemocional realizado também em 2016.

Em uma perspectiva histórica, referências datadas da primeira metade do século XX já buscavam integrar a investigação da emoção ao desenvolvimento social. Os primeiros registros encontrados apontam investigações que vinculavam comportamentos sociais à capacidade de regulação e desenvolvimento emocional em crianças, tendo sua origem na avaliação psicológica e nas teorias de personalidade na década de 1930 (Guilford & Braly, 1930; Washburne, 1935). Pesquisas sobre a temática remetem também ao desenvolvimento socioemocional de crianças em contextos de institucionalização (Fried & Mayer, 1948). Nesse exemplo específico, os autores sugeriram que a escolaridade e outras necessidades básicas, como saúde, alimentação e moradia em crianças institucionalizadas não eram suficientes para garantir a adaptação social e emocional das mesmas em seu contexto de institucionalização. Já em meados dos anos 1970, McClelland (1973), por exemplo, investigou a relação entre competências socioemocionais e o desempenho escolar de crianças. O autor concluiu que as provas escolares desse período eram sensíveis à mensuração de competências intelectuais, mas não avaliavam as competências não cognitivas, identificadas pelo autor como habilidades do eixo socioemocional.

As emoções estariam fortemente implicadas no processo de aquisição de competências pró-sociais que ocorrem nos contextos familiar, educacional e profissional (Gondim, Morais & Brantes, 2014). No campo da educação, a literatura vem indicando que o desenvolvimento de aspectos socioemocionais tem impacto direto em indicadores de bem-estar e de saúde mental tanto de estudantes quanto de educadores, além de favorecer o rendimento acadêmico e o autoconceito (Berger, Alcalay, Torretti & Milicic, 2011).

Nos exemplos de pesquisa citados até aqui o uso do termo socioemocional aparece associado a outros termos, como "competências" e "desenvolvimento". Isso indica que a definição do termo socioemocional depende em parte do indexador semântico que o acompanha, sugerindo que o termo carrega mais de uma definição e possivelmente mais de uma operacionalização. Sob essa hipótese, a presente investigação avaliará os contextos de enunicação conceitual associados ao termo "socioemocional". Essa hipótese se fundamenta na teoria prototípica de conceitos, que concebe unidades conceituais como entidades não estruturadas em definições homogêneas e estáticas, mas probabilidades de enunciação de constituintes comuns em comunidades de linguagem (Margolis & Laurence, 2014). No caso específico do termo "socioemocional", pode-se hipotetizar que sua identidade é composta de elementos nucleares que são compartilhados em uma gama de aplicações distintas, mas nenhuma estrutura formal de definição o estabelece como unidade diferenciada. Uma evidência de pluralidade conceitual que ajuda a sustentar a hipótese do artigo é o número atual de medidas psicométricas aplicadas para avaliar o construto socioemocional, que não parece ser reduzido a um ou outro aspecto psicológico exclusivamente (Bramham, Morris, Hornak, Bullock, & Polkey, 2009; Santos & Primi, 2014).

Tendo em vista a problemática sobre os usos do termo socioemocional, será desenvolvida uma análise conceitual contextual do termo, de acordo com a sua ocorrência e operacionalização em artigos de Psicologia publicados entre 2005 e 2015. O objetivo da pesquisa é avaliar como o conceito tem sido definido nos artigos, além de verificar a sua aplicação em termos de medidas ou referências qualitativas utilizadas para avaliá-lo.

 

Método

A análise conceitual pode se referir a diferentes conjuntos de técnicas em pesquisa teórica (Laurenti & Lopes, 2014). Em situações em que se demonstra imprecisa a localização da origem teórica de um conceito ou quando um conceito se populariza de tal modo que seu domínio não mais pertence a uma teoria específica, caso em que se tipifica a expressão "socioemocional", recomenda-se o exame rigoroso do conceito pela depuração de seus contextos científicos e semânticos de utilização.

Busca dos artigos nas bases

Uma busca inicial de artigos foi realizada junto às bases de dados Web of Science, PsychInfo, Scielo e Pepsic em fevereiro de 2016. A busca utilizou a combinação binária dos termos "socioemotional" OR "socio-emotional" AND "psychology". Os equivalentes dos termos em língua portuguesa "socioemocional" e "psicologia" também foram pesquisados. Os campos de busca selecionados nas bases para aferir o registro dos termos foram o título e o resumo. Como o foco da pesquisa foi analisar a uniformidade/dispersão conceitual em torno do termo socioemocional e não revisar sistematicamente a literatura sobre a temática, variações de uso da expressão específica "socioemocional" não podem ser incluídas na busca. Essa medida restritiva está associada ao objetivo de observação da circulação desse termo específico na literatura.

Os critérios de busca responderam ao intervalo de publicações entre 2005 e 2015. A busca enfocou apenas artigos publicados nas línguas portuguesa e inglesa em periódicos com política de revisão por pares indexados às bases mencionadas. Tendo em vista o objetivo da pesquisa que especifica a análise da operacionalização do termo, foram retidos apenas artigos de cunho empírico que envolveram coleta de dados com seres humanos, independente da faixa etária.

Análise conceitual

Após a seleção dos artigos, conduziu-se a análise conceitual contextual seguindo os pressupostos lógicos do modelo proposto por Ludwig Wittgenstein (Racine & Slaney, 2013). Em uma tradição Wittgensteiniana a análise conceitual segue uma via na qual o significado de um conceito é medido pelas regras de seu uso e pelos contextos em que é utilizado (Hausen & terHark, 2013). A ênfase é descrever os usos de um termo em uma comunidade de linguagem, sendo que a circulação dos usos específicos é que levaria à própria validação do conceito na comunidade. Assim, para Wittgenstein a análise não conduzirá a um julgamento certo ou errado sobre os usos do conceito ou à consistência lógica interna do conceito, mas a um panorama descritivo sobre o seu uso e contextos de uso. Esta lógica de análise se difere de um modelo de análise conceitual que busca validar os conceitos pelo exame da consistência lógica interna de atributos associados a um termo (Beaney, 2016).

Tratando-se de um contexto científico de análise do termo, analisaram-se as ocorrências de transmissão e as definições associadas à emergência do termo, sem com isto afirmar um julgamento sobre seus atributos. Além disso, descreveu-se como o termo vem sendo operacionalizado em termos de medidas que são aplicadas para sua mensuração ou avaliação qualitativa. Em termos técnicos, a ocorrência do termo foi analisada e reportada em três níveis: 1) descrição dos contextos de emergência do termo "socioemocional" na literatura, denominada análise contextual, 2) exame de ocorrência das definições "socioemocional" pelos termos associados ao seu uso, denominada análise conectiva, e 3) exame da clareza de transmissão do termo "socioemocional" no contexto científico de linguagem, considerada uma análise de explicitude.

Procedimentos de análise

Após seleção dos artigos empíricos retornados pela busca nas bases, conduziram-se as três etapas de análise conceitual. Na primeira etapa (análise contextual), foram descritas as informações de ano de publicação dos artigos, áreas de pesquisa, faixa etária dos participantes envolvidos nos estudos, e o tipo de evidência utilizada nas pesquisas. A caracterização dos artigos por áreas de pesquisa foi definida a partir dos temas sob investigação nos artigos analisados. Essas categorias de área derivaram indutivamente dos dados, seguindo critério de agrupamento temático. Na segunda etapa (análise conectiva), registraram-se os termos vinculados à ocorrência do termo socioemocional, tendo em vista uma análise de frequência dos conectivos e uma classificação de associações terminológicas. A caracterização das classificações dos conectivos seguiu critério de agrupamento semântico e funcional dos termos conectivos. Tais classificações derivaram indutivamente dos dados, uma vez que o modelo de análise conceitual utilizado no estudo é de ordem descritiva. Na terceira etapa (análise de explicitude), observou-se a clareza de enunciação conceitual do termo socioemocional nos artigos científicos. Em especial, na etapa de explicitude, os artigos foram analisados categorialmente conforme as denominações: explícito, disperso ou não definido. Quando o termo socioemocional era conceituado no artigo por uma definição no corpo do texto, com ou sem referência bibliográfica, ou quando o estudo indicava os instrumentos de avaliação socioemocional pelos quais o termo socioemocional foi avaliado, sua clareza foi classificada explícita. Nos casos em que não havia uma definição literal no texto com construtos delimitados, mas o estudo relacionava o termo socioemocional a outros conceitos propondo algum tipo de mensuração ou avaliação qualitativa, não referente diretamente ao termo socioemocional, a clareza conceitual do termo foi classificada dispersa. Quando o artigo empregava o termo socioemocional sem mencionar definição ou sem relacioná-lo a outro conceito, além de não mensurar nenhum construto socioemocional ou algo definido pelos autores como associado ao termo socioemocional, entendeu-se o uso do termo como não definido.

 

Resultados

A busca de artigos nas quatro bases retornou 198 artigos. Foram retornados 55 artigos na base Web of Science, 112 na base PsycInfo, 12 na base Pepsic e 19 na base Scielo. Inicialmente os resumos dos artigos foram analisados para buscar repetição de registros, artigos escritos em outras línguas que não português e inglês e para separar artigos empíricos de artigos de revisão ou estudos teóricos. Ao final, 74 artigos foram selecionados para a leitura na ínterga e subsequente análise conceitual. Dos 74 artigos selecionados dois foram publicados em língua portuguesa e 72 em língua inglesa.

Análise contextual

Foram registrados 32 artigos empíricos publicados entre 2005 e 2010 e 51 artigos publicados entre 2010 e 2015, considerando a repetição do ano de 2010 para as duas contagens.

Em relação às áreas de pesquisa, foram registradas sete áreas com pelo menos três artigos publicados, correspondendo a 95% das publicações selecionadas. São as áreas da educação, psicologia do desenvolvimento, psicopatologia, psicologia social, neurociências, psicologia da família, e envelhecimento humano. Nesse quesito, as áreas de educação e psicologia do desenvolvimento contabilizaram 45 (61%) dos 74 artigos selecionados.

Nessa direção, o perfil amostral das pesquisas vinculadas ao termo socioemocional revelou uma ênfase de investigações com crianças, adolescentes ou díades crianças-adultos, contabilizando cerca de dois terços de todas as pesquisas (63%). Um exemplo de pesquisa com díades é o estudo de Bornstein et al. (2008), no qual os pesquisadores investigam o conceito de "disponibilidade emocional" entre mães e filhos em diferentes países e zonas urbanas. A avaliação de disponibilidade emocional ocorreu via mensuração da adaptação socioemocional mútua da díade em função das combinações das variáveis gênero, zona rural ou urbana e cultura do país de origem da díade. Os outros 37% de pesquisas registradas enfocaram temas e aspectos socioemocionais em adultos e alguns registros de pesquisas longitudinais que investigaram mais de uma fase de desenvolvimento.

Quanto à natureza das evidências empíricas coletadas nesses estudos prevaleceu o uso de dados quantitativos (88%), com poucos registros qualitativos (7%) ou de combinação de medidas quantitativas e qualitativas (5%). Vale ressaltar que dos 74 artigos selecionados 25 não mensuraram ou avaliaram qualitativamente os termos socioemocionais. Dos 49 artigos que se propuseram a medir diretamente a questão socioemocional, 34 utilizaram apenas um instrumento. De todos os registros de instrumentos, apenas um incluía o termo socioemocional em seu título. Trata-se do Mother-reported socioemotional behavior questionaire (Duncan et al., 2007), utilizado no estudo de Romano, Babchishin, Pagani e Kohen (2010).

Observou-se grande variabilidade na análise dos instrumentos utilizados para a mensuração de construtos relacionados ao termo socioemocional. Não houve um instrumento padrão para mensurar a questão socioemocional. Os instrumentos também não se repetiram com frequência entre os artigos revisados. O Child Behavior Checklist - CBCL, por exemplo, foi o instrumento mais utilizado e explicitamente relatado como avaliando questões socioemocionais. Ainda assim foi utilizado em apenas cinco artigos. No caso do CBCL, aspectos socioemocionais foram mensurados a partir de problemas de comportamento na infância como somatização e ansiedade, dificuldades de externalização, agressividade e condutas destrutivas.

Nessa perspectiva de avaliação, o termo socioemocional apareceu também vinculado a psicopatologias mensuradas por outros tipos de instrumentos. Exemplo disso é o estudo de Erath, El-Sheikh, Hinnant e Cummings (2011) que avaliou "estresse socioemocional". Os pesquisadores mediram o construto através dos instrumentos Children's Depression Inventory e Personality Inventory for Children-2, para aferir componentes antissociais e a relação com sintomas de depressão. Nesse exemplo se observa que a natureza avaliativa dos instrumentos é definida pelo termo conectivo utilizado junto ao socioemocional.

Análise conectiva

Em todos os estudos selecionados o termo socioemocional apareceu acompanhado por algum termo conectivo. Foram identificados ao todo 26 termos conectivos. A análise dos conectivos levou ao agrupamento dos termos diferentes em categorias de afinidade semântica e funcional. Foram tipificadas três categorias conectivas que tendem a agrupar similaridade funcional entre os termos, que são: atributos, regulação, e comportamentos socioemocionais. Alguns conectivos não se encaixaram em nenhuma dessas três categorias, passando a um quarto grupo denominado "outros". A figura 1 indica essa organização de agrupamento dos 26 conectivos.

 

 

No caso dos atributos socioemocionais registram-se os termos que denotam a socioemocionalidade a partir de um conjunto de aspectos, sinais, disposições ou processos. Nessa categoria, o socioemocional tende a ser definido pelo somatório de indicadores que possuem natureza de propriedade socioemocional. Já nas regulações socioemocionais os conectivos denotam um senso de equilíbrio, adaptação ou desenvolvimento de uma função socioemocional. Nessa dimensão os conetivos fornecem uma qualificação funcionalista de ajuste socioemocional e possuem natureza de conectores processuais sem propriedade substantiva. Nos comportamentos socioemocionais encontram-se os conectivos associados às ações e habilidades do organismo tipificadas como socioemocionais, possuindo o conector natureza verbal propositiva não processual nem substantiva.

Ainda que sutil a diferença entre as categorias, é possível identificar repercussões operacionais importantes ao se comparar, por exemplo, estudos que investigam competências socioemocionais com estudos que avaliam um déficit socioemocional. Nesse caso, as competências constituiriam comportamento socioemocional diretamente observável e propositivo, enquanto o déficit refere-se à ausência de uma regulação ontogenética esperada. Ou seja, diferenciam-se quanto ao peso da hipótese teórica sobre o procedimento de observação da evidência socioemocional.

Observa-se uma prevalência de conectivos no campo das regulações socioemocionais, uma vez que 47 dos 74 artigos fizeram uso dessa caracterização conceitual. Foram registrados oito artigos para a categoria atributos, 11 para a categoria comportamentos e nove para a categoria outros. É importante frisar que mesmo registrando 26 conectivos para o termo socioemocional, apenas quatro deles corresponderam a mais da metade dos usos nos artigos (53% dos artigos). São esses conectivos o bem-estar, o desenvolvimento, o funcionamento e a adaptação socioemocional. Vejamos a seguir alguns exemplos de uso dos conectivos.

No eixo das regulações socioemocionais o estudo de Lee, Zhai, Brooks-Gunn, Han e Waldfogel (2014) é um exemplo do emprego da expressão "bem-estar socioemocional". Os pesquisadores avaliaram o construto a partir de problemas de conduta relatados por pais e professores de crianças em um contexto escolar, considerando traços de hiperatividade, desatenção e comportamento prossocial das crianças. O bem-estar socioemocional foi considerado a partir do conjunto desses indicadores. No mesmo contexto Chen, Zhang, Chen e Li (2012) avaliaram a adaptação socioemocional de crianças à escola. Os pesquisadores consideraram como questões de adaptação o controle e a inibição comportamental na primeira infância.

No eixo dos comportamentos socioemocionais Baysinger, Scherer e LeBreton (2014) descrevem o "comportamento socioemocional" como de natureza negativa ou positiva, referindo-se à eficácia de grupos para o gerenciamento de conflitos interpessoais e desacordos. Nesse caso, os comportamentos socioemocionais indicam simplesmente reações comportamentais às dinâmicas de grupos. No mesmo eixo Kim, Curby e Winsler (2014) descrevem que as "habilidades socioemocionais" funcionam como preditores comportamentais para a aquisição de habilidades escolares. As habilidades teriam relação com a aprendizagem, o autocontrole, as habilidades interpessoais e os comportamentos de internalização e externalização de problemas. Nessa comparação, os comportamentos e as habilidades socioemocionais claramente demarcam uma diferença de significado, mesmo referendando ações explícitas adjetivadas como socioemocionais.

No eixo dos atributos, o estudo de Jokela (2010) define "características socioemocionais" como os atributos do temperamento infantil de primogênitos, que serviriam de preditores para os pais decidirem ter um segundo filho em um intervalo de cinco anos. Esses atributos descreveriam aspectos emocionais e pró-sociais dos primogênitos que influenciariam uma maior ou menor probabilidade da opção dos pais pelo segundo filho. No eixo "outros", encontram-se termos como "suporte socioemocional", que pode significar, por exemplo, um preditor contextual de resultados na recuperação de pacientes com diabetes (Cvengros, Christensen, Cunningham, Hillis, & Kaboli, 2009). Em contraste, o construto "clima socioemocional"pode se referir às percepções de violência política sofrida por chilenos em dois períodos históricos distintos (Cárdenas, Páez, Rimé, Bilbao, & Asún, 2014).

Ainda que a estratégia de agrupamentos auxilie a identificar o impacto de diferentes conectivos para o significado do termo socioemocional, a constatação mais importante é a dos múltiplos usos e significados vinculados à expressão.

Análise de explicitude

A etapa de análise de explicitude demonstrou que a grande maioria dos estudos (81%) não apresentou definição explícita do termo socioemocional, seja definindo-o na revisão de literatura seja operacionalizando-o explicitamente em instrumentos ou critérios qualitativos de análise. Das três formas de classificação de explicitude utilizadas para o termo, foi predominante o modo disperso (54%) de utilização do termo socioemocional. Nessas situações o termo foi mencionado relativamente a algum processo psicológico operacionalizado nas pesquisas, mas o uso em si do termo socioemocional foi indiscriminado. Um exemplo é o estudo de Daga, Raval e Raj (2015), em que o "funcionamento socioemocional" refere tanto aspectos como ansiedade, depressão, e agressividade como a competência social e o comportamento adaptativo de um indivíduo. Todavia, não é claro ao que especificamente nesse nicho de construtos o "funcionamento socioemocional" dos indivíduos está associado.

Dos 74 artigos selecionados 20 artigos não definiram a noção socioemocional citada em nenhuma seção do texto. Também não relacionaram o termo a algum processo psicológico. Nesses artigos o termo socioemocional apareceu acompanhado do conectivo que o caracterizava, porém sem relação implícita ou direta a algum conceito ou avaliação. De modo geral, esses estudos demonstraram a característica de não medir questões relacionadas à noção socioemocional. Nessa direção, o uso majoritário de conectivos no eixo das regulações socioemocionais não correspondeu a maior clareza de explicitude do termo. Dos 47 artigos classificados nos conectivos de regulação, apenas quatro artigos receberam classificação explícita de utilização do termo socioemocional. Um exemplo explícito é a aplicação novamente do termo "funcionamento socioemocional" por Ehrensaft, KnousWestfall e Cohen (2011). Em sua pesquisa, os autores apresentam o "funcionamento socioemocional" como uma regulação entre os eixos confiança e suspeita de outros indivíduos, somado à habilidade de se regular emocionalmente em contextos interpessoais. Para medir tal funcionamento aplicam instrumentos específicos de confiança/suspeição social e habilidade de regulação emocional em contextos interpessoais.

Por outro lado, os artigos que fizeram uso de conectivos ligados aos comportamentos socioemocionais definiram explicitamente seu termo em 70% dos casos. Um exemplo de apresentação explícita do termo "comportamento socioemocional" é o artigo de Baysinger, Scherer e LeBreton (2014). No estudo, os pesquisadores investigaram comportamentos socioemocionais positivos e negativos, definindo os comportamentos socioemocionais positivos como o engajamento e participação ativa individual em tarefas coletivas e o comportamento socioemocional negativo como o uso de comportamentos agressivos em uma tarefa de grupo.

 

Discussão

O trabalho de análise conceitual realizado nesse artigo foi definido como uma análise da utilização do termo socioemocional, o que se diferencia de uma análise da coerência lógica interna do conceito ou do papel do conceito em uma teoria psicológica específica. Essa escolha se justificou pela hipótese de que a expressão socioemocional se relaciona a uma amplitude interteórica de circulação do conceito na Psicologia. Esta hipótese foi corroborada pelos dados, ao se observar não apenas diversidade temática e semântica vinculada ao termo socioemocional, mas principalmente circulação interteórica da expressão entre os diferentes artigos consultados. Claramente, a maior parte das pesquisas analisadas nesse estudo não estão vinculadas exclusivamente a um conjunto homogêneo de premissas teóricas específicas da Psicologia. Os estudos encontrados nas áreas de educação e psicologia do desenvolvimento, por exemplo, se caracterizam em sua maioria como contextos multiteóricos, onde o coerentismo recai mais sobre os métodos e técnicas aplicadas do que sobre as teorias de base.

Tendo em vista o panorama de dispersão do pensamento psicológico, que tem como uma de suas características o uso diversificado de um mesmo termo, se tornará cada vez mais necessário a análise do emprego de terminologias para compreender sua unidade ou variabilidade de enunciação. Isso interessa especialmente a uma comunidade em que o uso padronizado da linguagem é fundamental para comunicar os objetivos, métodos e resultados de pesquisas. No caso do termo socioemocional, ficou evidente a pluralidade de seus usos. Esse resultado corrobora a hipótese da teoria prototípica de conceitos, pois o termo socioemocional refere uma probabilidade de enunciação de constituintes comuns em comunidades de linguagem teórica variadas. Tais constituintes seriam representados tanto pela repetição dos conectivos associados ao termo como pela referência aos constituintes diretos "socio" e "emocional", que adquirem significado específico apenas quando vinculados à expressão explícita do significado e das técnicas de avaliação do termo empregadas. O mais importante a se destacar, nesse contexto, é que mesmo muito utilizado o termo não possui clareza conceitual definida na maior parte dos artigos pesquisados. Isto significa, portanto, que o problema não está na pluralidade dos significados ou constituintes dos usos da expressão socioemocional, mas na ausência de enunciação do que se quer afirmar na utilização da expressão.

Seria possível avaliar, por outro lado, que o formato de redação de artigos não se compromete com a definição explícita de seus termos, uma vez que é direcionado a uma audiência supostamente versada em suas terminologias. Contudo, isto não é válido quando se considera que o termo mencionado na revisão de literatura de um artigo será avaliado por meio de técnicas, sejam quantitativas ou qualitativas. Nessa situação, a operacionalização dos termos em conjuntos de técnicas de análise deve ser explicitada no contexto linguístico metodológico dos artigos. Na ausência dessa constatação para o termo socioemocional, colocamo-nos a par do momento de desenvolvimento conceitual do termo, que é de expansão apesar da frágil operacionalização enunciada em teorias e técnicas.

A dispersão atual da Psicologia em micro-teorias e a reunião de diferentes argumentações conceituais em torno de expressões de linguagem corriqueiras refere uma tensão histórica na área de filosofia da Psicologia. Se por um lado a consistência lógica interna de uma teoria revela seu poder analítico e capacidade de análise de seus termos, por outro o compromisso com a consistência interna demanda uma prática restritiva sobre o uso correto de seus termos. Todavia, em um cenário de sobreposição de argumentos conceituais sobre a existência de fenômenos psicológicos, a utilização de expressões corriqueiras, como o "socioemocional", caracterizam claramente a dificuldade de se manter alinhado perfeitamente a um único sistema lógico conceitual de psicologia.

Na prática, o exame da consistência lógica de conceitos em função de teorias psicológicas ou autores específicos possui uma função de compreensão da origem e evolução de um conceito em relação ao seu contexto de enunciação teórico. Nessa medida, a análise da consistência lógica poderia ser também entendida como uma prática de análise contextual de conceitos. Contudo, o que diferencia tal analítica da proposta contextual de análise conceitual é a questão da autoridade sobre o conceito, elemento que não compõe o quadro analítico da análise contextual idealizada por Wittgenstein.

Sob essa interpretação, seria possível afirmar que em termos de interesse pela expressão vive-se um momento de valorização e investimento nesse tipo de pesquisa, mas que na ausência de um cuidado em explicitá-lo pode-se perder a legitimidade de seu uso na própria comunidade de linguagem. Especialmente considerando o contexto científico de suas aplicações. O uso indistinto do termo abre portas, por exemplo, para a confusão na aplicação de instrumentos e até mesmo erros no cruzamento de evidências de diferentes pesquisas para se aferir um corpo de constatações sobre os processos socioemocionais. Tal uso indistinto preconizaria um caminho de pouco rigor metodológico e profusão de pseudocompreensões sobre o que o termo significa em determinados contextos de pesquisa.

O presente estudo, ao mesmo tempo que sinaliza a necessidade de uma maior explicitação do significado das expressões socioemocionais utilizadas em artigos científicos, possui limitações. Uma delas é a consulta estrita a documentos publicados em língua inglesa e portuguesa. Seria importante que pesquisas futuras incluíssem estudos publicados em outros idiomas para verificar se a pluralidade de usos e conectivos socioemocionais também é observada em outras línguas. Há também um problema relativo à janela temporal utilizada para selecionar os artigos, uma vez que a dispersão de usos do termo pode ser influenciada significativamente pelo seu processo de amadurecimento conceitual e difusão em comunidades de linguagem específicas. Nesse sentido, pesquisas futuras poderiam comparar a circulação do termo em períodos distintos de publicação, como forma de teste dos modelos probabilísticos de enunciação de termos no decorrer da história.

 

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Recebido em: 22 de abril de 2020
Aprovado em: 04 de maio de 2020

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