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Revista da ABOP

versão impressa ISSN 1414-8889

Rev. ABOP vol.1 no.1 Porto Alegre jun. 1997

 

ARTIGOS

 

A re-orientação profissional apoio em época de crise

 

 

Dulce Helena Soares-Lucchiari 1

Departamento de Psicologia - Universidade Federal de Santa Catarina

 

 

Algumas considerações iniciais sobre este novo tempo de mudanças

O fenômeno da globalização tem trazido mudanças em todos os níveis da vida humana: eçonômicas, políticas, sociais e principalmente psicológicas. Ainda não sabemos as consequências deste fenômeno, e sua rapidez nos impede de acompanhar o seu movimento, O mundo tem passado e se adaptado a diversas crises, mas esta parece estar acontecendo num ritmo tão acelerado que parece nos assustar.

Na grande crise economica de 1930, o desemprego e a industrialização crescente, forçaram um exame das aptidões a fim de indicar o "homem certo para o lugar certo". Surge assim um momento importante da Orientação Profissional, onde uma série de testes foram criados a fim de serem aplicados nos processos seletivos das empresas. As escolhas eram limitadas aos cargos oferecidos e a Orientação Profissional visava uma adaptação das pessoas aos perfis profissionais necessários.

Nos dias de hoje, o Fórum Econômico de Davos2, na Suiça, informou que existem no mundo 800 milhões de pessoas desempregadas, o equivalente a 13 vezes a população ativa do Brasil (que é de 60 milhões). O futuro está sendo previsto com incertezas em relação ao mundo do trabalho. Existe uma grande discussão entre economistas do mundo inteiro, que defendem posições antagônicas:

• Há os que dizem: "não há uma relação direta, muito menos casual entre tecnologia e desemprego (Olivier Blauchard) ou seja "atribuir o desemprego às novidades tecnológicas, que provocariam aumentos impressionantes de produtividade, é uma explicação mítica, confortável e fatalista" (Thomas Coutrart)
• E os que pensam o contrário: "na lógica atual da organização societária, o desemprego tecnológico é uma consequencia inevitável" (Ricardo Antunes)

Segundo Robert Reich3 economista americano, a previsão é de que entre os 20 e 30 e poucos anos de idade as pessoas passem boa parte do tempo mudando de um emprego a outro, e também de um ramo de atividade a outro. As pessoas estão mudando muito mais frequentemente de ocupação do que era comum antigamente. Em grande medida, as pessoas trocam por necessidade, por não encontrarem o emprego com o qual sonharam. E ainda as fronteiras entre as ocupações são cada vez mais porosas hoje em dia. Qual seriam as conseqüências deste fenômeno para a Orientação Profissional?

Em primeiro lugar temos como pressupostos básicos da O.P.:

• a possibilidade de "escolha"
• as previsão de carreiras mais ou menos estáveis
• a expectativa de escolher uma carreira para "toda a vida"

A Orientação Profissional nos velhos moldes não terá mais sentido num futuro próximo. Nossa tarefa, enquanto orientadores, é de formular novos pressupostos para uma Orientação Profissional no mundo em mudanças.

Qual seria então o papel do orientador no mundo em mudanças?

• auxiliar o processo de re-adaptação a novas carreiras
• buscar a compreensão das relações existentes entre as diferentes ocupações vivenciadas pela pessoa e seus aspectos psicológicos (back-ground psicológico) => a fim de preservar a unidade e a integridade de sua identidade pessoal
• desenvolver novas capacidades pessoais exigidas pelas novas ocupações como: espírito empreendedor, criatividade, flexibilidade, espírito de equipe, entre outras.

Sabemos que, os seres humanos tem como característica própria, a resistência à mudança. Psiquicamente demoramos mais a aceitar os acontecimentos do quê muitas vezes demonstramos. Por exemplo, em pesquisas realizados sobre a questão da representação de família brasileira, observamos que as pessoas "dizem" perceberem a família de uma maneira moderna, mas "agem’’ tendo como imagem interiorizada uma familia com valores mais tradicionais. Sérvulo Figueira (1987) afirma quê "a dimensão sociocultural (que inclui o mundo dos objetos produzidos) parece ser menos resistente à mudançà do que a dimensão da subjetividade. Esta última é talvez a área de maior inércia no processo de mudança social".

Esta observação sugere que na questão da modernização do trabalho também possa existir uma resistência. Precisamos nos modernizar mas não sabemos muito bem por onde começar. As pessoas tem tendência à inercia, isto é, à continuar como está que já está bom. Temos o exemplo do Teletrabalho, que é uma nova expressão que designa não apenas o trabalho feito em casa; mas todo e qualquer tarefa desenvolvida longe da empresa, prática que só se tornou possível graças ao computador plugado no telefone.

Quais seriam as conseqüências deste tipo de trabalho para a Orientação Profissional?

Em primeiro lugar não precisaríamos mais questionar os interesses pessoais em relação ao ambiente de trabalho, por exemplo saber se a pessoa prefere: trabalhar ao ar livre; em ambiente fechado, em contato com pessoas, ou com objetos e máquinas, andar bem arrumada ou vestir-se à vontade. A pessoa "deverá" gostar de trabalhar em casa, sozinha, de pijama e roupão, sem precisar sair de casa fato que limita significativamente sua possibilidade de "escolher" e a nossa possibilidade de "orientar".

Estamos preparados, enquanto profissionais, para enfrentarmos todas estas mudanças?

 

A Re-orientação

É fundamental, antes de iniciarmos a falar em re-orientação, tentarmos definir o significado desta palavra. O prefixo "re" colocado na frente de uma palavra significa "fazer de novo", então poderíamos entender re-orientação como "tornar a orientar". E possível? O que seria re-orientar? Orientar novamente?

lnicialmente coloco algumas questões que me inquietam quando penso em re-orientação:

• Deveríamos partir do pressuposto de que só existe re-orientação se existiu urna orientação anterior?
• Só poderia existir um processo de re-orientação quando existisse o questionamento da "escolha" anterior, e um desejo de mudar, de "escolher de novo"?
• Seria a re-orientação urna "nova busca da felicidade"? Segundo Bohoslavsky (1991). o jovem busca na profissão escolhida uma possibilidade de "ser feliz"

A Re-orientação poderia acontecer em diferentes momentos da vida da pessoa. Gostaria então de propor várias possibilidades de Re-orientação; relacionando-as com estes diferentes momentos.

1. Jovem durante o período univeritário - também pode ser chamada de "re-opção" ou "re-escolha". O jovem busca a O. P. porque não está satisfeito com o curso e pensa em trocar. Também pode ocorrer no final de um curso superior, quando o estudante quer seguir os estudos de Pós-graduação e aproveita a oportunidade para redefinir sua escolha anterior. Por exemplo, pesquisas realizadas no R.S. e S.C. no início da década de 80, revelam que 30% dos jovens que ingressaram na universidade já haviam iniciado um curso superior e que estariam trocando de curso. Preocupada com esta situação realizei em 1988 uma pesquisa intitulada: "Papel profissional - a escolha e a re-escolha da profissão" onde trabalhei com universitários que vieram ao grupo porque queriam trocar de curso. Após um trabalho utilizando o psicodrama, em especial a técnica do "role-playing" do papel profissional, os jovens acabaram não trocando de curso mas encontrando as razões de suas insatisfações e os motivos que os levavam a continuar.

2. No meio da carreira - a Re-orientação pode ocorrer em diferentes situações:

Adulto satisfeito no seu trabalho, ou seja uma pessoa bem-sucedida mas que desejaria trocar de profissão, ou de especialidade dentro da mesma profissão, experimentar uma atividade diferente. Por exemplo, um médico pediatra que após quatro anos de clínica médica, bem sucedido, com "consultório cheio" num determinado dia resolve, solitáriamente, largar tudo, seu consultório, sua clientela, seus colegas pediatras e começar de novo como psiquiatra, tendo que se submeter à um exame para ser admitido em residência num hospital psiquiátrico. Hoje, após uma longa carreira como psicoterapeuta, sente-se feliz por ter tido a coragem de começar de novo.

Adulto insatisfeito de seu trabalho, ou seja, uma pessoa mal sucedida, que muitas vezes coloca a culpa do seu insucesso nas dificuldades encontradas na profissão. Por exemplo, um engenheiro civil, cansado de seus baixos salários, de estar sempre dependendo de seu chefe para poder realizar o seu trabalho, decide largar a profissão e ser comerciante, abrindo uma papelaria. Está satisfeito agora, pois é dono do seu próprio negócio, que está sempre crescendo, e sente-se recompensado financeiramente.

Situação de desemprego: à partir da falta de emprego a pessoa procura a Re-orientação a fim de resolver uma questão emergencial, que nem sempre está ligada a procura de uma nova "escolha". Por exemplo, uma pessoa que perde o emprego como jornalista de uma grande empresa e resolve abrir uma microempresa e prestar serviços numa determinada área que domina, a organização de eventos.

Consequências da "globalização": a modernização tem trazido a necessidade cada vez mais urgente de nos adaptar-mos à tecnologia, aos computadores, à lnternet. Atualmente tem-se falado muito da Re-orientação nas empresas. Vemos diariamente o exemplo dos Bancos que cada vez precisam de menos funcionários, pois os computadores estão substituindo rapidamente um grande número deles. O mundo do trabalho, mediatizado de mudanças tecnológicas: a automação, a globalização, o avanço das comunicações e dos transportes, tem exigido que os "trabalhadores" das mais diferentes profissões se modernizem também. Neste caso a Re-orientação é devida, não à uma falta de orientação, ou à uma "má" escolha profissional, mas principalmente devido à mudanças externas, no meio ambiente.

1. Na aposentadoria  - Santos (1990) estudou a identidade pessoal e a aposentadoria e concluiu que existem duas maneiras de encarar a aposentadoria: enquando crise (através da recusa em aceitar esta situação ou da volta ao trabalho por sobrevivência) e enquanto liberdade (através da assistência aos familiares ou da busca do prazer através do lazer). Destas duas modalidades, os primeiros continuam trabalhando, geralmente na mesma atividade profissional ou podem procurar outra ocupação, no sentido de buscarem uma melhor sobrevivência, uma vez que os vencimentos de aposentados não lhe permitem sustentar-se. Os indivíduos da segunda categoria, que se sentem livres, fazem projetos de futuro, geralmente ligados à expansão e muitas vezes voltam a estudar. E um momento especial em suas vidas onde muitas vezes buscam "realizar" o que sempre sonharam mas que por diferentes motivos não puderam fazer anteriormente. Neste momento da vida, existe a possibilidade de procurarem uma Reorientação, pois estão abertos para o futuro. Os individuos do primeiro grupo tem dificuldade em aceitar a aposentadoria e por isso continuam trabalhando, embora sejam eles os que mais necessitariam de um apoio, nesta época de crise mas a recusa em aceitar a aposentadoria os impede de procurar ajuda.

 

A Re-orientação na idade adulta

Gostaria de aprofundar este momento da vida da pessoa que busca a Re-orientação. Se considerarmos a teoria de Super, a fase de permanência ou manutenção da escolha profissional, considerada a maturidade, caracteriza-se pela preocupação de sustentar e manter o posto já alcançado, o lugar alcançado no mundo do trabalho. Ocorre uma desaceleração e uma tendência a concentrar-se no conhecido como fonte de segurança, evitando- se o novo.

Se pensarmos a re-orientação como um "escolher de novo" colocamos o adulto frente à um conflito de desenvolvimento, isto é, se por um lado ele está passando por uma fase de "acomodação e consolidação" por outro lado ele deve voltar a "ser jovem" para poder "escolher de novo", começar de novo uma nova carreira. Tarefa esta que não é fácil para ele.

Soma-se à esta dificuldade o fato que, se os pais estão na meia idade, provavelmente terão filhos adolescentes em fase de primeira escolha profissional. Então pai e filho podem estar passando ao mesmo tempo pela mesma necessidade, de escolher um trabalho. Que consequencias podem existir no relacionamento entre eles, ainda não tivemos a oportunidade de estudar.

Para finalizar gostaria de propor uma definição para a Re-orientação na idade adulta.

RE-ORIENTAR é facilitar o processo de adaptação profissional frente às mudanças exigidas pela modernização e pela globalização. O objetivo maior da re-orientação profissional é trabalhar a relação homem-trabalho, a vivência no desempenho da profissão, os sentimentos experimentados e as mudanças exigidas. E permitir ao indivíduo de progredir em suas sucessivas "escolhas" auxiliando-o a ver a relação existente entre as diversas decisões que vai tomando ao longo de sua vida profissional.

 

Apoio em época de crise

Em época de crise, o psicólogo muitas vezes é chamado a fazer milagres, embora não seja esta a sua função. Mas ele pode sim, escutar, compreender e procurar junto com seu cliente uma possível "RE-ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL", possível!!!

Bleger4 nos diz que a situação mais feliz é aquela em que o trabalho e o hobby coincidem, no sentido de que o trabalho seja, ao mesmo tempo, uma fonte de prazer. Bohoslasky também afirma que o objetivo principal do jovem é a busca da felicidade. Sem um trabalho que possibilite o prazer, não dá para ser feliz. A RE-ORIENTAÇAO é então, um trabalho de prevenção, e consequentemente, uma questão de SAUDE MENTAL.

A Re-orientação de profissional deverá ser um trabalho que aprofunde a questão da identidade vocacional no sentido proposto por Bohoslavsky (1983), isto é: reponder aos "para quê" e "porques" da escolha de determinada profissão. Segundo ele "a identidade vocacional expressa as variaveis de tipo afetivo-motivacional, enquanto a identidade profissional mostra o produto da ação do contexto sócio-cultural sobre aquela". (p.61) "Um modelo de identidade profissional deve especificar de que maneira a identidade vocacional (expressão e síntese das sobredeterminações subjetivas) inclui na determinação da escolha as variáveis do contexto, como uma ordem objetiva de determinações da identidade profissional (respondendo ao quando, onde, com que, com quem e como desempenhar um papel produtivo na estrutura social)." (p. 63).

O trabalho do psicólogo deverá ser no sentido de propor uma integração da identidade vocacional-profissional com a história pessoal e familiar da pessoa. Para isto proponho a utilização de duas técnicas:

A técnica do "Gráfico da Vida Profissional" (Soares, 1987): a pessoa é convidada a expressar de maneira gráfica e projetiva a sua vivência profissional até o momento retomando aspectos importantes da vida profissional passada, as escolhas e decisões mais importantes. Através desta técnica, o adulto tem a oportunidade de fazer um balanço de sua vida profissional, redescobrindo muitas vezes os sonhos e expectativas de jovem que êle não pode realizar. Através do trabalho de re-orientação novas escolhas podem ser realizadas.

A técnica do "Genoprofissiograma": que é a construção de uma árvore genealógica com uma ênfase particular sobre as profissões das três últimas gerações. Trabalha-se principalmente a dimensão vertical (pais, avós e bisavós) e a dimensão horizontal (irmãos, primos e tios). Através deste instrumento procura-se investigar a genealogia das profissões familiares a fim de conhecer sua influência sobre a escolha profissional e encontrar um sentido para as diferentes ocupações desempenhadas pelo adulto em sua vida profissional.

Para finalizar, gostaria de citar a sabedoria popular, como já dizia

Gonzaguinha:

"...um homem se humilha
se castram seus sonhos
seu sonho é sua vida
sua vida o trabalho
e sem o seu trabalho
um homem não tem honra
e sem a sua honra
se morre, se mata
não dá prá ser feliz
não dá prá ser feliz"

 

Bibliografia

Bleger, José. Temas de Psicologia - Entrevista e Grupos. São Paulo, Martins Fontes, 1980,113p.         [ Links ]

Bohoslavsky, Rodolfo. Orientação Vocacional - a estratégia clínica, Ed. Martins Fontes, 1991 (8º edição brasileira)         [ Links ].

Bohoslavsky, Rodolfo. Vocacional, Teoria, Técnica e Ideologia - Cortez Editora, 1983        [ Links ]

Figueira, Sérvulo. O moderno e o arcaico na familia brasileira: notas sobre a dimensão invísivel da mudança social. Uma nova família? O moderno e o arcaico na família brasileira – Rio de Janeiro, Zahar, 1987.

Santos, Maria E. de Souza. Identidade e Aposentadoria, E.P.U. São Paulo, 1990.         [ Links ]

Soares, Dulce Helena. O jovem e a escolha profissional. Ed. Mercado Aberto, 1987.         [ Links ]

 

 

1 Professora Adunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
2 Folha de São Paulo, 03/03/96, Caderno Mais! Pags. 8, 9, 10 e 11.
3 Folha de São Paulo, 03/03/96, Caderno Mais! p. 9.