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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.36 no.90 São Paulo jan. 2016

 

TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

 

 

Conhecimento do nome das letras e habilidades iniciais em escrita

 

The knowledge of letters' names and the beginning skills of spelling

 

El conocimiento del nombre de las letras y las habilidades iniciales en la escritura

 

 

Sylvia Domingos BarreraI,1; Maria José dos SantosII,2

IInstituto de Psicologia USP
IIUniv. Federal de Goiás

 

 


RESUMO

Além da consciência fonológica, o conhecimento do nome das letras tem sido apontado como uma das variáveis que melhor predizem os resultados na aprendizagem da leitura e escrita. Entretanto, uma grande parte dos estudos sobre o tema tem sido realizada na língua inglesa. O objetivo desta pesquisa é analisar as relações entre conhecimento do nome das letras, escrita inventada de palavras e habilidades em consciência fonológica em pré-escolares brasileiros, falantes do português. Participam da pesquisa 35 crianças (20 meninas e 15 meninos) com idades variando entre 5 anos e 7 meses e 6 anos e 10 meses de idade, alunos de uma pré-escola pública que atende famílias de baixa renda. Os participantes responderam a provas de conhecimento de letras e consciência fonológica. Também foram solicitados a escrever palavras que diferiam entre si em função do nome da consoante inicial das palavras poder ser detectado integralmente (ex: dedo) ou apenas parcialmente (ex: bicicleta; limão; mandioca) na pronúncia das mesmas. Os resultados indicam forte correlação entre conhecimento do nome das letras e escrita, sendo que o efeito facilitador do conhecimento do alfabeto sobre a escrita é significativamente maior no caso do nome da letra poder ser identificado no início da palavra a ser escrita. Conclui-se que o conhecimento do nome das letras constitui uma das habilidades fundamentais para o domínio dos sistemas alfabéticos de escrita também na língua portuguesa.

Palavras-chave: conhecimento de letras; alfabetização; escrita


ABSTRACT

In addition to the phonological awareness, the letters name knowledge has been pointed out as one of the best predictors of results in reading and writing learning. However, most studies about the subject have been conducted in English. The objective of this research is to analyze the relationship between knowledge of letter names, invented spelling skills and phonological awareness in Brazilian preschool children, speakers of Portuguese. The participants were 35 children (20 girls and 15 boys) aged between 5 years and 7 months and 6 years and 10 months, students of a public preschool that serves low-income families. Participants responded to proofs of letter knowledge and phonological awareness. They were also asked to write words that differed depending if the initial consonant of words could be fully detected or only partially detected in the pronunciation thereof. The results indicate a strong correlation between the knowledge of letter names and writing, and the facilitating effect of alphabet knowledge about writing is significantly higher in the case of a letter name that can be identified at the beginning of the word to be written. It was concluded that knowledge of letter names is one of the fundamental skills for the grasp of alphabetic writing system also in Portuguese.

Keywords: letters' father knowledge; literacy; spelling.


RESUMEN

Además de la conciencia fonológica, el conocimiento de los nombres de las letras ha sido considerado como una de las variables que mejor predicen los resultados en el aprendizaje de la lectura y de la escritura. Sin embargo, una gran parte de los estudios sobre el tema han sido realizados solo en lengua inglesa. El objetivo de esta investigación es analizar la relación entre el conocimiento de los nombres de las letras, la escritura inventada de palabras y las habilidades de conciencia fonológica en niños preescolares de Brasil, hablantes de portugués. Los participantes fueron 35 niños (20 niñas y 15 varones) con edades comprendidas entre los 5 años y 7 meses y 6 años y 10 meses de edad, estudiantes de una escuela preescolar pública al servicio de las familias de bajos ingresos. Los participantes respondieron a las pruebas de conocimiento de las letras y de conciencia fonológica. También se les pidió escribir palabras que diferían entre sí en función del nombre de la consonante inicial de las palabras y que pueden ser detectados por completo (por ejemplo: dedos) o sólo parcialmente (por ejemplo: bicicleta, limón, yuca) en la pronunciación de las mismas. Los resultados indican una fuerte correlación entre el conocimiento de los nombres de las letras y la escritura, siendo que el conocimiento del alfabeto trae un efecto facilitador sobre la escritura, y es significativamente mayor en el caso del nombre de la letra a ser identificada al comienzo de la palabra a ser escrita. A partir de estos resultados se desprende que el conocimiento del nombre de las letras constituye una habilidad fundamental para el dominio del sistema de escritura alfabética también en portugués, tal como en el inglés.

Palabras clave: conocimiento de las letras; alfabetización; escritura.


 

 

Introdução

Aprender a ler é uma das grandes realizações na infância porque é um dos fundamentos para a aprendizagem e sucesso acadêmico. Portanto não é surpreendente que pesquisadores busquem melhor compreensão do processo de desenvolvimento da aquisição da linguagem escrita e que educadores busquem informações sobre como melhor ajudar as crianças a ler e escrever.

Shanahan e Lonigan (2010) descrevem os principais resultados do The National Early Literacy Panel (NELP) - estudo de metaanálise publicado nos Estados Unidos em 2008, que buscou identificar as habilidades e competências infantis que melhor predizem o desempenho posterior na aprendizagem da leitura e da escrita. O NELP sumarizou resultados de 500 pesquisas correlacionais e experimentais, concluindo que seis habilidades mostraram correlações preditivas de moderadas a fortes com posteriores medidas de alfabetização, como decodificação e compreensão em leitura e escrita (mesmo quando fatores como QI e status socioeconômico são controlados): conhecimento do alfabeto; consciência fonológica, nomeação rápida de letras/dígitos; nomeação rápida de objetos/cores; escrita do nome; e memória fonológica.

Com efeito, a habilidade para identificar e manipular os sons da fala, conhecida como consciência fonológica, tem sido apontada como um dos melhores determinantes do sucesso na aquisição inicial da leitura (Bus & Van Ijzendoorn, 1999; Ehri, Nunes, Willow, Schuster & Yaghoub-Zadeh, 2001; Wagner & Torgensen, 1987), em especial no que se refere à consciência fonêmica (Melby-Lervag, Lyster & Hulme, 2012).

O conhecimento das letras também surge como um fator importante na aprendizagem da leitura. Resultados de diversas pesquisas têm sugerido uma forte correlação entre conhecimento do nome das letras e sucesso na aprendizagem inicial da linguagem escrita (Cardoso-Martins & Batista, 2005; Cardoso-Martins, Corrêa & Marchetti, 2008; Levin, Patel, Kushnir & Barad, 2002; Treiman & Kessler, 2003). Segundo Morais, Leite e Kolinsky (2013), depois da consciência fonêmica, o conhecimento do nome das letras "é uma das variáveis que melhor predizem as diferenças interindividuais em leitura" (p. 27). De acordo com Bowey (2013), a sensibilidade fonológica e o conhecimento do nome das letras podem ser considerados co-determinantes da capacidade inicial de leitura.

Na literatura da área é possível encontrar várias hipóteses explicativas para esta relação. A interpretação mais comum é a de que as diferenças individuais no conhecimento do nome das letras refletem o ambiente educacional familiar da criança. Determinados ambientes familiares, além de proporcionarem a aprendizagem do nome das letras também promovem um conjunto de práticas que facilitam o processo de alfabetização (Share, 2004).

Outra hipótese é a de que o conhecimento do nome das letras seria um substituto da medida de memória fonológica. A memória fonológica seria, então, responsável tanto pelo conhecimento do nome das letras como pela habilidade inicial em leitura e escrita (de Jong & Olson, 2004). Resultados de pesquisas demonstram que habilidades iniciais de leitura estão associadas com a recordação imediata, de curto e de longo prazo do material fonológico, tal como acessado a partir de tarefas de memória de pseudo-palavras faladas (Gindri, Keske-Soares & Mota, 2007; Kibby e cols., 2004; Stanovich, 2000, Wagner & Torgesen, 1987). De acordo com essa hipótese do substituto fonológico, assim como as pseudopalavras, o nome das letras consiste em sequências fonológicas sem significado, e sua memorização dependeria muito de processos de memória fonológica. Desta forma, a memória fonológica, ou seja, a habilidade para estocar a informação fonológica, seria a causa comum tanto para o conhecimento do nome das letras como para a habilidade inicial de leitura. Haveria, portanto, uma falsa relação entre conhecimento do nome das letras e habilidades iniciais de leitura (Share, 2004). Com efeito, ao investigarem a relação entre memória fonológica e diferenças individuais em conhecimento do nome das letras, Jong e Olson (2004) encontraram resultados que apontam efeitos específicos da memória fonológica sobre a aquisição do nome das letras, sugerindo um papel causal.

A hipótese da familiaridade visual também tem sido proposta como explicativa para a relação entre conhecimento do nome das letras e aquisição inicial da linguagem escrita. De acordo com essa visão, o conhecimento do nome das letras ativaria a familiaridade da criança com a forma das letras (Ehri, 1986). Esse conhecimento funcionaria como um indicador da forma e orientação das diferentes letras.

Há também a hipótese de que o conhecimento do nome das letras sensibiliza o aprendiz para a natureza fonológica da escrita, pois o nome de muitas letras corresponde aos fonemas ouvidos nas palavras (de Abreu & Cardoso-Martins, 1998; McBride-Chang & Treiman, 2003; Cardoso-Martins & Batista, 2005, Treiman & Kessler, 2003). Há evidências de que as crianças utilizam seu conhecimento do nome das letras nas tentativas de conectar a escrita à fala (Treiman & Kessler, 2003; Levin e cols., 2002; Cardoso-Martins & Batista, 2005).

Considerando-se que o conhecimento do nome das letras frequentemente é anterior ao conhecimento do som das letras e que o nome das letras muitas vezes contém sons relevantes das letras, autores têm sugerido que o conhecimento do nome das letras facilitaria o domínio da correspondência letra/som, necessário para o desenvolvimento da habilidade de decodificação (Ehri, 1986; Stuart & Coltheart, 1988, Treiman & Kessler, 2003).

Carrol (2004) investigou a influência do conhecimento de letras sobre habilidades de consciência fonêmica em dois estudos: um longitudinal e outro de intervenção com treinamento do nome das letras. Nos dois estudos o conhecimento das letras mostrou-se relacionado com habilidades de consciência fonêmica, especialmente com habilidades de segmentação fonêmica. Share (2004) investigou a hipótese de que os benefícios do conhecimento do nome das letras sobre habilidades de leitura inicial dependeriam de habilidades fonêmicas. Os resultados apoiam o argumento de que os benefícios do conhecimento do nome das letras dependem da habilidade para isolar fonemas nas sílabas faladas. Em estudo sobre a relação entre conhecimento de letras e consciência fonêmica, Foy e Mann (2006) não encontraram relação de causalidade entre eles. Os resultados sugerem uma interação entre essas duas habilidades. Embora haja fortes evidências da relação entre conhecimento do nome das letras e consciência fonêmica, os diferentes achados indicam a necessidade de outras pesquisas que investiguem melhor a natureza desta relação.

Considerando o grande número de hipóteses explicativas para a relação entre conhecimento do nome das letras e habilidades iniciais de leitura, é possível pensar que talvez nenhuma delas sozinha consiga explicar a força preditora do conhecimento do nome das letras. Pode ser que a força preditora desse conhecimento esteja ligada tanto a uma medida multidimensional de conhecimentos importantes, como a fatores cognitivos e não cognitivos (Share, 2004).

Os estudos de Chiappe, Siegel e Gottardo (2002) e Muter e Diethelm (2002) investigaram crianças pré-escolares com diferentes experiências linguísticas, e os resultados sugerem que o conhecimento do alfabeto e as habilidades de consciência fonológica foram os dois melhores preditores da aprendizagem inicial da leitura. Em outros estudos, as crianças com conhecimento das letras do alfabeto também apresentavam bom desenvolvimento da consciência fonológica (Stahl & Murray, 1994; Stuart & Coltheart, 1988; Vellutino & Scanlon, 1987), sendo que resultados semelhantes também foram encontrados entre não leitores (Bowey, 1994; Bowey & Francis, 1991; Wagner, Torgensen & Rashotte, 1994). Entretanto a relação entre conhecimento das letras e consciência fonológica não é ainda bem entendida. A aquisição da consciência fonológica, particularmente da consciência fonêmica, parece estar associada tanto com o desenvolvimento de representações fonológicas, como com a exposição à alfabetização (Mann & Foy, 2003).

No Brasil existe um número considerável de pesquisas que investigaram a relação entre consciência fonológica e aquisição da linguagem escrita do português (Barrera & Maluf, 2003; Capellini & Ciasca, 2000; Capovilla & Capovilla, 1997, 1998, 2000; Cardoso-Martins, 1991; Carnio & Santos, 2005; Guimarães, 2003; Santos & Maluf, 2004;). Entretanto, são poucos os estudos que examinaram a relação entre conhecimento do nome das letras e aquisição da linguagem escrita (Cardoso-Martins, Resende & Rodrigues, 2002; Cardoso-Martins & Batista, 2005), bem como a relação entre esse conhecimento e habilidades de consciência fonológica.

Baseada na teoria de Ehri (1986; 2013) sobre o reconhecimento e a escrita de palavras, Cardoso-Martins e Batista (2005) investigaram a hipótese de que crianças falantes do português utilizam seu conhecimento do nome das letras para conectar a escrita à fala. Para isso, aplicaram quatro tarefas: (1) conhecimento do nome das letras, (2) conhecimento do som das letras, (3) leitura de palavras e (4) escrita inventada. Os resultados obtidos sugerem que quando o nome da consoante inicial da palavra pode ser ouvido na pronúncia da palavra, as crianças, em tentativas de escrita, registraram a primeira letra corretamente mais frequentemente do que para palavras cujo nome da consoante inicial não pode ser ouvido. Por exemplo, na pronúncia das palavras telefone e dedo em que é possível ouvir claramente o nome das letras t e d, as crianças usaram com maior frequência as consoantes t e d, para registrar as respectivas palavras, mas nas palavras tartaruga e dado, em que não se ouve o nome das consoantes t e d na pronúncia das palavras, o mesmo não aconteceu. Esses achados sugerem que as crianças falantes do português também se beneficiam do conhecimento do nome das letras nas suas tentativas de escrita.

Os resultados obtidos por Pollo, Treiman e Kessler (2008) com pré-escolares brasileiros sugerem que a escrita inicial das crianças pode ser influenciada pelo nome das letras, mesmo quando a correspondência entre o nome da letra e o som ouvido no início das palavras é parcial ou incompleta, por exemplo, usando a letra H (a'gá) em suas tentativas de escrever palavras começadas com a sílaba ga, como gado. Outro resultado importante desse estudo diz respeito ao fato de que palavras começadas com a sílaba ca também provocaram maior uso da letra H como consoante inicial, o que sugere certa dificuldade com a discriminação entre sílabas que começam por fonemas surdos e sonoros, como /ca/ e /ga/, respectivamente.

Nosso objetivo nesse trabalho é adicionar conhecimento a essa área de investigação em língua portuguesa, através da análise das relações entre conhecimento do nome das letras, escrita inventada de palavras e habilidades em consciência fonológica em um grupo de crianças pré-escolares. As questões que nos propomos responder são: Existe correlação entre consciência fonológica, conhecimento do nome das letras do alfabeto e habilidades iniciais de escrita em pré-escolares? Em caso positivo, qual a natureza dessa correlação?

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 35 crianças (20 meninas e 15 meninos) com idades variando entre 5 anos e 7 meses e 6 anos e 10 meses de idade (idade média de 6 anos e 2 meses), matriculadas no último ano da Educação Infantil de uma préescola pública que atende famílias de baixa renda.

Instrumentos e Procedimentos

Foram aplicadas tarefas para avaliar o conhecimento do nome das letras, as habilidades de consciência fonológica e as habilidades de escrita de palavras.

Tarefa de Conhecimento do Nome das Letras. Constou de 26 cartões sendo que, em cada um foi registrada uma letra do alfabeto, em letra de imprensa e caixa alta. Foram apresentadas letras maiúsculas, tendo em vista a evidência de que as crianças nesta faixa etária (5 a 6 anos) têm mais familiaridade com as letras maiúsculas do que com as letras minúsculas (Ehri, 1986).

O examinador apresentava um cartão com as letras do alfabeto, em ordem aleatória, e pedia para a criança nomear cada uma delas. Foi atribuído um ponto para cada letra identificada corretamente (pontuação: 0 a 26 pontos)

Tarefa de Consciência Fonológica. Esta prova, elaborada com base no instrumento proposto por Capovilla e Capovilla (2000) é composta por sete itens experimentais e foi aplicada individualmente aos participantes, em sua forma oral:

(1) Síntese silábica - a criança deve unir as sílabas faladas pelo aplicador, dizendo que palavra resulta da união. Ex: /ca/ - /ne/ - /ta/ = /caneta/

(2) Rima - a criança deve julgar, dentre três palavras, quais são as duas que terminam com o mesmo som. Ex: /queijo/ -/moça/ - /beijo/ = /queijo/ - /beijo/

(3) Aliteração - a criança deve julgar, dentre três palavras, quais são as duas que começam com o mesmo som. Ex: /fada/ - /face/ - /vila/ = /fada/ - /face/

(4) Segmentação silábica - a criança deve separar uma palavra falada pelo aplicador nas suas sílabas correspondentes. Ex: /fazenda/ = /fa/ - /zen/ - / da/

(5) Manipulação silábica - a criança deve subtrair silabas de palavras dizendo qual a palavra formada. Ex: subtrair /da/ da palavra /salada/ = /sala/

(6) Manipulação fonêmica - a criança deve adicionar e subtrair fonemas de palavras dizendo qual a palavra formada. Ex: subtrair /o/ da palavra /solo/

(7) Transposição silábica - a criança deve inverter as silabas de palavras dizendo qual a palavra formada. Ex: inverter as sílabas de /lobo/ = /bolo/ Cada prova era composta por quatro itens, valendo um ponto cada item (Pontuação máxima = 28 pontos)

Tarefa de Escrita. Foi empregada a mesma tarefa utilizada por Cardoso-Martins e Batista (2005). A tarefa consistiu em um ditado de 11 pares de palavras, sendo que 11 palavras foram ditadas em uma sessão e 11 palavras no dia seguinte. Das 22 palavras ditadas, em sete delas era possível ouvir o nome da consoante inicial na pronúncia das palavras, como por exemplo: beijo (bê); em outras sete não era possível ouvir o nome da letra no início da palavra, mas o fonema era detectado no início do nome da letra como, por exemplo: bicicleta; em quatro palavras, parte do nome da letra - a sílaba final - era ouvida na pronúncia da palavra, como por exemplo: miolo (mi) e nas outras quatro palavras a primeira letra da palavra correspondia ao fonema do meio do nome da palavra, como por exemplo em mandioca. Esta tarefa foi aplicada coletivamente. As palavras utilizadas foram as seguintes:

1º dia: Beijo, Dedo, Queijo, Veia, Telefone, Geladeira, Zebra, Miolo, Figo, Limão, Riacho.

2º dia: Bicicleta, Dado, Quiabo, Vacina, Tartaruga, Girassol, Zorro, Mandioca, Faca, Laranja, Rapadura.

A Tabela 1 apresenta as palavras utilizadas na prova de escrita, de acordo com a relação entre a parte do nome da letra inicial e o som detectado na pronuncia da palavra.

Cada grupo de palavras foi considerado como uma tarefa de escrita:

Tarefa de escrita 1 (TE 1): é possível ouvir o nome da consoante inicial na pronúncia das palavras (palavra-nome inteiro da letra): Beijo, Dedo, Queijo, Veia, Telefone, Geladeira, Zebra.

Tarefa de escrita 2 (TE 2): não é possível ouvir o nome da letra no início da palavra, mas o fonema é detectado no início do nome da letra (palavra-fonema inicial do nome da letra): Bicicleta, Dado, Quiabo, Vacina, Tartaruga, Girassol, Zorro.

Tarefa de Escrita 3 (TE 3): parte do nome da letra - a sílaba final - é ouvida na pronúncia da palavra (palavra-sílaba final do nome da letra): Miolo, Figo, Limão, Riacho.

Tarefa de Escrita 4 (TE 4): primeira letra da palavra corresponde ao fonema do meio do nome da letra (palavra-fonema no meio do nome da letra): Mandioca, Faca, Laranja, Rapadura.

Critério de análise

As palavras foram analisadas individualmente, considerando-se o registro de consoante inicial correta ou o registro correto da vogal da primeira sílaba, cujo som era audível. Computou-se o número de palavras iniciadas pela consoante correta e pela vogal que acompanhava a consoante em cada uma das categorias de palavras. Exemplos:

1. A criança registrou QULRB para a palavra QUEIJO. Neste caso contouse como uma palavra iniciada por consoante adequada (1 ponto).

2. A criança registrou EADA para a palavra ZEBRA. Neste caso contou-se como uma palavra iniciada por vogal adequada (1 ponto).

3. A criança registrou OEI para a palavra TELEFONE. Neste caso considerouse como uma palavra não iniciada por consoante ou vogal adequada (0 ponto).

Nas tarefas de escrita 1 e 2 a criança poderia receber pontuação entre 0 e 7 pontos. Nas tarefas 3 e 4 a criança poderia receber pontuação entre 0 e 4 pontos.

Procedimentos Éticos:

O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (CEP 133/2009).

 

Resultados

Analisando-se os resultados das crianças nas provas de conhecimento do nome das letras (CL), consciência fonológica (CF) e tarefas de escrita através do teste de Kolmogorov-Smirnov, verificou-se que a única variável que apresentou distribuição normal foi CF, o que justifica a escolha de testes não paramétricos para a análise dos dados obtidos.

1. Correlações entre as variáveis

Conforme pode ser observado na Tabela 2, apresentada a seguir, foram encontradas correlações significativas positivas entre as três variáveis estudadas, sendo que o Conhecimento de Letras (CL) apresentou correlação moderada com a consciência fonológica (rs= 0,45) e forte correlação com a escrita (rs= 0,77). A consciência fonológica e a escrita, por sua vez, também se correlacionaram de forma moderada (rs= 0,48). Realizando-se os cálculos de correlação parcial, foi observado que, controlando-se o efeito da CF, a correlação entre CL e escrita ainda permanece significativa e elevada (r=0,65; p =0,000). Entretanto, as correlações moderadas entre CL e CF e entre CF e escrita, observadas anteriormente, passam a não ser mais significativas quando são controlados os efeitos da escrita e do conhecimento de letras, respectivamente.

2. Comparação dos resultados das tarefas de Escrita, em função da parte do nome da letra inicial detectada na pronúncia das palavras.

Foram comparados separadamente os resultados dos participantes nas tarefas de Escrita 1 e 2 e, posteriormente, nas tarefas 3 e 4. Para a realização dessas análises foi utilizado o Teste de Wilcoxon, prova não paramétrica que permite a comparação de duas amostras relacionadas (duas pontuações obtidas de uma mesma amostra de participantes). Inicialmente, portanto, comparou-se o desempenho dos participantes na escrita correta de vogais e consoantes encontradas no início das palavras ditadas, lembrando que na tarefa de Escrita 1 o nome da consoante podia ser facilmente identificado (ex: dedo) enquanto na tarefa de Escrita 2 isso não acontecia (Ex: dado).

A Tabela 3, apresentada a seguir, descreve os resultados obtidos.

Os resultados obtidos com o teste de Wilcoxon indicam diferença significativa na escrita correta da primeira consoante (Z= - 4,549; p= 0,000) e da primeira vogal (Z= - 4,242; p= 0,000), de acordo com a possibilidade de ouvir o nome da letra no começo da palavra a ser escrita. Esses resultados nos permitem concluir que, na situação Escrita 1, onde era possível ouvir o nome todo da letra no início da palavra ditada, foi observada maior frequência de acertos na escrita da consoante inicial do que na situação de Escrita 2, onde isso não era possível. No caso da Tarefa de Escrita 2, entretanto, prevaleceu o acerto da escrita da vogal presente na sílaba inicial, também com diferença estatisticamente significativa. Tais resultados sugerem que, na impossibilidade de identificar claramente o nome da letra (consoante) inicial da palavra a ser escrita, a atenção da criança se volta para a primeira letra cujo nome pode ser mais facilmente identificável, no caso a vogal da sílaba inicial.

Comparando agora os resultados obtidos nos acertos de vogais e consoantes das tarefas de Escrita 3 (onde o som final do nome da letra poderia ser detectado no início da palavra ditada, Ex: LIMÃO) com a situação de Escrita 4 (na qual o som do meio do nome da letra podia ser identificado no início da palavra ditada Ex: LARANJA), não foram encontradas diferenças significativas entre as provas no que se refere à escrita correta de consoantes (Z= - 0,462; p= 0,644), nem de vogais (Z= - 0,854; p= 0,393), de acordo com o Teste de Wilcoxon aplicado a partir dos dados sintetizados na Tabela 4, apresentada a seguir.

 

Discussão

O estudo realizado teve como objetivo analisar as relações entre conhecimento do nome das letras, escrita de palavras e habilidades em consciência fonológica em um grupo de crianças pré-escolares, buscando identificar qual a contribuição do conhecimento do nome das letras para as habilidades iniciais de fonetização da escrita, passo fundamental para a compreensão do princípio alfabético. Os resultados obtidos nas análises correlacionais indicam forte associação entre as pontuações obtidas na prova de conhecimento das letras e a soma das pontuações das tarefas de escrita, o que vem a corroborar resultados de pesquisas que apontam o conhecimento das letras como uma das habilidades de letramento emergente fundamentais para o domínio dos sistemas alfabéticos de escrita (Morais e cols., 2013; Shanagan & Lonigan, 2010; Treiman & Kessler, 2003). Esses resultados vêm a corroborar também a teoria de Ehri (2013) sobre a importância do conhecimento do nome das letras na aprendizagem da escrita, particularmente na transição da fase pré-alfabética (na qual as crianças ainda não estabelecem relação entre letras e sons) para a fase alfabética parcial (na qual algumas relações letra-som já são conhecidas e aplicadas na escrita, sobretudo no começo e final das palavras).

Os resultados obtidos nos permitem supor, portanto, que as crianças utilizam seus conhecimentos do nome das letras para avançar em sua competência em estabelecer relações entre letras e sons, o que parece auxiliá-las na compreensão do princípio alfabético, embora este dependa, para ser plenamente dominado, de análises fonêmicas, as quais requerem maior grau de abstração na elaboração das representações fonológicas (Morais, 2013). Com efeito, isso pode ajudar a explicar porque não foi obtida correlação significativa na presente pesquisa entre consciência fonológica e escrita, quando se controlou o efeito do conhecimento das letras, uma vez que apenas uma das sete provas que compunham o teste de consciência fonológica utilizado avaliava a consciência fonêmica, sendo que esta habilidade tem sido considerada, por vários autores (Melby-Lervag e cols., 2012), como a mais fortemente correlacionada e principal preditora do desempenho em leitura e escrita.

Com relação às comparações dos acertos na escrita das letras iniciais em função da parte do nome da letra detectada na pronuncia das palavras, nossos resultados corroboram aqueles obtidos por outros autores (Ehri, 2013; Cardoso-Martins & Batista, 2005; Treiman & Kessler, 2003), sugerindo que as crianças utilizam seu conhecimento do nome das letras em suas tentativas precoces de escrita, beneficiando-se, portanto, quando solicitadas a escrever palavras que começam com sons correspondentes ao nome das letras conhecidas. Entretanto, a possibilidade de identificação de partes mediais ou finais do nome das letras não parece ter o mesmo efeito facilitador, contrariando assim os resultados obtidos por Pollo e cols. (2008). Uma possível explicação para essa diferença nos resultados obtidos provavelmente diz respeito ao fato do estudo de Pollo e cols. (2008) ter utilizado como estímulo alvo uma unidade fonológica tônica do nome da letra (no caso, a sílaba final ga do nome da letra H) enquanto no presente estudo, realizado com os mesmos estímulos da pesquisa de Cardoso-Martins e Batista, a unidade sonora parcial do nome da letra a ser identificada correspondia a uma sílaba átona, por exemplo, a sílaba final li, no caso do nome da letra L (eli), diminuindo, portanto, sua saliência perceptiva.

 

Considerações Finais

Analisando os resultados de modo global podemos concluir que o conhecimento do nome das letras, embora importante para apoiar o insight de que a escrita é uma forma de representação da fala, e, portanto, fundamental para a compreensão do princípio alfabético, não parece ser suficiente, por si só, para apoiar o domínio do sistema alfabético de escrita, sendo necessário, que as propostas de ensino voltadas para a alfabetização invistam também no desenvolvimento da consciência fonológica, sobretudo ao nível fonêmico, bem como no trabalho sistemático com as correspondências entre letras (grafemas) e sons (fonemas).

Algumas limitações do presente estudo, que poderão ser sanadas em futuras pesquisas dizem respeito ao número relativamente reduzido de participantes da amostra, bem como ao tipo de estímulos utilizados que deverão considerar também a tonicidade envolvida nos segmentos sonoros que compõem o nome das letras.

 

Referências

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Recebido: 05/10/2015 / Corrigido: 03/02/2016 / Aprovado: 10/03/2016.

 

 

1 Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo IPUSP. Professora do Depto. de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP Endereço: Av. dos Bandeirantes, 3900 / CEP 14040-901 / Ribeirão Preto - SP / Tel.: (16) 3315-3797. E-mail: sdbarrera@ffclrp.usp.br
2 Doutora em Psicologia da Educação pela PUC/SP Professora Adjunto na Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão Endereço: Av. Dr. Lamartine Pinto de Avelar, 1120, Setor Universitário - CEP 75704-020 / Tel.: (64) 3441 5351 - E-mail: majossantos@gmail.com

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