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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.7 no.12 São Paulo  2002

 

EDITORIAL

 

 

Was du ererbt von deinen Väter hast, Erwib es, um es zu besitzen, aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu1.

Pela boca de Goethe, Freud pronuncia o dilema que toma o sujeito em sua passagem pela adolescência: a comprovação de uma transmissão.

Ter um corpo, uma imagem de corpo, uma representação de si não bastam para que o sujeito se sustente na relação ao Outro. Urge uma outra montagem sobre o corpo, uma outra imagem, um outra' sentido; urge uma passagem do circuito pulsional para o circuito social. Como conseguir tal façanha senão a partir da transmissão de um desejo materno não anônimo e da lei paterna?

A adolescência como um momento lógico na constituição subjetiva não surpreende mais os psicanalistas acostumados com Freud a ler na vida adulta o que há de infantil aí. Como podemos compreender e atualizar as questões intrigantes a Freud no início do século passado em torno dos efeitos da puberdade na vida psíquica?

Os estudos psicanalíticos sobre a adolescência ganham terreno em nossos dias. Transformações sociais trazidas pela globalização colocam em cheque a potencialidade da estrutura familiar como a transmissora da lei e do desejo. Novas referências surgem para as crianças e para os jovens que, habilmente precisam integrá-las para ter aí, após um grande esforço, algum porto seguro para as suas angústias.

Neste cenário, psicanalistas, educadores e outros profissionais da saúde, diante de um adolescente, têm suas referências teóricas e suas posições interrogadas pelo modo particular de sofrimento deste sujeito. Restam a nós, psicanalistas, educadores ou outro profissional engajado nesta causa, a dos 'rebeldes com causa', escutar, ler, reler, discutir, conjecturar, enfim, fazer circular saberes. Deste movimento podem surgir respostas para os adolescentes.

De um modo mais sistemático, nesta edição da Revista Estilos da Clínica inauguramos a discussão sobre os problemas da infância agora ampliados à adolescência. Em outros números encontramos esta ampliação do lado dos bebês; podemos pensar que isto é efeito de uma releitura psicanalítica sobre a infância. Nas páginas que se seguem encontraremos ensaios teórico-clínicos sobre a adolescência, especialmente nas partes Dossiê, Experiências institucionais e Entrevista.

No artigo de Ana Costa encontramos um estudo sobre a tatuagem em adolescentes. A tatuagem é vista não somente como uma pintura, mas também como uma escarificação, que pretende garantir a coletivização e a singularidade. Na adolescência, a tatuagem pode ser um suporte para a circulação social do corpo. O tatuar-se na passagem adolescente situa uma forma de repetição da impressão primária apresentando uma dupla função: a de traço e a de escrita.

A partir de uma pesquisa com professores de adolescentes, Beatriz Cruz Gutierra persegue a posição particular do adolescente em relação ao adulto: o de checá-lo bem como o de checar os mandatos do mundo adulto. Ela ressalta a existência de traços marcantes da posição subjetiva dos mestres de adolescentes em seu ato de transmissão, reconhecendo neles duas características fundamentais: a posição de semblante de saber e a capacidade de aposta no potencial do adolescente.

O artigo de Cicília Ribas aborda as investigações sobre a descompensação psicótica na adolescência, levando em consideração a história dos pais (na infância e na adolescência) e a história dos adolescentes em crise. Há um alerta para o perigo de se tomar a problemática dos pais como papel determinante na psicose dos filhos.

A partir da narrativa de um caso clínico de um adolescente psicótico, Teresa Rebelo e Isée Bernateau apresentam uma modalidade de intervenção psicopedagógica que possibilita ao paciente um trabalho de restauração narcísica pela via literária e pela escrita.

Já Marion Minerbo aborda a problemática do enquadre nos tratamentos de adolescentes comprometidos ao discutir o enquadramento clínico a partir da noção de inconsciente e de transferência. A experiência do trabalho institucional é tida como uma modificação no enquadre clínico, mas não no método psicanalítico.

Marion Minerbo e Priscila de Oliveira Galvani apresentam os eixos fundamentais do Instituto Therapon Adolescência, instituição especializada no atendimento de adolescentes com transtornos graves, e discutem, através de um caso clínico, a escuta da família. O trabalho institucional surge como uma indicação para casos em que o tratamento clássico psicanalítico não encontra ressonância; a proposta da intervenção institucional está assentada na hipótese de que se podem reconstruir vínculos em espaços de convivência coletivos.

Em uma entrevista a Gislene Jardim, Bernard Penot transmite um modo de abordagem da adolescência em pacientes graves. Ao recuperar a história da fundação do Hospital-Dia para adolescentes do parque Montsouris, Penot apresenta o trabalho institucional do CEREP em seus vários aspectos: da teorização da montagem institucional ao funcionamento psíquico do psicótico adolescente como foco das intervenções clínicas.

Transmissão é o que está em jogo aqui. Dos pais como elos da cultura para os adolescentes, dos psicanalistas que ensaiam, mais uma vez, uma reviravolta na teoria psicanalítica... Boa leitura!

 

Gislene Jardim

 

 

1 Freud, S. (1913-14) Totem e tabu. In Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Tradução sob a direção de Jaymc Salomão, Rio de Janeiro, 1989, vol. 13, p. 188.