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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.22 no.1 São Paulo abr. 2017

https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i1p29-44 

ARTIGO

 

Expectativas parentais na temporalidade contemporânea

 

Parental expectations in contemporaneous temporality

 

Expectativas parentales en la temporalidad contemporánea

 

 

Terezinha Féres-CarneiroI; Renata MelloII; Rebeca Nonato MachadoIII; Andrea Seixas MagalhãesIV

IProfessora Titular do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIPós-doutoranda em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIIPós-doutoranda em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IVProfessora Assistente do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo avaliar as expectativas parento-filiais na temporalidade contemporânea. Foram realizadas entrevistas com 132 membros de famílias heteroparentais e homoparentais, dos segmentos médios da população carioca, com diferentes configurações. As entrevistas foram analisadas pelo método de análise de conteúdo. Observamos que os ideais da sociedade engendram mudanças no modo de se pensar os projetos de vida da geração seguinte. Constatamos que a maioria dos pais e dos filhos apresenta expectativas voltadas para a profissão, apontando para a representação de um futuro trabalhador. Tal representação torna equivalente, muitas vezes, o processo de desenvolvimento humano ao processo de crescimento profissional.

Descritores: parentalidade; expectativas; desenvolvimento infantil; contemporaneidade.


ABSTRACT

This study proposes a reflection on parent-child expectations in contemporaneous temporality. We conducted semi-structured interviews with 132 members of heterosexual and homosexual-parent families, belonging to the middle-class of Rio de Janeiro, Brazil, with different configurations. The interviews were analyzed using the content analysis method. We noted that the current ideals of society engender changes upon the way of thinking the life projects of the next generation. We concluded that most parents and most children present expectations facing the profession, pointing to the representation of a future employee. Such representation often makes the process of human development equivalent to the process of professional growth.

Index terms: parenthood; expectations; child development; contemporaneity.


RESUMEN

Este trabajo propone una reflexión sobre las expectativas parentales en la temporalidad contemporánea. Se aplicaron entrevistas semiestructuradas a 132 miembros de familias heteroparentales y homoparentales, pertenecientes a la clase media de Rio de Janeiro, con diferentes configuraciones. Se analizaron las entrevistas mediante el método de análisis de contenido. Se observó que los ideales vigentes en la sociedad generan cambios en el modo de pensar los proyectos de vida de la generación siguiente. Se concluye que la mayoría de los padres y los niños presenta expectativas en cuanto a la profesión, lo que les muestra la representación de un futuro empleado. Esta representación iguala a menudo el proceso de desarrollo humano al proceso de crecimiento profesional.

Palabras clave: parentalidad; expectativas; desarrollo infantil; contemporaneidad.


 

 

Introdução

A célebre frase do filósofo e poeta francês Paul Valéry (2002) "O futuro não é mais o que era" enuncia a passagem de um tempo a outro e nos inspira a refletir sobre as expectativas parentais na temporalidade contemporânea. Afinal, o que os pais esperam para o futuro dos filhos nos tempos atuais? Certamente, não é mais possível aos pais hoje imaginar o futuro dos filhos como imaginavam seus próprios pais poucas décadas atrás. Quanto a isso, não nos restam dúvidas. Não existe mais uma linha reta e progressiva que relaciona tempo e história como antigamente. Na era das realidades flexíveis e da liberdade de escolha, o futuro deixa de ser algo predestinado para se transformar em projeto de vida a ser alcançado.

As expectativas parentais com relação ao futuro dos filhos em dúvida nos informam mais sobre a realidade das crianças nos tempos de hoje do que sobre o amanhã dos adultos por vir. Tal como sugere Lapujade (2013), as projeções para o futuro não são outra coisa senão um "diagnóstico do presente", pois o futuro é sempre incerto, indeterminado e, em grande parte, imprevisível. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é avaliar as expectativas parento-filiais na temporalidade contemporânea. Não se trata aqui de lastimar as perdas dos referenciais tradicionais, tampouco buscar uma relação de causa e efeito, mas, sobretudo, refletir sobre os projetos dos pais em relação aos filhos e suas ressonâncias na construção da biografia filial.

 

Temporalidade contemporânea

O mundo contemporâneo vem sendo alvo de numerosas reflexões críticas entre os pensadores de diversas áreas, sobretudo, nas artes e ciências humanas. Muitos autores buscam apreender as mutações em curso na sociedade a partir de conceituações próprias, por vezes, superpostas, tais como: "pós-modernidade" (Lyotard, 1986), "modernidade reflexiva" (Beck, Giddens, & Lasch, 1997), "modernidade líquida" (Bauman, 2001), "modernidade tardia" (Giddens, 2003), "hipermodernidade" (Lipovetsky, 2011). Malgrado as nuances teóricas entre os autores, podemos constatar que um tema se apresenta como consenso: a aceleração do tempo na contemporaneidade. Todos estão de acordo quanto à existência de uma forma de temporalidade inédita, caracterizada pela hegemonia absoluta do presente. Com efeito, observamos hoje que nenhuma faixa etária – das crianças aos aposentados – parece escapar da submissão à urgência temporal.

Por essa via de abertura, Rouanet (2013) afirma que "nosso presente não se origina mais da lenta maturação do passado, nem deixa transparecer os lineamentos de possíveis futuros, mas se impõe como fato universal, esmagador, cuja onipotência expulsa o não mais e o ainda não" (p. 367).

O tempo do presente se mostra, então, intransponível nas duas direções, pois o acesso se encontra barrado tanto para o passado quanto para o futuro. Por um lado, amnésia em relação ao velho, por outro, desconhecimento em relação ao novo. Definitivamente, tradições e utopias estão fora de moda.

No cerne do novo arranjo do regime do tempo social, como sugere Lipovetsky (2011), constatamos a substituição de uma sociedade disciplinar, com normas e padrões rígidos de conduta, por uma "sociedade-moda", completamente reorganizada pelas técnicas do efêmero, da renovação e da sedução permanente. Trata-se aqui da extensão da lógica da moda ao conjunto do corpo social, tornando os indivíduos menos tributários das grandes certezas ideológicas e mais abertos aos modismos e frivolidades. Nessa direção, os quadros de vida habituais vêm sendo permanentemente alterados, de tal maneira que os pontos de referência capazes de orientar a experiência individual humana se encontram flutuantes e esfumaçados. Sem condições para refletir sobre o ritmo de vida estonteante, tampouco reduzi-lo, os indivíduos mudam, frequentemente, de trabalho, casa, vestimenta, tecnologia e parceiro amoroso.

Com efeito, as organizações sociais não podem mais sustentar sua configuração por muito tempo, tendo em vista a primazia do aqui-agora e a rotação rápida. Para Bauman (2001), vivemos a passagem de uma fase "sólida" da modernidade para uma fase "líquida". Enquanto os sólidos mantêm sua forma com facilidade no espaço, resistindo ao impacto do tempo, os líquidos perdem sua forma rapidamente, não se fixando no espaço nem se prendendo no tempo. Considerar a fluidez e a inconstância dos líquidos como metáfora para os tempos de hoje implica em pensar que as expectativas se tornam mais abreviadas que o próprio tempo necessário para o desenvolvimento de estratégias existenciais consistentes e, muito mais curtas ainda, para a realização de um "projeto de vida" durável.

O rápido envelhecimento dos hábitos e as mudanças constantes levam Sennett (2007) a propor o lema "não há longo prazo" como um dos sinais mais distintivos das mudanças na atualidade. O curto-prazo substitui o longo-prazo e faz da instantaneidade o seu ideal último, exigindo comportamentos cada vez mais flexíveis e uma boa dose de capacidade para administrar riscos. Assim, a nova instantaneidade em voga altera radicalmente o tempo subjetivo e as formas de convívio humano, acelerando os ritmos de vida. A título de ilustração, cabe considerar o modo como a tecnologia de informação e as mídias eletrônicas, ao permitir intercâmbios em "tempo real", engendram sensações de imediatismo e de provisoriedade, transmutando, substancialmente, a relação do indivíduo com as modalidades de espera, lentidão e permanência.

De fato, um dos efeitos mais significativos da celebração do presente é a vivência de uma pressão temporal constante. No universo da pressa, o ritmo passa a ser frenético, e as maneiras de gerir o tempo viram preocupação central no dia a dia dos indivíduos. Em decorrência, o mundo se torna cada vez menos antecipável e controlável e cada vez mais opaco, como atenta Henriquez (2013). Com o infinito volume de mudanças possíveis, os "sucessos passados não aumentam necessariamente a probabilidade de vitórias futuras, muito menos as garantem, enquanto meios testados com exaustão no passado precisam ser constantemente inspecionados e revistos" (Bauman, 2007, p. 9).

Surge daí uma lógica da urgência, resultando não apenas em eficiência e hiperatividade, mas também em esgotamento e tédio.

Incapazes de prever a direção do percurso de suas próprias vidas, os indivíduos se concentram nas atividades que julgam dominar, como meio de neutralizar um cenário de incertezas e inseguranças. Levando em conta que a sociedade não confia mais na proteção do Estado contra as forças do mercado aberto e do capitalismo global, não restam grandes fundamentos sobre os quais recorrer em caso de fracasso pessoal. Além disso, os laços humanos que antes teciam uma rede de segurança digna de um comprometimento no tempo se tornam cada vez mais frágeis e temporários (Bauman, 2004). Assim sendo, a responsabilidade em resolver os dilemas suscitados por circunstâncias voláteis e constantemente instáveis é jogada nas costas dos indivíduos, que passam a viver cada dia mais envoltos em inquietações acerca do horizonte futuro.

No bojo dessas considerações, Lipovetsky (2011) conclui que "o retraimento dos horizontes longínquos levou menos a uma ética do instante absoluto do que a um pseudopresentismo minado pela obsessão do que está por vir" (p. 74). Não se trata, efetivamente, da vivência de um eterno presente, mas, sobretudo, de uma sociedade apreensiva com o que pode ocorrer no futuro. Numa relação com o futuro caracterizada pela incerteza, em prol da mudança rápida, a ação empreendedora se apresenta como um dos modos privilegiados de responder às dificuldades existenciais. Como meio de obter um mínimo de garantia adiante, o indivíduo deve ser capaz de produzir a si mesmo, isto é, reinventar-se a todo instante, exibindo um conjunto de competências polivalentes. Trata-se, então, de uma espécie de "homem-camaleão", dotado de uma identidade mutante, adaptada às necessidades cambiantes do contexto.

Nessas condições, Ehrenberg (2010) sugere a existência de um "culto da performance" na contemporaneidade, forjado a partir da combinação de três fontes de referência competitiva: o esporte, o consumo e a empresa. O esporte caracterizado pela justa competição, pois apenas os melhores vencem; o consumo que incita a satisfação compulsiva das necessidades; e a empresa com o regime obstinado de excelência e de sucesso. Trata-se, portanto, da estimulação de valores voltados para a concorrência e para a conquista, elevando o empreendedorismo como modelo princeps de conduta individual. Livre do assujeitamento disciplinar de outrora, o indivíduo precisa governar por si mesmo, unindo eficácia à responsabilidade. "Ele é o estilo da certeza quando não há mais certeza, quando não temos mais que a nós mesmos para nos servir de referência", pontua Ehrenberg (2010, p. 183).

A temporalidade contemporânea aponta, então, para um modo de socialização que impõe ao indivíduo a obrigação de se tornar bem-sucedido e autônomo. A ideologia do sucesso assume, assim, o lugar das antigas referências identitárias, tal como exprime, precisamente, a expressão anglo-saxã de self-made man. Nesse sentido, toda ação se converte em performance e, por conseguinte, a pressão por resultados se esgota até as últimas consequências. Desse modo, o alto investimento em práticas para o aperfeiçoamento pessoal e para a sobrevivência das próximas gerações tem se mostrado cada vez mais imperativo. Isso tem como pressuposto um permanente estado de prontidão, monitoramento e prevenção, cujo impacto reorganizador da experiência subjetiva ainda buscamos dimensionar. Em um contexto de incertezas quanto ao porvir, uma das saídas privilegiadas encontra-se, portanto, na pronta resposta às exigências do momento presente.

No âmbito dessas considerações, é possível sustentar que as práticas parentais se encontram indissociáveis das transformações em curso na sociedade. A seguir, vamos avaliar as expectativas parento-filiais na temporalidade contemporânea, evocando de forma enriquecedora algumas narrativas de pais e filhos a propósito dos projetos de futuro. Afinal, o que pais esperam para o amanhã dos filhos nos tempos atuais? E os filhos, o que desejam para si?

No magistral artigo "Sobre o narcisismo: uma introdução" (1914/1996), Freud ressalta a importância dos ideais parentais para a invenção da subjetividade por vir. Sabemos que as representações sobre o bebê já existem no imaginário dos pais muito antes do seu nascimento, refletindo o lugar idealizado designado ao filho pelo casal parental e influenciando, de maneira indelével, as relações entre pais e filhos. Desse modo, a concepção de uma criança põe em movimento aspectos narcísicos de cada um dos pais, englobando sonhos, medos, lembranças da própria infância, modelos paternos e maternos, além de expectativas sobre o futuro da geração seguinte (Féres-Carneiro & Magalhães, 2011; Zornig, 2012). É importante salientar que os ideais parentais são transmitidos no âmbito consciente e inconsciente, sendo também apropriados em variados níveis de consciência pela geração seguinte, de forma necessariamente singular. Nessa dimensão, o filho se torna herdeiro e beneficiário desses ideais, a partir dos quais um futuro pode ser projetado pelas duas gerações.

Sem dúvida alguma, é imperativo que os filhos tenham à disposição um acervo de expectativas parentais que os ajudem no vislumbre e na promoção um futuro possível e aprazível. Ressaltamos, assim, o valor que os ideais dos pais possuem na construção dos ideais dos filhos, de tal forma que ser alvo do desejo dos seus genitores se institui como condição de possibilidade de um adulto por vir desejante. Interessa-nos atentar agora para os referentes que compõem as expectativas parentais na temporalidade contemporânea, tendo em vista que os ideais, em consonância com o narcisismo dos pais, são também atravessados pelos ideais sociais.

 

Método

Utilizamos uma metodologia qualitativa, centrada em entrevista semiestruturada, que contemplou temas relevantes concernentes ao exercício da parentalidade nos múltiplos arranjos familiares contemporâneos. Foram realizadas entrevistas com 132 sujeitos, membros de diferentes arranjos familiares, pertencentes aos segmentos médios da população carioca: 41 membros de famílias casadas (35 hétero e 6 homoparentais), 30 de famílias separadas (25 hétero e 5 homoparentais), 42 de famílias recasadas (37 hétero e 5 homoparentais) e 19 monoparentais (17 hétero e 2 homoparentais). Os membros das famílias estavam assim distribuídos: 41 mães, 41 pais, 26 filhos com idades de 7 a 12 anos e 24 filhos com idades de 13 a 17 anos.

Os participantes foram indicados pela rede de sociabilidade dos membros do grupo de pesquisa, constituindo uma amostra de conveniência. O contato inicial para a marcação das entrevistas foi feito por telefone. As entrevistas foram efetuadas, individualmente, pelos membros da equipe de pesquisa, em local determinado pelos participantes, e tiveram duração média de uma hora e trinta minutos. As entrevistas foram gravadas, transcritas na íntegra, e analisadas pelo método de análise de conteúdo (Bardin, 2011). Foi utilizada a técnica categorial, por meio da qual são destacadas categorias temáticas, organizadas a partir da frequência e da semelhança entre os elementos contidos no material coletado. Para tal, procedeu-se a uma "leitura flutuante", agrupando-se dados significativos, identificando-os e relacionando-os, a fim de se destacar as categorias.

O projeto que deu origem à pesquisa foi aprovado por Comitê de Ética. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido, permitindo a utilização dos dados em pesquisa e publicação.

 

Resultados e discussão

Das narrativas dos pais e dos filhos emergiram várias categorias de análise. Todavia, para ilustrar nossa discussão neste trabalho, vamos lançar mão apenas de fragmentos relacionados à categoria "projetos de futuro". As perguntas que constituíram o eixo temático desta categoria foram: "O que você espera do seu filho?", "Que projetos você tem para ele?", na entrevista com os pais; e "O que você gostaria de ser no futuro?", "Que projeto você acha que os seus pais têm para você?", na entrevista com os filhos. É importante chamar atenção para o fato de que este estudo contempla famílias pertencentes aos segmentos médios da população carioca, o que, certamente, impede a generalização dos resultados referentes às expectativas parentais para os demais segmentos.

Ao serem questionados sobre o que esperam dos filhos, chama atenção que a grande maioria das mães e dos pais entrevistados, independentemente da configuração familiar, aponta a vida profissional como central nas expectativas para o futuro, tal como ilustram as seguintes falas:

A gente na verdade investe nisso né, acho que você tentar educar de uma forma, mesmo que você tenha que se sacrificar de alguma maneira, pra investir num bom colégio, eu acho que é importante pra isso, pra que no futuro ela tenha mais facilidades, de repente, cursar uma boa faculdade, passar para uma boa faculdade. Poder ser feliz, ter sucesso (Pai, família casada, heteroparental, 52 anos).

eu sempre me preocupei com uma coisa mais imediata para ele. Onde ele já tivesse uma renda, né, para ele... Já tenho, né, tipo, ambições que já começam a ser concretizadas, né? Eu espero que depois do curso técnico ele faça uma faculdade, ele também espera isso, espera fazer.... E o meu produto final, na verdade, é que eles tenham condições de ter uma vaga de trabalho decentemente remunerado. Que sejam bons profissionais (Mãe, família separada, heteroparental, 50 anos).

eu penso nele estar formado e dentro de alguma área relacionada à faculdade, que ele ainda não se decidiu ainda o que ele quer fazer... Ganhando o suficiente pra ele se manter e... Tranquilo, feliz, entendeu?... Porque eu acho que é da profissão que você pode fazer qualquer coisa (Mãe, família recasada, heteroparental, 42 anos).

Eu, óbvio, eu gostaria que ela fosse assim, uma advogada, uma engenheira, uma médica, alguma coisa assim mais tradicional, né? Porque eu acho que no futuro fosse melhor que ser atriz. Ser atriz tem um círculo muito fechado, ela vai esbarrar em um monte de dificuldades, então a carreira de atriz não é realmente o que eu gostaria (Mãe, família casada, heteroparental, 54 anos).

Eu quero que ele seja bem-sucedido, que ele, não é que fique milionário, rico, mas que ele consiga ter uma vida igual ou melhor do que a que tem, né? (Mãe, família monoparental, heteroparental, 50 anos).

Eu espero o que ele já quer fazer, né? Ele quer fazer mestrado em Londres e nós já estamos nos preparando para isso em termos financeiros. Eu apoio ele em tudo que ele quer, porque tudo que ele quer é o que toda mãe quer para um filho, né? (Mãe, família casada, homoparental, 56 anos).

Estão se encaminhando, né... Os dois estão num colégio que, de certa maneira, dá uma boa base pro Enem, vestibular e já converso, minha filha tem mais ou menos ideia daquilo que quer fazer, que é arquitetura. E o meu caçula, já estou conversando com ele, orientando com relação à necessidade de um idioma pra que ele possa se evidenciar na carreira dele, quando houver uma necessidade de uma viajem pro exterior, já tá preparado, né? (Pai, família monoparental, heteroparental, 48 anos).

As falas das mães e dos pais entrevistados apontam, sobremaneira, para expectativas voltadas para a valorização da esfera profissional em detrimento das expectativas de felicidade geral dos filhos, constituição de família e valores morais, também mencionados por alguns pais e algumas mães, contudo, de forma muito menos expressiva no cômputo geral dos resultados. Cabe precisar que não constatamos diferenças significativas nas falas dos pais e mães entrevistados pertencentes às configurações familiares distintas. Sem dúvida alguma, independentemente do arranjo familiar, a expectativa com relação à profissão do filho prevalece sobre todas as outras. Das narrativas parentais, sobressaem palavras como: "carreira", "renda", "boa educação", "bom colégio", "curso superior", "vaga de trabalho" e "independência financeira", o que parece evidenciar a preocupação dos pais com a estabilidade profissional da geração seguinte.

Os projetos para o futuro dos filhos, tal como anseiam os pais, se mostram, portanto, intimamente vinculados ao universo do trabalho e bastante consonantes com os valores circundantes no "culto da performance", como postula (Ehrenberg, 2010). Considerando os efeitos desnorteadores dos tempos atuais e uma relação com o futuro caracterizada pela imprevisibilidade, as preocupações parentais se inscrevem, fundamentalmente, no registro profissional. Tal preocupação corrobora as ideias de Lipovetsky (2011) e Sennett (2007), a propósito da apreensão crescente dos pais com relação à escolha da profissão dos filhos como certeza de salvação. Na esteira dessas ideias, o investimento na formação acadêmica das crianças e dos adolescentes assume um lugar de destaque nas práticas parentais, visando, justamente, um mínimo de garantia no horizonte futuro.

Desse modo, a inserção dos filhos no mercado de trabalho tem se tornado uma prioridade no processo de educação, cabendo aos pais, portanto, avaliar as melhores condições de preparo para a disputa em questão. De fato, diante de uma sociedade que valoriza a autonomia, a competição e o sucesso, instaura-se uma antecipação constante das possibilidades futuras, deixando adultos e crianças, simultaneamente, além e aquém das experiências do seu próprio tempo. Configura-se aí uma percepção sutil e permanente de insuficiência, atraso e dívida, campo fértil para a aceleração do tempo e dos processos de maturação infantis, uma das grandes marcas da atualidade, como vimos. Definitivamente, já passou o tempo em que o tempo não contava.

Avançando com a discussão, vamos agora trazer à tona algumas narrativas filiais. Ao serem indagados sobre o que gostariam de ser no futuro e quais os projetos seus pais tinham pensando para eles, a grande maioria dos filhos também aborda a esfera profissional, legitimando as expectativas parentais acima mencionadas.

Eu quero fazer Direito e eu quero me formar juiz, promotor ou alguma coisa do gênero. Ah, projeto a gente sempre faz, assim, essas coisas... Estudar no exterior, fazer algum curso e depois voltar pra cá, coisas assim (Filho, família casada, heteroparental, 17 anos).

Nossa, essa é uma boa pergunta, tipo, até duas semanas atrás era. Eu pensava em fazer engenharia, porque eu sou bom em matemática e tal, mas... Mas aí eu ganhei uma bolsa num curso de computação, e eu considerei fazer videogame. Até porque dá dinheiro, e dá legal. Fazer videogame, programar videogame (Filho, família separada, heteroparental, 13 anos).

Então assim, pra mim agora eu quero é estudar, e se der certo e eu conseguir entrar na carreira de atriz de uma forma digna, legal, eu vou amar isso e vai ser a coisa mais feliz pra mim e eu acho que vai ser a carreira que eu vou fazer com mais vontade, meus dias vão ser os mais felizes da minha vida, mas se não acontecer eu vou querer fazer Direito, ser advogada, juíza ou desembargadora se Deus quiser (Filha, família recasada, heteroparental, 17 anos).

Eu gostaria de trabalhar em economia, que nem meu irmão faz, que ele trabalha na administração, ele compra e vende ação. Eu já vi como é que é, eu gostei ... eu fui no escritório dele lá em São Paulo uma vez (Filho, família monoparental, heteroparental, 12 anos).

Alguns filhos fazem referência direta às expectativas dos pais em relação a seu futuro, explicitando em seus próprios discursos o anseio parental.

Olha, eu acho que minha mãe... Um sucesso acadêmico, eu acho que é o que ela mais espera. Não é nem o que eu vá ser, mas se decidir ser um professor, ou um advogado, ela vai estar feliz, desde que eu tenha conseguido alcançar isso. E o meu pai quer me ver bem-sucedido tendo um trabalho, conseguindo me sustentar, ganhando bem, acho que é isso assim, esse sucesso (Filho, família casada, heteroparental, 16 anos).

Meu pai quer que eu faça medicina. Isso é fato. Minha mãe fala que vale mais uma coisa que você não gosta ganhando mais do que uma coisa que você gosta ganhando menos. Eu não penso assim. Aí falam "quando você for mais velha você vai entender" (Filha, família casada, heteroparental, 12 anos).

Meu pai quer que eu seja uma grande advogada, juíza ou qualquer coisa que ele foi ou com que ele trabalha (Filha, família recasada, heteroparental, 17 anos).

O meu pai e minha mãe acham que eu vou ser alguma coisa que tenha a ver com ciências e matemática, porque eu sou boa e eu gosto, alguma coisa assim.... Eu gostaria de ser administradora ou engenheira. Os dois [pais] têm estas profissões exatamente. É porque eu vou no trabalho deles e aí eu gosto da profissão. É legal (Filha, família recasada, heteroparental, 11 anos).

Olha, meu pai, acho que ele quer que eu seja bióloga marinha, ele sabe que eu gosto, e ele sabe que esse é o meu jeito. Eu adoro animais, eu tenho assim uma coisa ligada a animal, mesmo que eu não tenha [um animal]. Eu sou apaixonada pelo mar e pelos bichos do mar. Eu sou fascinada pelos pinguins, pelo jeito que eles cuidam do filhote. Eu sou fascinada pelas baleias. Eu tenho assim um contato com os animais marinhos. Minha mãe... [quer que eu seja] bióloga marinha porque ela sabe que é o que eu gosto (Filha, família separada, heteroparental, 10 anos).

Com efeito, foi possível constatar que grande parte desses filhos, independentemente da configuração familiar, discorre, prioritariamente, sobre a vida profissional, ao vislumbrar o que gostariam de ser no futuro. Depreendemos daí que tanto as crianças quanto os adolescentes entrevistados se mostram mobilizados com a escolha da profissão e com as possibilidades de carreiras que ela oferece. Direito, engenharia, medicina, administração são alguns dos diplomas aventados por esses filhos, que parecem optar por formações prolongadas como meio de encontrar um lugar no universo do trabalho. Nessa direção, inclusive, alguns adolescentes mencionam o desejo de realizar cursos de extensão e aperfeiçoamento no exterior. Verificamos, ainda, que o desejo de casar e ter filhos e/ou constituir família não aparece de forma proeminente nas expectativas dos filhos. É importante frisar, mais uma vez, que se trata de entrevistas realizadas com filhos pertencentes aos segmentos médios da população carioca, de forma que as falas não podem ser generalizadas para os demais segmentos.

Considerando as entrevistas por nós realizadas, constatamos que a maioria dos pais e dos filhos participantes apresenta expectativas voltadas para a profissão. Nesse sentido, o projeto parental para os filhos aponta para a representação de um futuro trabalhador, o que também se revela nos projetos das próprias crianças e adolescentes. Entendemos que tal representação torna equivalente, muitas vezes, o processo de desenvolvimento humano ao processo de crescimento profissional. Por essa via de pensamento, cabe às figuras parentais a tarefa de preparar profissionalmente a geração seguinte, proporcionando o maior número de oportunidades capazes de assegurar a segurança dos filhos na vida adulta. À nova geração, por sua vez, resta adaptar-se à maratona desenfreada de tarefas com o máximo de aproveitamento, ocupando-se desde muito cedo em passar no gargalo seletivo do mercado de trabalho.

Parece-nos importante colocar em questionamento a ênfase concedida à esfera profissional, tanto pelos pais quanto pelos filhos, nos projetos para o futuro destes últimos. A preocupação dos pais com relação à carreira dos seus sucessores vem se apresentando cada vez mais acentuada e precoce na atualidade, engendrando significativas transformações no modo de criação dos filhos e na própria convivência entre os membros da família (Wagner, Tronco, Gonçalves, Demarchi, & Levandowski, 2012). O alto nível de investimento parental na competência do filho para o mercado de trabalho atravessa as mais variadas dimensões do cotidiano da criança e do adolescente, que passam a mover-se em ritmo veloz e eficaz.

A título de ilustração, cabe evocar a agenda complexa e intensa de crianças e adolescentes nos dias de hoje, repleta de atividades complementares à escola, muitas vezes sem liberdade para simplesmente ser. De forma mais radical, porém não menos recorrente, mencionamos ainda o fenômeno crescente da medicalização no âmbito escolar em favor da alta produtividade, tal como comprova a difusão do uso do medicamento metilfenidato nos últimos anos. Cabe acrescentar que tal medicamento é, comumente, conhecido como a "droga da obediência", por resolver aparentemente as dificuldades de aprendizagem e de comportamento (Decotelli, Bohre, & Bicalho, 2013). Resta refletir, então, se tamanha gestão do tempo dos filhos, em nome de uma formação ideal, do ponto de vista profissional, mantém uma conexão com as necessidades próprias das crianças e dos adolescentes. Nesse caso, cabe perguntar: será que os fins justificam os meios?

Em nossa prática clínica, observamos crianças e adolescentes que sofrem por não se sentirem à altura da corrida precoce por boas colocações no futuro, apresentando dificuldades em suportar expectativas tão elevadas dos seus pais. É notável a ansiedade que se manifesta no excesso de atividades e na busca por comprovações mesmo nas horas ditas de lazer. Na maioria dos casos, trata-se de meninos e meninas com um enorme medo da rejeição do seu grupo de referência, pais e pares, exibindo, assim, uma autocrítica severa diante do menor indício de fracasso e perda. Com a escassez das ocasiões que permitem uma maior disponibilidade para as impressões sensíveis, para o relaxamento e a brincadeira, o mundo infantil tem se tornado uma sucessão de protocolos existenciais, temporalidade dolorosa, da qual, muitas vezes, sobrevém tédio, depressão e hiperatividade.

Nessas condições, as crianças contemporâneas, especialmente as pertencentes aos segmentos médios da população, encontram-se cada vez mais submetidas à pressão, à pasteurização e à padronização conforme os ditames da sociedade. Tal submissão vem engendrando, pouco a pouco, crianças semelhantes umas às outras, via oposta da singularização e da diferença constituinte. A temporalidade passa a ser vivida como pura pressa ao invés de se afirmar como fruição prazerosa e criativa, distensão do tempo tão simples e tão cara ao desenvolvimento emocional infantil. Com efeito, alçar o êxito profissional como objetivo maior do projeto para o futuro dos filhos implica em um modo de se conceber a criação da geração seguinte, e, consequentemente comporta uma perspectiva ética.

Nesse contexto, cabe indagar se estamos diante de uma nova experiência da infância, na qual o brincar criativo diminui dramaticamente em favor da ação produtiva diante da imprevisibilidade do amanhã. Em outras palavras, fica a questão: em um mundo no qual predomina a performance, o que é feito da espontaneidade?

 

Considerações finais

Como ressalta o filósofo italiano Giorgio Agamben (2005), uma autêntica revolução não visa apenas a mudar o mundo, mas antes, a experiência do tempo. Acreditamos que o saber psicanalítico pode contribuir para o debate a respeito das expectativas parentais na contemporaneidade, sobretudo ao chamar atenção para as repercussões da temporalidade acelerada para os processos de subjetivação das crianças e dos adolescentes. Sabemos que Freud (1900/1996) inaugura a psicanálise ao anunciar a presença de uma interioridade pulsante, o que implica em admitir a existência de afetos e desejos, permitindo que o campo das experiências seja sempre renovado. Trata-se, portanto, de outra forma de se pensar o indivíduo e a dimensão temporal, para além das medidas e das escalas de pontuação. Em se tratando de crianças e adolescentes em processo de maturação, as experiências mais enriquecedoras são descobertas no brincar e na imaginação criadora. Mais do que o imperativo incansável de produzir resultados, tão característica da rotina infantil dos nossos dias, tratar-se-ia, portanto, de tirar proveito do tempo.

A esse propósito, Winnicott (1971/1975) se mostra radical ao afirmar que o brincar é essencial para o desenvolvimento emocional infantil, porque é através dele que a criatividade se manifesta. A potência criativa não se realiza, portanto, com disciplina, artifícios e sujeição, expressando-se, ao contrário, em um ambiente rigorosamente espontâneo e sem demandas ou intencionalidades. É preciso estar em sintonia com o que se faz. A soma dessas muitas experiências no campo da brincadeira, no sentido precisamente winnicottiano, vai instaurar confiança suficiente para enfrentar os desafios da realidade, transformando-a, sem perder a alegria de viver. Na linha dessas ideias, a oferta parental capaz de garantir a mínima estabilidade aos filhos no futuro, tão cara aos pais nos dias de hoje, é a perspectiva de um percurso vazio de pressa e cheio de experimentação, livre de superexigência e aberto a possibilidades.

Certamente, as expectativas parentais estão sujeitas às transformações da cultura, delineando-se de formas diversas em cada sociedade e em cada momento histórico. Apesar de legitimarmos o sentido das preocupações parentais, considerando as razões do mercado de trabalho nos tempos atuais, não podemos perder de vista que a psicanálise convém à temporalidade da pulsação. Desse modo, não há como abstrair do mundo sensível em prol do mundo inteligível. Para além dos imperativos da temporalidade contemporânea existe, portanto, o tempo de cada um. Por essa via de entendimento, valorizamos a capacidade dos pais para refletir com o filho sobre o futuro, mas vale enfatizar que os projetos de vida existem, sobretudo, na esperança e no temor.

Ora, se o mundo se encontra em transformação permanente, mais do que adequar-se às exigências da atualidade, acreditamos que se deve ser capaz de inventar as condições de existência em favor do seu próprio tempo. A nosso ver, reside aí a possibilidade de futuro como afirmação do vivo, com todos os limites e possibilidades que isso comporta. Afinal, sobre o que versa a vida?

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em julho/2016.
Aceito em março/2017.

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