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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.23 no.2 São Paulo maio/ago. 2018

https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v23i2p224-241 

DOI: 10.11606/issn.1981-1624.v23i2p224-241

DOSSIÊ

 

Do caos sensorial às primeiras modalidades de organização psíquica: Um estudo a partir da autobiografia da autista Donna Williams1

 

From sensory chaos to the first modalities of psychic organisation: A study based on Donna Williams' autobiography

 

Del caos sensorial a las primeras modalidades de organización psíquica: Un estudio de la autobiografía de Donna Williams

 

 

Marina BialerI; Nelson Ernesto Coelho JúniorII

IPsicanalista. Pós-doutoranda no Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
IIPsicanalista. Professor e pesquisador do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo enfocamos diversos mecanismos defensivos colocados em ação pela autista Donna Williams. Esses mecanismos possibilitaram que ela saísse da etapa inicial de caos sensorial no estado de retraimento autístico, para ir em direção a outras modalidades defensivas muito precoces em termos de desenvolvimento do aparelho psíquico. Enfocamos com destaque um primeiro registro associativo conectado à simultaneidade, que operacionaliza um primeiro modelo organizacional perceptivo anterior à organização representacional.

Descritores: autismo; psicanálise; percepção; defesa.


ABSTRACT

In this paper, we focus on several defensive mechanisms put in action by the autistic Donna Williams. These mechanisms enabled her to leave the initial stage of sensory chaos in the state of autistic withdrawal, towards other very early defensive modalities in terms of the mental apparatus development. We highlight a first associative register connected to simultaneity, which operates a first perceptual organizational model prior to the representational organization.

Index terms: autism; psychoanalysis; perception; defense.


RESUMEN

En el presente artículo abordamos diversos mecanismos de defensa puestos en movimiento por la autista Donna Williams. Los que posibilitaron con que ella saliera de la etapa inicial del caos sensorial en el estado de retraimiento autístico y se dirigiera hacia otras modalidades defensivas muy precoces en términos de desarrollo del aparato psíquico. Nos centramos sobre todo en un primer registro asociativo conectado a la simultaneidad, que instrumentaliza un primer modelo organizacional perceptivo previo a la organización representacional.

Palabras clave: autismo; psicoanálisis; percepción; defensa.


 

 

Introdução

A psicanálise se alicerça na hipótese de que "ninguém melhor que o próprio sujeito saberia ensinar os clínicos a respeito do seu funcionamento" (Maleval, 2017, p. 15). Mas e no caso do autista, isto também é verídico? Os atuais estudos que se debruçam sobre autobiografias escritas por autistas e por pais de autistas têm trazido novos fatos clínicos em relação à maneira como se concebia o autismo.

Ao contrário de, a priori, delimitar que qualquer escrito e expressão pessoal não poderia ser oriunda de uma mente autística, a metodologia de análise das autobiografias, realizada e promovida pelo psicanalista Maleval (2017), nos convida a nos debruçar cientificamente sobre esse material de modo a escutar o que esses sujeitos têm a dizer. Tal estudo desembocou, para Maleval, na delimitação do autismo enquanto estrutura com funcionamento psíquico distinto das psicoses, mas podemos afirmar que mesmo aqueles partidários da posição de que, no caso de autistas escritores e falantes, se trataria de um pós-autismo têm a se enriquecer ao escutar o que os escritos autobiográficos de sujeitos que manifestaram sintomas autísticos ou um quadro de autismo clássico na infância têm a nos ensinar acerca de uma modalidade singular de apreender o mundo e de estruturar um funcionamento psíquico diverso. Essa é a aposta e o convite que esse artigo oferece ao leitor.

Neste artigo, analisamos os textos da autista escritora Donna Williams (1998, 2006), a partir dos quais descrevemos a presença inicial de um caos sensorial avassalador, bem como os progressivos efeitos estruturantes obtidos a partir das primeiras modalidades de organização psíquica.

A teorização psicanalítica do autismo – principalmente em quadros clássicos na vertente kanneriana – privilegiou a formulação do autista como não tendo um ego constituído, com uma ausência de conflitos psíquicos e com a elisão como principal mecanismo de defesa. Enquanto, para o psicanalista Berlinck (1999), no autismo, a elisão que retrata a retirada massiva de investimento e o apagamento da percepção não configura um mecanismo de defesa psíquica correspondente a uma estruturação psíquica, para a psicanalista Laznik (2004), a retirada maciça de investimentos é uma resposta defensiva específica dessa estrutura. A psicanalista, ancorada na clínica com autistas com sintomatologia clássica em fechamento autístico, salienta a existência de traços mnêmicos que não são investidos pelo autista, não podendo desembocar em um registro associativo ou em representações, caracterizando a premência do mecanismo psíquico de elisão.

Se, em um primeiro momento, os relatos autobiográficos de autistas também corroboram com essas formulações, retratando a falha no investimento de traços mnêmicos que poderiam originar, posteriormente, representações, este artigo enfoca, nos textos de Donna, um progresso do mecanismo de elisão para outros mecanismos de defesa mais elaborados, que permitem que esses traços sejam percebidos, registrados, traduzidos e organizados. Em oposição à descarga energética maciça, à impossibilidade de investimento nas representações, ao desinvestimento da função perceptiva, ao não registro da alteridade, descrevemos outras organizações do aparelho psíquico.

A análise do material autobiográfico de Donna permite afirmar a existência de outras modalidades de organização: a primeira esboçada no campo da sensorialidade e da ressonância pelo mapping, a seguir pela organização ancorada em uma ligação colada ao referente/literal, desembocando em uma modalidade de organização na qual, embora possa acessar ao campo representacional, prevalece um funcionamento psíquico que não seria regido pela lógica representacional ideativa. Nesse contexto, nos quadros de manifestação autística, a ênfase de Donna é em modalidades diferentes de experienciar o mundo em decorrência de problemáticas sensoriais-perceptuais das quais se originam "diferentes realidades sensoriais-perceptuais" (Williams, 2006, p. 119, tradução nossa) no autista e no (não) autista, pautando estruturação e dinâmica psíquicas diversas. Nesse âmbito, neste artigo procuraremos analisar quais as organizações psíquicas que, progressivamente, Donna desenvolveu e que são anteriores à constituição egóica e às modalidades representacionais de funcionamento psíquico.

 

Do caos sensorial à invenção do mapping

Quando eu era uma criança, meus sentidos não funcionavam e minha resposta para a luz e para o som e para o toque não eram somente sem sentido, mas muito aguçadas. Eu não somente não podia entender o mundo, como não podia tolerá-lo.

Até quando eu tinha por volta de três anos de idade, não penso que eu soubesse que tinha problemas. Eu não tinha um processamento consistente de sentido por meio de nenhum dos meus sentidos e nenhum sentido consistente para nada do que ocorria comigo dentro do contexto imediato no qual ocorria. Eu não podia obter qualquer sentido consistente do toque que ocorria comigo. . . . Eu não podia obter qualquer sentido consistente do que eu via ou das respostas das outras pessoas ao me ver, ou do que eu ouvia, inclusive do que eu dizia, ou das respostas das outras pessoas ao me ouvir. Eu não tinha sentido consistente do meu corpo no espaço ou o que eu aparentava, ou das minhas mensagens corporais ou emoções ou comportamentos. . . . Eu não podia compreender o sentido ou a significância do que se esperava de mim porque as palavras, entonações, expressões faciais, linguagem corporal e toque de outras pessoas não tinham sentido consistente e, portanto, pouca ou nenhuma significância. Eu não podia compreender muito sobre consequências ou efeitos. A inabilidade para obter sentido consistente por qualquer um dos meus sentidos em um ambiente que demandava que eu o obtivesse, implicou que desenvolvi uma capacidade aguçada de responder não ao sentido, mas aos padrões. Eu não lembro de pensar nisto como problemas. (Williams, 1998, p. 2, tradução nossa)

Inicialmente, analisaremos nas autobiografias e textos teóricos de Donna a premência das perturbações sensoriais-perceptuais e seus efeitos na constituição e no funcionamento do aparelho psíquico. A escritora afirma que a maior parte das pessoas interpreta o que vive, pois "quando você vê alguém, você geralmente não os vê meramente como uma coleção de sensações, de impressões sensórias" (Williams, 1998, p. 14, tradução nossa), mas como um conjunto coeso que forma a imagem do que se designa por ser humano. Ela aponta que essa percepção gestáltica implica uma intepretação na qual se atribui um sentido especial ao que é percebido, o que, do seu ponto de vista, ocorre geralmente em detrimento do contato sensorial com o que é apreendido. Mas, enquanto a maior parte das pessoas se relaciona com um objeto percebido enquanto remetido à sua função, à sua designação, ao seu uso, ela o apreendia em relação à sua textura tátil, ao som que produzia ao ser manuseado, sua fluidez ou algumas características da sua aparência visual ou outro traço sensorial. Nesse âmbito, ela teoriza o autismo enquanto uma modalidade de manutenção de uma apreensão sensorial que a maior parte das pessoas inibe.

Formula-se a construção de conhecimento, que seria um registro do que era experienciado por sistemas sensoriais por meio de um modo de funcionamento psíquico sem mente no qual haveria "shadow senses do corpo não-físico" (Williams, 1998, p. 26, tradução nossa) que podiam registrar e processar os inputs. Nessa modalidade de apreensão sensorial (na ausência de uma mente) podia emergir um conhecimento experienciado pelo corpo enquanto "um instrumento de ressonância" (Williams, 1998, p. 26). Nesse modo de se relacionar com os outros, "sem interpretação ou mente" (p. 26), ela assimilava algo tanto do objeto quanto do traço de quem havia dado aquele objeto. Desse modo, sua forma de apreender o mundo e construir conhecimento incluía um traço do outro incorporado indiscriminadamente do objeto, como "um imprint" (Williams, 1998, p. 45) do outro.

Progressivamente, tornou-se viável a construção de uma nova modalidade de organização uma vez que, pela sensibilidade, ela pôde construir "sense-memories antes da mente" (p. 52), que viabilizou um registro permanente desses traços do outro. Durante essa etapa, era marcante a vivência de intensas perturbações sensoriais-perceptuais que impactavam toda sua maneira de estar no mundo, de apreender a si e aos outros. Abordaremos, a seguir, algumas outras perturbações sensoriais, antes de retomarmos as modalidades muito precoces de organização psíquica, mas que permitem o estabelecimento de padrões e modos de resposta mais eficazes, no que outrora prevalecia o caos sensorial e a elisão perceptiva.

Certos padrões do piso do chão, do carpete, do papel de parede podiam sobrecarregar seus sentidos e interromper sua capacidade de compreender o que escutava. Sofria de problemas perceptuais visuais – a "scotopic sensitivity syndrome" (Williams, 1998, p. 97) – em decorrência dos quais "não podia ver uma face ou um corpo como um todo, com frequência falhava em reconhecer objetos que ainda não conhecia" (Williams, 1998, p. 126-127), ficando submergida sensorialmente por um "caos visual" (Williams, 1998, p. 127). Lembra que "eu passei muitos dos meus primeiros sete anos de vida hipnotizada pelas partículas de ar dançar, que eu podia ver por causa da visão extremamente hipersensitiva" (Williams, 1998, p. 127). Isso também impactava sua capacidade de escutar, tornando-a "meaning-deaf" (Williams, 1998, p. 97), pois, embora, pudesse escutar os sons, perdia a capacidade de processá-los com sentido.

Uma vertente dessa impossibilidade de obter sentido do que vivenciava decorria da dificuldade em discriminar o que deve ser registrado como mais importante, favorecendo o overload de informações indiscriminadas. No entanto, outra faceta dessa modalidade de processamento era que esse acúmulo de repertórios podia ser processado posteriormente ao momento em que os inputs foram inicialmente recebidos. A hipótese donniana era a de que se trata de um modo de processamento similar ao que ocorreria na percepção de propaganda subliminar de modo que não haveria um conhecimento consciente do que é registrado.

Na teorização de Donna acerca das perturbações sensoriais no autismo, não se trata, nesses casos, de uma perturbação da visão, mas do processamento visual, da capacidade de interpretar e de organizar o que é registrado. Ela cita, por exemplo, que, se colocado na frente de uma criança autista um papel e uma tesoura, ela pode visualizar ambos, mas não os processar em uma relação funcional. Nesse caso, ou ela teria que ver a tesoura sendo usada para cortar o papel, ou, caso ela pudesse processar o que escutava, teria que ouvir especificamente que era para pegar aquela tesoura para cortar aquele papel, salientando que tal dificuldade não retrata uma deficiência intelectual, mas "puramente uma questão de processamento de informação" (Williams, 1998, p. 103). Mesmo alguns autistas que conseguem aceder ao que devem fazer têm dificuldade em supor qual seria a funcionalidade daquilo ou o que as pessoas geralmente pensam ou sentem em situações similares. Relata a dificuldade para ver um objeto ou escutar uma palavra e saber rapidamente o que é, qual o sentido, descrevendo como constatou que transcorria esse processo: diante de um objeto, era muito importante que pudesse vê-lo em ação, realizando algo ligado a sua função, preferencialmente localizado no lugar onde ele tinha originalmente obtido um sentido para ela, além da importância predominantemente acústica ao poder fazê-lo produzir um som ou movê-lo. Caso contrário, ela levava por volta de trinta segundos para reconhecer objetos, nos casos em que era bem-sucedida. Além do atraso em reconhecer objetos, realça sua dificuldade para processar a conversa, explicando que, até o término da infância, no melhor dos casos, o atraso girava em torno de cinco segundos. Adulta, relata que às vezes o atraso gira em torno de dois ou três segundos, mas, em outras, ela consegue processar e compreender imediatamente o que escuta. De modo geral, descreve que, quando escuta uma frase, algumas palavras podem ser processadas rapidamente, enquanto outras sofrem atraso. Então, ela pode escutar uma frase inteira, mas somente processar algumas partes por vez, havendo ausência de sincronia em termos da ordem nas quais as palavras são processadas e os sentidos da frase obtidos.

Sob esse ponto de vista, enfatiza que até os trinta anos de idade, o "'blah blah' ia superestimular meu sistema" (Williams, 1998, p. 95) em decorrência de um "progressivo blacklog de não processado" (Williams, 1998, p. 95), que perturbava sua capacidade de se sentir conectada com os próprios sentimentos e pensamentos, aumentando seu sentimento de insegurança. Nessas situações, quanto mais se esforçava para escutar, mais sentia a adrenalina se elevar e mais a voz das pessoas parecia mais rápida e o volume do que diziam parecia perturbá-la, como se estivessem gritando com ela – o que tornava ainda mais difícil a interação com as outras pessoas.

Coexistiam efeitos do overload de informação, que também aumentavam a adrenalina e geravam uma "hipersensitividade . . . e isto tinha o efeito que as vozes soavam de repente mais alto que o usual, as luzes pareciam de repente muito claras" (Williams, 1998, p. 125), sendo que essa premência sensorial implicava muitas vezes a perda de conexão com o corpo próprio.

Donna se caracteriza como incapaz de interpretar, atribuir designações, sentidos e nomeações para o que visualiza, além da tendência a apreender tudo em fragmentos em detrimento do todo. Outras alterações perceptuais geravam mudanças incessantes entre figura e fundo, uma flutuação da velocidade e do movimento, a alteração do brilho, das cores e dos padrões do que via, que se tornavam tão intensos a ponto de que o que a fascinava se tornar dolorido e originar uma reação fóbica. O overload no processamento visual poderia acarretar perturbações nas outras funções sensórias, por exemplo, atingindo a capacidade de escutar o que era dito, ou gerar outros "shutdowns compensatórios" (Williams, 1998, p. 123) que afetavam a apreensão de si e do outro, e a conexão com o corpo próprio.

Nas diversas manifestações de perturbações do processamento, são reiterados os efeitos de "alto estresse crônico" (Williams, 1998, p. 107) provocado pelas "constantes experiências de overload incontrolável e shutdowns" (Williams, 1998, p. 107). Além disso, a hipótese de Donna é a de que suas alterações de saúde impactam não somente o processamento de inputs, mas também o equilíbrio dos neurotransmissores que transmitem a mensagem no cérebro e que regulam as respostas de controle emocional e a resposta às diversas informações registradas sensorialmente, o que, nos casos mais graves, implica uma redução de suas "habilidades de autoajuda" (Williams, 1998, p. 121). Descreve manifestar um quadro de "exposure anxiety", termo que, para ela, abarca "um sentimento de claustrofobia social como se tudo fosse uma ameaça de 'invasão'" (Williams, 1998, p. 124), desembocando em um aumento da adrenalina decorrente de um "sensory heightening" (Williams, 1998, p. 124). Esse estado de ansiedade era vivenciado, na fase aguda, como se um terremoto estivesse se aproximando. O ataque de pânico somente era desencadeado quando se pensava, se realizava a ação ou se chegava próximo do que desencadeava a ansiedade, como tomar a palavra para falar ou se dar conta de que se tem um corpo próprio, o que produzia um intenso estado de alarme. Esse pânico era, muitas vezes, acompanhado pelo sentimento de caos, de confusão, de estar afogando e emprisionado, o que podia desembocar em respostas de fuga e ataque, ou nos meltdowns e shutdowns.

Essa modalidade de ansiedade é caracterizada como "um mecanismo involuntário de autoproteção" (Williams, 1998, p. 187) que implica, muitas vezes, um "involuntário bloqueio das ações" (Williams, 1998, p. 187), como falar e olhar para os outros, que pode coexistir com uma compulsão para fugir ou atacar, sendo marcante em todos esses estados "uma aversão involuntária instintual ao conhecimento consciente e responsabilidade por sua própria expressão" (Williams, 1998, p. 188), e uma fixação em se autoproteger diante da ameaça de perder o controle e do medo da iniciativa invasiva do outro. Esse estado de medo e ansiedade originava antimotivações que a impulsionavam a constantemente se defender do mundo. Diante desse quadro de ansiedade aguda, salienta a importância de um outro humano respeitador que viabilizasse criar pontes ao invés de forçar o autista a se formatar, "exacerbando a guerra involuntária" (Williams, 1998, p. 190) na qual já vivia.

Já na fase crônica, a ansiedade se aloca tão intensamente que "é como se seu corpo não fosse mais um lugar confortável para viver" (Williams, 1998, p. 216). Um dos focos de perturbação dessa ansiedade é em relação à conexão com a própria voz, de modo que Donna só podia se expressar por meio do que não era ameaçador: sussurrando, cantando, usando palavras funcionais como comandos de uma palavra, além do recurso ao diálogo falado com o próprio reflexo no espelho. Essa, assim como outras estratégias – uso da escrita, de objetos ou personagens como intermediários, de outra voz como se fosse um personagem falando – são ressaltadas como meio para poder se comunicar com os outros, contornando a severa ansiedade.

O enfoque na busca de controle do estresse crônico é premente nas teorizações de Donna, sendo que as problemáticas sensoriais-perceptuais têm importante destaque na origem desse. Ela atribui grande parte de suas perturbações às alterações de sua saúde, dentre as quais um "caos do sistema imunológico" (Williams, 1998, p. 120) cujas consequências implicam o atraso de processamento e no processamento exclusivo de um sistema sensorial em detrimento de uma integração global. Isso gerava uma amplificação da permeabilidade sensorial de tal modo que, embora algumas de suas experiências fossem "uma ilusão perceptual" (Williams, 1998, p. 120), eram vivenciadas como algo "muito real" (Williams, 1998, p. 120). Além disso, Donna sugere que, como consequência da premência dessa ansiedade, o autista pode se sentir roubado do controle de si, procurando muitas vezes reobter esse controle a partir da regulação de funções corporais – relacionadas à comida, à excreção, à alimentação e ao sono – e da busca de sameness.

Outro efeito dessas hipersensibilidades era um "sensory flooding" (Williams, 1998, p. 102) que poderia desencadear "shutdowns parciais" (Williams, 1998, p. 102) de uma área de processamento ou um shutdown em várias outras áreas de processamento, alterando a própria capacidade de apreender o corpo próprio ou perceber os outros. Os efeitos no dia a dia das dificuldades de processamento eram tão perturbadores que podiam originar "o estresse de se sentir tão fora de controle, tão overloaded" (Williams, 1998, p. 103), que exijam um retraimento reativo ou o recurso a "estratégias de download e autocalmantes" (Williams, 1998, p. 103), por exemplo, ao realizar algo repetitivo na tentativa de realizar downloads do que estava se acumulando de modo não processado.

Algumas das primeiras modalidades de manejo dos efeitos dessas perturbações sensoriais-perceptuais são descritas por Donna como adaptações involuntárias: por exemplo, o funcionamento dos sistemas sensoriais de forma independente um do outro, a mudança de níveis de processamento – de voluntário para involuntário –, o fechamento do sistema sensorial, ou o processamento somente no après-coup. Nos casos em que o processamento de inputs está offline, Donna formula que isso pode acarretar efeitos em diferentes níveis: desde um completo shutdown, no qual nada seja registrado, até a possibilidade de registrar e processar somente no nível literal, e no meio-termo, havendo um registro automático, mas não processamento.

 

As primeiras modalidades de organização

Em contraposto ao total caos sensorial e desamparo, no transcorrer de nossa análise das autobiografias, detectamos modalidades de organização não representacionais, designadas pelo termo "mapping" (Williams, 1998, p. 37), que designa um processo de registro equivalente a um computador que registra quantidade grande de dados que podem ser organizados em padrões e temas, mas que não podem ter atribuído significância, não são interpretados quando registrados e não são conscientes.

Esses registros que Donna descreve como anteriores à mente viabilizam o surgimento de uma identificação que alicerçava seu "selfless-self" (Williams, 1998, p. 25), distinto daquele que seria o produto da sua mente. Esse self, anterior às relações imbricadas de corpo-mente, permitiria ver, sentir, ouvir, mas sem mente. Tratar-se-ia de um corpo não físico cujas sensações eram percebidas e registradas sem consciência.

No mapping, Donna permanecia em um funcionamento "autopiloto" (Williams, 2006, p. 59, tradução nossa) no qual registrava tudo em um estado mindless, que aparentava para as outras pessoas como alguém olhando o vazio, em um mundo à parte. Seria como se a mente estivesse off, mas pudesse, ainda assim, habitar o mundo como um zumbi ou um sonâmbulo. Nesse caso, Donna tece a hipótese de que não era ativada a capacidade de pensar e que o conhecimento consciente e a interpretação estariam ausentes da sua apreensão do mundo, de si e dos outros.

Seria possível um acúmulo de repertório e categorização dos dados, desde que baseados em categorias não ativadas pelo campo de nomeação, significante ou que dependessem de interpretação. Nesse contexto, o mapping lhe viabilizava uma forma de organização, assim como a ressonância lhe fornecia uma forma de aquisição de conhecimento sem consciência ou interpretação. A ressonância é ilustrada por meio de uma esponja que ressoa todas as vivências, a partir da não existência de separação entre o que era esponjado, absorvido, e a própria Donna, em um estado no qual o que era sentido, ressentido, não era registrado pela mente consciente, não era objeto de reflexão. Já pelo mapping, havia uma acumulação do que era registrado e organizado em termos de padrões e variações aos quais não se atribuía uma significância.

É somente do meio para o fim da infância que Donna descreve ter migrado da apreensão unicamente sensorial para uma apreensão literal, situando, aos 32 anos, o momento da sua vida na qual pôde perceber as coisas de modo significante e não literal, descrevendo, no entanto, a premência da sensorialidade mesmo quando pode aceder ao campo significante. Nas situações nas quais anteriormente ficava paralisada, submergida no estresse e na vivência de fragmentação da realidade, relata que, no decorrer da vida adulta, se tornou capaz de oscilar entre essas diferentes modalidades de apreensão. Nesse contexto, Donna descreve haver algumas primeiras modalidades de organização do que é percebido, que não se baseiam em ordenações em torno de significantes mestres ou interpretações que ela designa como conceituais, representacionais, intelectuais. O psicanalista Coelho Júnior (2008) sublinha considerar que podemos pensar que as sensações e as percepções já trariam em si a possibilidade de atribuição de sentidos. Podemos tecer a hipótese de que, no caso de Donna, em decorrência de uma extensão do tempo que ela precisa trabalhar mentalmente tudo o que vive e pela não prevalência da dimensão representacional-significante, obtém-se uma janela psíquica mais vasta e nítida para esses processos mentais. Então, nesse âmbito, poderíamos, em um primeiro momento, observar a entrada em ação do trabalho de ligação (por associações psíquicas que estabelecem a organização de padrões), por meio de defesas que não são oriundas (ainda) do ego, e de organização psíquica não regida pela instância egoica.

Apontamos, nos relatos de Donna quanto à modulação da sua permeabilidade aos estímulos, que o registro perceptivo e a organização do que era captado sensorialmente foi oriundo de um árduo trabalho psíquico, exigindo uma progressiva capacidade de se proteger contra os excessos sensoriais, o que foi viabilizado lentamente quando encontra modos de regular a hipersensibilidade e pode progressivamente reconhecer e evitar estímulos excessivos desprazerosos, possibilitando uma atribuição de qualidades, de progressivo julgamento destas.

Nas autobiografias de Donna, detectamos uma posterior organização egoica, mas enfocamos neste artigo uma etapa de organização anterior à instância egoica na qual descrevemos a organização de padronização pela sensorialidade, além de outras modalidades de manejo das perturbações sensório-perceptuais. Tratam-se de organizações e funcionamentos que não transcorreriam no nível da representação psíquica, mas que delimitam uma modalidade de ligação psíquica que não dependeria da representação.

Como o que é captado sensorialmente pode ser transformado em traços mnêmicos por meio da atividade psíquica de percepção? Trata-se de um trabalho ativo para promover o que Donna designa como processamento de informação, e que remete tanto à recepção e captação dos inputs quanto à modulação diante dos excessos. O psicanalista Coelho Júnior (1999a) caracteriza a percepção enquanto uma apreensão desses inputs pelos órgãos dos sentidos, enfatizando a ação de um reconhecimento realizado por um aparelho psíquico. Não se trata, pois, de um processo passivo, mas do que ele descreve como ativação perceptiva.

É pela presença original que pode haver a inscrição do traço mnêmico, que será investido pelas representações. No exemplo de Donna, notamos um percurso da problemática inscrição primeira da presença, que pode ancorar a existência mesma dos traços perceptivos e a viabilidade destes se transformarem em traços mnemônicos, e a possibilidade de interpretação do que é percebido, contemplando as primeiras inscrições psíquicas de um registro de presença, e dos efeitos de tudo o que não pode ser inscrito, e quais os impactos destes no funcionamento psíquico. Donna delineia um percurso diferenciado de constituição do funcionamento psíquico por ter sido deparada, incialmente, com uma grande quantidade de excitações, tanto internas quanto externas que não podiam ser transformadas. Quando pode superar (ao menos parcialmente) os obstáculos ao registro da presença sensorial atrelado à percepção, é que os estímulos que chegam pelos órgãos sensoriais podem ser de fato processados e, pela percepção, podem ser organizadas por padrões (ligados à sensorialidade, e não ao significante). Surge um primeiro registro associativo, conectado à simultaneidade, o que podemos articular às afirmações dos psicanalistas Cesar Botella e Sara Botella (1995), que sugerem que a simultaneidade se concretiza como "uma potencialidade causal" (p. 364) primeira enquanto um modelo organizacional da percepção, anterior à organização representacional (significante).

Aqui podemos apontar quão freudiana Donna é ou, mais precisamente, quanto podemos articular suas elaborações e formulações ao aparelho psíquico tal qual explicitado por Freud na Carta 52, nos diversos registros de inscrição dos traços mnêmicos e da tradução destes em "um processo de estratificação" (Freud, 1896/1987, p. 281) imbricado a novos arranjos via retranscrição. Nesse esquema podemos situar essas modalidades de funcionamento do aparelho psíquico, tais quais caracterizadas por Donna em Wz (Wahrnehmungszeichen), o primeiro registro perceptivo "conforme as associações por simultaneidade" (Freud, 1896/1987, p. 282) que, em seguida, podem progressivamente ser organizadas em uma relação causal.

 

Considerações finais

Procuramos descrever os diversos mecanismos defensivos colocados em ação por Donna, considerando que "as diferentes defesas colocadas em ação formatam, de maneira específica, o devir do funcionamento psíquico" (Moreno, 2014, p. 129). Além do mecanismo de elisão, já reconhecido e formulado por excelentes clínicos nesse campo, como um mecanismo de defesa em que há uma retirada tão maciça do investimento no outro/mundo que não há mais percepção deste e fica impossibilitado esse registro e posterior inscrição, descrevemos várias outras modalidades de adaptação e compensação: da etapa inicial de um estado autístico no qual prevalecia o caos sensorial em direção a outras modalidades defensivas precoces. Enfocamos o mapping enquanto designação donniana de um primeiro registro associativo conectado à simultaneidade, que operacionaliza um primeiro modelo organizacional perceptivo anterior à organização representacional. Enfatizamos como essa organização calcada na percepção implica um primeiro registro ativo do outro, de si, da realidade, de modo que o que foi captado sensorialmente recebe um primeiro nível de processamento, exigindo um relevante trabalho psíquico. Enfim, a partir da análise do material clínico fornecido por Donna, tentamos pensar "novas formas de existir psíquico" (Coelho Júnior, 1999b, p. 104), que destacam "o sentido constitutivo da experiência perceptiva", relevando "o quanto a percepção está diretamente relacionada à constituição da subjetividade" (Coelho Júnior, 1999b, p. 106) do ser humano.

Depois de anos vivendo e pensando o autismo, a autista Temple Grandin realça que sua ênfase migrou do autismo como um qualitativo negativo para sua compreensão deste enquanto um funcionamento psíquico diverso não deficitário, enfocando, todavia, quanto as perturbações sensoriais afetaram sua apreensão de si, dos outros, do mundo:

Quando seus sentidos funcionam normalmente, você pode supor que sua realidade sensorial é muito similar à realidade sensorial de todos aqueles cujos sentidos funcionam normalmente. Afinal, eles evoluíram para captar uma realidade comum – para nos permitir interpretar, do modo mais confiável possível, as informações de que necessitamos para sobreviver.

Mas e quando seus sentidos não funcionam normalmente? . . . E se você receber a mesma informação sensorial que os outros, mas seu cérebro interpretá-la de modo diferente? Então, sua experiência do mundo ao redor será a experiência dos outros, mas talvez de um modo doloroso. Nesse caso, você vive literalmente em uma realidade alternativa – uma realidade sensorialmente alternativa. (Grandin & Panek, 2015, p. 78)

Vale destacar que a própria Temple (Grandin & Panek, 2015) não restringe os transtornos sensoriais ao espectro do autismo, mas enfoca a falta de estudos dos impactos destas perturbações no autismo, o que atribui a uma dificuldade dos cientistas apreenderem uma realidade perceptual tão distinta da norma, uma vez que estes estudos "exigiriam que os pesquisadores se imaginassem olhando o mundo do ponto de vista da confusão de falhas neuronais dos autistas" (p. 80), enfatizando que "a maioria dos pesquisadores são pessoas normais" (p. 80). Além da falta de interesse em pesquisar a temática dos problemas sensoriais, Temple considera que as pesquisas existentes não utilizam de fato o material mais rico: os relatos dos próprios autistas. Nesse mesmo sentido, afirma que

Os pesquisadores podem não confiar nos relatos pessoais, mas eu os considero uma fonte valiosa, não só pela informação que contêm como pela lição mais abrangente: se você quer saber o que significa um sintoma de autismo, precisa ir além do comportamento do autista. (Grandin & Panek, 2015, p. 104)

Para concluir, podemos seguir sua lúcida argumentação acerca da prevalência do modelo do cérebro normal e do embasamento de pesquisas baseadas em comportamentos avaliados por observadores externos, em contraponto aos relatos autobiográficos:

Os estudos sobre problemas sensoriais graves baseiam-se no testemunho dos pais ou cuidadores. As conclusões dependem da metodologia dos pesquisadores. Mas por que deveríamos supor que as interpretações refletem o que acontece com os indivíduos? Alguém que não consegue imaginar o que é viver num mundo de sobrecarga sensorial provavelmente vai subestimar a gravidade das sensações alheias e o impacto na vida da pessoa e pode interpretar o comportamento como sinal de um problema sensorial, quando pode ser outro.

Se os pesquisadores querem saber como é ser uma das muitas e muitas pessoas que vivem em uma realidade sensorial paralela, eles precisam perguntar a elas.

Pesquisadores costumam menosprezar o relato dessas pessoas por pensarem que não se presta à verificação científica por seu subjetivo. Mas é essa a questão. A observação objetiva do comportamento pode fornecer informações importantes. Mas só a pessoa com sobrecarga sensorial pode dizer o que isso realmente representa. (Grandin & Panek, 2015, p. 85)

Retomemos, para concluir, a problemática levantada na nossa introdução, para reiterar que nosso artigo procurou enfatizar que os autistas, mesmo os não falantes, são sujeitos que têm o que falar e são os melhores guias para orientar a condução do tratamento e a nossa maneira de teorizar o autismo, especialmente em relação à necessidade de compreender o que Donna Williams tão bem descreve como realidades sensoriais alternativas.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
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ncoelho@usp.br
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05508-030 – São Paulo – SP – Brasil.

Recebido em agosto/2017.
Aceito em fevereiro/2018.

 

 

NOTA

1. Artigo oriundo da pesquisa de pós-doutorado da primeira autora realizada no Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, sob orientação do segundo autor.

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