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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.15 no.2 Rio de Janeiro dez. 2012

 

ARTIGOS

 

Adaptação do questionário de adesão à medicação numa amostra de pacientes portugueses com diabetes tipo 21

 

Adaptation of the medication adherence report scale in a sample of portuguese type 2 diabetes patients

 

 

Maria das Graças Pereira*; Susana Pedras*; Jose Cunha Machado**

Universidade do Minho

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objectivo adaptar a Escala de Adesão à Medicação (MARS) a uma amostra de diabéticos portugueses tipo 2. Participaram no estudo 387 diabéticos (42% mulheres e 58% homens) diagnosticados com diabetes tipo 2. 57% dos diabéticos tinha sido diagnosticados nos últimos 6 meses e 38% entre 7 e 12 meses no momento da avaliação. O estudo da validade da escala “Medication Adherence Report Scale” revelou uma solução de um factor tal como o instrumento original que explica 52,15% da variância. O alfa de Cronbach foi de .74. Em termos de validade de construto, a adesão à medicação encontra-se relacionada com as representações da doença ao nível das dimensões consequências, controlo pessoal, controlo do tratamento, preocupação e representações emocionais. Finalmente, a relação entre adesão à medicação e as representações da doença foi sensível ao género e idade. O questionário de Adesão à Medicação possui as qualidades psicométricas que permitem o seu uso na população portuguesa com diabetes tipo 2.

Palavras-chave: Adesão à Medicação, Diabetes tipo 2.


ABSTRACT

The goal of the present study was the adaptation of the Medication Adherence Report Scale in a Portuguese sample of type 2 diabetes patients. 387 diabetes patients participated in the study, (42% women and 58% males) diagnosed with type 2 diabetes. 57% of the diabetes patients were diagnosed in the previous six months and 38% between 7 and 12 months prior to the assessment. The validation study revealed a one factor solution like the original version that explained 52,15% of the variance. Cronbach alpha was .74. In terms of construct validity, adherence to medication is related to illness representations on several dimensions: consequences, personal control, treatment control, worries, and emotional representations. Finally, the relationship between adherence to medication and illness representations is sensitive to gender and age. The Medication Adherence Report Scale presents the psychometric properties that allow its use in Portuguese type 2 diabetes patients.

Keywords: Adherence to medication, Type 2 Diabetes.


 

 

Introdução

A não adesão é considerada um problema de saúde pública (Vermeire et al., 2007). Em 2020, as doenças crónicas representarão 65% do total das despesas com saúde em todo o mundo (Bugalho & Carneiro, 2004; World Health Organization, WHO, 2003). Estima-se que, nos países desenvolvidos, o grau de adesão às terapêuticas crónicas seja apenas de 50% e, nos países subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento, seja ainda menor (Rashid, 1982). Nos Estados Unidos, calcula-se que a não adesão conduza a 125.000 mortes por ano e a 5 a 15% das admissões hospitalares anuais (Bugalho & Carneiro, 2004). Face ao aumento das doenças crónicas, à diminuição da mortalidade e ao envelhecimento da população, a adesão terapêutica aos regimes médicos e terapêuticos torna-se essencial no controlo da doença crónica e na manutenção da qualidade de vida (Bugalho & Carneiro, 2004).

Haynes (1979) definiu “compliance”, como o grau em que o comportamento do doente coincide com a prescrição clínica. Segundo este conceito, existe uma hierarquia onde o médico é considerado um ser omnipotente e “expert” e o doente um subordinado. Este termo foi substituído pelo termo “adherence” (Feinstein, 1990) que engloba o conceito de cooperação e igualdade na relação médico-doente, constituindo-se assim uma aliança terapêutica, sendo actualmente a “adesão ao tratamento”, o termo mais utilizado pelos profissionais de saúde. A adesão pode ser “pensada” como o grau de concordância entre o comportamento de uma pessoa em relação às orientações do médico ou de outro profissional de saúde (Osterberg & Blaschke, 2005; WHO, 2003).

A adesão pode ser confirmada por comportamentos como aquisição de medicamentos prescritos; toma de medicamentos recomendados segundo as quantidades prescritas, conhecimento do nome dos medicamentos, assiduidade às consultas, não alteração das doses recomendadas ou do tratamento, alteração dos hábitos de vida (Brannon & Feist, 1997; Pamplona, 1997; WHO, 2003).

A não adesão à medicação para a diabetes representa um dos maiores contributos para um controlo glicémico pobre (Cox & Gonder-Frederick, 1992) e está associada a maiores custos com os cuidados de saúde (Hepke, Martus, & Share, 2004). Em contrapartida, os pacientes aderentes à medicação apresentam um bom controlo metabólico e um valor baixo de HbA1c, i.e. bom controlo metabólico (Hill-Briggs et al., 2005). Contudo, as representações individuais da doença que o diabético constrói desempenham um papel preponderante na adesão aos comportamentos de auto-cuidados da diabetes mas sobretudo no comportamento de adesão à medicação oral. Hampson, Glasgow e Foster (1995) verificaram que as crenças acerca da doença (percepção de gravidade da diabetes, crenças acerca da eficácia do tratamento e a percepção de controlo sobre a diabetes) estavam ambas associadas ao valor da HbA1c, padrões alimentares, funcionamento físico e saúde mental dos pacientes com diabetes. Neste sentido, o autor enfatiza a necessidade de fornecer informação aos diabéticos acerca da doença, uma vez que a informação e o conhecimento aumenta a adesão (Anon, 1992) bem como a importância da intervenção psicológica dirigida às crenças e representações individuais sobre a doença dado o seu impacto na adesão aos autocuidados na gestão da diabetes.

O baixo grau de adesão pode afetar negativamente a evolução clínica da doença, bem como a qualidade de vida geral que se reflecte em consequências pessoais, sociais e económicas (Marinker & Shaw, 2003). Cluss e Epstein (1985) referem que a baixa adesão pode levar ao agravamento da sintomatologia e progressão da doença, ao aumento de consultas de urgência, ao aumento de prescrições de fármacos mais potentes e/ou mesmo mais tóxicos, por vezes desnecessários, e ao fracasso do tratamento. A não adesão pode-se traduzir no aumento da morbilidade, no aumento do número de consultas médicas, hospitalizações e/ou despesas desnecessárias, sugerindo um aumento dos custos e uma utilização ineficaz do sistema de saúde. A não adesão implica um potencial desperdício de recursos para o sistema de saúde (Horne, 2001; WHO, 2003), reflectindo-se em custos que, para além dos problemas relacionados com o prolongamento do sofrimento inerente à doença, vai implicar mais visitas aos serviços de saúde, provavelmente mais hospitalizações, prolongamento do tempo de recuperação e faltas ao trabalho (Ley, 1997). Sheridan e Radmacher (1992), numa revisão da literatura, verificaram que cerca de 50% dos pacientes não tomavam a medicação conforme a prescrição médica, 20 a 40% não faziam as vacinas recomendadas e 20 a 50% faltavam às consultas marcadas, e quando era necessário alterar hábitos e estilos de vida, a adesão era ainda menor. Num outro estudo, verificou-se que 38% dos pacientes não seguiam o plano de tratamento de curta duração e mais de 45% não aderiam aos tratamentos de longa duração (DiMatteo, 1994).

Estima-se que cerca de 30 a 50% dos medicamentos prescritos para doenças crónicas não são consumidos como deviam (WHO, 2003). Gadkari e McHorney (2010) numa revisão sistemática da literatura de setenta e nove estudos verificaram que aproximadamente 16% dos pacientes falharam a renovar a prescrição. Dos pacientes que compraram a medicação, metade parou de tomar a medicação no primeiro ano de tratamento (Haynes, McDonald, & Garg, 2002). Num outro estudo, 40% dos clientes de uma farmácia relataram ter deixado de tomar a medicação prescrita (Mardby, Akerlind, & Jorgensen, 2007). Em diversas doenças, a não adesão é estimada abaixo dos 50% (Sackett & Snow, 1979). Sarafino (2002) refere que a taxa média de adesão aos medicamentos para tratamento de doenças agudas em regimes de curto prazo é de cerca de 78% e para doenças crónicas com regimes de longo prazo decresce para 54%. O autor refere ainda que a taxa média de adesão à toma da medicação como prevenção de doenças é cerca de 60%, para regimes de curto e longo prazo.

A adesão ao tratamento constitui um dos principais problemas da diabetes, sendo as características inerentes à doença, a sua complexidade, e a responsabilidade exigida ao doente, um passo para uma adesão complexa. Taylor (1995) verificou que 80% dos diabéticos administravam incorrectamente a insulina, 58% administravam doses erradas, 77% testavam a glicose na urina sem precisão, 75% não comiam em intervalos regulares e 75% não seguiam a dieta recomendada. De uma forma geral, apenas 15% dos doentes seguiam todas as recomendações médicas acerca do tratamento (Taylor, 1995). King (1994, cit. in Calmeiro & Matos, 2004) define adesão como o nível de participação obtido num regime comportamental, mediante o acordo de participação do indivíduo. A adesão ao tratamento da diabetes comporta diversas tarefas associadas ao estilo de vida dos pacientes. Desta forma, a adesão ao tratamento deve ter em consideração a cronicidade da doença e a complexidade do próprio tratamento particularmente as alterações do estilo de vida. Frequentemente, a ausência de sintomas conduz a uma negligência do tratamento. Noutros casos, os doentes carecem de um conhecimento específico para a adequada realização do tratamento (Beléndez, & Méndez, 1995; Irvine, Saunders, Blank, & Carter, 1990; Vazquez, Rodrigues, & Alvares, 1998). Assim, não existe uma prescrição terapêutica standard, sendo o tratamento um alvo de mudanças constantes (McNabb, 1997). O regime terapêutico da diabetes torna-se, assim, complexo, por um lado devido à responsabilidade que o indivíduo tem de integrar e organizar todas estas tarefas comportamentais na sua rotina quotidiana e, por outro lado, devido à exigência que lhe é exercida para que realize constantemente tomadas de decisão importantes no tratamento (Borgsteede et al., 2011; McNabb, 1997).

Na diabetes, a causa da não adesão é multifactorial e as causas apontadas vão desde os receios relacionados com a complexidade do regime terapêutico (como a elevada frequência de tomas) aos receios com os efeitos secundários do tratamento (como o aumento de peso), passando pelo esquecimento, indiferença, impedimentos e custos da medicação (Hill-Briggs et al., 2005; Shobhana, Begun, Snehalatha, Vijay, & Ramachandran, 1999; Wallace & Matthews, 2000).

De facto, os estudos indicam que as taxas de adesão são variadas na população diabética. Cramer (2004) numa revisão sistemática da literatura sobre adesão à medicação para a diabetes verificou que os diabéticos tomam menos medicação do que a prescrita, incluindo medicação oral ou insulina. Em relação à adesão aos antidiabéticos orais, um estudo de 2009 refere que a taxa varia entre 7 e 64% (Buckley, Foster, Patel, & Wermert, 2009) e 36 e 93%, incluindo os estudos que avaliaram a medicação através de métodos de monitorização electrónica (Cramer, 2004; DiMatteo, 2004; Walker et al. 2006). Contudo, Gimenes, Zanetti e Haas (2009), encontraram taxas mais elevadas de não adesão, dado que 78,3% dos 46 diabéticos entrevistados aderiam à medicação prescrita. Tambem Grant, Devita, Singer e Meigs (2003) encontraram uma prevalência de 95.7% de adesão à medicação anti-diabética. As diferenças encontradas nas taxas de adesão nos vários estudos podem estar relacionadas com o método de avaliação da adesão. A simplificação do regime terapêutico pode ser útil (Claxton, Cramer, & Pierce, 2001) mas a complexidade por si só não é a chave do sucesso mas sim, o modo como o tratamento se insere no dia-a-dia, nas rotinas, expectativas e preferências do paciente (Horne, 2006; Horne & Weinman, 1999). A literatura sobre a adesão à medicação sugere que os pacientes irão aderir menos se o tratamento for preventivo e não curativo, quando a doença é assintomática e quando o tratamento é por um longo período de tempo (Rand, 1993). Estas três condições estão presentes quando se diagnostica diabetes tipo 2 (Brewer, Chapman, Brownlee, & Leventhal, 2002).

As representações de doença estão entre os principais determinantes da adesão a um bom controlo glicémico e qualidade de vida em pessoas com diabetes (Paschalides et al., 2004) e podem-se enquadrar no grupo dos factores relacionados com o paciente, preconizados pela World Health Organization (2003). Os estudos têm vindo a enfatizar a relação entre as crenças acerca da doença e tratamento e os autocuidados na doença (Leventhal, Meyer, & Nerenz, 1980). De acordo com Leventhal e colaboradores (1980) e mais recentemente Searle, Norman, Thompson e Vedhara (2007), as representações da doença podem ser conceptualizadas em torno de cinco dimensões: causa, controlo, duração, consequências e identidade (sintomas percebidos) da doença. A dimensão de causa refere-se às crenças do diabético sobre a possível causa da doença, que podem ou não estar em conformidade com os pareceres médicos. A dimensão de controlo diz respeito ao grau de percepção de controlo que os pacientes têm acerca do tratamento. A representação espaço-temporal refere-se à compreensão dos pacientes sobre a duração e progressão da doença. Por sua vez, as consequências referem-se à medida na qual os pacientes estão conscientes da gravidade da doença. Finalmente, a identidade tem que ver com a percepção dos sintomas que um doente tem da sua doença. Esta representação da doença é essencial para orientar a resposta a uma ameaça para a saúde (Leventhal & Mora, 2005). As representações da doença são dinâmicas, e podem modificar-se ao longo do curso da doença (Lange & Piette, 2006). A partir do momento que o paciente elabora uma representação acerca da sua doença activa mecanismos de coping para lidar com ela. Assim, os pacientes diabéticos que acreditam ter controlo sobre a doença têm mais probabilidade de aderir ao tratamento e aos comportamentos de auto-cuidados (Hampson et al., 1995). De igual modo, a investigação em várias doenças crónicas, tem demonstrado que as crenças associadas à necessidade de tomar a medicação prescrita e a preocupação com os seus efeitos a longo prazo são preditores da adesão à medicação (Horne, Weinman, & Hankins, 1999; Horne, 2003).

As consequências da doença, é uma das dimensões mais importante nas representações individuais de doença (Theunissen, de Reidder, Bensing, & Rutten, 2002). Esta dimensão contempla as consequências emocionais, físicas como por exemplo, as amputações e problemas de visão, entre outros como as consequências financeiras da doença. As dimensões de controlo pessoal e controlo de tratamento dizem respeito à percepção do controlo pessoal do doente sobre a sua doença assim como a percepção do controlo sobre o tratamento. A dimensão preocupação está relacionada com a preocupação que a doença provoca no doente. Por fim a dimensão representações emocionais engloba a ansiedade e a angústia de ter de lidar com um conjunto de auto-cuidados para controlar a doença (Scollan-Koliopoulos, O´Connell, & Walker, 2007), o não se sentir confortável em falar abertamente com os outros acerca da diabetes e a sensação de ser estigmatizado associada ao aumento de peso (Crocker, Cornwell, & Major, 1993). Estas representações da doença influenciam a adesão à medicação oral (Scollan-Koliopoulos et al., 2007) dado que os pacientes elaboram um “modelo” próprio e individual sobre as representações da sua doença que influencia a forma como vão lidar com ela e com os comportamentos de auto-cuidados (Cameron, Leventhal, & Leventhal, 1993).

Com o objectivo de criar um instrumento que permitisse avaliar a adesão aos medicamentos em qualquer contexto clínico, Horne (2001) desenvolveu uma escala de avaliação da adesão aos medicamentos, a “Medication Adherence Report Scale” (MARS). Esta escala tem por objectivo avaliar os níveis de adesão à medicação, nomeadamente a frequência com que os sujeitos ajustam ou alteram as doses prescritas pelo médico.

O objectivo do presente estudo foi a adaptação do questionário “Medication Adherence Report Scale” (MARS, Horne, 2001) numa amostra de diabéticos tipo 2.

 

Metodologia

Participantes

No estudo participaram 387 diabéticos (42% mulheres e 58% homens) diagnosticados com diabetes tipo 2. 57% dos diabéticos tinha sido diagnosticados nos últimos 6 meses e 38% entre 7 e 12 meses. A média de idades foi de 59 anos, 67% possuía o 1º ciclo de escolaridade e todos se encontravam casados ou em união de facto. Os diabéticos encontravam-se medicados com anti-diabéticos orais ou outra medicação (ex: medicação para a HTA e/ou colesterol).

Procedimento

A amostra foi recolhida em Postos de Saúde Familiares do Norte de Portugal. Todos os participantes eram conhecedores do objectivo do estudo e assinaram um consentimento informado. A participação foi voluntária. Foram excluídos os diabéticos portadores de doença oncológica. Os critérios de inclusão incluíram diagnóstico de diabetes até um ano no momento da avaliação, ter companheiro e mais de 18 anos.

Instrumentos

A Medication Adherence Report Scale (MARS, Horne, 2001) tem por objectivo avaliar os níveis de adesão à medicação, nomeadamente a frequência com que os sujeitos ajustam ou alteram as doses prescritas pelo médico. A MARS é composta por 5 itens. A escala tem uma pontuação máxima de 25 pontos, resultante da soma das pontuações de cada uma das 5 questões (Horne, 2001). O resultado total de adesão à medicação obtém-se somando as respostas dos 5 itens, de tal forma que os resultados variam entre 5 e 25, sendo que resultados mais elevados indicam maiores níveis de adesão. Este instrumento possui propriedades psicométricas razoáveis ao nível da fidelidade, apresentando um alfa de .70 e uma fidelidade teste-reteste de .97, bem como uma boa validade discriminante .

A versão breve do Illness Perception Questtionnaire (IPQ-B, Broadbent, Petrie, Main, & Weinman, 2006), adaptada por Figueiras e colaboradores (2009), é composta por 9 itens (item 3, 4 e 7 invertidos) e avalia de uma forma rápida as representações cognitivas e emocionais sobre a doença. Um resultado elevado significa representações ameaçadoras da doença em cada uma das respectivas dimensões. Este questionário permite também obter resultados em três dimensões: Representações Cognitivas da Doença constituída por cinco itens e Representações Emocionais da Doença avaliadas através de dois itens: preocupação (item 6) e resposta emocional e causas (item 8) e um item que avalia a Compreensão sobre a Doença (item 7). Na versão utilizada no estudo não foi contemplado o item 9 (causas da doença) dado ser um item de resposta aberta como é prática comum nos estudos com o IPQ-B.

De acordo com os autores (Broadbent et al., 2006), o instrumento apresenta boas características psicométricas em diversas amostras com doença física. Em termos da validade, os resultados revelaram que as dimensões consequências, identidade, preocupação e compreensão e resposta emocional estavam significativamente relacionadas com o funcionamento físico e mental dos participantes.

 

Resultados

Propriedade Psicométricas do MARS

Na versão original, o instrumento apresenta um alfa de cronbach de .70 (Horne, 2001). No presente estudo a consistência interna da escala foi de .74, apresentando os itens da escala correlações com a escala total, corrigidos para sobreposição, que variam entre r= 0,44 e r= 0,56. Os itens 1 e 3 são aqueles que apresentam correlações mais baixas com o total da escala (r= 0,44 e r= 0,52, respectivamente).

O estudo da validade incluiu a análise factorial em componentes principais, com rotação ortogonal através do método varimax. A adequabilidade da análise factorial aos itens, através da verificação da existência de correlações significativas entre eles, foi confirmada pela medida de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO=0,751) e pelo teste de esfericidade de Bartlett (QQ=506, 6; gl=10, p<0,000). Os resultados obtidos revelaram que a melhor solução inclui um factor que explica 52,164% da variância total dos resultados. A tabela 1 apresenta os resultados.

 

 

 

Validade de Construto

Verificou-se que a adesão à medicação está relacionada com as consequências, controlo pessoal, controlo do tratamento, preocupações e representações emocionais da doença. A tabela 2 apresenta os resultados.

 

 

Verificou-se também a existência de relações significativas entre a adesão à medicação e as representações da doença em função da idade e do género. Assim, as mulheres que aderem à medicação são as que têm representações mais negativas das consequências da doença, maior controlo do tratamento e maior identidade (identificação de sintomas). Já os diabéticos do sexo masculino que aderem à medicação são os que têm mais controlo pessoal e controlo do tratamento, mais preocupação, mais compreensão da doença, e representações emocionais mais negativas. A tabela 3 apresenta os resultados.

Relativamente à idade, os diabéticos mais novos (com menos de 60 anos) bem como os mais velhos (mais de 60 anos) que aderem à medicação apresentam pior controlo do tratamento e mais preocupações com a doença. Os diabéticos com mais de 60 anos que aderem à medicação apresentam também maior controlo pessoal na doença A tabela 3 apresenta os resultados.

 

 

Validade Discriminante

De seguida verificamos se existem diferenças ao nível do género e da idade na adesão à medicação e verificamos que não existem diferenças estatisticamente significativas ao nível do género (t = -0,053; p=0,958) e idade (t= -0.577; p=0,546).

 

Discussão

Os resultados revelaram uma relação entre a adesão à medicação e as representações da doença. Este resultado vem ao encontro de outros estudos que enfatizam o papel preponderante das crenças dos pacientes, particularmente as representações individuais sobre a doença e tratamento, na adesão à medicação, como importantes determinantes do controlo glicémico e, por consequência, da qualidade de vida (Barnes, Moss-Morris, & Kaufusi, 2004; Hampson et al., 1995; Horne, 2003; Horne et al., 1999; Mann, Ponieman, Leventhal, & Halm, 2009; Paschalides et al., 2004; Searle et al., 2007; Watkins et al., 2000). No presente estudo, verificou-se que a adesão à medicação se encontra relacionada ao nível das representações da doença com as consequências, controlo pessoal, controlo do tratamento, preocupações e resposta emocional. Assim, os pacientes que se encontram preocupados com a doença e suas consequências, com o impacto emocional que ela possa provocar, bem como os que percepcionam maior controlo pessoal e de tratamento, aderem mais à medicação oral na diabetes tipo 2 (um resultado elevado no IPQ significa mais representações ameaçadoras da doença). Este resultado está de acordo com os estudos que referem a importância das percepções dos diabéticos sobre a doença e controlo do tratamento, nomeadamente a antecipação de benefícios que influenciam o processo de adesão (Glasgow, Hampson, Strycker, & Ruggiero, 1997; Hampson et al., 1995; Searle et al., 2007; Watkins et al., 2000). Para além disto, as representações da doença são também importantes na escolha das estratégias de coping que o paciente utiliza para lidar com a doença (Searle et al., 2007).

No presente estudo não encontramos diferenças significativas ao nível do género na adesão à medicação, o que não vai ao encontro de alguns estudos que referem que os homens aderem mais do que as mulheres devido à influência positiva das parceiras no processo de adesão (Gimenes et al., 2009; Hertz, Unger, & Lustik, 2005; Horne et al., 2004) enfatizando assim, o papel imprescindível da companheira na adesão terapêutica (Trief, Ploutz-Snyder, Britton, & Weinstock, 2004; Trief, Wade, Britton, & Weinstock, 2002). Costa, Pereira e Pedras (2012) verificaram que o apoio positivo do cônjuge (reforçar, encorajar e lembrar) estava associado a um maior controlo percebido, planeamento de ação e coping associados ao comportamento de monitorizar a glicose. Neste estudo, também o apoio negativo do parceiro (criticar, pressionar) se encontrava associado a maior intenção, normas subjectivas e controlo comportamental associados a este auto-cuidado. O apoio do cônjuge positivo ou negativo é eficaz no aumento da adesão terapêutica nos diabéticos. Também não foram encontradas diferenças ao nível da idade. De facto, vários autores referem uma fraca associação entre a idade e a adesão terapêutica (DiMatteo, 2004; McDonald, Garg, & Haynes, 2002; Osterberg & Blaschke 2005). Outros estudos verificaram, contudo, que os pacientes mais jovens apresentavam menor adesão que os mais velhos, que apresentavam uma visão mais positiva da medicação (Isacson & Bingefors, 2002; Walker et al., 2006).

Também se verificou uma relação significativa entre a adesão à medicação e as representações da doença tendo em consideração o género. As mulheres que aderem à medicação têm mais representações sobre as consequências, identidade e controlo de tratamento na doença. Este resultado está de acordo com estudos anteriores que revelaram que os pacientes diabéticos que acreditam ter controlo sobre a doença têm maior probabilidade de aderir ao tratamento e aos comportamentos de auto-cuidados (Hampson et al., 1995). Por sua vez, os homens que aderem mais à medicação apresentam maior percepção de controlo pessoal e do tratamento bem como maior compreensão, preocupação com a doença e mais representações negativas da doença. De facto, os homens parecem ter mais facilidade em se adaptarem cognitivamente à diabetes (Enzlin, Mathieu, & Demyttenaere, 2000). Este resultado poderá ter a ver com o facto dos homens poderem estar mais preocupados com a doença devido ao seu impacto na performance sexual e aderirem por isso mais à medicação (Schreiner-Engel, 1983). Relativamente à relação entre a adesão à medicação e as representações da doença, em função da idade, verificamos que os pacientes mais novos aderem mais à medicação e apresentam mais controlo do tratamento e preocupação com a doença. O facto dos pacientes serem mais novos pode permitir que tenham acesso a outro meios de informação (e.g. internet) que lhes permite ter maior controlo no tratamento. Assim, faz sentido que maior conhecimento acerca da diabetes esteja associado a maior preocupação com a doença. Já os pacientes mais velhos que aderem à medicação apresentam maior controlo pessoal e controlo sobre o tratamento bem como mais preocupação com a doença. Este resultado pode dever-se à experiência que os diabéticos mais velhos possuem em relação ao impacto das doenças crónicas reforçando a importância da preocupação com a doença e da gestão da doença em termos de controlo do tratamento (Hertz et al., 2005; Isacson & Bingefors, 2002; Walker et al., 2006).

 

Conclusões

A versão portuguesa do MARS apresenta-se com um número total de itens idêntico à versão original. A Escala MARS é então constituída por cinco itens que avaliam a adesão à medicação revelando uma consistência interna satisfatória, com um valor de alfa de Cronbach acima do valor apresentado pelo autor da versão original. Por fim, apresenta uma elevada validade convergente, correlacionando-se de forma significativa com várias dimensões do questionário IPQ-B que avalia as representações da doença: grau em que a doença afecta a vida do paciente, grau de controlo sobre a doença e sobre o tratamento, grau de preocupação com a doença e até que ponto a doença afecta emocionalmente o paciente. Finalmente, a relação entre a adesão à medicação e as representações da doença é sensível ao género e à idade.

Este questionário revela-se uma rápida e prática fonte de informação sobre a adesão do paciente à medicação. Pode ser utilizado em qualquer contexto de saúde para conhecer os problemas e as barreiras da adesão nos pacientes diabéticos. Neste sentido, o profissional de saúde poderá facilmente identificar o tipo de não adesão e colaborar com o paciente na procura de uma solução eficaz para resolver o problema.

 

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1 Este projecto foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
* Universidade do Minho, Escola da Psicologia1 4710-054 . Braga, Portugal.
** Universidade do Minho, Instituto de Ciências Sociais, 4710-054 . Braga, Portugal.