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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.19 no.1 Rio de Janeiro jun. 2016

 

EDITORIAL

 

Tratando de cuidar, em Psicologia Hospitalar...

 

 

Prezado leitor,

O tema do adoecimento e do sofrimento a ele associado é alvo de atenção de todo profissional que atua na área da saúde. Dentre eles, está o profissional psicólogo, que além de tomar para si o desafio de tratar de sintomas que configuram ou estão associados a este adoecimento, se ocupa também (ou deveria se ocupar), em seu cotidiano de trabalho, de cuidar do sofrimento daqueles que a ele confiam suas narrativas singulares a respeito do que com eles se passa no momento do encontro, ou do se passou antes, ou ainda das incertezas relativas ao não saber sobre o que se passará.

Se entendermos que o tratamento está para sintoma assim como o cuidado está para o sofrimento singular, então tratamento e cuidado são elementos distintos, ou seja, nem sempre o tratamento que é oferecido a um paciente adoecido – por melhor ou mais seguro que ele possa ser, do ponto de vista técnico - equivale ao que aqui chamamos de cuidado.

No entanto, do nosso ponto de vista, toda oferta de cuidado - de atenção à singularidade do sofrimento - traz consigo um potencial terapêutico que merece ser considerado pelo que demonstra a experiência clínica. Ressalta-se, desta forma, no âmbito da saúde, o valor terapêutico (ou iatrogênico) das relações que se estabelecem entre os profissionais de saúde e aqueles de quem eles tratam e/ou cuidam.

E é nesse sentido que entendemos que talvez a melhor das situações clínicas seja aquela na qual o profissional de saúde se propõe a tratar e a cuidar, simultaneamente, na medida em que isso lhe seja possível, tanto do ponto de vista técnico, quanto do ponto de vista pessoal.

Não é mera por mera coincidência que o trabalho que abre este número da Revista da SBPH tem como título "Trauma, sofrimento psíquico e cuidado em Psicologia Hospitalar", de autoria do Prof. Dr. Daniel Kupermann (Universidade de São Paulo) que, a convite da Revista da SBPH, colocou em formato de artigo a conferência de abertura do 10o Congresso da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, que ele proferiu em 10 de setembro de 2015, no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo, intitulada "O tempo da vida e a vida do nosso tempo".

Neste artigo o Prof. Kupermann problematiza, a partir de um enfoque psicanalítico, os meios encontrados pelos sujeitos em estado de adoecimento para lidar com o seu sofrimento entre o tempo do jogo ilusão/desilusão, os tempos do trauma e os tempos do cuidado e, no que concerne às relações de cuidado propostas pela Psicologia Hospitalar, demonstra que é o fracasso do testemunho da experiência de dor que configura a dimensão traumática do adoecimento.

Dando continuidade à discussão a respeito dos cuidados, os dois trabalhos seguintes apresentam a questão, cada um ao seu modo. Em "A criança e a iminência de morte do progenitor: o desafio dos pais na comunicação das más notícias", Marceli Emer (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre), Mariana Calesso Moreira (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre) e Sílvia Abduch Haas (Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre) ressaltam, por meio de sua pesquisa, que o cuidado ao paciente, frente a um processo de final de vida, deve ser estendido aos seus familiares, em especial às crianças, que passam pela experiência de adoecimento e iminência de morte de um progenitor, sofrendo as repercussões da perda anunciada, na maioria das vezes em silencio, uma vez que a maior parte dos adultos se baseia na fantasia de que ocultar uma verdade dolorosa oferecerá proteção à criança. O que as autoras concluem é que, em verdade, os adultos tendem a subestimar as capacidades cognitivas e emocionais das crianças em função de suas próprias dificuldades para lidar com o sofrimento em questão, corroborando, desta forma, não apenas para a manutenção do silêncio, mas, principalmente, dificultando que as crianças encontrem vias que possibilitem o processo de elaboração da experiência de perda.

Em "Despersonalização nos hospitais: o estádio do espelho como operador teórico", Dra. Helena Amstalden Imanishi (Professora e Supervisora Clínica da Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU – São Paulo) e Lucieli Lopes da Silva (Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU – São Paulo) abordam o tema do cuidado ao sofrimento dos pacientes em situações de despersonalização nos hospitais, se valendo da noção psicanalítica de "estádio do espelho" tanto para compreender o estado de alienação e de assujeitamento de alguns pacientes em situação de hospitalização, quanto para embasar, teoricamente, a importância da presença e da intervenção do psicanalista na abordagem clínica nestas situações, possibilitando aos pacientes a construção de uma narrativa singular que lhes devolva uma condição subjetiva mais estruturada.

Na esteira dos cuidados, mas agora abordando diretamente a temática dos efeitos das psicoterapias, o quarto e o quinto artigo apresentam, respectivamente, pesquisa teórica sobre efeitos terapêuticos e pesquisa teórica sobre os efeitos iatrogênicos das psicoterapias no âmbito da Saúde. Em "Instrumentos de avaliação de resultados em psicoterapia individual com pacientes adultos acometidos por doenças orgânicas: uma revisão sistemática", as psicólogas do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Gislaine Chaves, Sibelle Mendes Piassi Lopes, Glória Heloise Perez, Danielle Misumi Watanabe e Bellkiss Wilma Romano, em pesquisa que tinha como objetivo identificar os instrumentos utilizados para avaliar os resultados de psicoterapia individual com pacientes adultos acometidos por doenças orgânicas, consideram que a tarefa de mensurar resultados em psicoterapia mostra-se complexa, diante da subjetividade envolvida neste processo, e constatam que a maior parte dos trabalhos associa os resultados da psicoterapia com a remissão de sintomas, não encontrando instrumentos que avaliem o processo psicoterápico propriamente dito.

No trabalho "Reflexões acerca do potencial iatrogênico das psicoterapias no campo da Saúde Mental", os pesquisadores do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Cláudio Kazuo Akimoto Júnior e Maria Lívia Tourinho Moretto, partindo do princípio hipocrático de que práticas de cura, devem, primeiramente (antes de tratar), não causar mal ao paciente, chamam atenção para o fato de que em qualquer tratamento com potencial para curar, há também um potencial iatrogênico. Os autores indicam que, a despeito dos achados das pesquisas indicarem que tratamentos em saúde mental provocam piora do quadro clínico em até 10% dos casos, neste campo a pesquisa sobre o tema pouco avançou, enfrentando forte resistência por parte dos profissionais da área, que dão mais ênfase às pesquisas sobre os efeitos terapêuticos de suas práticas, apresentando pouca familiaridade com a questão das iatrogenias.

Na sequência, mas ainda aproveitando a esteira temática dos cuidados, o trabalho das colegas pesquisadoras da Universidade de Brasília, Alessandra da Rocha Arrais e Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de Araujo, intitulado "Pré-Natal Psicológico: perspectivas para atuação do psicólogo em saúde materna no Brasil" traz uma pesquisa inovadora por meio da apresentação, passo a passo, de uma modalidade de intervenção psicoeducativa realizada no âmbito hospitalar, denominada Pré-Natal Psicológico (PNP), voltada para o atendimento psicológico das gestantes, a qual também estimula a integração de seus familiares nos cuidados desenvolvidos ao longo do ciclo gravídicopuerperal, oferecendo subsídios para a atuação do profissional de psicologia que integra uma equipe multiprofissional no campo da Saúde Materna.

O trabalho intitulado "Relevância de fatores psicossociais e da ocorrência de choques do cardioversor-desfribilador implantável na percepção da doença cardíaca como ameaça: um estudo CONFORT-CDI" é o relato de uma pesquisa desenvolvida por pesquisadores do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Tathiane Barbosa Guimarães, Andreia de Oliveira Pinheiro, Camila Oliveira, Sergio Siqueira, Silvana D'Orio Nishioka e Martino Martinelli Filho, que tratam de pacientes que, em função de sua doença cardíaca, tiveram implantado o aparelho denominado cardioversor-desfibrilador implantável (CDI)– portanto, o aparelho está dentro de seus corpos – que, por sua vez, dispara um choque toda vez que detecta o risco, a "ameaça" de o coração "parar", produzindo uma descarga elétrica com função de reanimação do órgão. Nesta pesquisa, os autores buscaram conhecer a percepção que o paciente tem sobre sua doença cardíaca como ameaça, na presença do CDI.

No último artigo desse número, dando espaço ao relato de pesquisa de alunos de Iniciação Científica nas Universidades, publicamos o trabalho "Os projetos de terapia assistida por animais no estado de São Paulo", de autoria de Amaliani Raquel Oliveira dos Santos e Cíntia de Jesus Silva, da União das Faculdades dos Grandes Lagos- UNILAGO, São José do Rio Preto, São Paulo. Neste trabalho, que aborda tema atual e relevante, as autoras apresentam um levantamento dos projetos de Terapia Assistida por Animais existentes no estado de São Paulo, caracterizando-os em relação ao público alvo atendido, aos co-terapeutas utilizados e às propostas apresentadas.

Esperamos que o nosso esforço para a construção constante de uma revista consistente e com qualidade seja recompensado pelo bom proveito que o nosso caro leitor faça da leitura dos trabalhos aqui apresentados.

 

Prof.ª Dra. Maria Lívia Tourinho Moretto
Editora-Chefe da Revista da SBPH

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