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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.20 no.2 Rio de Janeiro dez. 2017
ARTIGOS
Caracterização e perfil epidemiológico de um serviço de psiquiatria infantil no Recife
Characterization and epidemiological profile of a child psychiatry service in Recife
Milena Vieira Gouveia de Moraes Pachêco1,I; Cássia Noele Arruda Campos2,I; Leopoldo Nelson Fernandes Barbosa3,I; Josany de Souza Alves4,II; Juliana Ramalho Fernandes5,I
IFaculdade Pernambucana de Saúde
IIHospital Universitário Osvaldo Cruz
RESUMO
O objetivo deste estudo foi caracterizar o perfil epidemiológico das crianças atendidas em um ambulatório de saúde mental de um hospital público de referência em Pernambuco e o acesso às intervenções interdisciplinares durante o tratamento. Foi realizado um estudo descritivo tipo corte transversal, utilizando como estratégia de coleta de dados um questionário que foi respondido pelos responsáveis pelas crianças. Foram acompanhadas vinte crianças no período de agosto a dezembro de 2015. A maioria chegou ao Serviço encaminhada por algum profissional de saúde. Dentre os diagnósticos psiquiátricos encontrados, o transtorno do déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) foi o mais prevalente, seguido dos transtornos do Neurodesenvolvimento e do Espectro Autista. Foi relatada pelos responsáveis uma dificuldade no acesso aos profissionais de outras áreas da saúde no acompanhamento e tratamento dessas crianças, sobrecarregando, desta maneira, a atenção psiquiátrica e os familiares. Conhecer o perfil epidemiológico das crianças com os principais transtornos mentais na infância e a estruturação dos serviços de saúde mental é importante para avaliar a qualidade da assistência prestada, fundamentar ações e programas, além de possibilitar o acompanhamento e avaliação destes serviços.
Palavras-chave: criança; saúde mental; transtornos mentais; psiquiatria infantil.
ABSTRACT
The objective of this study was to characterize the epidemiological profile of children attended at a mental health clinic of a public referral hospital in Pernambuco, and access to interdisciplinary interventions during treatment. Was performed a descriptive study type cross section, using as a data collection strategy a questionnaire that was answered by the ones responsible for the children. Twenty children were followed from August to December 2015. The majority came to the Service referred by a health professional. Among the found psychiatric disorders, the Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) was the most prevalent, followed by Neurodevelopment disorders and Autism Spectrum. The children's guardians reported difficulty in access in go there areas of health professionals for monitoring and treatment of these children, burdening the psychiatric care and family. Knowing about the epidemiological profile of the children with major mental disorders in childhood and the structure of mental health services is important to evaluate the quality of care, support actions and programs, in addition to enabling the monitoring and evaluation of these services.
Keywords: child; mental health; mental disorders; child psychiatry.
Introdução
A saúde mental de crianças e de adolescentes tornou-se uma questão prioritária nas diretrizes da Organização Mundial de Saúde (World Health Organization [WHO], 2003) em função da desigualdade da atenção dedicada a esta faixa etária, quando comparada à atenção dedicada às etapas de desenvolvimento do adulto e idoso. A falta de reconhecimento da importância da saúde mental na infância e adolescência pode ocasionar consequências negativas no transcurso do desenvolvimento, afetando a capacidade produtiva e a inserção social desses indivíduos quando adultos, refletindo-se no nível social e econômico das coletividades (Ramires, Benetti, Silva e Flores, 2009).
Ainda que os transtornos mentais afetem os indivíduos independente do sexo e idade, estima-se que milhares de crianças que apresentam sintomas psicopatológicos não são identificadas e não recebem atendimento. Nos países em desenvolvimento, dados de prevalência sobre os problemas de saúde mental na infância e adolescência são escassos (Ramires, Benetti, Silva e Flores, 2009). Algumas pesquisas têm confirmado uma grande prevalência de transtornos mentais em crianças e adolescentes no Brasil (Guerra, 2003; Ribeiro, 2006; Santos, 2006; Sposito & Savoia, 2006; Hoffmann, Santos e Mota, 2008). Estudos apontam que de 12,7% a 23,3% do total de crianças e adolescentes no país sofrem com algum tipo de transtorno mental. Índices próximos aos apresentados pela Organização Mundial de Saúde (World Health Organization [WHO], 2001) que apontam uma prevalência variando de 10% a 20% (Ferrioli, Marturano & Puntel, 2007; Paula, Duarte & Bordin, 2007; Fleitlich & Goodman, 2002).
No Brasil, o movimento da reforma psiquiátrica consolidou-se e mobilizou um importante debate em torno do resgate da cidadania dos usuários dos serviços de saúde mental e da transformação e superação da estrutura asilar. Sua operacionalização em política nacional na década de 1990, com a criação da Coordenação Nacional de Saúde Mental (CORSAM), estabeleceu um novo marco na produção normativa em saúde mental, por meio da apresentação de portarias com o objetivo de propor modificações no modelo assistencial (Baptista & Borges, 2008). Também a aprovação da Lei nº. 10.216/2001, que redireciona o modelo assistencial em saúde mental (Brasil, 2011), possibilitou a criação de políticas na área e a mobilização de profissionais, instituições e sociedade para um novo olhar social e de atenção aos utentes dos serviços de saúde mental (Baptista & Borges, 2008).
São recentes as experiências de assistência em saúde mental infantojuvenil norteadas pelos princípios da Reforma Psiquiátrica e pela política do Sistema Único de Saúde (SUS) (Ribeiro, Passos, Novaes & Dias, 2010). No entanto, já se percebem progressos com a criação de novos dispositivos específicos, destinados a acolher e tratar crianças e adolescentes com sofrimento mental, principalmente em momentos de crise, destacando-se o CAPSi (Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil), regulamentado em 2002 pela Portaria 336 do Ministério da Saúde (Brasil, 2002).
Alguns autores destacam ainda a escassez de serviços na assistência em saúde mental infanto-juvenil, de maneira que há maior incidência para atendimento ao público adulto (Santos, 2006; Hoffman et al., 2008; Couto, Duarte & Delgado, 2008). Em geral, esse tipo de atendimento se agrupa nas grandes metrópoles, o que significa que o interior dos Estados e até do país continua às margens dos serviços em saúde mental. Outros autores afirmam também certa desarticulação dos serviços públicos para infância e adolescência, e não carência absoluta de recursos (Couto et al., 2008).
Grande parte dos pacientes que buscam os serviços de saúde mental é composta por crianças e adolescentes, a maior parte do sexo masculino, sendo a queixa de maior incidência o mau desempenho acadêmico, seguido de comportamento agressivo e desobediência em casa e na escola (Ferreira, Silva, Farias & Silvares, 2002; Santos, 2006). E é válido destacar que boa parte desses estudos são realizados em clínicas e hospitais-escola, o que representa um recorte da realidade (Santos, 2006).
Estratégias de atenção à Saúde Mental no Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP) existem desde a sua fundação, em 1960, no que tange às especificidades e demandas no atendimento clínico e hospitalar à pacientes e funcionários do Hospital, bem como são estimuladas atividades de ensino e pesquisa.
Diante da escassez de trabalhos que tratam da assistência em saúde mental infantil, especialmente em Pernambuco, o presente estudo objetiva a caracterização do perfil epidemiológico, os meios de tratamento, incluindo o acesso às intervenções interdisciplinares de crianças atendidas em um Serviço de Referência no Estado, acreditando que conhecer esse perfil é fundamental para o redimensionamento das modalidades de atendimento oferecidas, bem como para fornecer informações aos profissionais sobre os reais problemas da população que busca o serviço, possibilitando a reflexão sobre a sua prática e contribuindo, assim, para o planejamento e organização dos serviços.
Métodos
Realizou-se um estudo descritivo, tipo corte transversal, no período de agosto de 2015 a julho de 2016, sendo a coleta de dados realizada no período de agosto a dezembro de 2015, na qual foram incluídos pais ou responsáveis de crianças de 0 a 12 anos que acompanhavam suas crianças atendidas no Ambulatório de Psiquiatria Infantil Geral do IMIP em Recife, Pernambuco, Brasil.
É válido ressaltar que não participaram da pesquisa as crianças com diagnóstico exclusivo de autismo, por fazerem parte de um tipo particular de atendimento. Como critério de elegibilidade, foram convidadas a participar deste estudo todos os pais de pacientes que comparecerem ao Serviço de Saúde Mental do IMIP, em um dia da semana, dentro de um período de 5 meses.
Os critérios de inclusão foram: a criança estar acompanhada e que a mesma tivesse idade menor que 12 anos. Os critérios de exclusão foram que os responsáveis pelo menor (paciente) não aceitassem ou que não tivessem interesse em participar da pesquisa, não compreendessem os objetivos da pesquisa, e que não assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Para subsidiar os objetivos da pesquisa, foram analisadas as variáveis: origem do encaminhamento, sexo, idade, escolaridade das crianças e dos responsáveis, além dos antecedentes pessoais como idade dos genitores na época da gestação e intercorrências nesse período, tipo de parto e possíveis agravos no momento, idade que andou, idade que falou primeiras palavras, história de convulsões e presença de comorbidades clínicas. O histórico de transtornos psiquiátricos e casos de suicídio na família foram vistos como antecedentes familiares. Foram descritos, ainda, o diagnóstico atual, medicações utilizadas e acesso às intervenções interdisciplinares.
A coleta de dados foi realizada mediante entrevista e preenchimento de um questionário contendo dados sócio-demográficos e clínicos dos pacientes produzido pelos autores da pesquisa. Os dados foram coletados com cada participante, individualmente, priorizando o sigilo das informações e a pesquisa somente era iniciada após a leitura, compreensão e assinatura do TCLE.
A partir do levantamento das informações nos questionários, estes foram cuidadosamente revisados e digitados pelos pesquisadores. Foi construído um banco de dados no programa Microsoft Excel. Ao término da digitação, o banco de dados foi revisado e corrigidas eventuais diferenças e inconsistências de informações.
A análise dos dados foi efetuada considerando dados descritivos, apresentando-os em médias e porcentagens. Foram construídas tabelas e gráficas de distribuição de frequência das variáveis estudadas.
Resultados
Participaram da pesquisa 20 responsáveis, uma amostra que representa aproximadamente 50% dos pacientes que estavam com cadastro ativo, segundo o censo do Serviço de Psiquiatria Infantil, durante o período destinado a pesquisa. Os dados correspondem a informações de 07 (35%) crianças do sexo feminino e 13 (65%) do masculino.
A idade variou de 04 a 11 anos e 18 (90%) crianças frequentavam a escola, apenas 02 (10%) crianças não possuíam nenhum grau de escolaridade. A Tabela 1 mostra a distribuição quanto ao sexo, idade e escolaridade das crianças atendidas no serviço de psiquiatria infantil:
A maior parte das crianças, 14 (70%), chegou ao serviço encaminhadas por algum profissional de saúde, quer seja do IMIP ou de outras cidades do Estado. Apenas 01 (5%) criança deu entrada no serviço através de instituição educacional e 01 (5%) por iniciativa da família (Tabela 2):
A idade paterna e materna durante a gestação variou de 22 a 54 anos e 20 a 38anos, respectivamente. No que tange ao grau de escolaridade dos responsáveis, 09 (45%) apresentavam nível fundamental incompleto, 01 (5%) ensino médio incompleto, 07 (35%) ensino médio completo e 03 (15%) ensino superior completo.
Com relação à via de parto, 7 (35%) dessas crianças nasceram de parto normal e 13 (75%) de cesarianas, sendo que 11 (55%) dos responsáveis relataram ter havido alguma intercorrência durante a gestação que variou desde fatores estressores a patologias mais comumente relacionadas ao período, tais como sangramentos e hipertensão gestacional e 8 (40%) delas apresentaram algum agravo na hora do parto.
Ao questionar o crescimento e desenvolvimento das crianças foi constatado que 13 (75%) delas andaram antes dos 2 anos, 3 (15%) após os 3 anos e 1(5%), nunca andou. Com relação a fala, 14 (70%) dos pesquisados falaram antes dos 3 anos de idade, enquanto 6 (30%) só após essa idade.
No que diz respeito a condições clínicas dessas crianças, 8 (40%) já haviam apresentado alguma história de convulsão e 14 (70%) delas tinham outras comorbidades clínicas. A Tabela 3 traz de forma detalhada, dados acerca das condições clínicas encontradas:
Houve também o questionamento sobre a presença de transtornos mentais na família. Em 10 (50%) dos casos, os responsáveis falaram da existência de outros familiares de primeiro e segundo grau com diagnósticos psiquiátricos e 5 (25%) relataram história familiar de suicídio.
De acordo com o DSM-5 (APA, 2014) e levando–se em consideração a presença de mais de um transtorno em um mesmo paciente, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade prevaleceu como o mais comum, estando presente em 7 (35%) das crianças.Os Transtornos do Neurodesenvolvimento ocorreram em 5 (25%) dos casos, tratando–se 3 (15%) do Atraso Global do Desenvolvimento e 2 (10%) do déficit de aprendizagem, 3 (15%) das crianças tinham Transtorno do Espectro Autista e outros 2 (10%) apresentavam Transtorno Alimentar com Anorexia Nervosa. Cada um dos transtornos listados em seguida apresentaram 01 (5%) caso cada, respectivamente, foram eles: Transtorno Esquizofrênico, Transtorno do Movimento Estereotipado, Transtorno Depressivo, Transtorno Obsessivo Compulsivo, Transtorno da Conduta com início na infância, Transtorno de Tourette, e outros 2 (10%) ainda não tinham diagnóstico fechado no momento em que a pesquisa foi realizada (Tabela 4):
Com relação às classes de medicações utilizadas, 12 (60%) das crianças faziam uso de algum antipsicótico, 6 (30%) algum antidepressivo, 5 (25%) anticonvulsivantes, 3 (15%) benzodiazepínicos, 2 (10%) estimulantes do SNC e 1 (5 %) usava estabilizador de humor.
Quando questionados sobre o acesso às intervenções interdisciplinares, observou-se que 9 (45%) faziam acompanhamento psicológico, (8) 40% com fonoaudiólogo, 4 (20%) deles além do acompanhamento psiquiátrico, possuíam também a intervenção de neurologista, 2 (10%) com terapeuta ocupacional, 1 (5%) com fisioterapeuta e 7 (35%) deles eram vistos por outras especialidades médicas do IMIP, as quais eram voltadas para as suas comorbidades clínicas (Tabela 5):
Discussão
Os dados referentes ao sexo estão em conformidade com outro estudo realizado numa unidade de saúde ligada ao Centro de Saúde Escola (CSE) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto que teve como objetivo conhecer as características e queixas comportamentais e emocionais mais frequentes da clientela infantil atendida nesse serviço e apontou também um número maior de meninos na sua amostra (Santos, 2006).
Um maior número de encaminhamentos realizado por profissionais de saúde, seguido das instituições escolares e por último pela iniciativa dos familiares são compatíveis com dados de outros estudos realizados por Graminha e Martins (1993) e por Linhares et al. (1993).
A ocorrência de dificuldade de fala, além de interferir na aprendizagem, também pode interferir nos relacionamentos sociais e prejudicar a autoestima destas crianças. Embora só tenha aparecido em 6 das 20 crianças pesquisadas, das quais 3 só falaram com mais de 03 anos e outras 3 com mais de 04 anos, esse é o tipo de caso que poderia ter sido amenizado e/ou resolvido se houvesse a possibilidade de acompanhamento com fonoaudiólogo. Como justificativa para esse fato, podemos sugerir um número baixo desses profissionais trabalhando nos serviços públicos e a falta de informação de pais, professores e até mesmo de profissionais de saúde sobre o desenvolvimento da fala e linguagem.
A susceptibilidade genética de cada indivíduo com transtorno mental pode variar muito e a expressão genética em um transtorno específico pode depender também da exigência posta pelas adversidades ambientais (Salum, 2012). Em nosso estudo foi demonstrado uma prevalência de 50% de transtornos mentais em parentes de primeiro e segundo grau. O modelo etiológico geral das influências genéticas e ambientais tem sido de grande valia. Segundo este modelo, os transtornos mentais são resultado de uma interação complexa, indissociada e complementar entre diversos genes e o ambiente.
Alguns estudos discutem os fatores de risco para os transtornos de saúde mental na infância que compreendem os fatores biológicos (anormalidades biológicas do sistema nervoso central causadas por lesões, infecções, desnutrição ou exposição a toxinas), os genéticos (história familiar de depressão, por exemplo), os psicossociais (disfunções na vida familiar, discórdia conjugal grave, psicopatologia materna, criminalidade paterna, falta de laços afetivos entre pais e filhos), os eventos de vida estressantes (morte ou separação dos pais) e a exposição aos maus-tratos (negligência, abuso físico, psicológico ou sexual) (Ramires et al., 2009). Bordin e Paula (2007) destacam que a complexa interação entre fatores de risco biológicos, genéticos, psicológicos e ambientais têm impacto negativo sobre o comportamento e o desenvolvimento.
Assim como em um estudo realizado por Machado e colaboradores (2014), abordando o tema prevalência de transtornos mentais em crianças e adolescentes, também encontramos que o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), é o mais prevalente. O TDAH é apontado como o diagnóstico realizado com maior frequência em serviços de saúde mental e que é responsável por altos custos em serviços de saúde do mundo todo. Considerado o problema mais comum da infância, pode afetar profundamente o rendimento acadêmico, o bem–estar e as interações sociais das crianças. Os dados deste estudo estão de acordo com os achados encontrados na nossa pesquisa, onde o TDAH foi tido como mais prevalente (Machado et al., 2014).
Thiengo, Cavalcante e Lovisi (2014), observaram que os transtornos mais frequentes entre crianças e adolescentes são: depressão, transtornos de ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e transtorno de conduta. Entre esses, os valores de prevalências variaram entre os estudos: depressão – 0,6% e 30%; transtornos de ansiedade – 3,3% e 32,3%; TDAH – 0,9% e 19% e transtorno de conduta – 1,8% e 29,2%.
De um modo geral, são escassos os trabalhos que abordam exclusivamente a presença e/ou caracterização de transtornos mentais na infância. Contudo, foi possível concluir que existe uma consonância na caracterização do perfil de transtornos mentais encontrados na nossa pesquisa com os dados disponíveis na literatura. Nosso trabalho é apenas um recorte da realidade, uma vez que o acesso à serviços de psiquiatria infantil é escasso no nosso Estado, principalmente para as populações menos favorecidas.
O transtorno mental possui um caráter inter e transdisciplinar e não pode ser reduzido a terapêutica de um único profissional, sendo o médico psiquiatra o profissional mais conhecido e estimado. A interdisciplinaridade é o nível em que a interação entre várias disciplinas ou setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações reais, a uma certa reciprocidade no intercâmbio, levando a um enriquecimento mútuo (Waidman & Elsen, 2005). De maneira geral, os responsáveis queixaram-se da dificuldade em conseguir atendimento em outras áreas, eles ainda se mostram escassos e de difícil acesso, sobrecarregando dessa forma os familiares e a atenção psiquiátrica.
Planejar intervenções interdisciplinares visando à saúde mental da criança incrementa e potencializa o tratamento e são estratégias fundamentais tanto em nível de prevenção dos problemas como de intervenção.
Entre os estudos que enfocaram o tema, há uma unanimidade a respeito da necessidade de uma ampliação, adequação e articulação da rede de cuidados destinada às crianças. O principal problema parece estar na presença desarticulada de serviços para este público (Ramires et al, 2009). As iniciativas na assistência a crianças que sofrem com transtorno mental grave são poucas e localizadas. Romper com a desinformação técnico-política, promover a intersetorialidade e particularizar o atendimento ao público infanto-juvenil, antes pautado na assistência aos adultos ou deficientes, representa o desafio que se coloca ante as novas formas de lidar com a assistência em saúde mental, sobretudo quando se fala de práticas profissionais (Guerra, 2003; Santos, 2006; Sposito & Savoia, 2006).
Considerações finais
Fica evidente a importância de conhecer o perfil epidemiológico dos principais transtornos mentais na infância e como os serviços de saúde estão estruturados para oferecer o tratamento, de maneira que seja possível fundamentar ações e programas, e possibilitar o acompanhamento interdisciplinar e avaliação dos mesmos.
Procurar pela relação dialógica entre as diversas áreas da saúde e com ela a possibilidade de avançar na compreensão do fenômeno que cerca a criança com transtorno mental, quer no âmbito individual quer no social, deve ser uma busca constante. Além disso, fica claro também, a necessidade de estudos que contemplem o tema da saúde mental na infância e que ofereçam um cenário da produção científica existente.
Permitir que a criança portadora de transtorno mental consiga desenvolver–se da melhor maneira nos diversos cenários de sua vida, garante uma Saúde Infantil de qualidade e para nós esse é o caminho, conhecer a realidade dos serviços disponíveis, suas reais necessidades e com isso poder buscar as soluções cabíveis.
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1 Enfermeira pela Universidade de Pernambuco e aluna de Medicina da Faculdade Pernambucana de Saúde- Recife – Pernambuco – E-mail: milenav.gouveia@gmail.com
2 Enfermeira pela Universidade de Pernambuco e aluna de Medicina da Faculdade Pernambucana de Saúde - Recife – Pernambuco – E-mail: cassia_noele@hotmail.com
3 Psicólogo da Equipe de Saúde Mental do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - IMIP, Coordenador do Mestrado Profissional em Psicologia da Saúde da Faculdade Pernambucana de Saúde - Recife – Pernambuco – E-mail: leopoldopsi@gmail.com
4 Psiquiatra do Centro de Oncologia Pediátrica do Hospital Universitário Osvaldo Cruz, Especialista em Saúde Mental da Infância e Adolescência – Recife – Pernambuco – E-mail: josanyalves@yahoo.com.br
5 Aluna de Psicologia da Faculdade Pernambucana de Saúde – Recife – Pernambuco – Email: julianarfernandes@yahoo.com.br