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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.23 no.2 São Paulo jul./dez. 2020

 

Estratégias de Enfrentamento de Familiares de Pacientes em UTI: Uma Revisão Sistemática da Literatura

 

Coping Strategies Used by Relatives of Patients in ICU: A Systematic Review of the Literature

 

 

Beatriz Patricia WoinaroviczI; Mariana Calesso MoreiraII

IUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) - Porto Alegre/RS -beatrizwoinarovicz@gmail.com
IIUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) - Porto Alegre/RS - marianacm@ufcspa.edu.br

 

 


RESUMO

A unidade de terapia intensiva caracteriza-se como um ambiente voltado ao atendimento a pacientes graves. Para a família, a internação em UTI tende a ser vivida como período de angústia e, para tanto, os membros da família utilizam-se de estratégias de enfrentamento.
OBJETIVO: identificar as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos familiares de pacientes hospitalizados em unidades de terapia intensiva através de uma revisão sistemática da literatura.
METODOLOGIA: foram selecionadas publicações da Biblioteca Virtual em Saúde, Pubmed e Scielo, nos idiomas inglês, português e espanhol, publicados no período de janeiro de 2008 a junho de 2020 com os descritores "Family", "Intensive Care Units" e "Coping"
RESULTADOS: Destes estudos, onze artigos foram incluídos na revisão. Os resultados mostram que as estratégias de enfrentamento focadas no problema são as mais utilizadas pelos familiares. As estratégias focadas na emoção, a religião e o suporte social apareceram como meios que os familiares encontram para minimizar o sofrimento e lidar com a internação. O coping evitativo está ligado ao desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático.
CONCLUSÃO: no contexto hospitalar é necessário que os profissionais de saúde estejam atentos aos estilos de coping para que sejam realizadas intervenções focais visando maior adaptação dos familiares.

Palavras-chave: enfrentamento; família; unidades de terapia intensiva.


ABSTRACT

The intensive care unit (ICU) is characterized as an environment dedicated to the care of patients with severe illnesses. For the family, ICU hospitalization tends to be characterized as a period of distress and for that, family members use coping strategies.
OBJECTIVE: to identify the coping strategies used by family members of patients hospitalized in intensive care units, through a systematic review of the literature.
METHODOLOGY: Virtual Health Library, Pubmed and Scielo publications, published in English, Portuguese and Spanish languages, between January 2008 and June 2020 with the descriptors "Family", "Intensive Care Units" and "Coping".
RESULTS: From these studies, eleven scientific articles were included in the review. The results show that coping strategies focused on the problem are the most used by family members. The coping focused on emotion, religion and social support have emerged as ways for family members to minimize suffering and deal with hospitalization. Avoidance coping is linked to the development of post-traumatic stress disorder.
CONCLUSION: in the hospital context it is necessary for health professionals to be attentive to coping styles so that focal interventions can be performed aiming at a greater adaptation of the family members.

Keywords: coping; family; intensive care unit


 

 

Introdução

A unidade de terapia intensiva (UTI) é um ambiente destinado a oferecer cuidados especializados a pacientes gravemente enfermos. De acordo com o Conselho Federal de Medicina, em sua resolução nº 71, de 08 de novembro de 1995, a UTI caracteriza-se como um ambiente voltado ao atendimento a pacientes críticos, potencialmente recuperáveis. O local se diferencia das outras unidades hospitalares tendo em vista que oferece tratamento intenso ao paciente, com equipe e equipamentos especializados (Almeida, Rocha Júnior & Santos, 2012).

Segundo Bolela e Jerico (2006), a UTI é um ambiente geralmente avaliado pelos pacientes e familiares como altamente estressante. Os pacientes são destituídos de sua rotina, possuem um quadro clínico grave e estão muitas vezes submetidos a procedimentos invasivos que geram dor, alterações do ciclo circadianos, falta de privacidade, acarretando sentimentos de solidão, angústia, apatia, inclusive medo da morte. Já para a família, a internação em UTI tende a desestruturar a organização dos papéis previamente ocupados por cada membro, posicionando-os em uma situação de fragilidade diante do medo da perda.

Amazonas, Lima e Menezes (2012) trazem que os mesmos sentimentos vivenciados pelo paciente, acometem muitas vezes também seus familiares. O momento é vivenciado como um período de estresse permanente em que há, geralmente, elevação do nível de angústia e medo do desconhecido. Gabarra, More e Reis (2016) relatam que a internação em UTI se constitui como um evento vital estressor e desestabiliza física e emocionalmente os membros da família que sofrem junto com o paciente e precisam aprender a viver com a interrupção momentânea ou definitiva da rotina familiar.

O momento vivido pode acarretar mudanças na vida diária, bem como alteração no sono, ansiedade e outros sentimentos negativos advindos da situação. Neste sentido, a família precisa ser reconhecida como sujeito no processo de cuidado em UTI, pois também sofrem as consequências diretas da internação (Benichel, Bravin, Meneguin, Matos & Nobukuni, 2019).

Sendo assim, para lidar com o processo de hospitalização, tanto o paciente quanto o familiar utilizam-se de estratégias de enfrentamento, denominadas como coping, que visam auxiliar o sujeito a vivenciar o processo de adoecimento. Atualmente, o conceito de coping é definido como o conjunto de estratégias usadas pelos indivíduos para se adaptarem a situações estressantes no dia a dia (Assis & Vitória, 2015).

Desenvolvido por Folkman e Lazarus na década de 80, o modelo transacional de enfrentamento envolve quatro preceitos básicos: (a) coping é um processo que se dá entre sujeito e o ambiente; (b) seu papel é o de administrar uma situação estressora, ao invés de controlar ou dominá-la; (c) o processo de coping envolve uma avaliação, ou seja, como o evento estressor é percebido, interpretado e representado pelo sujeito; e (d) o coping constitui-se em um processo através da qual os indivíduos irão empreender esforços cognitivos e comportamentais para administrar as demandas internas ou externas que surgem em situações de estresse e são avaliadas como sobrecarregando os recursos pessoais (Dias & Pais-Ribeiro, 2019).

Partindo de uma perspectiva cognitivista, Folkman e Lazarus (1984) propõe um modelo em que se dividem as estratégias de enfrentamento em duas categorias: coping centrado no problema e coping centrado na emoção. O primeiro consiste em dirigir esforços no sentido de administrar ou alterar a situação que deu origem ao problema. Tais estratégias são mais adaptativas e voltadas à realidade, indo ao encontro da fonte de estresse para removê-la ou minimizá-la. Já a segunda categoria é representada pelos esforços no sentido de regular o impacto emocional em episódios estressantes, sendo considerados processos defensivos que têm o objetivo de regular a sensação física desagradável de uma situação tida como agressiva.

No processo do adoecimento, os familiares podem utilizar tanto estratégias de coping com foco no problema quanto estratégias com foco na emoção, e podem, inclusive, ocorrer de forma simultânea. O tipo de estratégia a ser utilizada dependerá de como a família se estrutura diante do adoecimento, o tipo da enfermidade, tratamento e dos recursos que irá contar perante a hospitalização do familiar (Assis & Vitória, 2015).

Um estudo realizado por Amazonas, Lima e Menezes (2012) com filhos que possuíam um dos pais internados em uma UTI a demonstrou que as estratégias que predominaram neste contexto foram a reavaliação positiva, o suporte social e a resolução de problemas. De acordo com Damião, Rossato, Fabri e Dias (2009) o suporte social é uma estratégia de enfrentamento que está relacionada ao apoio encontrado nas pessoas e no ambiente, sendo este um fator positivo e que pode ajudar o sujeito a lidar com o efeito indesejado do estresse.

A resolução de problemas pressupõe o planejamento adequado para lidar com os estressores. Ao invés de se afastar da situação estressante, o sujeito opta por resolver o problema e alterar suas atitudes, diminuindo ou, se possível, eliminando a fonte geradora de estresse. Por último, a reavaliação positiva é uma estratégia de enfrentamento dirigida para o controle das emoções que estão relacionadas à tristeza como forma de crescimento e mudança pessoal a partir da situação geradora de estresse (Rampelotto & Abaid, 2011).

Neste contexto, os familiares também precisam ser reconhecidos como sujeitos no processo de cuidado em UTI, necessitando que haja desenvolvimento de ações voltadas a promoção de acolhimento e conforto num ambiente tão estressor. Analisar as principais estratégias de coping pode oferecer relevantes informações aos profissionais da saúde que estão em contato direto com os familiares. Uma vez munidos destas reflexões terão a oportunidade de compreender como os familiares vivenciam o estresse da internação, além de possibilitar que ampliem seu repertório e assim enfrentem de modo mais saudável as dificuldades encontradas no ambiente hospitalar.

Considerando os dados expostos acima, justifica-se a importância da realização de uma revisão sistemática da literatura dos principais estudos já publicados sobre esta temática. Desta forma, é possível explorar através de pesquisas com diferentes delineamentos as estratégias usadas pelos familiares para, em um segundo momento, auxiliar membros da equipe de saúde a identificarem e compreenderem tais reações, a fim de subsidiar as práticas de cuidado. No contexto hospitalar, é necessário que a equipe assistente esteja atenta aos modos de enfrentamento com objetivo de tornar viável formas eficientes de lidar com as necessidades que surgem diante do estresse que a internação pode ocasionar no paciente e seus familiares.

 

Método

O presente estudo tratou-se de uma revisão sistemática da literatura que pretendeu conhecer quais são as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos familiares de pacientes internados em UTI. Para tanto, utilizou-se como metodologia o PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis) estabelecendo critérios para a seleção do material a ser analisado (Galvão, Harrad & Pansani, 2015).

Neste estudo foram selecionados artigos da Biblioteca Virtual em Saúde - BVS (Medline e Lilacs), Pubmed e Scielo, nos idiomas inglês, português e espanhol, publicados no período de janeiro de 2008 a junho de 2020, utilizado a combinação dos descritores "Family", "Intensive Care Unit" e "Coping", associados a seus termos sinônimos. Foram considerados elegíveis apenas artigos científicos, disponíveis online e na íntegra. Foram descartadas as publicações duplicadas, com acesso indisponível, ou que estivessem no formato de teses, livros, capítulos de livros, bem como os estudos teóricos, como artigos de revisão, relatos de caso ou de experiência e opiniões de especialistas.

A pesquisa foi estruturada em três etapas. Inicialmente foi realizada uma busca de artigos nas bases de dados através da leitura dos títulos, considerando os critérios de inclusão e exclusão citados acima. Na segunda etapa foi feita a leitura completa dos resumos dos artigos identificados. As publicações que tiverem os resumos selecionados foram lidas na íntegra e analisadas. Os artigos selecionados serão apresentados e discutidos a seguir e podem ser visualizados nas Tabelas: 1 - Características dos estudos selecionados de 2009 a 2014, e 2 - características dos estudos selecionados de 2015 a 2020.

 

Resultados e Discussão

A partir da busca realizada nas bases de dados, considerando os critérios de inclusão e exclusão citados anteriormente, foram encontradas 346 publicações sobre o tema, porém apenas 11 foram consideradas elegíveis para este trabalho. A figura 1 apresenta os critérios de inclusão e exclusão.

Em um primeiro momento foram desconsiderados 72 artigos por serem teóricos ou duplicados. Posteriormente, após análise dos títulos, das 274 publicações, foram excluídos 210 artigos, dos quais 125 fugiam do tema proposto, 34 tinham como foco o paciente ou a equipe assistencial, 20 faziam referência somente a experiência após a alta da UTI, 20 tinham como participantes familiares enlutados e 11 eram estudos para validação de escalas.

Na etapa seguinte foram analisados os resumos de 64 estudos. Destes, 38 foram excluídos, pois 32 apresentaram avaliação insuficiente do coping, ou seja, os instrumentos utilizados não eram escalas validadas para a avaliação deste constructo, 2 tinham como foco a equipe assistencial, 2 faziam referência ao enfrentamento após o óbito do paciente e 2 tinham como foco o enfrentamento após a alta da UTI.

Para análise completa e detalhada dos artigos foram escolhidos 26 estudos. Destes, 10 não apresentaram instrumentos para avaliação do coping e 5 não estavam disponíveis na íntegra. Portanto, foram selecionados e incluídos nesta revisão 11 estudos por avaliarem as principais estratégias de enfrentamento usadas por familiares em UTI. Os estudos selecionados foram divididos em duas tabelas de acordo com o ano de publicação para melhor visualização. Os artigos de 2009 a 2014 podem ser visualizados na tabela 1.

A tabela 2 contém as características dos estudos selecionados de 2015 a 2020.

Os familiares incluídos eram na maioria adultos do sexo feminino, os quais se intitulavam cônjuges dos pacientes internados na UTI, embora muitas vezes os entrevistados fossem os filhos. A presença das mulheres como acompanhantes no cenário hospitalar é uma tendência que já foi mostrada em outros estudos, como o de Cristo (2012), em que as mulheres representavam 80% da amostra, tanto na internação de crianças como na de adultos. Em outra pesquisa realizada em um hospital geral em São Paulo, Lucchese (2003) constatou que 76,6% dos familiares acompanhantes eram do sexo feminino. Estes resultados mostram que apesar de as mulheres terem adquirido novos papéis sociais nas últimas décadas a responsabilidade dos cuidados com os demais ainda está muito centrada na figura feminina.

Wegner e Pedro (2010) ressaltam que a função de cuidadora está ligada a uma questão transgeracional, ou seja, é um aprendizado que perpassa diferentes gerações. Os autores também pontuam que a atribuição da maternidade concede a mulher o papel de ser a responsável pelos cuidados, sendo assim elas acabam perpetuando este papel para além do contexto familiar, se tornando bastante ativas nos cuidados de familiares, inclusive em situações de adoecimento.

Os filhos e cônjuges são descritos na literatura como os principais responsáveis pela assistência nos momentos de doença, devido a maior proximidade e vínculo (Volpato & Santos, 2007). Lucchese (2003) no mesmo estudo citado anteriormente, constatou que os familiares de 1º grau foram predominantes no acompanhamento e cuidado com o familiar adoecido, totalizando 80,8% da amostra.

Beuter, Brondani, Szareski, Lana e Alvim (2009) ressaltam que quanto maior o grau de parentesco maior o sentimento de compromisso e responsabilidade para com o paciente, por vezes podendo ser uma forma de retribuição dos cuidados recebidos na infância. Neste sentido, cuidar dos pais ou cônjuges pode representar um ato de solidariedade.

No que tange ao tipo de UTI, observa-se que a maioria das pesquisas foi realizada com familiares de pacientes adultos, sendo que apenas uma publicação tinha como foco os pais de bebês em UTI neonatal. Santos (2013) em sua revisão sistemática da literatura sobre as principais estratégias de enfrentamento usadas por familiares de pacientes hospitalizados, também encontrou mais estudos voltados a família do paciente adulto. Dos oito artigos encontrados pelo autor, apenas dois faziam referências ao cuidador de pacientes pediátricos, mostrando uma escassez de pesquisas neste contexto.

Em relação aos aspectos metodológicos, todas publicações encontradas foram pesquisas quantitativas, com delineamentos descritivos ou correlacionais. Verificou-se que as variáveis mais comumente relacionadas as estratégias de coping foram os sintomas de ansiedade e estresse pós traumático. Além disso, cabe salientar que os estudos encontrados contam com amostras relativamente pequenas, o que faz com que seja possível hipotetizar que os dados obtidos se referem a um contexto específico em relação ao grande número de pessoas que vivenciam tal experiência.

Dois estudos mostraram relação entre o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e os tipos de coping usados pelos membros da família. Segundo Burant, Daly, Hoffer, Mazanec e Petrinec (2015) o coping evitativo, como a negação, o distanciamento do problema e a fuga, foi o único estilo de enfrentamento que se mostrou presente desde a admissão até 60 dias da alta hospitalar. Martin e Petrinec (2017) pontuaram que o coping evitativo também foi usado pelos participantes de seu estudo, porém apareceu pouco no início da internação e aumentou gradativamente após a alta. Ambos os estudos mostraram que há uma correlação positiva desse estilo de enfrentamento com o desenvolvimento de TEPT, bem como comprovaram que esse estilo de coping é frequentemente usado por familiares com histórico psiquiátrico, diagnosticados com depressão ou transtorno de ansiedade.

Segundo Armiliato, Castro, Souza, Peloso e Souza (2017) o TEPT é caracterizado pelo desenvolvimento de sintomas como medo intenso, impotência e ansiedade, após a exposição a um fator de estresse extremo. Os autores realizaram um estudo com mães de crianças que foram diagnosticadas com câncer, no qual foi apontado que 42,9% das mães apresentaram os critérios para TEPT. Os autores afirmam que este dado corrobora com a literatura internacional que mostra um índice de 39,6% a 45% de TETP após a vivência do adoecimento de um familiar, demonstrando que no processo saúde-doença estes sintomas são bastante presentes.

Os dois artigos incluídos na presente revisão sistemática que avaliaram TEPT evidenciaram que o seu desenvolvimento estava correlacionado a um histórico psiquiátrico do familiar. Schaefer, Lobo e Kristensen (2012) afirmam que elevados níveis de depressão e ansiedade, diagnóstico de psicopatologias prévias e histórico familiar psiquiátrico são fatores de risco para o desenvolvimento de TEPT.

Quanto aos instrumentos para avaliação de coping, foram utilizados o Inventário de Estratégias de Coping e o Ways of Coping Checklist Scale de Lazarus e Folkman, bem como a Escala de Medición del Proceso de Afrontamiento y Adaptación (CAPS), que tem como foco questões de saúde e adoecimento, e o BRIEF coping que subdivide o coping em categorias: focado no problema, focado na emoção e enfrentamento evitativo. Para avaliar o enfrentamento religioso, todos artigos usaram o Brief RCOPE, instrumento que compreende as estratégias religiosas positivas e estratégias negativas.

Para melhor entendimento quanto às principais estratégias de enfrentamento utilizadas pelos familiares, fez-se uma análise das mais utilizadas e da forma como elas se manifestam nos estudos encontrados. O coping religioso-espiritual (CRE) é definido como o uso de estratégias espirituais para manejar o estresse advindo das crises que ocorrem ao longo da vida, podendo ser considerado positivo ou negativo. No primeiro há uma expressão adequada da espiritualidade e conexão espiritual. Já no coping negativo, os indivíduos tendem a delegar a crença a resolução dos problemas ou até ressignificar o estressor como punição divina.

Dos onze artigos analisados, três artigos fazem referência específica a esta estratégia. Os resultados do estudo de Brelsford, Ramirez, Veneman e Doheny (2006) mostraram que 41,2% dos indivíduos se auto intitula como moderadamente espiritual e 30,8% realiza orações mais de uma vez ao dia.

Os artigos de Schleder, Parejo, Puggina e Silva (2013) e Benichel, Cunha, Meneguin, Miot e Pollo (2019) destacaram que os familiares utilizaram mais estratégias de coping religioso positivas do que negativas durante o processo de hospitalização na UTI. Isso significa que buscaram apoio na espiritualidade e procuraram viver uma experiência de transformação pessoal e modificação interna. No coping religioso positivo há, além de um crescimento pessoal, o fornecimento de ajuda para as outras pessoas que passam por situações difíceis. Já o coping religioso negativo se manifesta através da atitude de deixar a religião se responsabilizar pela resolução da situação, sem fazer interferências. Os resultados mostraram que o enfrentamento religioso negativo está relacionado a um maior uso da negação, bem como a um nível de coesão familiar mais baixo.

Casarini, Gorayeb e Basile Filho (2009) mostraram que os familiares utilizavam com frequência elevada este tipo de estratégia, geralmente de duas formas. Por um lado, alguns deslocavam a responsabilidade da situação vivida para a religiosidade, já outros compartilhavam a responsabilidade entre si mesmo e a crença religiosa. Os autores trazem que a espiritualidade tem a função de manter a esperança e proporciona conforto a quem vive este momento.

A literatura frequentemente retrata o aspecto positivo deste tipo de coping. Em um estudo realizado por Aquino e Zago (2007) com pacientes laringectomizados foi verificado que a busca da espiritualidade se mostrou presente desde a etapa de diagnóstico, perpassando o desenvolvimento da doença até a etapa da reabilitação. Segundo as autoras, a espiritualidade foi essencial para a ressignificação das experiências com a doença e o tratamento.

O estudo de Marques, Botelho, Marcon e Pupulin (2014) que objetivou identificar as estratégias de enfrentamento mais utilizadas por familiares de pacientes em hemodiálise evidenciou a busca por apoio nas crenças espirituais. Os autores afirmam que as ferramentas proporcionadas pela espiritualidade conseguiram suprir a maior parte das necessidades emocionais dos participantes.

Outra estratégia que se mostrou relevante é o suporte social. Através dela as pessoas buscam auxílio em grupos, pessoas mais próximas, ou mecanismos sociais, a fim de obter apoio emocional, financeiro ou informativo. O sujeito que faz uso desta estratégia pode pedir conselhos, expressar seus sentimentos e solicitar ajuda financeira ou profissional para aliviar a angústia frente o momento estressante. Após a análise dos artigos foi encontrado apenas um estudo onde essa foi a principal estratégia utilizada pelos familiares.

Na pesquisa de Aftyka, Rozalska e Milanowska (2020) o suporte emocional aparece como a principal estratégia utilizada em pais e mães de crianças internadas em UTI neonatal. O estudo mostrou que o apoio social é um fator muito importante para que os pais possam ter sentimentos positivos após experiências traumáticas, como é o caso da internação de um bebê na UTI. Essas alterações envolvem mudanças positivas nas interações com os indivíduos, o desenvolvimento de empatia, compaixão e a criação de relacionamentos interpessoais mais próximos.

Além dos autores citados anteriormente, outros dois estudos fizeram referência a este estilo de coping. Casarini, Gorayeb e Basile Filho (2009) mostraram que os familiares entrevistados utilizam com frequência o suporte social como resposta ao enfrentamento da internação do paciente. Os resultados mostram que ter este suporte é importante para não se sobrecarregarem com a internação e que a falta de ajuda leva a separação das relações próximas, comportamento de isolamento, redução nas atividades de lazer e centralização de todos os deveres com o paciente sobre si mesmo, gerando um impacto na qualidade de vida. Amazonas, Lima e Menezes (2012) verificaram que 93% dos participantes fizeram uso do apoio social como estratégia de enfrentamento. Em sua maioria, a ajuda deu-se quando o familiar recebeu apoio emocional e sentiu-se compreendido por alguém próximo a ele.

Ainda sobre o tema, estudos como o de Coletto e Câmara (2009) mostraram a importância do apoio social para pais de crianças com doença crônica. A pesquisa teve como resultado que entre as estratégias de coping utilizadas, as mais evidentes foram a reavaliação positiva e o suporte social, principalmente usado para evitar sobrecarga dos cuidadores.

Outras estratégias encontradas foram aquelas que tinham como foco a emoção. O coping focado na emoção diz respeito aos esforços do indivíduo para regular as emoções frente a episódios estressantes (Mussumeci & Ponciano, 2017). Foram encontrados dois artigos que mostraram essa estratégia como sendo a principal utilizada pelos familiares. No artigo de Absalan, Bagheri, Moghadam, Rahnama e Shahdadi (2017) os participantes utilizaram em 59.8% dos casos a estratégia com foco na emoção. Já o estudo de Amazonas, Lima e Menezes (2012) mostrou que em 97% dos casos a reavaliação positiva foi usada.

Visando avaliar as estratégias de coping utilizadas por familiares de pacientes internados na UTI e unidade coronariana (UCO), os autores Oliveira, Romano e Watanabe (2007) encontraram resultados que apontaram que os familiares utilizaram três estratégias principais: a reavaliação positiva (94%), o suporte social (88%) e a resolução de problemas (84%). Nascimento, Castro, Amorim e Bicudo (2011) também avaliaram o coping em familiares de mulheres com câncer de mama e os resultados mostraram que as estratégias mais usadas pelos familiares são aquelas focadas na reavaliação positiva. Rampelotto e Abaid (2011) citam que a reavaliação positiva é uma estratégia de enfrentamento dirigida para o controle das emoções e uma forma de reinterpretação positiva de uma situação inicialmente tida como negativa. Este estilo de enfrentamento favorece a utilização da experiência como forma de crescimento, mudança pessoal e aprendizagem.

Por outro lado, segundo Dias e Pais-Ribeiro (2019) o coping focado no problema consiste em dirigir esforços no sentido de mudar a situação geradora de estresse, buscando remover o problema ou minimizar o impacto da fonte estressora. Neste estilo de enfrentamento o indivíduo utiliza estratégias de planejamento e resolução de problemas, podendo incluir mudança de hábitos, desenvolvimento de comportamentos específicos para lidar com o problema ou a reestruturação cognitiva, que consiste em ressignificar o elemento estressor.

Ao analisar as publicações, observa-se que este estilo de coping é o mais utilizado pelos familiares. Cinco dos onze artigos analisados demonstraram que os familiares fazem uso dessa estratégia, tanto logo após a admissão do paciente na UTI, bem como após a alta hospitalar. Nascimento, Castro, Amorim e Bicudo (2011) e Auerbach, Wartellaa & Ward (2009) pontuam que estas estratégias se mostram bastante eficazes para minimizar o estresse e podem ser consideradas as mais adaptáveis. Damião et. al. (2009) afirmam que neste modelo de coping, o indivíduo opta por resolver seu problema e modificar suas atitudes ao invés de anular ou afastar a situação estressante, conseguindo assim lidar adequadamente com as pressões do ambiente.

No estudo de Jiménez-Ocampo, Zapata-Gutiérrez & Díaz-Suárez (2013) os autores concluem que ao fazer uso desse estilo de coping os indivíduos adquirem novos conhecimentos e habilidades, o que aumenta o repertório para que futuros problemas sejam solucionados.

 

Considerações Finais

Esta revisão sistemática da literatura permitiu traçar um panorama geral dos estudos que, nos últimos doze anos, investigaram as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos familiares de pacientes internados em UTI. Levando-se em conta o número de artigos incluídos na revisão pode-se afirmar que há um crescente interesse sobre a experiência dos familiares que acompanham a internação do paciente em UTI. Nas últimas décadas, as práticas de humanização hospitalar têm sido cada vez mais trabalhadas e incluídas na assistência em saúde. Neste contexto, refletir sobre a inclusão dos familiares no processo é um tema central, uma vez que fazem parte da assistência integral ao paciente.

Através do mapeamento dos estudos sobre a temática, foi possível verificar que o coping focado no problema foi o mais utilizado pelos familiares, seguido do religioso, focado na emoção e o apoio social. Tais estratégias parecem estar em consonância com o momento vivido pois, muitas vezes, devido as condições do paciente, os familiares, apesar de sensibilizados, necessitam tomar decisões em momentos críticos, tanto no que diz respeito a aspectos que concernem o ambiente hospitalar, como fora dele. Para tanto necessitam amparo, seja através da espiritualidade ou de outras pessoas significativas que possam oferecer suporte.

O uso das estratégias de enfrentamento depende de uma avaliação pessoal, dos riscos envolvidos e dos recursos disponíveis para lidar com o estresse. Apesar da eficácia de cada estratégia variar dependendo do tipo de estressor envolvido, o coping focado no problema é considerado uma estratégia ativa e adequada de adaptação, já que os sujeitos se aproximam do estressor para removê-lo ou para minimizar o impacto que ele apresenta, em detrimento de se distanciar ou fugir da situação conflitiva.

O uso do coping focado no problema em UTIs pode ser traduzido na busca por informações sobre o paciente, no desenvolvimento de novas habilidades para mudar o que é possível naquele contexto, e na reestruturação cognitiva que leva os familiares a buscarem um outro significado para a situação vivida.

Vale destacar que o uso de uma estratégia não exclui a outra. Em alguns estudos analisados foi possível notar que mais de uma estratégia foi usada pelos mesmos familiares. Os vários tipos de enfrentamento podem ser utilizados em conjunto e de modo complementar, como por exemplo, a regulação da ansiedade beneficiará a resolução de problemas em uma determinada situação. Sendo assim, a escolha e o uso dessas estratégias é um processo dinâmico.

Considerando a importância da presença da família como fonte de apoio para o paciente, bem como levando em conta o sofrimento que os familiares apresentam ao longo de uma internação hospitalar, é preciso que a equipe multiprofissional conheça as formas de enfrentamento dos familiares para que possam ser desenvolvidas intervenções focais a fim de diminuir o estresse que o adoecimento e a internação em UTI pode gerar para todo o sistema familiar.

A presente pesquisa se mostra relevante levando em conta que a análise das estratégias de enfrentamento de familiares pode fornecer informações importantes para o desenvolvimento de intervenções voltadas à saúde mental no ambiente da terapia intensiva, visto que os familiares têm um papel central no cuidado do paciente hospitalizado. Além disso, desenvolver ações neste sentido também torna mais saudáveis os processos de trabalho de toda a equipe multiprofissional, pois incluem o familiar como um parceiro na assistência prestada ao paciente.

Para finalizar, ressaltamos a necessidade de outras revisões sistemáticas da literatura que contemplem principalmente estudos com amostras mais robustas e que foquem nos principais instrumentos de avaliação do coping. Além disso, ressalta-se a necessidade de pesquisas que revisem as estratégias de coping nas equipes de saúde e que também explorem estas variáveis na UTI pediátrica e neonatal, incluindo medidas de avaliação da saúde mental pós-alta.

 

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Beatriz Patricia Woinarovicz - Psicóloga clínica. Especialista em Terapia Intensiva pela UFCSPA
Mariana Calesso Moreira - Professora Adjunta do Departamento de Psicologia. Tutora e Docente do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde - Atenção em Terapia Intensiva

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