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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.12 no.1 São Paulo 2010
ARTIGO ORIGINAL
Correlações entre a percepção da violência familiar e o relato de violência na escola entre alunos da cidade de São Paulo
Correlations between the perception of family violence and the report of violence in students from São Paulo
Correlación entre la percepción de la violencia en familia y el relato de violencia entre estudiantes de la ciudad de São Paulo
Mariana Fernandes Prado Tortorelli; Luiz Renato Rodrigues Carreiro; Marcos Vinícius de Araújo
Universidade Presbiteriana Mackenzie
RESUMO
O bullying é compreendido como um conjunto de atitudes agressivas intencionais e repetidas que representam abuso de poder de um aluno contra o outro. Este trabalho investigou correlações entre a percepção da violência familiar e o relato de violência na escola. Participaram 501 alunos do ensino fundamental público na cidade de São Paulo, os quais responderam a um questionário fechado com seis perguntas sobre a percepção da violência familiar por parte do aluno e sete acerca de relatos de violência na escola. Os dados foram analisados descritivamente, e uma análise de Pearson verificou correlações entre as questões. Os resultados apontam correlações da percepção do aumento de situações de violência familiar e o maior relato de violência escolar. Compreende-se a relação família-escola como interdependente e o espaço escolar como local potencial de diálogo para combater a violência nas escolas e famílias, não de forma a culpabilizar um ao outro, mas como duas instituições que estabelecem parcerias efetivas para combater o fenômeno bullying.
Palavras-chave: Bullying, Família, Escola, Violência, Relato.
ABSTRACT
Bullying is understood as a set of intentional repeated aggressive attitudes that characterize abuse of power of one student towards another. This work investigated correlations between the perception of family violence and the report of violence in elementary school students from São Paulo. 501 elementary school students from São Paulo responded to a questionnaire that consisted of six questions about family violence perception and seven questions related to the report of violence in school. Data was analyzed descriptively and a Pearson analyses was used to determine correlations between questions. Results demonstrated positive correlations between family violence perception and reports of violence in school. Family-school relations is understood as interdependent and the school as a propitious place for dialogue aimed at preventing violence in both contexts (family and school). The purpose was not to blame one or another, but consider them as two institutions that can establish effective partnership to combat bullying.
Keywords: Bullying, Family, School, Violence, Report.
RESUMEN
Bullying es entendido como un conjunto de acciones agresivas y reiteradas y el abuso deliberado de poder representar a un estudiante contra otro. Este estudio investigó la correlación entre la percepción de la violencia en familia y lo relato de violencia en la escuela. Con 501 estudiantes de la escuela fundamental pública da la ciudad de San Pablo se aplico un cuestionario con seis preguntas cerradas sobre la percepción del estudiante sobre la violencia en familia y siete preguntas del relato de la violencia en la escuela. Los datos fueron analizados descriptivamente y un análisis de Pearson constató la correlación entre las preguntas. Los resultados muestran una correlación entre el aumento de la violencia en família y un gran número de relatos de violencia en la escuela. La comprensión es la relación familia-escuela como interdependientes y el espacio de la escuela como un lugar de efectivo diálogo para luchar contra la violencia en las escuelas y familias, sin la intención de culpar uno u otro, pero como dos instituciones que establecen asociaciones eficaces para luchar contra el fenómeno bullying.
Palabras clave: Bullying, Familia, Escuela, Violencia, Relato.
Introdução
A escola é um lugar que permite a observação de questões relacionadas à socialização, promoção da cidadania, expressão de atitudes e opiniões, e onde o desenvolvimento pessoal e social deve ser estimulado. Atualmente, ela vem sendo palco de uma proliferação da violência, incluindo brigas, invasões, depredações e até mortes (FANTE, 2005). É nesse contexto que se encontra o bullying, termo inglês que remete à intimidação física e psicológica, o qual vem sendo entendido como um conjunto de atitudes agressivas intencionais e repetidas que representam um abuso de poder de um aluno contra o outro (CONSTANTINI, 2004).
As pesquisas sobre bullying, de acordo com Olweus, Solberg e Andresen (2007), ganham destaque a partir dos anos 1990, com os estudos de Olweus (1993), Smith e Sharp (1994) e Ross e Rigby (1996). As primeiras pesquisas foram realizadas na Escandinávia (CLEAVE e DAVIS, 2006) com o objetivo de investigar as causas do elevado número de suicídios cometidos por crianças, e elas chegaram à conclusão de que a intimidação por colegas da escola era um dos fatores geradores do alto nível de tensão e baixa autoestima, que culminava no suicídio. Posteriormente, na Inglaterra (CLEAVE; DAVIS, 2006), foram realizadas novas pesquisas envolvendo a intimidação entre colegas.
O bullying, segundo Lopes Neto (2005), compreende as atitudes agressivas, intencionais e repetidas que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudante contra outros. Para Lopes Neto (2005), esses comportamentos causam dor e angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder e podendo gerar consequências no desenvolvimento psicossocial dos envolvidos. Smith (2002) afirma que essa intimidação é percebida como um abuso sistemático de poder, e, para Olweus, Solberg e Andresen (2007), ela implica um abuso de poder agressivo e sistemático, que se desenvolve ao longo do tempo. Fante (2005) caracteriza como comportamentos peculiares na manifestação do bullying os insultos, as intimidações, os apelidos cruéis e constrangedores, as gozações que magoam profundamente, as acusações injustas e a atuação de grupos hostilizadores. Tais comportamentos ridicularizam e geram verdadeiro caos na vida dos alunos atingidos pelo bullying, levando-os à exclusão. Além de danos físicos, morais e materiais, o que pode ser considerado mais grave é a sua potencialidade de provocar sofrimento psíquico em suas vítimas, as quais, em sua maioria, apresentam dificuldade em se defender.
O bullying pode ser classificado, de acordo com Lopes Neto (2005), como direto (apelidos, agressões físicas, ameaças, furtos, expressões ofensivas verbais ou gestuais) ou indireto (indiferença, isolamento, negação aos desejos, difamação). Esse autor também ressalta que, com o crescente uso da tecnologia da informação e comunicação, uma nova forma de bullyingestá se propagando, o chamado cyberbullying, ou seja, o uso de tecnologia para envio de mensagens depreciativas e ameaçadoras tanto à própria vítima quanto a outras pessoas. Na pesquisa de Privitera e Campbell (2009), a presença dessa agressão é evidenciada sobretudo entre homens, e demonstra-se a grande proporção que esse fenômeno vem ganhando como um novo tipo de violência.
Lopes Neto (2005) explicita que a forma direta do bullying é utilizada com uma freqüência quatro vezes maior entre os meninos, e a forma indireta é mais adotada pelas meninas. Blaya (2002) também mostra a prevalência de meninos nos atos de intimidação e agressão física. Em relação à idade, os autores são unânimes em destacar maior prevalência em alunos entre 11 e 13 anos, sendo menos frequente na educação infantil e no ensino médio.
Quanto às causas, não existe uma especificidade para a prática do bullying, muitos fatores podem favorece-lo. Lopes Neto (2005) aponta diferentes elementos, como fatores econômicos, sociais e culturais, aspectos de temperamento e influências familiares, de amigos, da escola e da comunidade, os quais constituem as prováveis causas da manifestação desse tipo de violência. De acordo com Blaya (2002), o ambiente familiar e as relações estabelecidas nesse contexto podem favorecer comportamentos agressivos que caracterizam o bullying. Tal autora, em sua pesquisa, observa que o ambiente familiar é geralmente apontado como sendo "difícil" e "perturbador" na maioria dos casos, e é frequente que as crianças, que reproduzem comportamentos de intimidação na escola, tenham sido submetidas à violência doméstica. Tal violência pode ser compreendida, de acordo com Farrington (2002), como pais negligentes, agressivos (incluindo disciplina severa e punitiva) e conflitos entre os pais. Maus-tratos físicos e emocionais são também algumas das condições familiares apontadas por Lopes Neto (2005), que podem favorecer o aparecimento e desenvolvimento de comportamentos agressivos nas crianças. Ramirez (2001 apud SOUZA, 2005) também enfatiza a influência familiar no âmbito escolar, sendo esta identificada por comportamentos antissociais e de inadaptação dos alunos. Anser, Joly e Vendramini (2003) avaliaram a visão do professor sobre o conceito de violência no ambiente escolar e verificaram que o desenvolvimento da violência em crianças e adolescentes está relacionado principalmente a fatores emocionais com os quais esses indivíduos têm dificuldade de lidar, como agressividade, frustração e baixa autoestima.
Trabalhos recentes também destacam a influência do contexto familiar na prática do bullying. Chaux, Molano e Podlesk (2009), em sua pesquisa com 53.316 estudantes colombianos do 5 º ao 9 º ano, buscaram entender as correlações sociais, políticas e culturais envolvidas no bullying. Como resposta a essa questão, encontram, no relato desses jovens, sobretudo em meninos, alto índice de violência escolar, ou seja, aqueles comportamentos típicos de bullying, como bater ou insultar de modo a fazer o colega se sentir mal e não ter como se defender, baixos níveis de empatia, descrição de famílias como mais autoritárias e violentas, alto nível de violência na comunidade onde residem e melhores condições econômicas. Outro estudo importante foi realizado por Cunha (2009), do qual participaram 849 estudantes dos ensinos fundamental e médio das cidades brasileiras de Curitiba (PR), Goiânia (GO), Governador Valadares (MG) e Teresina (PI). Os estudantes completaram escalas que aferiam a qualidade da interação familiar, comportamentos antissociais e um inventário de depressão. As dimensões familiares avaliadas interagiram significativamente com a agressão e vitimização ao outro. Surgiram correlações positivas entre essas dimensões que evidenciam alguns fatores de risco para o comportamento agressivo, como: punição corporal, conflito familiar, comunicação negativa e clima conjugal negativo. Apareceram também correlações negativas que mostram fatores preventivos, por exemplo: envolvimento dos pais, relacionamento afetivo, modelo parental, regras, clima conjugal positivo. A autora também evidencia que os participantes envolvidos no estudo como vítimas e agressores obtiveram escores mais altos no Inventário de depressão.
Segundo Lopes Neto (2005), o autor do bullying apresenta características como comportamento antissocial, agressivo, impulsivo, satisfação em dominar; é menos satisfeito com a escola e a família; mais propenso ao absenteísmo e à evasão escolar; normalmente é popular e representa o líder do grupo. O alvo geralmente é pouco sociável, inseguro, apresenta baixa autoestima, é passivo, retraído (CLEAVE; DAVIS, 2006), e é comum que essas características particulares despertem a agressão por parte do autor de bullying. Blaya (2002) chama a atenção para as dificuldades sociais com os pares apresentadas pelos alvos e também destaca a diferença na aparência física ou deficiência, como fatores que incitam atos de intimidação. Aproximadamente 20% dos alunos autores também sofrem bullying, sendo denominados alvos/autores por Lopes Neto (2005). A combinação da baixa autoestima com atitudes agressivas e provocativas é característica desse grupo, e eles se diferenciam dos alvos típicos por serem impopulares e pelo alto índice de rejeição entre seus colegas e, por vezes, pela turma toda. Por último, a classificação de testemunha, trazida pelo autor, marca o grupo de alunos que observa a intimidação realizada pelos autores, mas não toma uma atitude efetiva para cessá-la.
Blaya (2002), Fante (2005) e Lopes Neto (2005) convergem quanto às conseqüências do bullying, quais sejam: desinteresse pela escola, baixo nível de desempenho acadêmico e prejuízo nos relacionamentos sociais. Lopes Neto (2005) aponta sintomas clínicos desencadeados por esse tipo de agressão, como enurese noturna, alterações do sono, dores de cabeça, desmaios, vômitos, entre outros. Fante (2005) apresenta como principais consequências para as testemunhas do bullying o surgimento de sensações de insegurança, ansiedade, medo e estresse, as quais comprometem também o processo socioeducacional.
Pesquisas recentes revelam sérias consequências tanto para as vítimas como para os autores de bullying. Kaltiala-Heino, Fröjd e Marttunen (2009), em seu trabalho, analisaram sinais de depressão nos envolvidos nessa violência, tanto naqueles que sofrem quanto nos que praticam. Participaram da investigação 2.070 estudantes de duas escolas finlandesas, com 15 anos de idade. Os autores concluíram que as vítimas apresentam maior predisposição para a depressão e avaliaram que haverá prejuízo nas habilidades sociais desses jovens e na sua autoestima, fator que os torna, cada vez mais, suscetíveis à vitimização. Outro dado interessante foi uma maior predisposição à depressão em jovens identificados como autores de bullying, sobretudo no sexo masculino. O trabalho de Menesini, Modena e Tani (2009) com estudantes italianos de idades entre 13 e 20 anos revelou, sobretudo em vítimas e autores, sintomas como: dificuldade de relacionamento entre pares, ansiedade exacerbada e depressão.
O bullying vem ocorrendo em larga proporção nas escolas, porém são difundidas poucas informações sobre ele à população envolvida (professores, diretores, funcionários alunos e pais), fato que dificulta sua prevenção (NEME et al., 2008). Na tentativa de lidar com esse fenômeno, Lopes Neto (2005) prevê que os programas anti-bullying envolvam pais, professores, funcionários e alunos, visando estabelecer normas, diretrizes e ações condizentes. Tais intervenções devem priorizar o apoio aos alvos e a conscientização dos agressores, para, assim, garantir um ambiente escolar saudável e seguro. Souza (2005) destaca a necessidade de apoio psicossocial a agressores e vítimas como medida de prevenção para esse fenômeno.
Também Ramirez (2001 apud SOUZA, 2005) e Marriel et al. (2006) destacam a importância da intervenção junto aos alunos, pais, professores e funcionários, com o objetivo de possibilitar uma conscientização de todos os envolvidos acerca do fenômeno, o que permitirá combate-lo. Sapouna et al. (2009) criaram um ambiente virtual de prevenção e apoio à vítima de bullying chamado Fearnot!, o qual é voltado para estudantes do ensino fundamental e consiste num ambiente virtual para que jovens vitimizados possam aprender estratégias para se prevenirem do bullying. O autor conclui que houve uma diminuição da vitimização após a implementação desse programa nas escolas pesquisadas.
Considerando todo o prejuízo atribuído ao bullying nas esferas pessoal, educacional e familiar, e a reduzida produção de pesquisas nessa área em âmbito nacional, este trabalho investigou correlações entre a percepção da violência familiar e a expressão de violência na escola entre alunos do ensino fundamental II, tendo em vista a ampliação da compreensão sobre o fenômeno bullying e sobre a relação entre sua ocorrência e o contexto familiar.
Método
Participantes
Participaram da presente pesquisa 501 alunos da rede pública matriculados no ensino fundamental II na cidade de São Paulo, e 47,8% da amostra é formada por meninos e 52,2% por meninas. Com relação à faixa etária, responderam alunos de 10 a 19 anos, e 90,4% estavam entre os 11 e 14 anos. Essa faixa foi escolhida em função da maior incidência do bullying entre os alunos de 11 a 13 anos. Foram selecionadas 8 escolas distribuídas pelas regiões da cidade de São Paulo, sendo 2 da região central (N = 106), 1 da zona leste (N = 116), 1 da zona sul (N = 38), 2 da zona norte (N = 100) e 2 da zona oeste (N = 141). A partir da definição das regiões, a seleção da amostra ocorreu por conveniência.
Instrumentos
Foi utilizado um questionário fechado com 13 questões do tipo Lickert de fácil preenchimento e linguagem condizente à idade e escolaridade da população-alvo, utilizando-se expressões próprias da idade. Para cada pergunta, o aluno deveria optar por uma das quatro alternativas: nunca, poucas vezes, às vezes, muitas vezes. O questionário é constituído por seis questões destinadas a avaliar a percepção da criança sobre a violência familiar e sete questões que visam verificar a expressão de violência na escola. Tais questões foram baseadas nos trabalhos realizados por Grassi-Oliveira, Stein e Pezzi (2006), os quais tinham por objetivo investigar a existência de situações traumáticas em crianças; também foi consultado o Conduct Disorder Questions (OLWEUS; BLOCK; RADKE-YARROW, 1986) com o objetivo de identificar a manifestação do bullying em jovens. Os procedimentos metodológicos foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie (Protocolo CEP/UPM no 1190/11/2009, Caee no 0089.0.272.000-09).
Resultados e discussão
Posteriormente à aplicação, os dados foram tabulados e analisados de modo descritivo, como pode ser visto na Tabela 1. Realizou-se também uma análise de Pearson para verificar a correlação entre as questões concernentes à família e aquelas relacionadas à expressão da violência no ambiente escolar (Tabela 2).
Tabela 1. Distribuição das porcentagens de respostas conforme alternativas
Tabela 2. Correlações entre questões relacionadas à família e as relacionadas à expressão da violência no ambiente escolar
Do ponto de vista estatístico, verificaram-se correlações positivas entre a percepção da criança sobre o fato de a família chama-la de preguiçosa e os relatos de: xingar seus colegas (p < 0,001; r = 0,204); participar de brigas (p = 0,001; r = 0,153); uso de drogas (p < 0,001; r = 0,190); e sentir-se desprezada no ambiente escolar (p < 0,001; r = 0,175). Observou-se também correlação positiva entre a percepção da criança sobre o fato de os pais discutirem e os relatos de: xingar seus colegas (p = 0,007; r = 0,122); participar de brigas (p = 0,001; r = 0,153); sofrer ameaças na escola (p = 0,002; r = 0,136); e sentir-se desprezada (p < 0,001; r = 0,156).
No que diz respeito ao relato de ter sofrido agressão na família, verificaram-se correlações positivas com os relatos de: xingar seus colegas (p = 0,003; r = 0,133); participar de brigas (p < 0,001; r = 0,218); sofrer ameaças na escola (p < 0,001; r = 0,170); sentir-se desprezada (p < 0,001; r = 0,215); e sentir prazer em brigar (p = 0,001; r = 0,153).
Esses dados demonstram correlações positivas entre as questões ligadas à família e a expressão da violência no ambiente escolar. Tais resultados apontam para o fato de que a violência familiar pode estar correlacionada com o aumento da agressividade no ambiente escolar. Smith (2002) destaca que, entre os fatores de risco para a prática do bullying, estão as questões familiares e especialmente aquelas que resultam em expressão de violência e que estão relacionados a um ambiente de pouco afeto. No caso dos resultados deste trabalho, observa-se fato semelhante, dada a correlação entre o aumento dos relatos de comportamentos violentos na escola e ambientes familiares percebidos como mais violentos ou não afetivos pela criança.
Verifica-se também a existência de correlação negativa entre os relatos de gostar de estar com a família e os de: xingar os seus colegas (p < 0,001; r = -0,200); participar de brigas (p = 0,015; r = -0,110); presenciar brigas na escola (p = 0,021; r = -0,104); uso de drogas (p = 0,002; r = -0,137); sofrer ameaças na escola (p = 0,029; r = -0,098); sentir prazer em brigar (p = 0,031; r = -0,097). Ao descrever se teve apoio da família quando se sentiu desprezada na escola, observaram-se correlações negativas com o quanto a criança relata xingar os seus colegas (p = 0,006; r = -0,124). Quando perguntada se existem coisas que gostaria de mudar na família, foram observadas correlações negativas entre a resposta afirmativa a essa questão e os relatos de: xingar os seus colegas (p < 0,001; r = -0,157); sofrer ameaças na escolas (p = 0,002; r = -0,137); sentir-se desprezada (p = 0,004; r = -0,130); sentir prazer em brigar (p = 0,032; r = -0,096).
Essas correlações negativas apontam para o fato de que, quando o ambiente familiar é percebido como mais amistoso, acolhedor e tendo maior suporte (como observado nas ocasiões em que a criança sofre algum tipo de violência na escola e relata ter tido apoio familiar diante dessa situação) observa-se menor expressão de violência no ambiente escolar. Tal fato é característico da amostra estudada, visto que 87,5% dos entrevistados declararam gostar de estar em família. Royer (2002) descreve que o ambiente de estresse familiar está relacionado com a expressão de comportamentos de violência em jovens, e destaca que qualquer tipo de intervenção que busque diminuir a violência escolar deve, para ter eficácia, considerar o ambiente familiar. Esse autor ressalta ainda que melhoras duradouras nas competências e habilidades sociais dependem de uma comunicação de qualidade na família.
O ambiente familiar e as relações estabelecidas neste são enfatizados por Blaya (2002) como favorecedores dos comportamentos agressivos característicos do bullying, e, em sua pesquisa, o ambiente familiar é apontado como um fator que contribui para a produção da violência nas escolas. Lopes Neto (2005) pontua que o relacionamento não afetivo e os maus-tratos físicos e emocionais são algumas das condições familiares que podem favorecer o aparecimento de comportamentos agressivos. O autor afirma que tais características são mais comuns aos autores do bullying.
Conclusão
Este trabalho investigou correlações entre a percepção da violência familiar e o relato de expressão na escola daqueles comportamentos violentos que caracterizam o fenômeno bullying. Os resultados encontrados permitem concluir que existe uma correlação entre a percepção do aumento de situações de violência familiar e o maior relato de violência escolar. Corroborando tal fato, verifica-se que, quando o ambiente familiar é percebido como mais acolhedor e tendo maior suporte, os relatos de expressão de violência no ambiente escolar são menos frequentes.
Entretanto, é necessário que seja feita uma ressalva com relação ao fato de a expressão da violência escolar ser influenciada por múltiplos fatores, dos quais a família, apesar de ocupar uma posição de destaque, é apenas um deles. Dentre outros fatores, devem-se considerar as características individuais dos jovens, as contingências do ambiente escolar e os valores sociais atuais. Nesse sentido, os resultados desta pesquisa devem ser utilizados para se pensar em alternativas de intervenção que minimizem a expressão da violência na escola e, consequentemente, diminuam a prática do bullying. Tais resultados, entretanto, não devem ser utilizados para culpabilizar as famílias ou mesmo a escola, mas podem, por sua vez, mostrar a forte influência da família no comportamento dos filhos e a reprodução de certas condutas inadequadas ao ambiente escolar, as quais prejudicam seu desempenho educacional e aspectos pessoais, como autoestima, autoimagem, processos de socialização, entre outros.
A escola tem um papel primordial no desenvolvimento das relações interpessoais em consonância com a função pedagógica. Esse processo deve priorizar os valores que estimulem o comportamento dentro de normas sociais mais coletivistas, o que, segundo Formiga e Gouveia (2005), pode contribuir para a diminuição de atitudes violentas. Outro fator primordial no combate à violência dentro da escola é a formação docente. Anser, Joly e Vendramini (2003) ressaltam a necessidade de investimentos, orientação e apoio aos professores por meio do aperfeiçoamento de práticas pedagógicas e da relação entre professor e aluno, para que se busque, em conjunto com as famílias, prevenir conflitos e problemas. Nosso trabalho, por tratar-se de um estudo correlacional, demonstra interações significativas dos relatos de comportamentos familiares e de violência escolar; entretanto, novos estudos devem ser propostos para compreender possíveis causas do fenômeno bullying.
Compreendendo-se a relação família-escola como interdependente, deve-se entender o espaço escolar como um lugar efetivo de diálogo com as famílias para que sejam discutidas e pensadas maneiras de combater o comportamento agressivo entre alunos e a violência nas escolas e na família. Porém, isso deve ocorrer não com a intenção de uma instância culpabilizar a outra pelo fato, mas com o reconhecimento de ambas como instituições que devem estabelecer parcerias efetivas para, juntas, implementarem mudanças de combate ao fenômeno bullying.
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Marcos Vinícius de Araújo
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Tramitação
Recebido em novembro de 2009
Aceito em março de 2010