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Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.12 no.1 São Paulo 2010
ARTIGO ORIGINAL
A gravidez precoce no imaginário coletivo de adolescentes
The early pregnancy in the teenagers' collective imaginary
Los embarazos precoces en el imaginario colectivo de los adolescentes
Mariana Leme da Silva Pontes; Tomíris Forner Barcelos; Miriam Tachibana; Tânia Maria José Aiello-Vaisberg
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
RESUMO
Os objetivos do presente estudo foram compreender como os adolescentes contemporâneos veem a si mesmos e a sociedade atual. Para tanto, contatamos estudantes do último ano do ensino fundamental e dos três anos do ensino médio. Solicitaram-se a um grupo de treze adolescentes que fizessem, individualmente, desenhos-estórias sobre o tema "Um jovem dos dias de hoje". Consideraram-se, neste trabalho, treze desenhos-estórias em que havia menção explícita à gravidez precoce. Fazendo uso do método psicanalítico, captou-se um campo de sentido afetivo-emocional denominado "crime e castigo", relativo à crença de que a gestação corresponderia a uma punição da moça por ter tido relação sexual. Ora essa moça poderia morrer, em sentido literal ou figurado, vendo seus ideais se tornarem irrealizáveis, ora poderia ser abandonada por seus pais ou pelo parceiro que "espertamente" deixaria de arcar com as consequências. Reflete-se sobre até que ponto pais, educadores e a sociedade estariam lidando com a sexualidade adolescente pela via da submissão das meninas pelo terror, não favorecendo seu gesto espontâneo.
Palavras-chave: Gravidez na adolescência, Imaginário coletivo, Procedimento desenhos-estórias com tema, Psicanálise, Sofrimento humano.
ABSTRACT
The objectives of study was to investigate how nowadays’ teenagers see themselves and the society in which they live, we contacted college students and we invited them to realize, individually, drawing-stories about the theme "a teenager of nowadays". Asked to a group of thirteen teenagers to do, individually drawing-stories in which the participants mentioned teenagers’ pregnancy. Making use of the psychoanalytical method, we could capture a champ of sense affective-emotional, denominated "Crime and Punishment", related to the belief that the pregnancy would be a punishment to the girl, for having sexual relations, who could "die" by not realizing her dreams, or could be abandoned by her parents and her boyfriend, who wouldn’t deal with the consequences of the pregnancy. We can think if parents, teachers and the society are dealing with teenagers’ sexuality by scaring the girls, which doesn’t support their spontaneous gesture.
Keywords: Teenager's pregnancy, Imaginary collective, Drawing-stories with theme procedure, Psychoanalysis, Human suffering.
RESUMEN
Os objetivos del estudio fueron comprender cómo los adolescentes contemporâneos ven a sí mismos y la sociedad en que viven. Fue solicitado a un grupo de trece adolescentes que hicieran, de forma individual, dibujos-historias de "uno adolescente de hoy día". Fueron consideramos trece dibujos-historias en que se mencionaba de manera explícita el embarazo en la adolescencia. Con uso del método psicoanalítico se encontró um campo de sentido afectivo-emocional, "Crimen y castigo", relacionado a la creencia de que el embarazo equivaldría a un castigo de la chica, por tener una vida sexual, que podría "morir" con la inviabilización de sus planos, o podría ser abandonada por sus padres o la pareja, que no sufriría las consecuencias. Se reflexiona sobre como los padres, educadores y la sociedad se ocupan de la sexualidad de los adolescentes a través da sumisión de las niñas de terror, sin favorecer su gesto espontáneo.
Palabras clave: Embarazo en la adolescencia, Imaginario colectivo, Procedimiento dibujos-historias con tema, Psicoanálisis, Sufrimiento humano.
Introdução
Há diversos estudos voltados à condição emocional dos jovens, fruto não apenas da percepção de que, nesse período do desenvolvimento, o indivíduo vivencia mudanças corporais variadas que podem despertar sofrimento emocional, mas também da preocupação em definir melhor a adolescência, na medida em que, na sociedade contemporânea, as balizas que eram usadas tradicionalmente para designar o início e o fim dessa etapa sofreram mudanças (BARUS-MICHEL, 2005; JOVER; NUNES, 2005; SALLES, 2005). Afinal, se, por exemplo, na década de 1970, os jovens priorizavam sair da casa dos pais para se tornarem adultos independentes, os atuais acabam postergando essa saída por conta das exigências sociais, que demandam um maior tempo de estudo até que tenham condições de se sustentarem financeiramente (BARRETO; AIELLO-VAISBERG, 2007).
Embora essa vasta literatura científica constitua um material valioso, proporcionando que pais, educadores e demais profissionais atuem melhor junto aos adolescentes, tende a voltar-se à descrição de padrões de comportamentos durante essa fase da vida, estabelecendo as normas de condutas previstas para cada faixa etária, determinando aquilo que seria normal e anormal (ÁVILA, 2005; SALLES, 2005; BARRETO, 2006).
Neste estudo, optamos por escutar o que os jovens têm a dizer sobre si mesmos e sobre a sociedade em que vivem, partindo do pressuposto de que, ao ouvir suas demandas e necessidades, teríamos condições de produzir conhecimento científico que permitiria a compreensão de suas motivações logico-emocionais, em vez da descrição de condutas para as quais o "mundo adulto" deve tomar determinadas decisões.
Em nosso grupo de pesquisa CNPq "Atenção psicológica clínica em instituições: prevenção e intervenção psicológica", temos desenvolvido estudos ao redor do conceito de "imaginário coletivo". Vale ressaltar que, embora tal conceito seja utilizado por diversos estudiosos de diferentes campos e abordagens teóricas, como psicanalistas lacanianos, junguianos, sociólogos e antropólogos, empregamos a concepção "imaginário coletivo" em nosso grupo de pesquisa de acordo com as reflexões que desenvolvemos acerca do conceito de conduta de Bleger (1963). Assim, se o psicanalista afirmava que o objeto de estudo da Psicologia deveria ser a conduta, entendida como toda e qualquer manifestação humana, compreendemos o imaginário coletivo como uma conduta que emerge em âmbito coletivo, expressando-se na área mental (AIELLO-VAISBERG; AMBROSIO, 2006).
Em outros termos, temos entendido o imaginário coletivo como o conjunto de crenças, imagens e emoções que um determinado grupo social produz acerca de um fenômeno, influenciando suas ações em relação a ele (AIELLO-VAISBERG; AMBROSIO, 2006). Dessa maneira, neste trabalho, voltamo-nos para o imaginário coletivo de adolescentes, o que permitiu que os próprios jovens trouxessem, espontaneamente, diversos temas. Neste artigo, focalizaremos especificamente o tema da gravidez na adolescência.
Método
Com o intuito de abordarmos os adolescentes, ultrapassando o plano da percepção consciente ou da opinião (AIELLO-VAISBERG, 1995), em nossos encontros fizemos uso de um recurso mediador-dialogico, similar ao jogo do rabisco, que Winnicott (1968) usava em suas consultas terapêuticas, por meio do qual ele e seu paciente desenhavam rabiscos, de forma maximamente flexível, criando um ambiente lúdico no qual os pacientes poderiam aproximar-se, de maneira relativamente relaxada, de questões que lhes eram angustiantes.
Assim, inspiradas no jogo do rabisco de Winnicott (1968), lançamos mão do procedimento de desenhos-estórias com tema (AIELLO-VAISBERG, 1999), desenvolvido com base no procedimento desenhos-estórias de Trinca (1972). Enquanto, no primeiro, o participante é convidado a realizar um desenho e a inventar uma estória acerca de um tema específico, no segundo, é solicitado a criar cinco desenhos-estórias sem a introdução de qualquer tema por parte do pesquisador.
Com o propósito de nos aproximar dos adolescentes, contatamos dez escolas públicas e particulares, situadas no interior do Estado de São Paulo, e, em cada instituição, selecionamos uma sala do nono ano do ensino fundamental ao último ano do ensino médio. Desse modo, as pesquisadoras que realizaram os encontros iam às salas de aula e solicitavam aos alunos que desenhassem, individualmente, "um adolescente dos dias de hoje", para, a seguir, escreverem uma história sobre a figura desenhada, como propõe o procedimento desenhos-estórias com tema, de Aiello-Vaisberg (1999).
Ao final, obtivemos 197 desenhos-estórias, 71 produzidos em escolas particulares e 126 em escolas públicas, abordando diversos temas, o que deu margem para que realizássemos estudos voltados ao mal-estar na adolescência (CABREIRA et al., 2007b), ao abuso de álcool e drogas por jovens (CABREIRA et al., 2007a) e aos diferentes subgrupos sociais que compõem a adolescência (CABREIRA et al., 2007c).
Neste estudo específico, focalizaremos um tema trazido em 13 produções gráficas, que está ligado à gravidez na adolescência, não apenas porque observamos que os estudantes abordaram essa temática de maneira angustiada, mas também porque se trata de um fenômeno social que tem aumentado substancialmente (SANTOS; SCHOR, 2003; SANTOS; CARVALHO, 2006; CAPUTO; BORDIN, 2007; WITTER; GUIMARãES, 2008), a tal ponto de ser considerado como problemática social, mobilizando políticas públicas e gerando produções acadêmicas (SANTOS; DAMIANI; MORETTI, 2001; PERES; HEILBORN, 2006; LEVANDOWSKI; PICCININI; LOPES, 2008; BENINCASA; REZENDE; CONIARIC, 2008).
Dessa maneira, os 13 desenhos-estórias foram apresentados ao grupo de pesquisa dentro do qual este estudo foi desenvolvido, para que pudéssemos nos beneficiar da multiplicidade de olhares dos demais pesquisadores que, nas ciências humanas, constitui um elemento essencial na produção de conhecimento científico. Assim, em contexto grupal, aproximamo-nos das produções gráficas sob a perspectiva psicanalítica, fazendo uso da associação livre e da atenção equiflutuante, deixando que o material clínico nos impressionasse (AIELLO-VAISBERG; MACHADO, 2005). A partir daí, foi possível captarmos o campo de sentido afetivo-emocional, que temos entendido como o determinante logico-emocional que rege o imaginário coletivo.
Resultados e discussão
A partir das produções gráficas, captamos o imaginário de que a gravidez precoce corresponderia a uma punição pela conduta "criminosa" de ter relações sexuais durante a adolescência, e que esse castigo seria vivido exclusivamente pela menina, que ou seria abandonada pelos pais, ou teria um viver sem realizações, enquanto o menino ficaria espertamente isento da situação.
Inicialmente, para ilustrar a crença de que a gestação na juventude equivaleria a uma postura "transgressora", selecionamos um desenho que a retratava de maneira similar ao uso de drogas e à pichação de muros:
Figura 1. A gravidez precoce retratada de maneira similar ao uso de drogas e ú pichação de muros
Ao olharmos para o desenho (Figura 1) e vermos que a gravidez precoce é concebida de maneira equivalente a um ato de pichação ou ao uso de drogas, entendemos que engravidar ou realizar o ato sexual em si, para esses adolescentes, seria uma transgressão. Trata-se de um imaginário que pode estar relacionado à crença pueril de que, ao ousar exercer a sexualidade, os jovens seriam penalizados com o "pior", independentemente se foram usados métodos contraceptivos, como fica claro na seguinte estória:
Apesar de tantos recursos, de tantas assistências e de alguns cuidados, Maria acabou engravidando do seu namorado. Eles estavam juntos há apenas quatro meses. Mesmo tomando todos os cuidados, o pior aconteceu [...].
Podemos pensar que talvez os adolescentes apresentem um imaginário de feições paranoides acerca do exercício da sexualidade, associando-o a imagens de castigo e de punição porque, apesar da maturidade física para terem relações sexuais, não possuem amadurecimento emocional para tanto. Essa questão pôde ser igualmente notada por Camps (2003, p. 109), que realizou vivências com um grupo de adolescentes:
[...] parece que, para esses jovens, a elaboração imaginativa das funções corporais, que acompanham o desabrochar da sexualidade [...] remete a fantasias assustadoras, a algo que, embora muito desejado, pode, até mesmo, ser sentido como catastrófico. O que tanto faz vibrar pode ser perigoso, sair do controle [...].
Embora os participantes tenham trazido o imaginário de que ter relações sexuais corresponderia a uma transgressão, pudemos observar a crença de que o castigo correspondente a essa violação seria exclusivo à menina. Esse imaginário diferenciado, segundo o gênero, foi comunicado sutilmente por meio das produções gráficas que apenas retratavam a jovem gestante, desconsiderando a presença do pai, mas também de maneira mais direta por meio de um desenho de uma adolescente grávida, a quem eram dirigidos comentários pejorativos relacionados a uma possível promiscuidade sexual. Para ilustrar o imaginário do castigo feminino e da isenção masculina, selecionamos o seguinte desenho-estória (Figura 2):
Figura 2. Produção que retrata o castigo feminino e a isenção masculina
Gabriela amava seu namorado Julio. Já ele só queria "curtir". Esse namoro já não ia bem havia um tempo, mas tudo piorou com a gravidez de Gabriela. Julio não quis assumir o filho dizendo que não era o pai. Os pais de Gabriela, por sua vez, a culparam e a expulsaram de casa [...].
Talvez os adolescentes tenham atribuído o "castigo" da gestação à jovem não apenas porque a gravidez inscreve-se no corpo feminino, mas principalmente porque vivemos numa sociedade em que os cuidados relativos ao bebê ficam centralizados na figura materna, independentemente da faixa etária do casal (TRINDADE; MENANDRO, 2002; ORLANDI; TONELI, 2005; DIAS; AQUINO, 2006; LEVANDOWSKI e PICCININ, 2006; WITTER, GUIMARãES, 2008; SUTTER, BUCHER-MALUSCHKE, 2008). Com base nessa perspectiva, podemos pensar que, a despeito do movimento feminista, a sociedade como um todo, incluindo os jovens, pode continuar apresentando concepções mais conservadoras em relação ao gênero, que não se limitariam às questões tocantes à paternidade e à maternidade, abrangendo também as concernentes à esfera sexual (PERES; HEILBORN, 2006).
Vale ainda destacar que, no imaginário dos adolescentes, a penalidade da jovem gestante não se limitaria a dedicar-se mais aos cuidados do bebê. Pudemos observar imagens em que ora a adolescente era retratada como alguém cuja vida teria "acabado", ora como uma pessoa abandonada e desamparada (Figura 3).
Figura 3. Nesta produção, vemos exemplo da ocorrência da gravidez precoce relacionada a uma interrupção da vida da jovem
No que diz respeito ao primeiro grupo de produções imaginativas, três desenhos-estórias retrataram que a ocorrência da gravidez precoce levaria a jovem a vivenciar o fim de sua vida. Selecionamos o seguinte:
Um certo dia uma adolescente que se dizia feliz, descobre que está grávida com apenas 16 anos, e faz de sua vida um inferno, cai em depressão e ainda por cima seus pais se separam. Ela acaba se matando e acabando com duas coisas preciosas, duas vidas.
Podemos entender a morte da adolescente grávida, comunicada no material clínico, tanto no sentido literal como no metafórico, simbolizando o fim de uma posição existencial marcada essencialmente pela imaturidade e dependência, na medida em que a jovem passaria a ocupar o lugar de mãe, vivenciando a privação de sua liberdade em prol dos cuidados do recem-nascido (LEVANDOWSKI e PICCININI, 2006; GRANATO; AIELLO-VAISBERG, 2006).
Cabe indagarmos, de um lado, até que ponto esse imaginário trágico deriva do discurso social que, de maneira geral, associa o fenômeno da gravidez na adolescência a aspectos de cunho negativo:
Espera-se que os jovens cumpram trajetórias ideais e obedeçam a etapas pre-determinadas, como a conclusão dos estudos e a inserção no trabalho - visão que corrobora o evento da gravidez como inoportuno e fruto de imprudência (PERES; HEILBORN, 2006, p. 1411-1412).
De outro lado, podemos pensar que possivelmente esse imaginário de morte não se limitaria à gestação, mas abarcaria também outros fenômenos que se associam, a priori, ao universo adulto, como o casamento e o exercício da vida profissional. De fato, Camps (2003) pôde perceber que até mesmo os namoros eram vividos como aniquiladores pelos jovens participantes de sua pesquisa, que já concebiam esse tipo de relacionamento como algo mais custoso em detrimento do "ficar", tido como exclusivamente prazeroso.
Entretanto, além desse imaginário de que a jovem gestante poderia vivenciar o fim de sua própria vida, também captamos a crença de que seria abandonada e desamparada por seus pais. Para ilustrar, selecionamos o seguinte desenho, por meio do qual é contada a estória de um casal de adolescentes que se conhece numa festa, tem relações sexuais e acaba vivenciando a gravidez precoce:
Figura 4. Nesta produção, vemos um exemplo das crenças de abandono e desamparo decorrentes da gravidez precoce
Selecionamos essa produção gráfica porque, na última cena representada, vemos que a jovem está sendo expulsa de casa por uma figura masculina, que tanto pode ser o seu pai quanto o pai do bebê que ela carrega. Trata-se de um material clínico que retrata, dessa maneira, o imaginário de que a adolescente que engravida corre o risco de ser duplamente "abandonada".
Entendemos que esse imaginário de a garota ser desamparada por seus pais esteja associado ao medo do adolescente de vir a perder a sua aceitação incondicional ao cometer o "crime" de ter relações sexuais. Ao mesmo tempo, notamos a crença de que, sem o apoio deles, a menina não teria condições de lidar com a gestação, faltando-lhe tal apoio essencial.
De fato, pudemos notar, em pesquisa realizada anteriormente (TACHIBANA; AIELLO-VAISBERG, 2007), o quanto os pais dos jovens cumprem função primordial no fenômeno da gravidez precoce, a ponto inclusive de realizarem desenhos-estórias retratando não apenas a si mesmos e seus bebês, mas também seus próprios pais.
Conclusões
Com base no presente estudo, pudemos observar que, no imaginário coletivo de adolescentes, a gravidez precoce parece ser vista como uma punição ao "crime" de ter relações sexuais, e que a figura realmente castigada seria a jovem gestante, a quem são associadas imagens de abandono e de morte. Esse imaginário, no tocante ao exercício da vida sexual, chama a atenção na medida em que são diversos os estudos, entre os quais destacamos os de Santos et al. (2001), Silva et al. (2004) e Santos, Damiani e Moretti (2001), que apontam que o adolescente apresenta uma postura essencialmente onipotente, no que tange à sexualidade, tendo dificuldades para visualizar a possibilidade de engravidar, vivenciando o que tais pesquisadores denominam "pensamento mágico".
Poderíamos pensar, num primeiro momento, que o fato de os adolescentes estarem sendo capazes de se verem vulneráveis a uma gravidez não planejada seria indicativo de maior amadurecimento emocional para lidar com as questões relativas à esfera sexual. Entretanto, ao observarmos mais detalhadamente o imaginário de feições paranoides e o de caráter mais onipotente, podemos concluir que ambos revelam o quanto os jovens podem estar lidando com o desabrochar de sua sexualidade de maneira emocionalmente empobrecida, ora associando-a a imagens terroríficas, ora exercendo-a de maneira impulsiva e despreocupada.
Esse imaginário mais "assustado" em relação ao exercício da vida sexual talvez esteja relacionado a um discurso social que, mobilizado pelos altos índices de gestação na adolescência e pelas elevadas taxas de jovens infectados por doenças sexualmente transmissíveis, vem abordando o comportamento sexual na adolescência como uma conduta que seria naturalmente de risco. Se, por um lado, preocupa-nos a constatação de que praticamente metade dos jovens brasileiros tem iniciado sua vida sexual sem a adoção de nenhum método contraceptivo (SANTOS; CARVALHO, 2006), por outro, entendemos como problemáticos tais programas de educação sexual que, pela via do terror, visam "cuidar" da sexualidade dos adolescentes.
Diante dessa perspectiva, acreditamos na possibilidade de o adolescente ser alertado acerca das consequências inerentes à vida sexual, sem, no entanto, ter a sua sexualidade "aniquilada" ou o direito a uma vida sexual plena furtado (FRIZZO; KAHL; OLIVEIRA, 2005; ORLANDI; TONELLI, 2005, 2008). Trata-se, dessa maneira, de uma preocupação não apenas com a vivência sexual dos jovens, mas, sobretudo, com o seu desenvolvimento emocional, na medida em que acreditamos que:
[...] o jovem sente-se desrespeitado e tolhido em seu movimento inovador e criador, quando nos aproximamos dele [...] adotando uma postura, de certo modo autoritária, impondo o modo de ser e pensar adulto. A reação do jovem, frente a uma tal aproximação, pode ser tão sofrida quanto à do bebê que se sente invadido pelo ambiente, guardadas as singularidades dessas duas diferentes condições existenciais. [...] formas de reação à intromissão adulta dificultam a expressão genuína e espontânea do adolescente e o desenvolvimento de seu jeito singular de ser e de viver. [...] A ausência de uma adaptação adequada [...] impede o movimento próprio do jovem em busca do ambiente e de seus interesses, dificultando a experiência de se sentir vivendo a própria vida (CAMPS, 2003, p. 33).
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Tomíris Forner Barcelos
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Tramitação
Recebido em outubro de 2009
Aceito em março de 2010