Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Psicologia: teoria e prática
versão impressa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. vol.12 no.3 São Paulo mar. 2010
RESENHA
Resenha sobre o livro Como falhar na relação? Os 50 erros que os terapeutas mais cometem, de Schwartz e Flowers
Bruna Roberta Pereira dos Santos; Ana Aparecida Vilela Miranda; Sheila Giardini Murta
Universidade de Brasília
Nas psicoterapias comportamentais e cognitivo-comportamentais contemporâneas, a relação terapêutica cumpre um duplo objetivo: constitui o contexto por meio do qual as sequências interativas permitirão que os problemas do cliente se manifestem e seus progressos sejam encorajados e fortalecidos e permitem melhor adesão aos procedimentos e às técnicas propostas (BRAGA; VANDENBERGHE, 2006). De fato, a aliança terapêutica tem sido consistentemente apontada como um dos principais preditores do êxito em psicoterapia, não apenas nas psicoterapias comportamental e cognitivo-comportamental, mas também em psicoterapias de diferentes fundamentações teóricas.
A aliança terapêutica tem sido definida como a concordância entre cliente e psicoterapeuta sobre os objetivos de mudança na psicoterapia, as atividades realizadas ao longo do processo psicoterapêutico e o vínculo entre ambos (CASTONGUAY; CONSTANTINO; HOLTFORTH, 2006). A construção da confiança entre o terapeuta e o cliente resulta de variáveis do terapeuta, como sua habilidade empática, e do cliente, como sua história de apego com os próprios cuidadores. No contexto da relação psicoterapeuta-cliente, quando o psicoterapeuta percebe acuradamente, interpreta com precisão e atende sincronicamente às demandas do cliente, este tenderá a confiar no psicoterapeuta, o que contribuirá para o bom andamento do processo terapêutico (OBEGI, 2008). Se, em vez disso, o psicoterapeuta age com negligência, imperícia ou imprudência (GOLDIM; PROTAS, 2008) na avaliação, na interpretação e no atendimento às demandas do cliente, rupturas na relação terapêutica podem ocorrer, com repercussões mais ou menos graves para a confiança no profissional, acarretando desde discordâncias momentâneas até a desistência da psicoterapia (ACKERMAN; HILSENROTH, 2001).
No livro Como falhar na relação? Os 50 erros que os terapeutas mais cometem, escrito por Bernard Schwartz e John Flowers (2008) e publicado pela Casa do Psicólogo, os autores apresentam o que consideraram como os 50 erros mais frequentemente cometidos por psicoterapeutas na relação com seus clientes, sejam terapeutas iniciantes ou experientes. A experiência clínica dos autores em psicoterapia cognitivo-comportamental, em atendimentos e em supervisão, associada às informações identificadas na literatura psicológica, fundamentou tal listagem. Os autores abordam aspectos relevantes no desempenho do psicoterapeuta em todas as fases da terapia, desde erros anteriores à terapia até as falhas cometidas em seu término, que podem produzir danos para a aliança terapêutica.
O primeiro capítulo, "Errar antes de começar a terapia", apresenta sete erros cometidos quando se avaliam as experiências anteriores do cliente e expectativas dele em relação à terapia ("Elas existem?", "São reais?"); no momento de informar sobre o funcionamento da terapia (direitos e deveres de cliente e terapeuta, e preparação para experiências emocionais fortes e desconfortáveis); sobre as crenças do terapeuta quanto à sua própria falibilidade ("O terapeuta reconhece seus erros e suas limitações?" "É humilde e está disposto a continuar aprendendo?"); e quanto à capacidade do cliente em ser confiável e em se transformar ("O terapeuta concebe o ser humano como digno de confiança e capaz de mudanças?").
No capítulo seguinte, são descritas seis falhas sobre "Como fazer avaliações incompletas": ignorar o nível de estágio de mudança ou de comprometimento do cliente; avaliar a resistência (ou receptividade) dele ao trabalho do terapeuta; subutilizar os instrumentos de avaliação clínica, como testes psicológicos, visto que possibilitam pré e pós-testes; contestar os falsos autodiagnósticos do cliente; não avaliar condições físicas ou clínicas antes de diagnosticar; e ignorar recursos do paciente para enfrentamento.
O terceiro capítulo, "Como ignorar a ciência", discute três falhas: não buscar novos dados e pesquisas sobre os procedimentos e o protocolo adotados no tratamento; valorizar o que dizem psicólogos famosos sem atentar para o conteúdo em si e sua adequação ao caso; e inflexibilidade teórica, sem nenhuma abordagem às necessidades do paciente.
Em "Como evitar a colaboração do cliente", os autores destacam três erros: determinação unilateral de metas (quando o terapeuta segue o que ele próprio julga ser necessário trabalhar, sem verificar com o paciente); falha ao desenvolver metas de colaboração nas primeiras sessões (quando o terapeuta não fornece feedback ou não ajuda o cliente a estabelecer metas); e falha ao fazer o cliente participar do agendamento da sessão (não avaliar com o paciente as necessidades deste para a sessão).
O quinto capítulo descreve seis erros sobre "Como destruir o relacionamento terapeuta-paciente". São eles: ênfase na técnica em lugar da construção do relacionamento; falha na comunicação com empatia; crença de que empatia e olhar incondicionalmente positivo significam gostar do cliente (ou aprová-lo); falha ao estimular o feedback do cliente ao trabalho (não perguntar o que o cliente acha útil ou inútil ou se pensou em algo discutido na sessão anterior); falta de atenção ao feedback verbal e não verbal do cliente; postura defensiva ao feedback negativo do cliente (sem valorizar o fato de ele ter confiado e se sentido seguro ao expressá-lo).
O próximo capítulo, "Como estabelecer limites incorretos entre terapeuta-cliente", apresenta cinco falhas: excesso de identificação com o cliente (caracterizando falta de objetividade e codependência); abuso dos níveis de intimidade física; estabelecimento de limites muito rígidos (sem permitir que o cliente experimente emoções fortes); autorrevelações inadequadas ou em demasiado; e não estabelecimento de limites para disponibilidade de contato (o que pode gerar dependência). Os autores sugerem que o terapeuta mantenha autoconhecimento, refletindo sobre que sentimentos o cliente desperta nele, se isso pode ser material terapêutico e dedicar cuidado a suas próprias questões e necessidades, que não devem ser supridas na terapia. Além disso, o terapeuta deve valorizar quando o cliente expressa temas íntimos e cuidar para que as autorrevelações sejam relevantes e conectadas a emoções.
O sétimo capítulo discute três falhas relativas a "Como fazer com que o paciente não se envolva no cumprimento de metas": desenvolvimento unilateral de atividade fora da sessão (definir tarefas sem a participação do cliente); falha na preparação adequada dos clientes para as tarefas (não avaliar obstáculos); e falha ao oferecer feedback de apoio ao cliente (deixar de indicar para o cliente seus progressos graduais).
No capítulo seguinte, são tratados quatro erros relativos a "Como piorar atitudes que já são ruins". Esses erros compreendem à: falha ao preparar o cliente para a mudança de atitude (ser corretivo, não explicar relação entre atitude e emoções etc.); adoção de estratégias passivas de aprendizado (não envolver o cliente no processo de aprendizado); falha ao ouvir as principais crenças do cliente (não atentar para crença central); e falha ao explicar que as atitudes não são imutáveis. Algumas sugestões dos autores para trabalhar esse tipo de demanda são a utilização de técnicas vivenciais, como imagens mentais e dramatização (com o cliente representando o papel oposto à "atitude"); uso de técnicas de foco cognitivo, como o questionamento socrático e o confronto de atitudes incoerentes; psicoeducação; e atividades de auto-observação (por exemplo, diário de pensamentos positivos e negativos sobre si e o futuro).
O nono capítulo descreve dois erros de "Como evitar o confronto com os pacientes": reação passiva diante do comportamento improdutivo do paciente (não confrontar empaticamente); e reação agressiva ou insensível (não fornecer apoio, agir com agressividade). Como formas de evitar tais erros, os autores citam: equilibrar crítica com afirmação de apoio; confrontar com sensibilidade; treino desses tipos de afirmações; identificar clientes que causam "irritação" ao terapeuta; estabelecer regras de comportamentos adequados na terapia; falar de forma direta e honesta que o comportamento não está adequado; e usar metáforas ou outros recursos.
Em "Como fazer com que os clientes recusem o uso de remédios", são apresentados dois erros: falha ao preparar o cliente para um possível uso de farmacêuticos; e ao preparar-se para objeções, apreensões e resistência ao uso do medicamento por parte do cliente. Os autores recomendam que o terapeuta avalie o histórico de utilização de medicamentos do cliente e sua disponibilidade para tal, apresente os ganhos no uso do medicamento, sua função e seus efeitos no organismo, além de explicar o porquê do encaminhamento para um médico.
O décimo primeiro capítulo discute quatro formas de errar no processo de finalização da terapia. Em "Como não encerrar uma terapia", as falhas nomeadas são: erro ao abordar o término do tratamento no início da terapia (não explicar ao cliente as condições em que a terapia pode ser encerrada); falha ao seguir o procedimento apropriado de encerramento (sem cumprir etapas do processo de conclusão); falha na interpretação do fim da terapia como abandono (não avaliar motivos do paciente para não continuar a terapia); e falha ao preparar-se para lidar com a terapia de tempo determinado (como as de convênio e seguradoras). De acordo com Schwartz e Flowers, o terapeuta precisa prezar por uma tomada de decisão conjunta em relação ao término. Deve também cuidar da avaliação de ganhos (e insucessos) alcançados na terapia, prevenção de recaídas, discussão de outras opções de tratamento e adoção de alguma forma de acompanhamento. Além disso, o terapeuta precisa estar preparado para reconhecer quando o término for abandono e que terapias com tempo predeterminado nem sempre são eficazes.
No penúltimo capítulo, estão listados erros sobre "Como chegar ao desgaste total do terapeuta" e, consequentemente, não dar suporte ao cliente. Três erros envolvem o autocuidado do terapeuta: não monitorar adequadamente o próprio bem-estar; não dosar trabalho e lazer; e não prover um setting terapêutico confortável e familiar. Outro problema é a superespecialização do terapeuta, mantendo um trabalho sem novidades e desafios. A recomendação é que terapeutas estejam atentos às suas próprias necessidades, tendo em vista seu bem-estar e o do paciente.
Por último, o erro de subestimar a capacidade humana de recuperação. Independentemente das dificuldades do cliente, a função do terapeuta é ajudá-lo a acreditar em suas próprias forças. Por isso, é importante que o terapeuta acredite e mantenha esperanças na capacidade do cliente.
No livro são encontrados ainda dois apêndices, um é o questionário de autoavaliação do terapeuta, envolvendo os seguintes tópicos: harmonia terapeuta-cliente, clareza de objetivos e colaboração, lição de casa, esperança e expectativas. O outro é uma lista de instrumentos psicológicos utilizados para avaliação de questões clínicas, como depressão, ansiedade, fobia social, abuso de substâncias e assertividade, todos aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia. Além disso, ao final do livro, encontra-se uma lista com a literatura nacional e internacional recomendada sobre os temas abordados em cada capítulo do livro.
A obra instiga o leitor terapeuta a uma autoavaliação em sua prática clínica. Recordar ou mesmo conhecer outras possibilidades de cuidado pode gerar angústias no leitor terapeuta inexperiente que comete essas falhas com maior facilidade e ainda está em processo de aprendizado das habilidades terapêuticas. Entretanto, o reconhecimento desses erros pode favorecer o estabelecimento de metas de desempenho, a fim de que o psicoterapeuta discrimine os objetivos de seu cliente, o instrumental técnico necessário para favorecer o progresso do cliente, os sentimentos gerados na relação com o cliente, os desafios na construção do vínculo entre ambos e o manejo de possíveis rupturas na relação terapêutica. A leitura dessa obra pode ser de grande valia para o ensino, a supervisão e a prática profissional, contribuindo para a redução de erros profissionais e do risco de desistência do cliente e para o aumento da efetividade da psicoterapia.
Referências
ACKERMAN, S. J.; HILSENROTH, M. J. A review of therapist characteristics and techniques negatively impacting the therapeutic alliance. Psychotherapy, v. 38, n. 2, p. 171-185, 2001.
BRAGA, G. L. D. B.; VANDENBERGHE, L. Abrangência e função da relação terapêutica na terapia comportamental. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 23, n. 3, p. 307-314, 2006.
CASTONGUAY, L. G.; CONSTANTINO, M. J.; HOLTFORTH, M. G. The working alliance: where are we and where should we go? Psychotherapy Theory, Research, Practice, Training, v. 43, n. 3, p. 271-279, 2006.
GOLDIM, J. R.; PROTAS, J. S. Psicoterapias e bioética. In: CORDIOLI, A. V. (Org.). Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 809-829.
OBEGI, J. H. The development of the client-therapist bond through the lens of attachment theory. Psychotherapy: Theory, Research, Practice, Training, v. 45, n. 4, p. 431- 446, 2008.
SCHWARTZ, B.; FLOWERS, J. V. Como falhar na relação? Os 50 erros que os terapeutas mais cometem. Tradução L. K. Gillon. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.
Tramitação
Recebido em agosto de 2010
Aceito em novembro de 2010