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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.2 São Paulo ago. 2015

 

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

Investigação da estrutura e composição das funções executivas: análise de modelos teóricos

 

Investigation of structure and composition of executive functions: analysis of theoretical models

 

Investigación de la estructura y composición de las funciones ejecutivas: análisis de los modelos teóricos

 

 

Natália Martins DiasI; Cristiano Mauro Assis GomesII; Caroline Tozzi ReppoldIII; Ana Carolina Monnerat Fioravanti-BastosIV; Emmy Uehara PiresV; Luiz Renato Rodrigues CarreiroVI; Alessandra Gotuzo SeabraVI
I Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco (Fieo), Osasco – SP – Brasil
II Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG – Brasil
III Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre – RS – Brasil
IV Universidade Federal Fluminense, Niterói – RJ – Brasil
V Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica – RJ – Brasil
VI Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – SP – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

Apesar de relativo consenso acerca da existência de três funções executivas (FE) básicas, inibição, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva, há menor conhecimento sobre sua organização e contribuição à solução de tarefas. O estudo testou diferentes modelos teóricos acerca da estrutura e composição das FE. Utilizou-se a matriz de correlação de Miyake et al. (2000) que avaliou universitários em 15 tarefas de FE. O modelo 1 demonstra um fator geral e componentes específicos. No modelo 2, componentes básicos agrupam-se sob um componente geral FE, e, no modelo 3, os componentes memória de trabalho e inibição são hierarquicamente mais básicos do que a flexibilidade. O modelo 2 apresentou melhor ajuste aos dados. Uma quarta variá vel latente foi relevante e contribuiu para duas tarefas. Sustenta-se um modelo hierárquico, isto é, um fator FE geral e componentes específicos. A comparação de modelos é uma estratégia relevante para a compreensão destes em neuropsicologia.

Palavras-chave: cognição; avaliação psicológica; neuropsicologia; variável latente; psicometria.


Abstract

Despite relative consensus on the existence of three basic executive functions (EF) (inhibition, working memory and cognitive flexibility) there is narrower knowledge on its organization and contribution to task solution. The study tested different theoretical models about the structure and composition of EF. The correlation matrix of Miyake et al. (2000), which evaluated university students in a set of 15 EF tasks, was adopted. Model 1 displays a general factor and specific components. In model 2, the basic components are grouped under a general EF component and, in model 3, the working memory and inhibition components are hierarchically more basic than flexibility. Model 2 showed a better fit to the data. A fourth latent variable was significant and contributed to two tasks. Our findings support a hierarchical model, i.e., a general EF factor and specific components. The comparison of models is a relevant strategy for their understanding in neuropsychology.

Keywords: cognition; psychological assessment; neuropsychology; latent variable; psychometrics.


Resumen

A pesar de relativo consenso sobre la existencia de tres funciones ejecutivas (FE) básicas, inhibición, memoria de trabajo y la flexibilidad cognitiva, hay menos conocimiento sobre su organización y cómo contribuyen a la solución de tareas. El estudio probó diferentes modelos teóricos sobre la estructura y composición de las FE. Se utilizó la matriz de correlación de Miyake et al. (2000), que evaluó universitarios en 15 tareas de FE. El modelo 1 demostró un factor general y constituyentes específicos. En el modelo 2, los componentes básicos se agrupan bajo un componente general de FE, y, en el modelo 3, los componentes de memoria de trabajo y de inhibición son jerárquicamente más básicos que la flexibilidad. El Modelo 2 mostró un mejor ajuste a los datos. Una cuarta variable latente fue relevante y contribuyó a dos tareas. El estudio sostiene un modelo jerárquico, es decir, un factor general de FE y componentes específicos. La comparación de los modelos es una estrategia relevante para la comprensión de estos en neuropsicología.

Palabras clave: cognición; evaluación psicológica; neuropsicología; variable latente; psicometría.


 

 

Funções executivas (FE) são habilidades que permitem o controle top-down do comportamento, da cognição e da emoção (Ardila, 2008; Seabra, Reppold, Dias, & Pedron, 2014; Strauss, Sherman, & Spreen, 2006). Pesquisas têm sido realizadas na tentativa de isolar e delimitar os componentes das FE (Chan, Shum, Toulopoulou, & Chen, 2008; Huizinga, Dolan, & Molen, 2006; Miyake et al., 2000; Miyake & Friedman, 2012). Tais investigações originaram alguns modelos. Por exemplo, há relativo consenso acerca da existência de três FE básicas, inibição (a capacidade de o sujeito inibir respostas dominantes ou automáticas quando julgar necessário, de maneira controlada), memória de trabalho (manutenção, manipulação ativa e atualização da informação) e flexibilidade cognitiva (capacidade de mudar o foco atencional ou curso de ação) (por exemplo, Diamond, 2013; Miyake et al., 2000; Miyake & Friedman, 2012). No entanto, há menor clareza acerca da organização desses componentes e de como eles contribuem, única ou conjuntamente, para a solução de tarefas.

Uma das primeiras investigações nessa área foi a de Miyake et al. (2000). O estudo, conduzido com uma amostra de universitários, investigou a unidade e a diversidade das FE. Os resultados da análise fatorial confirmatória suportaram a noção de que, apesar de distintos, os três componentes – inibição, memória de trabalho e flexibilidade­ cognitiva – possuem algo comum subjacente, ou seja, não são completamente in­de­pendentes. Concluiu-se que a organização dos componentes envolvidos nas FE mostra sinais de ambos, unidade e diversidade de tais habilidades. No mesmo estudo, os autores investigaram a contribuição relativa de cada componente à resolução de teste­s complexos comumente utilizados na avaliação das FE. O uso do termo testes complexos refere-se a tarefas que, dada sua natureza, requerem diversas habilidades executivas para sua resolução (Dias & Seabra, 2014; Strauss et al., 2006). Miyake et al. (2000) identificaram que a flexibilidade é crucial no cometimento de erros perseverativos no teste de classificação de cartas Wisconsin (WCST); a inibição, no desempenho na torre de Hanói; inibição e memória de trabalho, na tarefa de geração aleatória de números; e memória de trabalho, na tarefa operation span. No caso de tarefa dupla (dual task), nenhuma variável foi capaz de predizer o desempenho nessa tarefa.

Mais recentemente, Miyake e Friedman (2012) sugeriram que os componentes básicos memória de trabalho e flexibilidade são resultado da combinação entre um fator comum a todas as habilidades executivas e um fator específico a cada habilidade. Assim, para resolução de testes de habilidades executivas, haveria tanto contribuição de um fator geral quanto do fator específico. Os autores não encontraram um fator específico inibição, de modo que o respectivo componente parece ser totalmente explicado pelo fator geral FE. Esse fator geral seria responsável por manter ativo o objetivo da tarefa e informações relacionadas, e usar tais dados na orientação do comportamento/processamento. Dessa forma, apesar de ambos os modelos propostos por Miyake et al. (2000) e Miyake e Friedman (2012) terem sido derivados empiricamente por meio de abordagens de variável latente, chegaram a resultados diferentes acerca da estrutura componencial das FE.

Outros estudos também encontraram diferentes evidências para os componentes de memória de trabalho e flexibilidade (Huizinga et al., 2006) ou para memória de trabalho e inibição (St Clair-Thompson & Gathercole, 2006). Esses achados podem estar atrelados às amostras dos estudos. Por exemplo, o estudo de Huizinga et al. (2006) incluiu crianças de 7 anos até adultos com 21 anos, enquanto St Clair-Thompson e Gather­cole (2006) investigaram os componentes das FE em um grupo de crianças de 11 a 12 anos. De fato, evidências sugerem um componente mais geral de FE na infância e uma diferenciação dessas habilidades com o desenvolvimento. Isso é sustentado pelo estudo de Brydges, Fox, Reid e Anderson (2014) que identificaram uma estrutura fatorial unitária em crianças entre 8 e 9 anos, porém uma estrutura bifatorial nas mesmas crianças avaliadas entre 10 e 11 anos de idade. No modelo bifatorial, os autores identificaram o componente memória de trabalho. Entretanto, o segundo componente não diferenciou as habilidades de inibição e flexibilidade. Ainda, os au­tores identificaram que os dois componentes estavam moderadamente relacionados entre si.

Além de aspectos desenvolvimentais que podem influenciar na diferenciação das FE e, consequentemente, na estrutura dos modelos encontrados nesses estudos, outro ponto que deve ser considerado são as tarefas ou índices específicos utilizados nos es­tudos. Por exemplo, em estudo com crianças pré-escolares, Miller, Giesbrecht, Müller­, McInerney e Kerns (2012) identificaram um modelo unifatorial de FE, teoricamente­ esperado. Contudo, na mesma amostra, após inclusão de novas variáveis, encontraram um modelo com dois fatores correlacionados que diferenciou os componentes memória de trabalho e inibição. Isso ilustra a sensibilidade dos modelos gerados a mudanças relativamente pequenas na entrada de dados e sugere que, minimamente, seja necessária cautela na interpretação e generalização desses modelos.

Por uma via diferente dos estudos de modelagem, considerando pressupostos teóricos e estudos na área de neuropsicologia e cognição, outro modelo de FE foi sugerido por Diamond (2013). A autora também considera as habilidades básicas de inibição, memória de trabalho e flexibilidade. Entretanto, reitera que a flexibilidade envolve, em alguma extensão, inibição e memória de trabalho. Ou seja, para abordar um problema a partir de uma nova perspectiva, seria necessário inibir a perspectiva prévia e ativar, na memória de trabalho, a nova abordagem ao problema. A flexibilidade surgiria a partir da interação entre as demais habilidades do modelo, inibição e memória de trabalho. A interação entre as três habilidades básicas conduziria às FE superiores ou complexas, como planejamento, tomada de decisão e raciocínio.

Assim, resumidamente, apesar de alguns estudos terem sugerido a existência dos três componentes básicos inibição, memória de trabalho e flexibilidade, nem todas as investigações têm encontrado os mesmos resultados. Há evidências, em alguns estudos, de um fator geral de FE e, em outros, sugestões de uma estrutura hierárquica entre os componentes.

Compreender os componentes específicos das FE, a natureza de sua interação e como contribuem para a solução de tarefas é fundamental para entender a apresentação de dificuldades nessas habilidades, o que é de fato avaliado pelos testes de FE, e pensar na necessidade de intervenções que enderecem, global ou especificamente, essas (e quais delas) funções. Nesse sentido, a psicometria pode contribuir para neuropsicologia com a testagem de modelos teóricos de FE (Reppold et al., 2015).

O objetivo deste estudo foi testar diferentes modelos teóricos acerca da estrutura e composição das FE, a partir de uma matriz de correlações entre instrumentos que avaliam distintos aspectos dessa habilidade, publicada originalmente por Miyake et al. (2000). De forma mais específica, o estudo investigou se há subsídio empírico para: 1. o novo modelo proposto por Miyake e Friedman (2012) acerca da existência de um componente geral de FE e de componentes específicos ortogonais ao geral; 2. um modelo hierárquico que considere um componente geral e componentes específicos subordinados a ele; e 3. a suposição de Diamond (2013) que considera que os componentes memória de trabalho e inibição, hierarquicamente superiores, contribuiriam ao terceiro componente, mais complexo, flexibilidade. Diferentemente do estudo de Miyake et al. (2000), em que os modelos incluíram tarefas simples e, após, uma a uma, os autores inseriram as tarefas complexas, optou-se neste estudo pela execução de um único modelo para cada modelagem, no qual foram introduzidas todas as tarefas, simples e complexas simultaneamente.

 

Método

Para a análise dos dados, utilizou-se a matriz de correlação do estudo de Miyake et al. (2000) que aplicaram em 137 universitários os instrumentos plus-minus task (Plus), number-letter task (Number) e local-global task (Local), para avaliar flexibili­dade e alternância entre tarefas; keep track task (Keep), tone monitoring task (Tone) e letter memory task (Letter), para avaliar memória de trabalho e updating; antisaccade task (Anti), stop-signal task (Stop) e stroop task (Stroop), para avaliar inibição. Utilizaram-se também o Wisconsin card sorting test (WCST), tower of Hanoi (ToH), random number generation (RNG), operation span task (Oper) e dual task (Dual) como tarefas complexas de FE. Tanto os dados dos participantes quanto dos testes utilizados na modelagem foram extraídos do estudo de Miyake et al. (2000), de modo que as descrições completas podem ser consultadas no estudo original.

Análise dos dados

A análise dos dados foi realizada por meio da matriz de correlação do estudo original de Miyake et al. (2000). Aplicou-se o modelamento por equação estrutural para comparação dos modelos, com estimação da máxima verossimilhança. O software utilizado para a análise foi o Amos 18.0. Para verificar o grau de ajuste aos dados, adotaram-se os índices de ajuste comparative fit index (CFI), Tucker-Lews index (TLI) e o root mean square error of approximation (RMSEA); para comparação entre os modelos, utilizaram-se os graus de ajuste Akaike criterion index (AIC) e Bayesian criterion index (BIC). Quanto ao bom ajuste aos dados, consideraram-se valores iguais ou superiores a 0,95 para o CFI e TLI, e valores iguais ou inferiores a 0,06 para o RMSEA (Hooper, Coughlan, & Mullen, 2008). Diferenças de até seis pontos no BIC são consideradas positivas para concluir que um modelo é superior a outro, mas apenas diferenças de seis a dez pontos são consideradas fortes, e diferenças maiores que dez pontos são decisivas (Kass & Raftery, 1995).

 

Resultados

Avaliaram-se três modelos em termos do seu grau de ajuste aos dados, assim como foram comparados entre si. A Figura 1 apresenta as relações em cada modelo. O primeiro modelo (modelo 1), representado no item “a” da Figura 1, testou a presença de uma função executiva geral e FE específicas. Desses componentes específicos, três provêm da teoria (inibição, flexibilidade e memória de trabalho). O quarto componente foi acrescentado por meio de estratégias exploratórias, pela observação dos índices de modificação dos valores do qui-quadrado do modelo, quando se agregou uma nova relação ao componente. Todos os componentes foram modelados como independentes entre si. Nesse modelo, o fator geral explicou o desempenho dos participantes em todos os 15 testes, enquanto os componentes específicos explicaram o desempenho de grupos particulares de testes, variando de dois a quatro testes por grupo. O modelo 2, representado no item “b” da Figura 1, testou um modelo hierárquico com um componente geral e componentes específicos subordinados a ele. O componente geral explica diretamente os componentes de inibição, flexibilidade e memória de trabalho. Semelhante ao modelo 1, o modelo 2 também postula a presença de um quarto componente específico, independente dos demais, que contribuiu para explicar o desempenho dos participantes do estudo em dois dos testes utilizados (letter memory task e dual task). O último modelo, modelo 3, representado no item “c” da Figura 1, testou a existência dos componentes memória de trabalho e inibição, hierarquicamente superiores ao terceiro componente, mais complexo, flexibilidade. Essas três FE explicam diretamente o desempenho dos participantes em 14 dos 15 testes aplicados. Como nos modelos anteriores, um quarto componente, ortogonal aos demais, explica a variância de dois dos testes incluídos na análise.

 

 

A Tabela 1 apresenta os índices de ajuste dos três modelos. Todos apresentaram óti­mos índices de ajuste aos dados. A comparação dos três modelos foi realizada a partir dos índices AIC e BIC. A diferença do índice AIC entre os modelos 1 e 2 foi de 8,126 e do índice BIC foi de 31,308, indicando uma diferença decisiva a favor do modelo 2. Entre os modelos 1 e 3, verificou-se diferença de 5,55 para o índice AIC e de 28,732 para o BIC, indicando diferença decisiva a favor do modelo 3. Por sua vez, a diferença entre os modelos 2 e 3 foi de 2,576 para o AIC e 2,576 para o BIC, indicando uma diferença favorável, apesar de não decisiva, ao modelo 2. Em síntese, os modelos 2 e 3 mostraram-se mais adequados em relação ao 1, que postula uma habilidade geral e habilidades específicas ortogonais. Esses dois modelos serão, portanto, descritos em mais detalhes.

 

 

No Modelo 2, ilustrado na Figura 1b, todos os betas apresentaram valores estatis­ticamente significativos (p ≤ 0,010), assim como as variâncias observadas para todos os componentes inseridos no modelo, latentes ou observáveis (p ≤ 0,044), com exceção de FE (p = 0,084) e inibição (p = 0,138). No modelo 3, ilustrado na Figura 1c, todos os betas apresentaram valores estatisticamente significativos (p ≤ 0,011), com exceção dos coeficientes de memória de trabalho para flexibilidade (p = 0,453) e de inibição para flexibilidade (p = 0,099). Observaram-se, para todas as variáveis inseridas no modelo, latentes ou observáveis, valores estatisticamente significativos das variâncias (p ≤ 0,013).

Uma diferença importante do modelo 2 em relação ao modelo 3 refere-se à presença de uma FE básica latente no modelo 2 e sua ausência no modelo 3. O modelo 2 dá conta de explicar 36% da variância da variável latente de flexibilidade por meio da FE básica, que apresenta um beta de 0,60 ante a flexibilidade. Por sua vez, o modelo 3 dá conta de explicar 29% da variância da variável latente de flexibilidade. Desses 29%, a inibição responde exclusivamente por 17,64 pontos percentuais, a memória de trabalho responde exclusivamente por 2,89 pontos percentuais, enquanto o restante, ou seja, 8,47 pontos percentuais, é explicado pela covariância da inibição e memória de trabalho­.

 

Discussão

O objetivo deste estudo foi testar modelos teóricos acerca dos componentes das FE, a partir de uma matriz de correlações entre instrumentos que avaliam distintos componentes dessa habilidade. Três modelos foram testados e todos mostraram bom ajuste aos dados. O primeiro modelo baseia-se na suposição mais recente de Miyake e Friedman (2012) que sugere que os componentes básicos são resultado da combinação entre um fator FE geral e componentes específicos. No presente estudo, para além do componente FE geral, quatro componentes específicos, ortogonais entre si, foram avaliados: memória de trabalho, inibição, flexibilidade e um quarto componente, não esperado, que apresentou contribuição à resolução das tarefas letter memory task e dual task; a contribuição a esta última tarefa foi única. Assim, na resolução dos distintos instrumentos, identificou-se contribuição tanto do componente FE geral, que pode servir ao monitoramento do desempenho ou, de acordo com Miyake e Friedman (2012), para manutenção do objetivo da tarefa, quanto dos componentes específicos. Esse resultado sugere um bom ajuste do modelo com fatores geral e específicos independentes. Porém, apesar de ajustes satisfatórios, os índices AIC e BIC revelaram que os modelos 2 e 3 foram superiores.

O modelo 2 testou uma diferente configuração, com os componentes específicos agrupados sob o componente geral FE. Esse modelo aproxima-se mais da primeira sugestão de Miyake et al. (2000) que delimitaram a unidade e a diversidade das FE, ou seja, apesar de relativamente correlacionadas entre si, as três habilidades básicas de inibição, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva apresentam também relativa independência. Diferencia-se, porém, do modelo de Miyake et al. (2000), pois, neste, as variáveis latentes inibição, flexibilidade e memória de trabalho estavam apenas relacionadas entre si, ao passo que, no presente estudo, houve evidências de que esses componentes estão subordinados a um mais geral, FE. No atual modelo, apesar de inseridos numa hierarquia e subordinados a um componente geral FE, os componentes específicos contribuem para o desempenho nas diversas tarefas executivas. É interessante observar que, assim como no modelo 1, um quarto componente, independente dos demais, também foi relevante e, novamente, está associado aos desempenhos em letter memory task e dual task.

O terceiro modelo baseia-se na concepção de Diamond (2013), segundo a qual há três habilidades executivas básicas, inibição, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva. Porém, para a autora, a flexibilidade está fundamentada sobre as duas outras habilidades. Esse modelo recebeu suporte empírico e é representado no modelo 3, no qual as variáveis latentes inibição e memória de trabalho explicam a variável latente flexibilidade cognitiva. Assim como nos modelos anteriores, as variáveis latentes explicam os desempenhos nas tarefas utilizadas, e, novamente, o quarto componente, ortogonal às demais variáveis, contribuiu para o desempenho em duas destas tarefas. Os modelos 2 e 3 são relativamente semelhantes entre si. A diferença entre eles repousa na natureza da relação entre seus componentes, ou seja, enquanto no modelo 2 os três componentes básicos relacionam-se ao fator geral FE, ainda que sejam relativamente independentes entre si, no modelo 3, o componente flexibilidade cognitiva é derivado dos componentes memória de trabalho e inibição, associados entre si. Apesar de superior ao modelo 1 e de se mostrar bastante adequado em relação ao modelo 2, no modelo 3 os betas de memória de trabalho para flexibilidade e de inibição para flexibilidade não se revelaram significativos, de modo que não fica claro o quanto­ essas variáveis podem de fato contribuir para o componente flexibilidade. Assim, o modelo 2 permanece como mais satisfatório. Nesse sentido, o objetivo do estudo, testar diferentes modelos teóricos, foi atingido, sendo encontrado maior número de evidências a favor do modelo 2, em detrimento do modelo mais recente de Miyake e Friedman (2012) e do de Diamond (2013).

Diferentemente do estudo de Miyake et al. (2000), no qual o modelo incluiu apenas as tarefas simples e, após, uma a uma, as tarefas complexas, neste estudo optou-se pela inclusão de todas as tarefas, simples e complexas, simultaneamente. Assim, além de testar diferentes modelos teóricos, essa configuração permitiu verificar se os modelos sugeririam novas interações entre as variáveis. Tal como ocorreu no estudo de Miller et al. (2012), a inclusão de novas variáveis pode gerar mudanças no modelo. No entanto, observou-se que as interações encontradas mantiveram-se bastante fiéis às observadas no estudo original.

Desse modo, considerando o modelo 2, mais adequado, verificou-se que o componente flexibilidade contribuiu para as tarefas simples plus-minus task, number-letter task e local-global task, que, já a priori, eram consideradas como tarefas de flexibilidade. O componente inibição contribuiu para antisaccade task, stop-signal task e stroop task, também conforme esperado. Já o componente memória de trabalho contribuiu para keep track task e letter memory task, porém não para o desempenho em tone monitoring task, todas tarefas consideradas a priori como avaliando memória de trabalho. Tone monitoring task recebeu contribuição única do fator geral FE, o que pode sugerir que a tarefa envolva diferentes demandas. Por exemplo, essa tarefa exige o monitoramento e o julgamento da irrelevância de um estímulo para a solução da tarefa e, consequentemente, o “descarte” dessa informação, ou seja, negligência de objetivo (Duncan et al., 2008), ao passo que, nas duas outras tarefas de memória de trabalho, todos os estímulos eram relevantes e precisavam ser processados para a solução adequada. Isso pode explicar por que a tarefa de tone monitoring task não foi explicada pelo fator de memória de trabalho que, no presente estudo – conforme dados extraídos de Miyake et al. (2000) –, parece estar basicamente relacionada ao updating, bem mais do que a esse aspecto de monitoramento e exclusão de estímulos irrelevantes. Esse entendimento pode, inclusive, auxiliar a compreender por que o componente específico inibição se sobrepõe ao componente de FE geral em Miyake e Friedman (2012). Ou seja, se essa demanda de monitoramento e exclusão de estímulos irrelevantes estiver presente essencialmente nas tarefas de inibição mas também nas demais tarefas (como memória de trabalho ou flexibilidade), pode-se pensar que é o aspecto mais comum às diversas tarefas de FE. Isso também ajudaria a explicar por que o fator geral de FE não explicou de forma significativa os desempenhos nas tarefas de inibição, visto que esse fator geral já explica o próprio fator específico de inibição (58% da variância de inibição é explicada pelo fator geral), logo já está contribuindo, indiretamente, para as tarefas de inibição. Inclusive no modelo 3, em que não há um fator geral de FE, é o componente de inibição que explica a tarefa de tone e também contribui para maior número de desempenhos em testes.

Ainda no modelo 2, as três variáveis latentes também contribuíram para os desempenhos nas tarefas complexas, sendo: flexibilidade para WCST, memória de trabalho para operation span task (Oper) e random number generation (RNG2), e inibição para tower of Hanoi (ToH) e random number generation (RNG1). Dois pontos merecem destaque aqui. Um se refere ao fato de que nenhuma das tarefas complexas recebeu contribuição de mais de uma variável latente do modelo. Por um lado, tal fato questiona a noção de tarefas simples versus complexas, as quais, por definição, seriam aquelas cuja resolução exigiria mais de um dos componentes das FE (Strauss et al., 2006).

Por outro lado, limitações inerentes aos dados/instrumentos não permitem afirmar que essas tarefas complexas não possuam outras demandas. Por exemplo, a maior variância compartilhada (36%) foi entre memória de trabalho e o desempenho em operation span task (Oper). A grande variância não explicada sugere que outras habilidades participem desse desempenho. É possível que esse achado seja um viés das variáveis latentes derivadas dos instrumentos específicos utilizados no estudo, com base em suas demandas específicas. Por exemplo, as tarefas simples utilizadas keep track task e letter memory task têm alta demanda sobre a atualização da memória de trabalho (updating), mas demanda menor sobre a manipulação da informação propriamente, de modo que a variável latente memória de trabalho pode estar refletindo mais esse aspecto específico do que o construto mais amplo de memória de trabalho. Novas pesquisas devem procurar esclarecer esse ponto.

Outro ponto a ser destacado se refere à presença de uma quarta variável latente, independente das demais e com contribuições às tarefas letter memory task, em conjunto com memória de trabalho, e única a dual task. Hipotetizar a função desse componente requer compreender as demandas dessas tarefas, tanto as explicadas por outras variáveis latentes, caso da letter memory task, quanto a demanda comum em ambas e que poderia ser atribuída ao quarto componente. Para desempenhar-se em letter memory task, o participante precisa manter uma sequência de letras em mente, atualizar essa sequência a cada item apresentado e pronunciar as quatro últimas letras. Por sua vez, em dual task, as demandas são mais complexas. O teste é dividido em duas tarefas realizadas separada e simultaneamente. A tarefa de labirinto envolve planejamento e antecipação (Strauss et al., 2006); a de geração de palavras envolve fluência, cujas demandas incluem memória de trabalho auditiva, flexibilidade e inibição (Dias & Seabra, 2014). O índice utilizado, no entanto, elimina a demanda das tarefas individuais da demanda de realização simultânea. Assim, a demanda restante poderia ser a relativa ao desempenho de duas tarefas simultaneamente ou à alocação de recursos atencionais. Em letter memory task, ainda que em menor grau, essa divisão de recursos também aconteceria para dar conta de dois processos que ocorrem de forma simultânea (manter a informação na memória de curto prazo por meio da reverberação e, a cada novo estímulo, suprimir a primeira letra da sequência e adicionar a última, atualizando a informação de forma contínua). Outra possibilidade é que o fato de o participante precisar verbalizar a sequência exige um processamento adicional, gerando também mais uma tarefa que precisa ser executada simultaneamente às demais. Esse quarto componente poderia referir-se, então, a uma fonte extra de atenção requerida nos testes que apresentem tarefas simultâneas (situação/diferente das tarefas que se agruparam no componente flexibilidade, em que há alternância e não simultaneidade).

As conclusões aqui mencionadas estão possivelmente atreladas à amostra tanto de testes quanto de participantes do estudo do qual se extraíram os dados para a modelagem. Ou seja, Miyake et al. (2000) usaram testes específicos, que podem demandar processos específicos, e avaliaram universitários. O uso de tais dados pode, inclusive, ser apontado como uma limitação deste estudo, uma vez que a escolha de diferentes instrumentos poderia possibilitar a exploração de outros componentes e demandas. Em suma, os achados aqui relatados apontam, em adultos, a favor de um modelo hierárquico, constituído por um fator FE geral e componentes específicos que contribuem para o desempenho em tarefas simples e complexas. O estudo reitera que a psicometria pode colaborar para a compreensão de construtos teóricos, esclarecendo componentes e modelos em neuropsicologia (Reppold et al., 2015).

 

Considerações finais

O estudo testou três modelos teóricos acerca da estrutura e dos componentes das FE. Apesar de todos mostrarem-se satisfatórios, o modelo 2 mostrou-se superior aos demais. O modelo sugere a presença de um fator geral FE, hierarquicamente superior e sob o qual se agrupam os três componentes básicos, inibição, flexibilidade e memória de trabalho, os quais contribuem para o desempenho nas diversas tarefas. O fator FE geral apenas contribuiu diretamente para o desempenho em uma dentre as 15 medidas utilizadas. A partir do modelo, verificou-se que as chamadas tarefas complexas de FE não receberam contribuição de mais de um componente do modelo, o que não era esperado. Ainda, um quarto componente foi sugerido pelo modelo estatístico, independente dos componentes de FE e com contribuição à resolução de duas tarefas. Estudos futuros deverão tentar esclarecer as demandas dos testes complexos, a natureza do fator geral de FE aqui evidenciado e, de modo complementar, a natureza de outras demandas dos testes empregados. O uso de técnicas oriundas da psicometria na análise de modelos em neuropsicologia pode ajudar a compreender os construtos teóricos, suas relações, assim como as demandas envolvidas nos instrumentos de avaliação, muitos dos quais classicamente utilizados na área.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Natália Martins Dias
Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco (Fieo)
Avenida Franz Voegeli, 300, Bloco Prata, Parque Continental
Osasco – SP – Brasil. CEP: 06020-190
E-mail: natalia.dias@unifieo.br

Submissão: 5.12.2014
Aceitação: 7.4.2015

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