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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versão impressa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.19 no.2 São Paulo  2016

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Drogas e trabalho: considerações sobre atenção a trabalhadores usuários de drogas

 

Drugs and work: considerations on attention to workers drug users

 

 

Fábio José Orsini Lopes

Universidade Estadual de Maringá (Maringá, PR, Brasil)

 

 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este ensaio versa sobre as relações entre uso de drogas e trabalho. Tem como objetivo central discutir os modelos e práticas de atenção aos trabalhadores usuários de drogas no âmbito da organização do trabalho e em consonância com a atual política de atenção integral a esses usuários. Inicia trazendo algumas contribuições de pesquisas que compõem o campo e apresenta as diretrizes centrais da política nacional de atenção integral aos usuários de drogas. O artigo considera que tanto o uso de drogas quanto o trabalho estão em relação direta com a conformação subjetiva e com a busca de equilíbrio e normalidade em saúde. Assim, os fenômenos de uso e abuso de drogas também podem ser apreendidos através de sua relação, direta e muitas vezes causal, com a organização e a natureza do trabalho como fazer humano nos planos identitário e social. Os resultados apontam para desafios na concretização do paradigma de superação do proibicionismo e na assimilação da lógica de redução de danos, pois as relações e a organização do trabalho parecem se mostrar tão vitais quanto despreparadas para alguma revisão ou transformação fundamental na atenção ao trabalhador usuário de drogas.

Palavras-chave: Drogas, Trabalho, Atenção em saúde, Organização do trabalho.


ABSTRACT

This essay deals with the relationship between drug use and work. Its main objective is to discuss the models and practices of care for workers who use drugs within the framework of work organization and in line with the current policy of comprehensive care for these users. It begins by bringing some research contributions that compose the field and presents the central guidelines of the national policy of integral attention to drug users. The article considers that both drug use and work are in direct relation with subjective conformation and with the search for balance and normality in health. Thus, the phenomena of drug use and abuse can also be apprehended through their direct and often causal relationship with the organization and nature of work as human doing in the identitary and social planes. The results point to challenges in the implementation of the paradigm of overcoming prohibitionism and in the assimilation of harm reduction logic, since the relations and the organization of work seem to be as vital as unprepared for some revision or fundamental transformation in the attention to the user worker of drugs.

Keywords: Drugs, Work, Health care, Work organization.


 

 

Introdução

A s questões direcionadas à compreensão das relações entre trabalho e uso de drogas não são exatamente recentes. De certa forma, sob diferentes aspectos, tais questões se encontram academicamente presentes entre preocupações de historiadores e sociólogos do trabalho. As condições gerais de saúde dos trabalhadores, com destaque à lugubridade e às extensas jornadas de trabalho no período das profundas transformações da Revolução Industrial, são objeto de alguns estudos que relacionam este cenário a transformações também sobre hábitos de uso de drogas. A expansão do consumo de ópio e as modificações nos padrões de consumo de álcool são amiúde relacionadas ao contexto das condições de trabalho e suas transformações, integralmente impactadas pela intensificação da urbanização e industrialização na metade do século XIX (Bachmann & Coppel, 1989; Escohotado, 2005). Os autores costumam destacar a presença de transformações no mundo do trabalho em meio à organização social remodelada como um todo, enfatizando a proliferação dos hábitos de consumo de drogas entre as consequências das sociedades industriais. Neste cenário de transformações, se destacam como diretamente relativas aos padrões de consumo de drogas as descobertas químicas, a diversificação das rotas de distribuição e comércio e os esboços de liberdade individual do sujeito moderno nascente. Tais e tamanhas transformações impactaram decisivamente as práticas de consumo de drogas, a ponto de ensejarem a reação e o nascimento dos entendimentos proibitivos, que ganhariam vigor ao longo das décadas finais do século XIX. É deste contexto que, especialmente nos Estados Unidos da América, emergem as ligas puritanas e reacionárias às práticas de consumo de drogas desregradas.

Desta forma, a existência de pesquisas que apontem para a referida relação entre trabalho e uso de drogas vem sendo caracterizada desde os tempos em que esta relação se amalgamou irremediavelmente. As casas de consumo de ópio nos Estados Unidos da América, por exemplo, na metade do século XIX, chegaram a números estratosféricos e eram frequentadas massivamente por operários, em especial imigrantes (Harding, 1988). Condições degradadas de trabalho e consumo de drogas são associadas por pesquisadores há mais de um século, portanto.

Neste breve ensaio, nosso foco tentará recair sobre as possibilidades de diálogo entre os modelos e propostas de atenção aos trabalhadores usuários de drogas. A relação entre drogas e trabalho, em nossa perspectiva, pode encontrar-se em um patamar de imbricamento. Tal amálgama, em alguns casos, tange as raias da configuração de nexo causal interdependente. Neste entendimento, tanto as drogas como o trabalho implicam diretamente o funcionamento psíquico e, portanto, são, por assim dizer, ambos, psicoativos. E as diferentes maneiras de como as drogas e o trabalho se relacionam em meio à configuração identitária e subjetiva nos interessam diretamente.

Entre nossos objetivos figura a tentativa de realizar alguma atualização da relação entre drogas e trabalho, em especial no que respeita às possibilidades de diálogo entre as políticas de atenção aos usuários de drogas e entendimentos no campo da saúde do trabalhador. Entre outras questões desafiadoras, inicialmente cabem perguntas endereçadas à compreensão do impacto das transformações do trabalho na conformação da subjetividade contemporânea, assim como o lugar dos psicoativos na estabilização e plasticidade das relações intersubjetivas na atual sociedade de consumo. Caberia ainda questionar se este objeto a que nos propomos, as relações entre trabalho e uso de drogas, metodologicamente se comporia como a soma de dois objetos distintos ou ainda como um objeto único, confluente e embrionado como um fenômeno atravessado por todos os saberes que constam sobre estes objetos primários. Neste sentido, também nos interessam diretamente tanto estudos voltados à relação entre organização do trabalho e saúde mental dos trabalhadores quanto pesquisas no campo da atenção psicossocial integral a usuários de drogas e a lógica da redução de danos, aventadas na atual política pública sobre a temática. Um objeto, portanto, mais que multifacetado, pois se compõe de uma intersecção de conhecimentos, práticas e saberes. Tal complexidade mosaica exige da pesquisa olhares multidisciplinares e conceitos arejados, em consonância com os atuais entendimentos e discussões sobre as relações entre uso de drogas e trabalho.

Assim, a tentativa de atualizar e contribuir com a temática se dará mediante apresentação e análise de algumas produções teóricas acerca do fenômeno do uso de drogas por trabalhadores, enfatizando alguns referenciais que alimentam discussões no campo da saúde do trabalhador e os atuais debates sobre a atenção aos usuários de drogas. Inicialmente, há breve revisão e caracterização do campo de produções e pesquisas que vigoram atualmente sobre a intersecção entre drogas e trabalho. Em seguida, é apresentada, também brevemente, a política pública de atenção aos usuários de drogas, no objetivo de tentar fazê-la dialogar com conceitos e práticas no campo saúde do trabalhador em meio aos moldes e transformações da organização do trabalho como hoje se configuram. De forma antecipada e como posicionamento, é dada ênfase na lógica de redução de danos como orientação e diretriz maiores dos entendimentos acerca dos fenômenos de uso e abuso de drogas. Não apenas porque tal ênfase estaria alinhada com o que está posto como política pública nacional, mas, principalmente, porque somos de opinião de que se tratam das mais efetivas respostas à questão das drogas atualmente.

 

A constituição do campo drogas e trabalho

Como campo de produção de saberes e práticas, talvez se possa dizer que as relações entre trabalho e consumo de substâncias psicoativas se constitui ainda como um terreno de pesquisa e ações incipientes. Historicamente, há presença de estudos pioneiros, como os aqui já citados, mas entendemos se tratar de um campo em que ainda faltariam alguma clareza e sedimento sobre conceituação basilar e linhas de pesquisa definidas. Breve revisão acerca da natureza desta produção costuma revelar produções que sobretudo versam sobre os impactos do consumo abusivo de drogas à produção e à produtividade. O enfoque amiúde recai sobre a contabilização dos prejuízos, dos acidentes em situações de trabalho e dos agravos à saúde em decorrência do consumo abusivo de substâncias psicoativas. Há frequente destaque para o incremento dos números relativos aos gastos e impactos negativos à produtividade e ao "crescimento da economia" como um todo. Também são frequentes abordagens que destacam os aspectos clínicos e propostas de intervenção em nível de prevenção ou tratamento, como ações e programas encontrados na perspectiva das práticas em gestão de pessoas. Alguns exemplos de trabalhos que nos orientam a compreender a constituição deste campo de pesquisa podem ser encontrados em Roberto et al. (2002), Vaissman (2002), Amaral e Malbergier (2004), Cambell e Graham (1991), Fridman e Pellegrini (2005), Michel (2000), entre outros.

No tocante aos dados referentes aos impactos do uso e abuso de drogas em sua relação com o trabalho, os órgãos oficiais informam números crescentes envolvendo gastos e aporte de recursos no anteparo das consequências do abuso de drogas. Números de concessão de benefícios previdenciários, afastamentos, acidentes de trabalho e perícias médicas formam um conjunto de dados e valores quantificáveis que apontam para o agravamento das questões relacionadas ao abuso de substâncias pelos trabalhadores (Brasil, 2013; UNODC, 2008). No Brasil, crescentes gastos são pronunciados por diferentes Pastas ministeriais, como Previdência, Trabalho ou Saúde. Um cenário de produção de dados e informações com ênfase no viés da inevitabilidade dos danos presentes no uso de drogas na relação com o trabalho que oferece aos interessados pela temática uma tônica catastrofista.

Em que pese o reconhecimento dos impactos potencialmente negativos da relação entre uso de drogas e trabalho, neste artigo, intenta-se possibilidades de problematização que buscam fazer dialogar as perspectivas da atual Política Nacional de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas com os aspectos da interface trabalho/subjetividade. Uma proposta de ensaio de pesquisa que considere a subjetividade como produto vivo e processos de subjetivação ativos, dos quais podem fazer parte a relação do sujeito tanto com o trabalho quanto com diferentes padrões de uso de drogas.

Esta perspectiva esboça uma tentativa de acrescentar às pesquisas que tratam da relação entre drogas e trabalho alguma proposição arejada. Tanto no campo das drogas quanto no mundo do trabalho, transformações conceituais e técnicas vêm promovendo horizontes ampliados de perspectivas e categorias de análise. Entendemos que a conjunção destes campos, a intersecção entre trabalho e uso de drogas, pode e deve também respirar ares renovados. Assim, o lugar do uso de drogas e a relação do sujeito com o trabalho, em meio à constituição subjetiva e à busca de equilíbrio precário e normalidade, no melhor entendimento que a psicodinâmica do trabalho pode proporcionar, é de nosso interesse direto e majoritário e não "apenas" discussões que partem da inevitabilidade e contabilização dos prejuízos consequentes aos padrões de abuso de drogas.

Talvez se possa afirmar que alguma revisão de posições e entendimentos neste campo se encontra incipiente e até mesmo nem esboçada. De forma resumida e antecipada, podemos dizer que o mundo do trabalho costuma repelir, ao menos explicitamente, qualquer consideração de coexistência entre produção e consumo de drogas, não obstante a realidade velada insista em questionar tal premissa. A rigor, a convivência entre trabalho e consumo de drogas pode permanecer velada e até harmônica, desde que não invada o terreno do considerado "uso funcional". Ou seja, o uso de drogas por trabalhadores somente se torna evidenciado quando ameaça a produção. A funcionalidade do trabalhador costuma ser, portanto, o único diapasão utilizado para mensurar as muitas possibilidades de interação entre sujeito, trabalho e uso de drogas. Entendemos que as pesquisas que intentem problematizar esta relação possuem relevância e conveniência adequadas ao momento intensificado de debates e discussões sobre o campo. Tais tentativas se justificam por considerarmos que a temática é carente de vieses que se apartem das interpretações presentes na perspectiva do proibicionismo, normalmente porta-vozes dos ideais de abstinência, da estigmatização dos usuários e do foco na nocividade a priori do uso de drogas. Entre outras questões, este alinhamento com as políticas públicas ensejaria considerar elementos tradicionalmente estranhos às pesquisas e produções do campo, como, por exemplo, incluir nos debates a lógica da redução de danos, os direitos fundamentais de acesso às melhores práticas em saúde e os conhecimentos oriundos das clínicas do trabalho1. Estes horizontes teóricos poderão emprestar algum arejo ao patamar das pesquisas e discussões mais tradicionais sobre a relação entre drogas e trabalho e figura entre os objetivos deste breve ensaio.

 

A política nacional de atenção integral aos usuários de drogas

Sem pretender alcançar objetivos de dissecar e analisar com profundidade a atual Política Pública voltada à atenção aos usuários de drogas vigente no Brasil, esta seção busca traçar alguns elementos centrais desta política e relacioná-los às questões no campo das conexões entre trabalho e uso de drogas.

De forma extremamente sintética, entre os fatores de destaque presentes na atual política sobre drogas figuram elementos que poderiam ser caracterizados como um ensaio de transposição do paradigma proibicionista. Em linhas gerais, este se resume a um padrão de entendimento oficial, formal e internacional sobre as drogas, conduzido em meio a ordenamentos políticos, institucionais, jurídicos e diplomáticos, resultantes da correlação entre forças sociais e econômicas e enunciados científicos. A interpelação entre estes componentes auxiliou a configurar o dito paradigma sobre as drogas em escala mundial. Nos últimos vinte anos, sobre este paradigma insinua-se certa noção de alternatividade e transposição. Outros discursos, entendimentos e práticas passam a reverberar entre pesquisadores, profissionais, usuários de drogas e serviços de atenção à saúde. Antigas e irrefutáveis "verdades" sobre as drogas começam a ser relativizadas e, por isto, o cenário se configura, em tese e à princípio, como de transição paradigmática. No Brasil, tal transição estaria se configurando através da atual Política Nacional sobre Drogas e da Política Nacional de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas.

De certa forma, mesmo a atual "lei de drogas", a 11.343/2006, em seu lançamento e implantação, esteve em meio aos dispositivos e legislações que apontavam para a noção de alternatividade ao proibicionismo reinante. Não somente devido ao fato de que a legislação viria a substituir o entendimento legal que vigorava desde 1976, mas também porque a atual lei de drogas fora aprovada em meio a um cenário de muita discussão e sinalizações de desgaste das propostas de "guerra e combate às drogas". Passados dez anos de sua implantação, o momento parece ser o de avaliar se a Política Nacional de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e Outras Drogas significou, de fato, alguma alternância de paradigma no tocante às drogas e na atenção a seus usuários.

Inicialmente, cabe dizer que a atual política pública sobre drogas no Brasil está estruturada em seis eixos norteadores. São eles: 1) Pressupostos Básicos e Objetivos; 2) Prevenção; 3) Tratamento, Recuperação e Reinserção Social; 4) Redução de Danos Sociais e à Saúde; 5) Redução da Oferta-Repressão; e 6) Estudos, Pesquisas e Avaliações. Para cada eixo, são desenvolvidos alguns fundamentos que transitam em meio às tensões presentes no ensaio de transição para além dos entendimentos proibicionistas. No tocante à relação entre drogas e trabalho, embora não seja temática diretamente tratada como objeto de discussão, o texto faz algumas referências, principalmente quando menciona o trabalho como elemento vital naquilo que classifica como "ressocialização" do usuário de drogas, assim como elege os espaços de trabalho como localidades para práticas e intervenções em prevenção ao abuso de drogas, sem, no entanto, aprofundar tal orientação. Também cabe a ressalva de que estas referências ao lugar do trabalho e sua relação com as drogas parecem não reconhecer, nem timidamente, a centralidade do trabalho no tocante à manutenção ou perda das condições de saúde.

Uma segunda diretriz diz respeito à atenção aos usuários especificamente. A política faz alusão ao direito inalienável dos usuários de drogas, lícitas ou ilícitas, de terem acesso a melhores práticas de atenção em saúde. Este direito deve se antepor e anteceder os limites alcançados pela esfera penal na busca de soluções para a questão das drogas. Um debate que é atravessado por diferentes domínios de conhecimento e práticas sociais, abordado tanto pelas ciências da saúde como pelo saber jurídico e pelas regulações institucionais. A passagem da lógica proibicionista punitiva para a da atenção psicossocial integral aos usuários implica reposicionar questões sobre direitos fundamentais e subjetivos ao centro da noção de atenção e regulação do problema-drogas. Tamanho arranjo, inicialmente institucional-legal, deverá, também, aos poucos, tornar-se social e cultural. No tocante ao usuário de drogas trabalhador, esta posição se agiganta e deverá pautar os norteamentos da atenção em saúde.

Tais princípios se desdobram, por sua vez, nas orientações para o modelo de atenção aos usuários, os quais devem passar a incluir, entre outras proposições, a fundamentação pela lógica da redução de danos e, como mencionado, da atenção psicossocial. Essas diretrizes impactam os fundamentos do olhar reservado aos usuários de drogas de maneira irreversível. Primeiramente, a atenção psicossocial sugere uma implicação e um protagonismo subjetivos que deve recolocar o sujeito no centro do projeto de atenção. Em última instância, esta localidade rearranjada determina que se deve considerar as condições concretas de um ampliado conceito de saúde, cuja essência recai sobre a ideia de um saldo final entre os fatores afetos à saúde dos sujeitos. Isto significa antever que solubilidade pré-definida sobre quais são essas condições de saúde, para cada sujeito usuário considerado, deverá figurar descartada como instrução básica de consideração das complexas questões envolvendo consumo de drogas. Entre outras implicações práticas, por exemplo, caberia indagar o ideal de abstinência a priori e todo um cabedal de práticas e intervenções desenvolvidas ao longo das décadas de prevalência do proibicionismo em relação às drogas.

Deste entendimento e da antecedência dos direitos e liberdades subjetivos fundamentais emerge, também, a lógica da Redução de Danos. Aqui em letras maiúsculas porque representam não apenas o conjunto de diretivas técnicas ou conceituais, mas também os próprios movimentos sociais, classistas e de pesquisadores, incluída a militância dos diretamente afeitos ao uso de drogas. Esta lógica condensa em si os entendimentos tanto provenientes do campo da saúde como das ciências sociais e do direito. De maneira sintética, atenção aos usuários de drogas pela lógica da redução de danos significa dispor de práticas de cuidado e fazer em saúde que prescindem da condição ou necessidade de abstinência. O uso de drogas é tido como contingente à vida do usuário e o objetivo passa a ser ampliar as possibilidades de trato inteligente da relação do sujeito com as drogas; o que poderia incluir, também, e considerando a especificidade de cada usuário, objetivos de abstinência. A diferença é que esta não figura como elemento imperativo a priori; tampouco é sua ausência confundida com insucesso do modelo de atenção.

 

A lógica da redução de danos e a relação do uso de drogas com o trabalho

Nosso objetivo final neste breve ensaio é tecer algumas considerações voltadas aos modelos de atenção aos usuários de drogas, na perspectiva da atual política pública sobre drogas, em sua relação com o trabalho. Inicialmente e de forma generalizada, é possível dizer que o lugar do usuário de drogas no trabalho é, no mínimo, de desassistência e dificuldades em tratar ampla e abertamente a questão do uso de substâncias. Na sociedade em geral, mas de forma ainda mais marcante nos ambientes de trabalho, os trabalhadores usuários de drogas não costumam encontrar terreno para expor e negociar questões subjetivas envolvendo trabalho e uso de drogas, o qual costuma representar, na prática, a antítese da noção de produtividade e funcionalidade. Estas categorias, juntas, auxiliam a compor, formal ou informalmente, critérios de classificação, diagnose ou interpretação dos padrões e condições de uso de drogas pelos usuários. Assim, não raro, para um usuário que apresente condições avaliadas pela organização do trabalho, ou por seus pares, como produtivas, mesmo que mantenha práticas e hábitos frequentes de consumo de drogas, muito possivelmente, sua funcionalidade fornecerá o pavimento para a desconsideração das demais questões de riscos à saúde envolvendo seus hábitos de consumo. Em que pese o reconhecimento da relevância de um critério como este, a funcionalidade laboral, práticas e hábitos de consumo redutoras de danos e consequências potenciais do uso de drogas podem e devem ser apreendidas e encaradas como princípios de política pública, qualquer que seja a condição produtiva afeta ao consumo de drogas pelo trabalhador usuário.

Somado a este cenário, tem-se também a presença de um silenciamento das questões relacionadas ao consumo de drogas ilícitas e a cultural aceitação relativa do consumo de drogas lícitas pelos trabalhadores. Uso de medicamentos e o consumo regular de álcool são não somente tolerados como até mesmo identificados com alguns coletivos de trabalho. Ansiolíticos e benzodiazepínicos têm sido consumidos por parcelas vertiginosamente crescentes de trabalhadores(as), assim como há coletivos profissionais amiúde ligados a hábitos de consumo de álcool, em relação direta com o trabalho. Como exemplos, algumas categorias profissionais, como a dos construtores civis, apresentam, com frequência, padrões de consumo de álcool diretamente relacionados ao funcionamento dos coletivos de trabalho, fazendo com que este consumo se configure até mesmo como espécie de elemento de coalizão e ideologia defensiva (Karam, 2013). Entre profissionais das áreas de Educação e Saúde, têm sido identificados padrões elevados de consumo de psicotrópicos, notadamente benzodiazepínicos (De Lucia, Planeta, & Almeida, 1987; Luz et al., 2012). Também são recorrentes a associação entre uso de estimulantes e carreiras profissionais ligadas ao mercado financeiro e ao mundo corporativo.

Juntando grosseiramente essas "peças de quebra-cabeça", temos a formação de um campo de conhecimentos voltados à relação entre trabalho e uso de drogas que condensa um bom número de adversidades, pois, de um lado, há a verificação do aumento do número de usuários e agravos e, de outro, a desassistência, em termos objetivos, no tocante às melhores práticas em saúde e cuidados a esses trabalhadores. As pesquisas também costumam ignorar qualquer entendimento que não aponte para a incompatibilidade entre produção e uso de drogas, desconsiderando a realidade concreta que insiste em nos provar que o uso de drogas, em níveis socialmente não insignificantes, está posto e sobre este fato é que se deveria trabalhar.

Assim, os desafios que a questão do uso de drogas por trabalhadores suscita deveriam adquirir contornos mais centrais nas discussões acerca de saúde do trabalhador e nas relações entre saúde mental e trabalho. Dadas as naturezas, por assim dizer, psicoativas tanto das drogas quanto do lugar do trabalho na conformação subjetiva, esses componentes compõem um arranjo diretamente atuante e organizador do funcionamento psíquico, desaconselhando tratá-los dissociadamente. As políticas públicas sobre drogas devem incluir os saberes produzidos no campo do trabalho e vice-versa. A noção de saúde ampliada, como saldo das vivências subjetivas em meio às condições concretas de vida, precisa incluir a realidade do impacto do trabalho na saúde mental e admitir que a luta de muitos trabalhadores por este equilíbrio precário está incontornavelmente permeada pelo uso de drogas. Este pragmatismo, longe de significar conformismo, derrotismo, muito menos apologia, amplia o leque dos entendimentos e dá início a condições de superação do estigma e dos tabus que envolvem o uso e o abuso de drogas por trabalhadores.

Considerar a relação entre trabalho e uso de drogas pela perspectiva da atual política pública sobre a temática imprime, portanto, necessidade de ajustes e correção das propostas até aqui intentadas. Consideráveis autores, mesmo que divirjam acerca de qual, exatamente, modelo de atenção e regulação sobre as drogas deverá substituir o proibicionismo, consideram praticamente consensual o entendimento de que o modelo proibitivo e de "combate às drogas" está formal e cientificamente concluído como inepto e mesmo contraproducente. Urge uma superação de ordem qualitativa, e não apenas uma reforma legal, o que parece e sugere ser da ordem de reconsiderar medidas no campo do endurecimento de penalidades ou incremento de vigilância e repressão. Estas, ainda são e sempre foram tentadas. Daí advém o modelo psicossocial de atenção aos usuários de drogas e sua relação com a lógica da Redução de Danos como respostas e intenções não apenas distintas ou reformadas, mas fundamentalmente opostas e substitutivas.

Outro entendimento norteador da atual política nacional sobre drogas, e que deverá encontrar meios de dialogar com o campo da saúde do trabalhador, recai sobre a atenção merecidamente específica com que cada determinado tipo de droga e seus padrões de consumo devam ser considerados. Isto implica em requerer conhecimentos territorializados e reveladores dos reais modos e práticas de consumo. A equação entre a singularidade com a qual os sujeitos estabelecem, em particular, relações com as drogas, e a organização do trabalho, expressa em formações coletivas e intersubjetivas, requer da pesquisa olhares conectados entre saberes. Os desafios se agigantam quando se tenta pensar no diálogo entre uso de drogas, redução de danos e trabalho. Esta orientação aponta para os modelos e práticas concretos de organização do trabalho, pois estes são os "territórios" do trânsito intersubjetivo, devendo aí ser "clinicados".

Entre vários desdobramentos deste entendimento se encontra, por exemplo, a necessidade de considerar o consumo de álcool como prevalente e central em qualquer discussão que atente para prevenção ou posvenção nas estratégias e intervenções no trabalho. De fato, a questão do consumo de álcool necessita urgentemente ser trazida ao centro dos debates. Tolerado e até mesmo incentivado socialmente, o álcool figura como droga de amplo alcance social e consumo nada regulamentado, presente em todos os estratos da sociedade e consumido em diversas condições e situações. Hoje, está relativamente assentado o entendimento de que o consumo desenfreado de álcool constitui, no tocante à nocividade potencial do uso de drogas, o grande e maior problema de alcance na saúde pública, tanto em termos epidemiológicos quanto relativos aos impactos sociais e aos custos de tratamento e consequências do uso massivo. Sendo assim, as ações que se voltam às práticas do beber entre os trabalhadores são, justificadamente, prementes e devem ser elevadas à categoria de preocupações gerenciais estratégicas.

Outra questão sobressalente se refere à relação entre uso de drogas e produção no trabalho, pois uso e abuso de drogas costumam reverberar no imaginário social contemporâneo como uma condição relativa a "doenças da volição". A natureza decretada incontrolável do abuso de drogas, aquilo que convencionou-se chamar de dependência química, faz balançar o patrimônio maior da formação do sujeito contemporâneo, pondo em risco um dos pilares das sociedades modernas: a liberdade individual, o livre arbítrio. Por definição, a tensão presente entre trabalho e uso de drogas parece espelhar esta aparente impossibilidade de convívio entre demandas da produção material e expressões da produção psíquica e social. O uso de drogas carrega todo um imaginário cultural pouco afeito à noção de produtividade, tão cara e imprescindível à valoração no mundo do trabalho. Esta equalização entre trabalho e uso de drogas rivaliza com os atuais entendimentos presentes no campo do senso comum e da cultura circulante. Porém, o que se tem, na prática, é que o uso ou abuso de drogas passa a ser notoriamente uma questão incompatível com o trabalho quando, e somente quando, impacta negativamente (sim, pois não devemos esquecer o usufruto de "drogas de desempenho") a noção e os critérios de produtividade. Somente quando o consumo de drogas do trabalhador se choca com esses que são os mais sólidos critérios sociais de pertença, os relativos à produção, é que se tornam, a rigor, um problema exposto.

 

Alternativas ao paradigma proibicionista

Entre as propostas de pesquisa e análise do impacto do consumo de drogas nos contextos de trabalho, uma das interpretações que mais nos soam interessantes e originais se encontram no terreno do referencial da Psicodinâmica do Trabalho. Em linhas gerais, este referencial, proposto originalmente por Christophe Dejours, se assenta sobre a perspectiva de uma clínica do trabalho, no sentido etimologicamente recuperado. O trabalho, tal como se configura e se apresenta em seu funcionamento e organização reais é o que constitui o objeto de interpretação e desvelamento no tocante a seu papel na conformação intersubjetiva e trânsito do sujeito na esfera social. Pela via da análise e mediante ferramentas clínicas como a observação, a construção do espaço de palavra e a interpretação do funcionamento das defesas psíquicas, a Psicodinâmica do Trabalho está voltada a buscar compreender de que maneira o arranjo subjetivo do trabalhador se (re)configura na relação com o coletivo do trabalho. O consumo de álcool, nesta perspectiva, tem sido considerado como elemento fornecedor de relevantes pistas sobre a natureza dessa configuração.

A pesquisadora Heliete Karam (2010, 2013) nos oferece valiosas perspectivas de análise sobre os fenômenos de abuso de substâncias em relação com o trabalho. As pesquisas desta autora enfatizam o papel do consumo coletivizado de álcool entre os trabalhadores, identificado como elemento constitutivo de ideologias defensivas grupais. Karam (2010, 2003) nos mostra como as práticas de consumo de álcool podem representar um elemento de coesão grupal e metabolização da organização do trabalho. A autora evidencia haver uma relação inversamente proporcional entre condições de autonomia e apropriação subjetiva do trabalho e o consumo coletivizado de álcool. Ou seja, nos trabalhos em cuja organização imperam silenciamentos e impedimentos à plena apropriação do fazer pelas condições e características identitárias, como assaz ocorre nos sistemas de gestão controladores e rígidos, há a prevalência de consumo de álcool em situações coletivas, que tendem a oferecer algum tipo de substitutivo social à negada participação do trabalhador na construção de seu coletivo de trabalho.

A autora utiliza a o termo alcoolização para se referir a este fenômeno atrelado e consequente ao trabalho. Refere-se ao desenvolvimento do hábito de beber socialmente em coletivos formados no e pelo trabalho. A constatação das pesquisas de Karam sugere que a ausência daquilo que a Psicodinâmica do Trabalho intitula como "espaços de palavra" enseja o deslocamento deste espaço para as situações de consumo coletivizado de álcool. As pesquisas demonstram que o consumo de álcool assim caracterizado impõe aos pesquisadores o reconhecimento de que este revela características evidentes de funcionamento defensivo coletivo. As conclusões apontam que, à medida que a palavra sobre e no trabalho é reconduzida e possibilitada à figura do trabalhador, significando com isso alguma reapropriação ou reconstrução dos sentidos do trabalho impossibilitados pela organização, o consumo de álcool decresce (Karam, 2010). Uma constatação que implica no reconhecimento de que o beber, pelos coletivos de trabalhadores, possui papel não apenas socializador, mas fundamentalmente estruturador do equilíbrio precário obstruído pela organização do trabalho.

As pesquisas sobre alcoolização e trabalho, nesta perspectiva, ensejam considerações que ampliam sobremaneira o olhar, que se volta a compreender a presença de consumo de substâncias por trabalhadores. Karam nos conduz à compreensão de que a obstrução da palavra do sujeito que trabalha, na medida em que este silenciamento implica no esvaziamento das possibilidades de emprestar significado social e político ao saber-fazer do sujeito, pode provocar o desencadeamento de substitutivos e simulacros ao sentido social e identitário do trabalho. O fenômeno da alcoolização se enquadra nesta categoria. O consumo coletivizado de álcool por trabalhadores em situações de trabalho, em geral precarizadas, fornece às pesquisas relevantes pistas sobre o funcionamento das estratégias defensivas ante a organização e gestão do trabalho. Entender a alcoolização como componente ideológico defensivo e coletivo sugere um salto qualitativo sem precedentes e ainda muito distante das atuais interpretações sobre os fenômenos de uso e abuso de drogas, relacionados ao trabalho. Entre os desafios que se anunciam, caberia incorporar tais interpretações e tentar fazê-las dialogar com os entendimentos presentes na atual Política Nacional de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas.

Este desafio transcende a esfera do mundo do trabalho e se impõe, na verdade, à sociedade como um todo. Os entendimentos calcados no proibicionismo vêm sendo superados ou, minimamente, contestados. Esta revisão paradigmática, que se apresenta incipiente de forma geral, parece ainda mais distante quando transposta para o cenário do trabalho. Este segue com filtros de pertença e reconhecimento inalterados e imantados pelos entendimentos morais e obtusos presentes no proibicionismo. De forma ampla, pode-se dizer que não há lugar de expressão subjetiva para o trabalhador usuário de drogas que assim queira ser identificado. Os diferentes tipos e padrões de uso de drogas no e pelo trabalho seguem silenciados e ignorados, não obstante a realidade de espraiado uso entre os trabalhadores. As diretrizes maiores do modelo de atenção aos usuários de drogas atualmente em voga no Brasil sugerem a noção de protagonismo, implicação subjetiva e a lógica da redução de danos. Implicam reconhecer o usuário de drogas como sujeito de direitos inalienáveis, inclusive o de dispor de seus "estados d'alma". A organização do trabalho muito ganharia se pudesse incluir entendimentos que primassem pela interpretação sobre o lugar do uso de drogas em meio ao à configuração intersubjetiva no trabalho. Estes elementos compõem uma "equação subjetiva" que demanda ser compreendida e que se encontra em meio aos alicerces da busca do trabalhador por equilíbrio e normalidade.

 

Considerações finais

Tecer considerações conclusivas acerca desta temática não se constituiu como objetivo perseguido neste ensaio. O problema de pesquisa que reside no seio das relações entre trabalho e uso de drogas é de tal forma incandescente que desaconselha sentenças terminantes, ainda mais no momento preciso em que discursos antagônicos e disputas teóricas e políticas sobre o campo se encontram em profusão. O paradigma proibicionista no tocante às drogas, que impacta os entendimentos, as políticas, a cultura e a regulação sobre a circulação e consumo de drogas, ainda se faz fortemente presente em nossa sociedade. O trabalho contemporâneo e sua organização, por sua vez, se edificam sobre mecanismos e critérios de pertença e avaliação que silenciam qualquer possibilidade de visibilidade das reais questões relacionadas ao consumo de drogas pelos trabalhadores. Como reflexo direto da cultura de insinceridade a respeito da questão das drogas, o mundo do trabalho segue silenciando e tergiversando sobre as condições e padrões concretos de consumo de álcool e outras drogas. Estas, de acordo e em alinhamento com as pesquisas voltadas à revisão e suplantação do proibicionismo, são e continuarão sendo amplamente consumidas, à revelia e em resistência a toda e qualquer estratégia de repressão que se tenha ou que se crie. Ignorar tal fato é, em termos objetivos e pragmáticos, o maior contrassenso e pode até mesmo ser considerado como irresponsabilidade dos gestores, sejam do trabalho ou da saúde.

Construir um paradigma revisitado e suplantador do proibicionismo tem se mostrado tarefa hercúlea, que convoca os pesquisadores e operadores técnicos do campo a investirem no aprofundamento das questões e ampliação das discussões. Aos pesquisadores e profissionais que atuam sobre o trabalho ou sobre a questão das drogas impõe-se uma miríade de desafios na busca de atualização das propostas de gestão e intervenção alinhadas com este paradigma revisitado. A incidência de perguntas que se voltam para o estabelecimento da relação entre trabalho e uso de drogas deve ser ampliada, de maneira a contemplar as questões mais contemporâneas tanto no campo da atenção aos usuários de drogas quanto no campo da saúde do trabalhador. Isto significa transpor o véu obscurecedor posto sobre a gestão do trabalho no tocante às drogas, cujas interpretações normalmente apenas ignoram e velam sobre o consumo mantido em parâmetros de normalidade, e excluem e rechaçam os trabalhadores que se investem em padrões de consumo abusivo ou nocivo. O hiato gerencial que silencia sobre o lugar do consumo de drogas, na busca por equilíbrio em saúde em sua relação com o trabalho, somente é interrompido quando o uso impacta a noção de produtividade. A partir daí, a gestão do trabalho se encarrega de suprimir o trabalhador e toda uma tecnologia de avaliação do desempenho profissional é convocada a garantir tal exclusão. A perspectiva de atenção integral e de saúde ampliada a que nos referimos neste ensaio deverá convocar os saberes dessas áreas e acenar para um reposicionamento do sujeito frente ao arranjo intersubjetivo composto pela equação trabalho-drogas-condições concretas de saúde.

Este paradigma a ser revisto e suplantado reúne, ainda hoje, na condução das relações existentes entre drogas e trabalho, aparato e arcabouço de silenciamento e velamento dessa relação, negando, inclusive, a possibilidade de que elas apresentem irremediável nexo causal. Tomando o trabalho e o uso de drogas como elementos co-constitutivos da conformação subjetiva, não parece mais possível ignorar que os sinais emanados desta equação auxiliam a compor, na verdade, um quadro a respeito da sintomatologia e das condições reais de saúde e equilíbrio. Simplesmente punir o trabalhador usuário de drogas com demissão ou qualquer outro meio segregador ou acreditar que o uso de drogas, sozinho, é o que antecede e explica algum desarranjo no equilíbrio em saúde do trabalhador se configuram como interpretações deveras simplistas e ignoram o papel das drogas e do trabalho na conformação da subjetividade, como também a evolução das pesquisas, políticas e práticas de cuidado a usuários de drogas atualmente em curso. O desafio é muito maior que recrudescer e ampliar as estratégias de controle e vigilância. O consumo de drogas no e pelo trabalho sugere relações intrínsecas e arraigadas, de cunho e nexo causais, que convocam os saberes a profundas reconsiderações no trato da questão. Em ambos os campos de pesquisas e práticas, o do trabalho e o das drogas, novos e arejados conhecimentos vêm se consolidando e precisam, agora, dialogar mais diretamente. Os conhecimentos acerca do lugar do trabalho na conformação subjetiva, muito ricamente alimentados, por exemplo, pelas perspectivas das Clínicas do Trabalho e pelas políticas de saúde do trabalhador, precisam encontrar paralelo e intercâmbio com a atenção psicossocial e integral para usuários de álcool e outras drogas. Este encontro se dará certamente em um patamar revisitado, que parta do princípio de que o trabalho e o uso de drogas também fazem parte da composição dos sujeitos e suas relações intersubjetivas, além de se configurarem como possibilidades de expressão e definição do locus político e social do trabalhador. Simplesmente ignorar tal fato, com medidas de exclusão dos trabalhadores usuários de drogas, a partir do momento em que a gestão do trabalho os consideram disfuncionais, e seguir tergiversando sobre a imensidão de trabalhadores usuários de drogas, com padrões e práticas de uso totalmente desconhecidos e relacionados ao trabalho, nada contribuirá para a melhoria desse quadro.

 

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Endereço para correspondência
fabio.jose.lopes@hotmail.com

Recebido em: 28/12/2016
Aprovado em: 24/05/2017

 

 

1 Embora uma definição conceitual sobre as Clínicas do Trabalho não caibam em uma nota explicativa, pode-se dizer que são referenciais teórico-metodológicos e práticos, orientados pela perspectiva de análise clínica da organização do trabalho e seus impactos à subjetividade e intersubjetividade. São consideradas componentes das clínicas do trabalho: a Psicossociologia do Trabalho, a Psicodinâmica do Trabalho, a Ergologia e a Clínica da Atividade (Bendassolli & Soboll, 2011).

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