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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
versão impressa ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.1 no.2 São Paulo dez. 1999
ARTIGOS
Satisfação conjugal de casais com filhos portadores de deformidades faciais
Marital satisfaction of couples with craniofacial deformities children
Vera Lúcia Adami Raposo do Amaral1; Luiz Alberto Magna1
Setor de Psicologia do Instituto de Cirurgia Plástica Crânio Facial da Sobrapar
RESUMO
A presente investigação visou verificar a satisfação conjugal de pais de bebês portadores de deformidades crânio faciais e realizar um seguimento por um período de três a quatro meses, após a primeira entrevista a fim de detectar possíveis mudanças no decorrer do tempo. Foram entrevistados 20 casais com filhos portadores de deformidades faciais. O instrumento utilizado para o levantamento dos dados foi uma escala denominada "Índice de Satisfação Conjugal - IMS". Foi utilizada, também, uma ficha de identificação dos sujeitos para levantamento de dados sobre profissão dos pais, planejamento da gravidez, estado civil, posição do filho na família e questões abertas cujo objetivo foi investigar a reação dos pais ao nascimento da criança, crenças a respeito da deformidade, e sentimentos em relação aos cuidados gerais com o bebê e alterações no relacionamento do casal em função do nascimento do filho. Os dados apontaram poucas diferenças significantes entre os pais e mães e entre a primeira e a segunda aplicação no ISC. Os itens que apresentaram significância estavam relacionados à confiança, à compreensão entre o casal, à satisfação sexual, ao interesse e ao diálogo. Em relação aos fatores analisados como relacionamento sexual, social, diálogo, relacionamento afetivo, divisão de tarefas e relacionamento com parentes, o fator que obteve diferença significante entre pais e mães foi o elacionamento sexual. Em relação às situações vividas as mais freqüentes foram às situações psicológicas negativas para as mães, indicando que o nascimento de um filho deformado exerce maior impacto sobre as mães do que sobre os pais. As causas das deformidades mais freqüentemente destacados pelos pais foram as crenças supersticiosas. Estes dados demonstram para a necessidade de intervenção psicológica em relação aos pais que tiveram filhos portadores de deformidades. Tanto o apoio como informações adequadas podem facilitar o enfrentamento e possibilitar aos pais a ajuda aos seus filhos no difícil e longo processo de reabilitação.
Palavras-chave: satisfação conjugal; filhos com doenças crônicas; crianças com deformidades faciais.
ABSTRACT
This investigations aimed to verify the marital satisfaction of parents with children with craniofacial deformities and to follow-up for a period of three months after the first interview, in order to detect some possible changes during this time. It was interviewed 20 couples of children with facial deformities. It was used a scale named "Marital Satisfaction Index"- MSI. It was used as well one identification sheet to get data like parents' profession, pregnancy planning, position of the child in the family, and other questions aiming to investigate the parents' reaction to birth of the child, believes, and fellings in relations to general caring with the baby and the relationship between the couple after the birth. The data show little significant differences between fathers and mothers, and between the first and second inteiview. The itens most significant was related to trust, understanding between the couple, sexual satisfaction, interest and dialog. In relation to the analised clusters like sexual, afective and social relashionship, dialog, and relashionship with relatives, the most significant factor was the sexual relationship. The most frequent situations lived by the parents was the negative psychological experience for the mothers, pointing out that the birth of a defective child affects more the mothers than the fathers. The causes of deformities was view by both parents more as supersticious, showing the force of the cultures in the parents' believes. The data pointed to the need of psychological intervention with parents of facial disfigured children. The support and right informations could facilitate the coping process and help the parents to help their children in the long avenue to reabilitation.
Keywords: marital satisfaction; chronically ill child; facial deformity child.
Introdução
Casais que possuem filhos portadores de problemas crônicos de saúde têm que enfrentar situações difíceis que exigem atenção especial. Os pais exercem papel fundamental no cuidado da criança e não é improvável que esta situação exerça algum impacto no relacionamento do casal.
Embora a literatura internacional aponte para um número razoável de pesquisas que mostram que estes casais não apresentam um alto índice de separações, tem sido demonstrado que eles desenvolvem alto risco para demonstrarem insatisfação conjugal a longo prazo (Hauenstein, 1990; Kasak, 1989; Reynolds, Garralda, Jameson & Postlethwaite, 1988).
Tew, Payne & Laurence, 1974, realizaram um estudo longitudinal onde compararam a satisfação conjugal de pais de crianças portadoras de espina bífida e pais de crianças normais. Embora os autores não tenham encontrado diferenças significantes a curto prazo, ao longo de 9 anos no qual o estudo foi conduzido, diferenças significantes entre os dois grupos foram identificadas.
A literatura aponta que conflito, comunicação pobre, incongruência de papeis, falta de intimidade, e afeto positivo foram os temas que caracterizaram as relações entre estes casais (Barbarin, Hughes & Chesler, 1985; Gordon Walker, Johnson, Manion & Cloutier, 1992).
Pesquisadores têm tentado estudar os componentes comportamentais da satisfação conjugal apontando que a relação entre eventos agradáveis e desagradáveis vivenciados entre os casais é o melhor indicador do funcionamento marital que leva tanto à satisfação quanto à insatisfação. Para os pesquisadores há uma consitência razoável na evidência de que comportamentos maritais diários são os que mais se correlacionam com a satisfação conjugal no geral(Johnson & O'Leary, 1996).
Considerando que ter filhos é um acontecimento especial na vida da maioria dos casais, a gestação é um período de expectativas para pais e mães. Eles esperam que seu filho nasça perfeito, mas o medo de dar à luz uma criança defeituosa está presente e quando este medo se concretiza, a família passa a viver algumas dificuldades.
Embora este tema tenha sido muito estudado em relação ao nascimento de uma criança normal, a literatura é menos abundante em relação aos bebês portadores de deficiências físicas, em especial, as deformidades faciais.
Quando um bebê nasce com deformidade facial, os pais vivenciam uma crise que poderão ultrapassar com maior ou menor dificuldade. A forma de reação e o tempo que levarão para superar este fato vão depender de um conjunto de fatores que inclui suas experiências prévias, seus estilos interativos para lidar com o estresse, sua filosofia pessoal de vida, cultura e crenças, entre outros. Pela complexidade destes fatores, torna-se difícil prever exatamente qual será a resposta dos pais diante de um evento como este. O que se pode ter como certo é que o nascimento de uma criança com esta característica pode trazer sérias implicações à família e, mais cedo ou mais tarde, as mágoas e os desapontamentos terão que ser resolvidos. (Clifford, 1969; Slutsky, 1969; Spriestersbach, 1973; Tisza & Gumpertz,1962).
Viana, Giacomoni & Rashid (1994) realizaram um estudo com mães de 60 crianças portadoras de fissura lábio-palatais. Para isto usaram um questionário com o objetivo investigar o impacto por ocasião do nascimento do filho portador de deformidade facial, a adaptação mãe-bebê-famííia e desenvolvimento da criança.
Os resultados encontrados apontaram para intensas reações emocionais por parte da mãe em relação ao bebê, envolvendo a culpa por tentar descobrir o que fez por merecer uma criança assim, a impotência diante deste evento, a tristeza pelo que ocorreu e a ambivalência de sentimentos em relação a este bebê.
A velocidade com a qual os pais conseguem lidar com a da deformidade depende de vários fatores. Conforme descreveram Clifford (1969) e Spriestersbach (1973), a extensão ou a gravidade do defeito da criança terá um peso muito importante no relacionamento e na interação dos pais com o bebê. Em geral, quanto mais severa é a deformidade, maior será a dificuldade encontrada pelos pais em relação à aceitação da criança e maior será a necessidade de uma ajuda psicológica.
Por outro lado Campis, Demaso e Twente (1995) em um estudo sobre as variáveis maternas na adaptação de crianças com deformidades faciais, perceberam que o ajustamento e a percepção materna na relação mãe-criança são melhores preditores do ajustamento emocional da criança do que a própria severidade médica da deformidade ou o suporte social recebido pela mãe.
Belfer, Harrison, Pillemer, e Murray, (1982) relataram que muito cedo no desenvolvimento da criança as atitudes e sentimentos dos pais sobre a deformidade física de seus filhos influenciará a habilidade da criança em lidar com seu corpo defeituoso.
Em um estudo realizado por Mercer (1974) com mães de bebês recém nascidos portadores de deformidades, foi observado que sentimentos de choque, ansiedade, perda e culpa foram os principais responsáveis pela temporária inabilidade que a mãe possuía em lidar instrumentalmente com seu filho.
Estudos clínicos, entretanto, sugerem que as mães com filhos defeituosos levam o mesmo tempo para se ligar aos filhos que as mães de crianças normais.
Robson & Moss (1970) observaram em trabalho de pesquisa que três meses era o tempo que a maioria das mães de crianças normais levava para se ligar aos filhos. Isto parece ocorrer, também, com as mães de crianças deformadas (Mercer, 1984).
As preocupações dos pais em relação a crianças portadoras de deformidades faciais não são estáticas. Os profissionais que trabalham com esses pais, precisam estar alertas a estas mudanças. Com o nascimento de uma criança deformada, os pais encontram no relacionamento com ela uma fonte de estresse incomum e que não pode ser ignorada. Alguns casais podem sofrer com problemas de ajustamento e de insatisfação conjugal que são extremamente relevantes quando se trata do cuidado da criança.
Willoughby & Glidden (1995) estudaram 48 casais com filhos portadores de deficiências com o objetivo de verificar a relação entre divisão de tarefas no cuidado da criança e satisfação conjugal. A maior participação dos pais foi correlacionada com maior satisfação conjugal para ambos os pais e a renda familiar mais alta foi relacionada a maior satisfação conjugal, somente para os pais.
A literatura citada e a experiência clínica demonstram a necessidade de estudos com as famílias que acabam de receber um filho com deformidade facial. Aspectos importantes do relacionamento do casal são essenciais para a compreensão das variáveis que influenciam no desenvolvimento das relações familiares.
Os objetivos específicos deste estudo são:
Investigar a satisfação conjugal de pais que tiveram bebês portadores de deform idades.
Realizar um seguimento da satisfação conjugal após um período de três a quatro meses.
Verificar as áreas de maior dificuldade no relacionamento do casal.
Verificar as áreas de maior dificuldade na relação pais-filhos.
Verificar as crenças em relação às causas que os pais supõem para o nascimento do filho com deformidade.
Método
Sujeitos
Foram sujeitos desta pesquisa 20 casais selecionados dentre a população do Instituto de Reabilitação Crânio Facial- SOBRAPAR e que possuíam um filho bebê de até três meses de idade, portador de deformidade crânio facial congênita.
Foi levado em conta a idade dos pais, idade dos bebês, estado civil, número de filhos, posição do filho-alvo na família e planejamento da gravidez.
Como condição de inclusão dos sujeitos na amostra determinou-se que: o casal fosse casado ou morasse junto, que o bebê tivesse deformidade congênita, que morasse na região, que fosse de nível sócio-econômico baixo e que estivesse inscrito no programa de reabilitação da Instituição.
Como condição de exclusão dos sujeitos da amostra determinou-se que: os filhos não poderiam ter anomalias associadas, deficiência mental ou qualquer outro tipo de deficiência como cegueira, microcefalia, etc.
A Tabela 1 mostra a identificação dos sujeitos da pesquisa, quanto à idade do pai e da mãe, o estado civil, tempo em que moram juntos, número de filhos, posição do filho deformado na irmandade, conhecimento prévio da deformidade, idade na criança na primeira entrevista e na segunda entrevista e planejamento da gravidez.
Material
Foi utilizada uma ficha de identificação para levantamento de dados sobre profissão dos pais, planejamento da gravidez, estado civil, posição do(s) fílho(s) na família contendo questões abertas, tendo como objetivo investigar a reação dos pais ao nascimento da criança, as crenças a respeito da deformidade, angústia em relação ao bebê e alterações no relacionamento do casal.
Uma folha especial contendo duas questões abertas onde os sujeitos deveriam listar os principais problemas enfrentados desde o nascimento do bebê, bem como as situações boas que estivessem vivendo foi usada.
Foi, também, utilizada a escala "Índice de Satisfação Conjugal" - IMS (Hudson,1982) com o objetivo de investigar a qualidade do relacionamento do casal. Esta escala contém vinte e cinco itens que pretendem medir insatisfações/satisfações concernentes ao relacionamento conjugal.
Foi utilizado, também, um quadro onde o sujeito deveria apontar alterações no relacionamento conjugal após o nascimento do filho com deformidade facial (Quadro de Alterações nas Áreas Selecionadas) em relação às seguintes áreas: relacionamento afetivo, relacionamento social, relacionamento sexual, relacionamento com parentes e o diálogo do casal.
Foi usada uma folha com o Consentimento Informado onde o casal deveria assinar sua autorização para participar da pesquisa, após ter sido garantido o sigilo e total não reconhecimento de pessoa, explicado os objetivos, da pesquisa e deixado claro que poderiam deixar de participar em qualquer momento da coleta de dados.
Procedimento
Os sujeitos foram selecionados dentre a população de pacientes em reabilitação do Instituto de Cirurgia Plástica Crânio Facial-SOBRAPAR, e foram orientados em relação ao sigilo e aos objetivos da pesquisa e consultados a respeito da sua disponibilidade para a participação na pesquisa.
A primeira entrevista após a seleção do sujeito foi feita com o bebê de no máximo três meses de idade. Nesta entrevista aplicou-se a ficha de identificação e a escala "Índice de Satisfação Conjugal", e o Quadro de Alterações nas Areas Selecionadas; Os instrumentos foram aplicados separadamente a cada um dos parceiros, sendo os instrumentos lidos para os sujeitos e as respostas anotadas pelo pesquisador. A aplicação teve a duração de aproximadamente trinta minutos e foi realizada na sala do Setor de Psicologia da Instituição.
A segunda entrevista foi feita após três meses da primeira. Esta etapa constituir-se-á da aplicação da escala de "Índice de Satisfação Conjugal" (IMS) e do Quadro de Alterações das Áreas Selecionadas, tendo como objetivo um seguimento da relação do casal e deste em relação ao bebê.
Resultados e discussão
Os dados da presente investigação foram analisados no programa SPSS (Statistical Package for Social Science), utilizando testes da estatística não paramétrica e optando por considerar 0,05 como nível de significância, aceitável nas ciências humanas e sociais.
Foi primeiramente realizado o estudo do instrumento "Índice de Satisfação Conjugal". Foram feitas as seguintes comparações:
1. Entre os resultados obtidos pelos pais e mães na primeira aplicação do instrumento, isto é, pais com o bebê tendo 3 meses de idade, no máximo.
2. Entre os resultados obtidos pelos pais e mães na segunda aplicação do instrumento, isto é, 3 ou 4 meses após a primeira aplicação.
3. Entre os resultados da primeira e segunda aplicação dos pais
4. Entre os resultados da primeira e segunda aplicação das mães.
O teste utilizado para estas comparações foi o de Wilcoxon que é um teste de correlação (two-related sample test ou matched-pairs signed-ranks test), para amostras dependentes, porque o casal foi considerado, para efeito desta pesquisa, uma célula, uma unidade maior.
Alguns itens do teste estavam invertidos, isto é, em alguns, a pontuação alta era um indicador de maior grau de insatisfação. Em outros itens, a pontuação baixa indicava maior grau de insatisfação. Os itens invertidos foram corrigidos para que se pudesse fazer a contagem geral de pontos brutos obtidos pelos sujeitos estudados nesta escala. Os itens invertidos foram o 2, 4, 6, 7, 10, 12, 14, 15, 18, 22, 24 e 25.
Quando se compararam os resultados de pais e mães na primeira aplicação, como se pode ver na Tabela 2, quase todos os itens do teste não se mostraram significantes.
Tomando a ho como hipótese de igualdade em não havendo diferenças significantes, pode-se afirmar que os grupos de pais e mães não diferiram entre si em relação à sua satisfação conjugal, como medida pela escala. Estes resultados não pressupõem que eles estejam satisfeitos ou não satisfeitos, mas sim que não foi encontrada diferença no grau de satisfação conjugal entre os homens e mulheres. Embora, na grande maioria dos itens não foi encontrada diferença significante, nos itens 5, 7 e 21 as diferenças foram muito próximas à significância. O item 5 "Eu sinto que eu posso confiar no meu parceiro" (p=0.08) teve uma tendência próxima à significância, mas esta não foi atingida. Também, os itens 7 "Eu sinto que meu parceiro não me entende" (p= 0.06) e 21 "Eu sinto que meu parceiro está satisfeito sexualmente comigo" (p= 0,07) se aproximaram da significância estatística. Por outro lado à média de pontos nos itens foi menor para as mães, indicando maior insatisfação da parte delas. É interessante notar que os itens têm muita relação entre si: pressupor que o parceiro não esteja sexualmente satisfeito pode gerar desconfiança. Uma mãe que acabou de ter um filho, mesmo que normal está mais envolvida com ele do que qualquer outra atividade, principalmente a sexual. Além disto o desinteresse sexual pós-parto é uma questão biológica. O desinteresse pode ser interpretado erroneamente pelo marido e a esposa vai se sentir incompreendida. A literatura aponta que conflito, comunicação pobre, incongruência de papeis, falta de intimidade, e afeto positivo foram os temas que caracterizaram as relações entre casais que possuiam filhos com problemas crônicos de saúde (Barbarin, Hughes & Chesler, 1985; Gordon Walker, Johnson, Manion & Cloutier, 1992).
A segunda análise foi feita comparando os resultados do teste de pais e mães na segunda aplicação. Vale lembrar que a segunda aplicação foi feita após três meses no mínimo da primeira aplicação, a até no máximo 4 meses. Esta aplicação teve como objetivo realizar um seguimento, isto é verificar mudanças na satisfação conjugal depois de se passar algum tempo com o filho na família.
Na Tabela 3 acima se pode constatar que a maioria dos itens do teste não apresentou significância estatística, sendo que o item 5 "Eu sinto que eu posso confiar no meu parceiro" continuou com uma tendência à significância (p=0.09). Este item, embora tenha passado o tempo, se mantém com tendência à significância com pior média para as mulheres. As esposas tendem a não confiar em seus parceiros. Este resultado pode sugerir que ou as esposas, em geral, não confiam em seus maridos, ou não confiam no período pós-parto, quando estão fisicamente mais desinteressadas, ou com seus filhos portadores de problemas seu envolvimento é maior e o distanciamento do marido uma conseqüência, e a desconfiança também. Pesquisa para verificar este dado poderia ser conduzida, comparando estes dados desta pesquisa com um grupo pareado de controle, com pais com filhos normais.
Em seguida, fez-se a comparação entre os resultados obtidos pelos pais na primeira e na segunda aplicação. Aqui também a maioria dos testes não se apresentou significante, havendo uma tendência à significância no item 13 "Eu sinto que nossa relação é muito próxima" (p=0,08), como se pode ver na Tabela 4. Este item indica um distanciamento do casal que vem a confirmar as hipóteses acima levantadas.
Foi realizada, então, a comparação entre os resultados obtidos pelas mães na primeira e segunda aplicação. A Tabela 5 mostra que a maioria dos itens não se mostrou estatisticamente significante a não ser o item 16 que se referiu a "Eu sinto que nós somos capazes de dialogar bem e quando discordamos conseguimos conversar sobre isso" que teve uma diferença próxima à significante (p=0,08). Este item relacionado ao diálogo se completa com o item significante para os pais, que se refere ao distanciamento. Talvez para a esposa o distanciamento tome a conotação de falta de diálogo, de conversa. Já para o marido a conotação de distanciamento esteja mais na questão física.
Em relação às médias totais para a primeira e segunda aplicação dos pais, não houve diferença significante (p= 0,4115). Também não houve diferenças significantes entre as médias da primeira e segunda aplicação, nas mães (p=0,9653), entre as médias da primeira aplicação dos pais e a primeira aplicação das mães (p=0,5869), e entre as médias da segunda aplicação dos pais e a segunda aplicação das mães (p=0,3144).
Johnson e O"Leary (1996) relataram que há uma consitência razoável na evidência de que comportamentos maritais diários são os que mais se correlacionam com a satisfação conjugal no geral. Ter um filho com problema facial acaba afetando realmente as relações pessoais, no dia a dia, com o aumento das tarefas da esposa e maior despesas financeiras para o casal.
Quando se olha para a média das respostas em cada item do teste de Índice de Satisfação Conjugal percebe-se uma média alta ao redor de quatro para uma pontuação máxima de 5 tanto para os pais como para as mães, tanto na primeira como na segunda avaliação. Quando se comparou o teste dos pais com os das mães na primeira avaliação, os itens que tiveram mais baixa média para os pais foram os 7 (Eu sinto que meu parceiro não me entende), 12 (Eu sinto que meu parceiro não confia em mim), 15 (Eu sinto que nós não temos muitos interesses em comum) e o 22 (Eu sinto que nós deveríamos fazer mais coisas juntos), e para as mães os itens 5 (Eu sinto que não posso confiar no meu parceiro), 7 (Eu sinto que meu parceiro não me entende), 12 (Eu sinto que meu parceiro não confia em mim), 14 (Eu sinto que eu não posso confiar no meu parceiro), 15 (Eu sinto que não temos muito interesse em comum), 22 (Eu sinto que nós deveríamos fazer mais coisas juntos) e 25 (Eu sinto que nosso relacionamento não é excitante). Estes dados indicam que embora não aja significância na diferença entre os pais e mães os itens que apontam maior insatisfação são diferentes para homens e mulheres, mas nos dois casos apontando para o mesmo problema, falta de confiança e desinteresse, temas que já foram discutidos acima.
Também, quando se comparou pais e mães na segunda aplicação dos instrumentos, encontrou-se razoável satisfação na maioria dos itens do teste, com uma média de quatro pontos em um total máximo de cinco. Para os homens itens que apareceram com a média mais baixa, indicando maior insatisfação foram 7, 11, 12, 15, 17, 22 e 25. Apenas os itens 11 (Eu sinto que nós nos divertimos muito juntos), 17 (Eu sinto que conseguimos cuidar bem do nosso dinheiro) e 25 (Eu sinto que nosso relacionamento não é excitante) não apareceram na primeira avaliação e mostra que a qualidade da relação parece ter ficado pior. Já para as mães aparece o item 1, 7, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 22, 25, sendo o 22 o que obteve valor mais baixo.
Quando se compararam os pais, na primeira e segunda aplicação, os itens que aparecem com menores valores, mosfrando maior insatisfação conjugal foram os de números 6, 7, 21, 22. Aqui aparece, claramente, a problemática sexual do casal (item 21= Eu sinto que o meu parceiro está satisfeito sexualmente comigo).
Quando se compararam as mães, na primeira e segunda aplicação, os itens que aparecem como mais problemáticos, ou melhor, que revelam maior insatisfação conjugal foi o de número 22 (Sinto que nós deveríamos fazer mais coisas juntos), revelando aqui talvez uma preocupação com o desinteresse entre o casal.
Foi feita, em seguida a análise das áreas de mudança percebidas entre o casal após o nascimento do filho portador de deformidade facial. As áreas investigadas foram: relacionamento sexual, relacionamento social, diálogo, relacionamento afetivo, divisão de tarefas e relacionamento com parentes. Seguiu-se para a análise deste instrumento, a mesma seqüência do anterior, comparando-se a primeira e segunda aplicação dos pais, a primeira e segunda aplicação das mães, a primeira aplicação entre pais e mães e a segunda aplicação entre pais e mães. Utilizou-se nesta análise, também, o teste de Wilcoxon.
A Tabela 6 mostra os valores de p para as comparações acima nos fatores: relacionamento sexual, relacionamento social, diálogo, relacionamento afetivo, divisão de tarefas e relacionamento com parentes.
Os dados mostraram que também nos fatores não houve diferenças significantes, salvo no que diz respeito ao relacionamento sexual, para os pais, apontando que na 2ª aplicação os pais mostraram uma melhora significante. Este dado vem a corroborar os achados do primeiro instrumento. Isto pode ter ocorrido pelo fato de que nos primeiros meses de vida a criança requeira mais cuidados e preocupação da parte da mãe e nestas circunstâncias elas provavelmente se afastem de seus maridos. Com o passar do tempo, com o crescmento e fortalecimento do bebê a mãe deve se sentir mais relaxada e então começa a se lidar a outros aspectos de sua vida. Como já foi menconado anteriormente, este parece ser um fenômeno biológico, para o período pós-parto. Portanto, este aspecto não deve estar ligado ao fato de que sejam pais de uma criança com deformidade, mas está presente na vida de todos os casais, mesmo que tenham tido um bebê normal. Talvez o nascimento de um bebê com deformidade só tenda a agravar esta ocorrência, tornando este período mais difícil de enfrentar.
Com relação ao instrumento que possibilitou o levantamento de aspectos relacionados aos pais e o bebê, listando os principais problemas que o casal enfrentou desde o nascimento do filho e as situações boas vividas com ele, decidiu-se fazer categorias baseadas nas respostas dadas pelos sujeitos.
As categorias foram feitas baseadas em quatro situações vividas:
1. Situações positivas (aspectos psicológicos)
2. Situações negativas (aspecto psicológico)
3. Situações positivas (aspecto físico)
4. Situações negativas (aspecto físico)
Como exemplo da situação 1 encontrou-se verbalizações do tipo: nenhum problema enfrentado, vinda do bebê uniu a família, se acostumou com a deformidade, importância da criança, apoio familiar, apoio dos avós, realização ao ser pai, diminuição dos problemas.
Como exemplo da situação 2 encontrou-se verbalizações do tipo: choro da criança, ciúmes, ausência de situações boas, preconceito, irritação, não consegue ver aspectos bons com o nascimento do bebê, angústia, culpa, castigo divino, medo da morte, castigo divino.
Como exemplo da situação 3 encontrou-se verbalizações do tipo: cuidar do bebê, brincar com a criança, pegar no colo, sorriso do bebê, dar banho, mamar bem, sucesso da cirurgia, dar presentes.
Como exemplo da situação 4 encontrou-se verbalizações do tipo: choro da criança, cuidar do bebê, não poder trabalhar, desemprego, cuidar da casa, doença da criança, não consegue mamar, prematuro, dor de cabeça da mãe, deslocamentos para o hospital, cansaço, deformidade da criança.
Para a análise deste dado foi utilizado o X2, e os resultados podem ser vistos na Tabela 7.
Os dados da Tabela 7 mostram que não houve diferenças significantes em nenhuma das comparações realizadas mostrando que as situações não se modificaram da primeira para a segunda aplicação e entre os pais e as mães.
Os dados brutos podem ser vistos na Figura 1, o que aponta para uma diminuição das situações negativas e aumento das situações positivas, mais no que se refere às situações psicológicas mais para os pais. Em relação à mãe as situações positivas psicológicas diminuíram na segunda aplicação mas, não aumentaram as situações negativas, também na segunda aplicação. As situações negativas psicológicas, na primeira aplicação, foram muito mais freqüentes para as mães do que para os pais, sugerindo que o nascimento de uma criança deformada tenha maior impacto negativo na mãe do que no pai. Já as situações físicas positivas aumentaram levemente para as mães na segunda aplicação e as negativas permaneceram bastante altas para as mães,diminuindo para os pais, na segunda aplicação.
Estes dados são bastante interessantes de serem analisados mais detidamente porque sugerem que o nascimento de uma criança deformada tenha impacto diferente nas mães e nos pais, e é justamente a mãe que vai cuidar da criança a que mais se recente tanto nos aspectos psicológicos como nos contatos físicos com seus filhos.
Evidentemente, outra linha de análise seja a esquiva dos pais. Os pais podem negar mais o efeito do nascimento de um filho deformado, até porque como ele não é o cuidador não é solicitado todo o tempo no contato com o filho.
Willoughby & Glidden (1995) estudaram 48 casais com filhos portadores de deficiências com o objetivo de verificar a relação entre divisão de tarefas no cuidado da criança e satisfação conjugal. A maior participação dos pais foi correlacionada com maior satisfação conjugal para ambos os pais e a renda familiar mais alta foi relacionada a maior satisfação conjugal, somente para os pais.
Em relação às causas da deformidade, também se optou por categorizar as respostas dos pais, como se segue:
1. Fatores ligados a crenças supersticiosas: todas as respostas que incluíram fatores culturais, religiosos, crenças e folclore. Exemplo: a criança nasceu assim porque Deus quis, carregar chave no seio, a mãe ter reparado em crianças deformadas, os pais terem zombado de crianças com algum defeito, grau de inevitabilidade (tinha que ser assim), a mãe passou óleo para estrias.
2. Fatores físicos, hereditários ou genéticos: todas as respostas que incluíam fatores como ocorrência de outros casos na família e nascimento prematuro.
3. Uso de medicamentos: todas as respostas que incluíam o uso de medicamentos, como por exemplo, analgésicos, anticoncepcionais.
4. Psicológicos ou situacionais: englobam respostas decorrentes de fatores como, brigas conjugais, má alimentação da gestante e nervosismo.
A Tabela 8 mostra os resultados do teste qui-quadrado usado para a comparação, independente de sexo e aplicação, apontando para diferenças não significantes entre mães e pais e na primeira e segunda aplicação.
Entretanto quando se olha para os dados brutos verifica-se que as causas supersticiosas são as que prevaleceram tanto nas mães como nos pais.
A Figura 2 mostra os dados brutos relativos às causa imputadas pelos pais para o nascimento de seu filho portador de deformidade facial. Na maior parte dos casos os pais desconhecem a causa da deformidade de seus filhos e quando formulam hipóteses elas estão mais nos fatores supersticiosos, tanto para os pais como para as mães. Isto aponta para a força dos fatores culturais nas crenças dos pais, mas aponta também, para a necessidade de aconselhamento dos pais, para que eles tenham exata informação sobre a causa da deformidade. Este é um papel importante da equipe inter-disciplinar, ou seja, bem informar os pais, para que sejam evitados maiores danos para o desenvolvimento e reabilitação da criança, uma vez que as crenças dos pais são importantes estímulos discriminativos para a forma como os pais tratarão a criança e como lidarão com o seu problema.
Os dados da presente pesquisa apontam para informações bastante relevantes no relacionamento de casais que tiveram filhos portadores de deformidades faciais. Parece que o maior fator de insatisfação conjugal está no desinteresse, aparecendo claramente na verbalização dos pais a questão sexual
Com estes resultados fica clara a necessidade de acompanhamento psicológico e apoio que os pais devem receber para enfrentar este momento difícil, que representa não apenas o nascimento de um filho, mas de um filho portador de uma deformidade facial.
Walker, Johnson, Manion & Cloutier (1996) avaliaram a eficácia da Terapia Focalizada na Emoção (EFT) em diminuir o distresse de 32 casais que tiveram filhos com doenças crônicas. Os casais que foram submetidos ã terapia mostraram uma diminuição significante no distresse conjugal no pos-tratamento e no segmento de 5 meses quando comparados com
o grupo de controle. A melhora clínica no funcionamento conjugal após a EFT foi demonstrada. A terapia compreende passos que incluem identificação dos conflitos, sentimentos, aprendizagem de novas interações, facilitação das expressão de necessidades e estabelecimento de novas soluções para velhos problemas.
O papel do psicólogo na equipe interdisciplinar de reabilitação craniofacial é de grande importância porque os pais devem ser ajudados a fim de poderem ajudar seus filhos. A direção que o processo total de reabilitação tomará dependerá fundamentalmente disto.
Conclusões
Esta pesquisa permitiu concluir que os grupos de pais e mães não diferiram entre si em relação à sua satisfação conjugal, na maioria dos itens da escala "Índice de Satisfação Conjugal" e entre a primeira e a segunda aplicação do ISC. Os itens que apresentaram significância estavam relacionados à confiança, à compreensão entre o casal, à satisfação sexual, ao interesse e ao diálogo. Em relação aos fatores analisados como relacionamento sexual, social, diálogo, relacionamento afetivo, divisão de tarefas e relacionamento com parentes, o fator que obteve diferença significante entre pais e mães foi o relacionamento sexual. Em relação às situações vividas as mais freqüentes foram às situações psicológicas negativas para as mães, indicando que o nascimento de um filho deformado exerce maior impacto sobre as mães do que sobre os pais. As causas das deformidades mais freqüentemente imputadas pelos pais foram as crenças supersticiosas. Estes dados apontam para a necessidade de intervenção psicológica em relação aos pais que tiveram filhos portadores de deformidades. Tanto o apoio como informações adequadas podem facilitar o enfrentamento e possibilitar aos pais a ajuda aos seus filhos no difícil e longo processo de reabilitação.
Referências
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1. Endereço: Instituto de Cirurgia Plástica Crânio Facial da SOBRAPAR. Av. Adolfo Lutz, 100 - Cidade Universitária - Barão Geraldo - Campinas-SP - UNICAMP. Tel: 2394465.