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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.2 no.2 São Paulo dez. 2000

 

ARTIGOS

 

Aderência ao tratamento em fóbicos sociais: um estudo qualitativo

 

Adherence to Social Phobia treatment: a qualitative essay

 

 

Fernando K. MalerbiI; Mariangela G. SavoiaII; Marcio A. BernikIII

IAcadêmico do 6º ano da Faculdade de Medicina da USP
IIDoutora em Psicologia. Psicóloga do Ambulatório de Ansiedade (AMBAN) do Instituto de Psiquiatria (Ipq) do Hospital das Clínicas da FMUSP
IIIDoutor em Medicina pela USP. Coordenador do AMBAN - Ipq - HCFMUSP

 

 


RESUMO

A aderência é um fator importante tanto por influenciar resultados de pesquisas, como para a prática clínica. Durante um estudo sobre Fobia Social, detectou-se uma pobre aderência entre pacientes submetidos a psicoterapia em grupo, tendo os pacientes abandonado a terapia em etapas diferentes. Essa diferença sugeriu a possibilidade de tratar-se de grupos de pacientes com características diferentes entre si, que pudessem motivar esse abandono em etapas diferentes. Pacientes que abandonaram o tratamento antes de sua conclusão foram convocados para uma entrevista que visava à identificação de fatores que poderiam predizer a baixa aderência. Os dados colhidos pelas entrevistas foram categorizados e apontaram fatores comuns: pacientes com antecedentes de baixa aderência, percepção distorcida dos resultados do tratamento e de seu status clínico, falta de motivação para o tratamento e a atribuição dos sintomas à personalidade ao invés de encará-los como uma doença. A partir destas constatações, recomendam-se intervenções terapêuticas no sentido de melhorar a aderência como educar o paciente sobre aspectos de sua doença e do tratamento, fornecer ao paciente indícios objetivos de sua melhora, garantir a motivação dos pacientes e avaliar a aderência ao longo do tratamento de modo a detectar pacientes que poderão abandonar o tratamento.

Palavras-chave: fobia social; aderência; intervenção e psicoterapia.


ABSTRACT

Adherence may influence research outcomes as well as treatment outcomes. It was found that some patients on a Social Phobia research had a poor adherence to group psychotherapy, some of them having abandoned therapy at different stages. Those data suggested that there were two different groups of patients, some abandoning treatment even before its beginning, and others doing it during its course of 16 weeks. Patients who abandoned therapy were interviewed in order to determine which factors had a negative influence on their adherence. The results showed that those patients had a history of poor adherence to other treatments, a misunderstanding of their treatment outcomes and clinical status, lack of motivation and the attribution of their symptoms to personality features instead of facing them as a disease. Some intervention procedures are recommended in order to improve adherence, such as patients' education on their disease and treatment, providing patients with objective markers of their improvement, therapist's concern on patient's motivation and continuous adherence evaluation, in order to detect those who would most likely abandon treatment.

Key words: social phobia; adherence; intervention and psychotherapy.


 

 

A aderência pode ser definida como "a coincidência entre o comportamento de uma pessoa e os conselhos sobre saúde ou prescrição que ela recebeu" (Anton e Mendez, 1999). O impacto do problema da não aderência pode ser observado tanto no aspecto clínico como nas pesquisas - um estudo que não leva em conta essa variável pode subestimar os resultados do tratamento proposto; além disso, se os pacientes não aderentes não forem levados em conta desde o planejamento da pesquisa, a amostra final pode não ser significativa, e o impacto das conclusões será menor. Assim, o pesquisador deve planejar a avaliação da aderência ao longo do estudo e como lidar com a desistência na análise de dados. Os abandonos devem ser estimados antecipadamente para o cálculo do tamanho da amostra.

A aderência não deve ser considerada uma característica ou um traço da personalidade do paciente. Uma forma mais adequada de encará-la seria considerar a aderência como um conjunto de diferentes comportamentos de auto-cuidado (Glasgow et al., 1985). Segundo Skinner (1989), este seria um tipo de comportamento modelado e mantido pelas suas conseqüências, mas apenas aquelas que ocorreram no passado. Dessa forma torna-se fácil entender porque um tratamento que oferece alívio sintomático está associado a níveis mais altos de aderência do que um eminentemente profilático, já que a prevenção está associada a complicações futuras.

A fobia social é um transtorno psiquiátrico que apresenta diversos fatores relacionados a baixos níveis de adesão, comuns a doenças e tratamentos em geral, enumerados a seguir. Além desses fatores "universais", há também os fatores relacionados a doenças psiquiátricas e, mais importante, peculiaridades da doença como comportamentos de esquiva do contato social, o que pode tomar mais difícil a interação paciente-terapeuta. Dessa forma, a análise da aderência ao tratamento em fobia social é extremamente relevante para este transtorno.

E importante que a aderência seja avaliada desde o início do tratamento, já que a boa aderência no início é um preditor de aderência a longo prazo (Jordan, Lopes, Okasaki, Komatsu e Nemes, 2000). Essa avaliação pode ser feita através de métodos indiretos e diretos. Os indiretos são os mais utilizados e incluem desde instrumentos de auto-relatos, como entrevistas, escalas e questionários estruturados, até estimativas a partir de resultados clínico-laboratoriais. Em geral, os métodos indiretos tendem a superestimar o nível de aderência - relatos do paciente podem conter um viés do paciente: por exemplo, ele pode considerar o grau de aderência adequado apenas por experimentar um alívio sintomático; pode haver também o medo de repercussões negativas junto ao terapeuta ao admitir má aderência; por outro lado, bons resultados clínico-laboratoriais podem ser constatados sem que o paciente necessariamente tenha apresentado uma aderência adequada.

Como vantagem, além de avaliarem a aderência, algumas auto-medidas indiretas podem influir no curso do tratamento provocando mudanças de comportamento no paciente, o que pode ser observado em técnicas que utilizam a retro-alimentação, como ocorre na auto-monitorização de níveis glicêmicos em pacientes portadores de diabetes, por exemplo (Malerbi, 2000). Se por um lado o paciente é instruído a agir ativamente em seu tratamento, tomando decisões - por exemplo alterando a dose de insulina de acordo com o valor glicêmico encontrado por outro lado, a observação constante de valores insatisfatórios pode representar um estímulo aversivo e funcionar como uma punição para a auto-monitorização.

Os métodos diretos geralmente retratam melhor a adesão ao tratamento, mas têm suas limitações, pois costumam ser mais caros e de aplicação mais restrita. Como exemplos podem ser citadas medidas eletrônicas em frascos de remédios, contagem de pílulas e controle de estoque em farmácias através da retenção de prescrições. Métodos observacionais como a observação por terceiros podem ser empregados, mas têm a possibilidade de promover alterações no comportamento que está sendo observado - o que constitui um viés importante.

Dentre os fatores "universais" que influenciam a aderência, comentados acima, pode-se enumerar:

Características do Paciente: costuma-se observar uma menor aderência durante a adolescência; a aderência tende a aumentar com a idade (Jordan et al, 2000) - e status marital, já que esta variável influencia a aderência a dietas alimentares (Dunbar-Jacob, Burke e Puczynski, 1996). Algumas comorbidades podem influenciar negativamente a aderência, como o abuso de substâncias e afecções psiquiátricas intercorrentes. A informação que o paciente tem sobre sua doença e o tratamento pode influenciar sua aderência ao tratamento.

Tratamento: de modo geral, quanto maior a complexidade do tratamento, menor será a aderência (Haynes, 1976).

Doença: aspectos como a ocorrência ou a ausência de sintomas, a regressão destes no início do tratamento, o caráter preventivo, a necessidade de o paciente submeter-se a controles periódicos, a duração - doenças agudas versus crônicas - e o grau de acometimento (a gravidade, o prejuízo funcional) são relevantes para a aderência ao tratamento.

Profissional de Saúde: quanto melhor for a habilidade desse profissional em comunicar-se com o paciente e informá-lo sobre a doença e o tratamento, e sua atitude geral em relação ao atendimento, melhores serão os resultados. Além disso, estabelecendo objetivos realistas para o tratamento e acompanhando o processo terapêutico, ele estará contribuindo para uma melhor aderência.

Entre os motivos enumerados pelos pacientes psiquiátricos como justificativa para a não aderência figuram: a negação da doença, a perda da medicação, a falta de controle sobre a própria vida, efeitos colaterais, esquecimento, a ausência de euforia (em pacientes com transtorno bipolar) e a crença na resolução espontânea da doença (Keck et al, 1996).

Um estudo (Keck, McElroy, Strakowski, West, Sak, Hawkins, Bourne e Haggard, 1998) dividiu os pacientes psiquiátricos entre aderentes, parcialmente aderentes e não aderentes. Estes pacientes foram acompanhados por um ano; após avaliação depois de um ano de seguimento, observou-se que os aderentes realmente apresentaram melhora funcional em relação ao status pré-tratamento, o que não ocorreu com os parcialmente aderentes (que aderiram a algumas etapas do tratamento proposto, mas não ao tratamento inteiro) ou com os não aderentes. No seguimento após um ano, não foram observadas diferenças entre os grupos de parcialmente aderentes e não aderentes.

As medidas de maior impacto para aumentar a aderência, de acordo com a literatura, objetivam aumentar o comparecimento dos pacientes às consultas e a compreensão deles a respeito da doença e do tratamento. As intervenções com esses objetivos podem ser de caráter educacional, comportamental e afetivo. Em relação à interação paciente - terapeuta, foi observado que o estabelecimento de uma boa interação exerce grande influência sobre aderência - e que não parece ocorrer diferenças na aderência associadas ao emprego de diferentes técnicas psicológicas. Um estudo em hipertensos (Lipp, Soares e Camargo, 1991) mostrou que, independentemente da abordagem utilizada, técnicas psicológicas coadjuvantes que contavam com um bom "rapport" - onde se estabeleceu um bom vínculo entre o paciente e o terapeuta - possibilitaram um aumento da aderência ao tratamento médico desta doença crônica de difícil controle.

De modo geral, observa-se que a aderência tende a ser pior em doenças de caráter crônico e que exigem cuidados a longo prazo. Essa constatação também é válida para doenças psiquiátricas; foi relatado (Cramer e Rosenheck, 1998) que a aderência em doenças psiquiátricas é pior que a observada em doenças físicas.

Estudos relacionaram a gravidade da doença a maus níveis de aderência: um deles (Keck et aí., 1996), realizado em pacientes com transtorno bipolar, mostrou que pacientes que apresentavam um quadro mais grave à admissão tiveram níveis piores de aderência ao tratamento. Outros autores (Vocisano, Klein, Keefe, Dienst, e Kincaid, 1996) observaram que pacientes que apresentavam deterioração funcional mostraram uma pior adesão no seguimento.

O Projeto Fobia Social

O projeto Fobia Social é uma pesquisa multidisciplinar que emprega diversas modalidades de tratamento, inclusive combinações, na abordagem da fobia social. Este estudo encontra-se atualmente em curso no AMBAN do IPq - HCFMUSP.

Foi desenvolvido um estudo piloto (Malerbi, Savoia, e Bernik, 1999) em que os pacientes admitidos deveriam comparecer semanalmente a sessões de terapia cognitiva comportamental, em grupo, que tinha como enfoque principal o treino de habilidades sociais. Na primeira e última sessões, os pacientes responderam à Escala Multidimensional de Expressão Social (EMES) - desenvolvida por Caballo (1993) para avaliar habilidades sociais. Este instrumento, após ser preenchido, tem uma pontuação; quanto maior a pontuação, maior o grau de habilidades sociais.

Dos 18 pacientes que iniciaram as sessões, apenas 8 responderam à avaliação final após as 16 semanas de terapia. Dos 10 pacientes que abandonaram o tratamento, cinco o fizeram antes do início da terapia: eram participantes que preencheram critérios de inclusão para o estudo, mas que não chegaram a submeter-se às sessões de psicoterapia.

Os outros cinco abandonaram o tratamento antes do término das 16 sessões.

A média inicial da EMES daqueles que nem chegaram a iniciar a terapia foi de 72,2; um valor muito diferente - muito mais baixo - do que a média daqueles que abandonaram a terapia antes do término (144,2). A média inicial daqueles que completaram as 16 sessões foi um número intermediário (100,5).

Assim, pareceu tratar-se de dois grupos heterogêneos compreendidos entre os "drop out" - os que não iniciaram tinham uma média muito baixa e os que abandonaram ao longo do tratamento tinham uma média relativamente alta. Levantou-se a possibilidade desses pacientes pertencerem a grupos com perfis diferentes - e que possivelmente abandonaram o estudo por motivos diferentes.

A hipótese baseava-se nos valores da EMES - uma medida de habilidades sociais. Assim, os pacientes que apresentaram um valor muito baixo, portanto com déficit em habilidades sociais, não iniciaram o processo devido a dificuldades de inserção em uma terapia de grupo. Se essa hipótese estivesse correta, a terapia em grupo teria de ser revista para esses pacientes após um "rastreamento" inicial pelo valor da EMES.

Por outro lado, aqueles que abandonaram o tratamento antes de sua conclusão apresentaram uma média relativamente alta - em comparação com os que completaram as sessões. Dessa forma, talvez este outro grupo de pacientes tenha abandonado a terapia por não se identificar com a maioria dos pacientes, que apresentava um déficit de habilidades sociais maior que o deles, ou com o procedimento proposto - o treino de habilidades sociais.

Esta hipótese, contudo, não poderia ser aferida quantitativamente, devido ao número de pacientes ser muito pequeno para permitir conclusões; para dar continuidade a esta investigação, foi idealizado um estudo qualitativo com os pacientes que abandonaram o estudo piloto para compreensão das causas de abandono.

O presente estudo tem como objetivo apontar e analisar os motivos que levaram os pacientes do grupo piloto a desistir da terapia.

Através de entrevistas e da análise qualitativa dos dados, poderiam ser avaliados fatores comuns aos pacientes desistentes, permitindo que se traçasse um perfil desses pacientes. A partir desse perfil, poderiam ser propostas medidas de intervenção dirigidas a otimizar a aderência, através de abordagens diferentes de acordo com os tipos de perfil traçados.

 

Material e métodos

A natureza do problema - conhecer os pacientes que abandonaram a terapia - tornou necessário que se escolhesse um método de análise qualitativa. De acordo com Oliveira (1997), pesquisas qualitativas permitem a melhor compreensão de aspectos psicológicos, cujos dados não puderam ser coletados de modo completo por outros métodos devido à sua complexidade. Nesse caso, o estudo pode dirigir-se à análise de atitudes, motivações, expectativas, valores, opiniões - na tentativa de traçar o perfil desses pacientes.

Assim, esses pacientes foram convocados a responder a uma entrevista semi-estruturada. Os itens da entrevista foram baseados nos fatores relacionados à não aderência apontados pela literatura. As entrevistas foram feitas pelo mesmo entrevistador, que pertencia à equipe multidisciplinar do projeto, mas ainda não havia tido contato com tais pacientes.

Os dez pacientes que abandonaram o estudo foram procurados através de ligações telefônicas. Destes, quatro não puderam ser localizados por mudança de endereço e/ou telefone. Os seis localizados concordaram em realizar a entrevista.

As entrevistas foram gravadas, com o consentimento dos pacientes, e posteriormente transcritas. Os dados colhidos foram agrupados em categorias: duração da doença; motivo da procura do tratamento; tentativas anteriores de tratamento; expectativas iniciais; motivos do abandono; percepção da doença; motivação e perspectivas com o tratamento (depressão associada); status clínico no momento da entrevista.

 

Resultados e discussão

Os seis pacientes entrevistados eram do sexo masculino e tinham entre 21 e 44 anos. Todos haviam terminado o 2º grau, sendo que um deles estava cursando o terceiro grau e outro apresentava curso superior completo.

Os dados categorizados obtidos através da entrevista são apresentados na Tabela 1.

É preciso destacar que, com a exceção de um paciente, todos os entrevistados disseram apresentar sintomas compatíveis com fobia social. Assim, todos seriam potencialmente beneficiados com o tratamento. Quatro dos seis pacientes - novamente excetuando-se o paciente com ansiedade generalizada e um outro apresentavam os sintomas desde a adolescência, um aspecto típico do quadro da fobia social.

Quatro dos seis pacientes já haviam se submetido a tratamentos anteriores. Dois deles referiram abandonos anteriores. Cramer e Rosenheck (1998) apontaram que o antecedente de baixa aderência e a longa duração da doença são fatores que predispõem à baixa aderência em tratamentos atuais.

Todos os pacientes entrevistados revelaram expectativas de melhora, inicialmente. Contudo, quatro deles relataram tornarem-se menos motivados ao longo do tratamento - dois por não conseguirem perceber progresso e outros dois por já se considerarem melhores ou "curados". De acordo com a literatura (Dunbar-Jacob et al, 1996), é fundamental que o paciente receba informação a respeito do seu progresso ao longo do tratamento, ou seja, o terapeuta deve apontar aspectos objetivos de sua melhora, de modo a adequar sua percepção à evolução terapêutica apresentada. Além disso, a atenção à motivação deve ser contínua ao longo do tratamento por parte do terapeuta, de modo a evitar que pacientes inicialmente motivados desanimem com o tratamento e acabem por abandoná-lo.

Três pacientes entrevistados negaram ter abandonado o tratamento. Porém, de acordo com os registros da pesquisa em que eles se incluíam, não foram preenchidas as escalas de encerramento da terapia. Dessa forma, objetivamente os pacientes foram considerados "drop-outs", ou seja, pacientes que saíram do estudo antes do seu término e cujos dados não poderão ser utilizados nas análises finais da forma como se desejava no planejamento da pesquisa.

Assim, observa-se uma discrepância entre o relato dos entrevistados e o que foi aferido experimentalmente. Em alguns casos, os pacientes tiveram a falsa idéia de que terminaram o tratamento; em outros, eles consideravam-se tratados e resolveram deixar de comparecer às sessões. Alguns, ao contrário, avaliaram que o tratamento não os estava beneficiando e por isso o abandonaram.

Ainda, há pacientes que, em função de sensível melhora, puderam encontrar inserção em atividades profissionais ou retomar atividades passadas que foram interrompidas por causa da doença (aulas, por exemplo). Esses pacientes foram considerados "drop-outs" porque deixaram de preencher dados de avaliação do tratamento e porque efetivamente não completaram o tratamento; porém, paradoxalmente, abandonaram o tratamento por causa da eficácia deste. Tome-se como exemplo o do paciente que, por causa dos sintomas fóbicos, não podia comparecer a uma entrevista profissional, antes do tratamento. Com a evolução, esse paciente acabou sendo contratado e deixou de comparecer às sessões por incompatibilidade de horário.

Contudo, de acordo com os dados colhidos nas entrevistas, a maior parte dos abandonos pode ser atribuída à falta de motivação dos pacientes ou à falta de percepção dos resultados do tratamento. Esses motivos de abandono são passíveis de intervenção pelo terapeuta, através da atenção contínua à motivação e do "feedback". O terapeuta necessitaria tentar convencer o paciente, por maior que tenha sido a melhora, da importância de concluir o tratamento.

Três dos pacientes entrevistados disseram que seu problema não corresponde a uma doença, e sim a características da sua personalidade. Essa percepção tem impacto negativo sobre a aderência (Dunbar-Jacob et al, 1996), por levar o paciente a crer que não vai conseguir alterar sua "natureza" através do tratamento. Um trabalho de convencimento no sentido de mostrar ao paciente que seus sintomas já foram descritos como quadro de uma doença, e que esse quadro pode ser comprovadamente modificado através de abordagens terapêuticas, pode melhorar a aderência - dessa forma, o paciente deixará de acreditar que qualquer esforço nesse sentido seja algo "inútil", já que ele apresenta algo "tratável".

Podemos concluir que este estudo da aderência ao tratamento em pacientes com fobia social apresenta a peculiaridade de que características do quadro clínico podem ser fatores que per se influenciam a aderência. O fato de o paciente fóbico apresentar uma auto-avaliação negativa pode comprometer a percepção de sua melhora. Além disso, o fato de muitos pacientes acreditarem que seus sintomas são "traços" da personalidade, e não aspectos modificáveis, é motivo para não apostarem no tratamento.

As entrevistas, ao apresentarem discrepâncias entre os relatos dos pacientes e os dados aferidos, salientam a dificuldade em avaliar a aderência. Portanto, esta avaliação deve ser feita ao longo do tratamento para detectar pacientes que tendem a abandonar o tratamento e evitar esse fato. Dessa forma, no final do tratamento, poder-se-á ter informações menos conflitantes sobre quem realmente abandonou o tratamento, ao invés de depender de depoimentos, por um lado, e de instrumentos de aferição passíveis de falha, por outro.

Podemos também concluir que, com o estudo qualitativo, não foi possível corroborar a hipótese inicial de que haveria dois grupos entre os desistentes - os que teriam um déficit de habilidades sociais muito grande e os que teriam mais habilidades que a maioria dos pacientes admitidos no estudo. Essa distinção não apareceu ao longo das entrevistas; provavelmente a hipótese inicial, da existência desses dois grupos entre os desistentes, representa uma distorção devida ao número reduzido da amostra considerada.

Contudo, esse estudo qualitativo trouxe à tona aspectos importantes que dizem respeito à fobia social e à aderência ao tratamento -a discussão dos resultados tentou apontar intervenções que levem em conta as peculiaridades dos fóbicos sociais e possam melhorar o índice de aderência ao tratamento. Além disso, a preocupação com a aderência e intervenções deve ocorrer desde a etapa de delineamento experimental de um estudo, para que abandonos não comprometam a qualidade dos dados e das conclusões.

 

Referências

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Pesquisa realizada no Ambulatório de Ansiedade (AMBAN) do Instituto de Psiquiatria (Ipq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), com o apoio da Fundação para o Amparo da Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP. e-mail do autor: dmalerb@attglobal.net