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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.3 no.2 São Paulo dez. 2001

 

 

"Quarenta anos atrás"

 

 

D. Frances

 

 


 

 

Quarenta anos atrás, eu vim ao Brasil, pela primeira vez. Eu tinha 49 anos de idade e meu marido Fred, 63. Ele era professor de Psicologia da Columbia University em Nova York. Nós vivíamos em Terrafly, N. J., um subúrbio de Nova York. Nosso filho John tinha recém entrado na faculdade e nossa filha Anne, casado recentemente. Fred tinha um sabático para gozar no ano de 1961. Ele falou sobre isso com uma estudante e ela deu essa informação, no Brasil, para o reitor Paulo Sawaya. Para surpresa de Fred, ele recebeu um telegrama do reitor convidando-o para passar seu ano sabático na Universidade de São Paulo. Esse foi o começo das cousas que mudaram nossa vida para sempre. Naquele tempo, enviar e receber cartas era incerto e demorado. No entanto, apesar da inflação crescente, o reitor Sawaya assegurou a Fred que ele podia ter auxílio extra da Fundação Fulbright e que poderíamos viver confortavelmente e até mesmo ter uma empregada. Uma experiência nova para mim. Eu estava pessimista com o que aconteceria, mas Fred perseverou e até mesmo fez um curso de Português. As únicas palavras que aprendi foram: Bom dia, Boa noite, obrigado, sim senhor e uma frase que eu repetia: "O meu nome é João Brown". Fred havia comprado um disco. Nesse meio tempo, Anne ficou grávida e seu marido John Farmer aceitou uma colocação em um College em Long Island. Era uma longa distância dirigindo de nossa casa até a ilha, mas eles concordaram em olhar nossa casa para nós, temporariamente. Fred aceitou o convite do reitor e, num dia frio de inverno, nós saímos de um aeroporto em Nova York e chegamos ao Rio na manhã seguinte. A temperatura era aproximadamente 100º F. Passar nossa bagagem com excesso de peso na alfândega foi caótico, mas um representante da Fundação Fulbright veio nos socorrer. Professora Carolina Martuscelli Bori e um representante da Universidade nos encontraram no aeroporto de São Paulo. Fomos levados para o hotel Excelsior e jantamos lá à noite com Dona Carolina. Ela era muito gentil e nos forneceu informações que solicitávamos.

O reitor Sawaya não era mais reitor. Seu substituto era o homem que estava com ela no aeroporto.

O departamento de Psicologia era em dois lugares. Fred poderia escolher entre eles. A antiga ou a nova Universidade. A mãe de uma estudante, Maria Inês Rocha e Silva, falava inglês e se ofereceu para ajudar-nos a encontrar um apartamento.

No dia seguinte nos mudamos temporariamente para o Hotel Grand Park. Lá, os bondes e os ônibus chegavam e nos impediam de dormir, todas as noites. Após uma semana, Dona Mausi encontrou um apartamento mobiliado, para nós, na Avenida São João e o alugou pela duração de nossa permanência. Buzinas substituíram os bondes. Fred pegava todos os dias um bonde para a Universidade. Eu fazia a compra de mantimentos em um Peg-Pag vizinho, localizado do outro lado de uma avenida movimentada. Eu rezava, a cada vez, para uma volta segura e freqüentemente voltava para casa com alimentos que não havia comprado. Aprendi uma nova frase: "eu não falo português".

Eu lavava roupa a mão, em um tanque perto da pequena varanda, principalmente porque estava com medo de falar, mas também porque havia uma diminuição das verbas do governo. Chegou um telegrama de uma editora de N.Y oferecendo a Fred $1.000 se ele fosse lá e editasse um livro. Ele foi e eu lembro que $14 ficaram entre o jejum e eu. Em retrospecto, considero que foi uma experiência gratificante. Aprendi alguma coisa sobre sobrevivência.

Logo após termos chegado ao Brasil, Lourdes e Oswaldo Pavan se comunicaram conosco e nos convidaram para jantar um peixe recém pescado. Nos apresentaram a Ruth e Simon Matheus e, mais tarde, para Betty e Frota Pessoa, através de quem encontramos Susana e Roberto Coelho. Depois disso, a lista de pessoas que encontramos representa muitas profissões. Os Coelho mudaram da Califórnia para o Brasil em meados dos anos 40. Tinham uma linda casa no Morumbi, dois filhos jovens, ambos formados em Stanford, onde tornaram-se arquitetos. Susana logo tornou-se uma filha substituta. Sua casa era um paraíso.

Eu voltei para os E.U.A. para o nascimento de meu neto. Decidimos vender nossa casa e entre preparar a mudança e a chegada do bebê foi um período trabalhoso para mim. Perdi a Revolução no Brasil mas ouvi sobre ela quando voltei. O dia do pagamento chegou. Fred voltou para casa com dinheiro sob sua camisa. Parecia Papai Noel. Essa noite sentamos na mesa da sala com uma lista de coisas para pagar. Foi um alívio das obrigações.

Tivemos muitas viagens agradáveis ao Guarujá, Rio e São Sebastião e comparecemos a reuniões durante esse período. Fanny e Enrique Fix (pais de Dora Ventura) nos levaram a Ouro Preto. Tivemos um período maravilhoso e Dona Maria Inês Rocha e Silva foi conosco. Outra viagem com Rodolpho Azzi (assistente de Fred) a Rio Preto é lembrada em seus escritos. Eu não mantenho um diário, por isso perdoe-me pela memória pobre. Maria Amélia Matos e Dora Fix receberam PhD pela Columbia University e Maria Inês Rocha e Silva pela Indiana University. Tê-las em nosso país foi uma maneira de ter o Brasil perto de nós.

Mudamos então, para o Arizona nos anos 70. João Cláudio Todorov e Silvia chegaram. Estivemos juntos em sua casa e na nossa, muitas vezes. Dona Carolina Bori e seu filho nos visitaram. Mario era um garoto. Nós mudamos do Arizona para Washington, D.C., para Michigan, para Aiken, S. C. e finalmente para Chapel Hill, N.C. Cada lugar parecia um lar quando os brasileiros chegavam. Nós não poderíamos nunca esperar retribuir a hospitalidade que recebemos de muitos de vocês. Mario Guidi, Margarida e Friedle Winholz nos hospedaram, como também os Todorov em Brasília: Lírio, Belmira Neto e família, Luiz Oliveira (Washington) a família dos Gorayeb - Lincoln (C. Hill) Luis Otávio (Michigan) Isaías - Clotilde e Sérgio, Hélio, Rachel e José Kerbauy, Daisy de Souza, Angela Branco.

São Paulo não é como a conhecemos em 1961. Eu lembro de um shopping perto da Avenida Paulista. Supermercados não existiam e havia menos crime e poucas pessoas pobres pedindo dinheiro. As estradas entre São Paulo e Ribeirão Preto não eram todas asfaltadas e os lugares para comer, poucos e distantes entre eles, sem motéis e toaletes limpos. Fiquei surpresa quando voltamos em 1974. Eu poderia continuar e continuar mas vou poupar vocês e terminarei dizendo: Não importa quem sejam vocês, eu os amo. Até logo e Deus os abençõe.