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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
versão impressa ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.6 no.2 São Paulo dez. 2004
ARTIGOS
Análise do comportamento e a relação terapeuta-criança no tratamento de um padrão desafiador-agressivo
Behavior analysis and the therapist-child relation in the treatment of an aggressive-defiant pattern
Cristiane Scolari GoschI, 1 ; Luc VandenbergheII, 2
I Universidade de Brasília
II Universidade Católica de Goiás
RESUMO
O artigo discute o tratamento do comportamento desafiador e agressivo de um menino de nove anos. O problema foi analisado em termos das interações que o menino construiu na tentativa de lidar com a família e com componentes do ambiente escolar. O tratamento consistiu num trabalho direto com a criança, biblioterapia com a mãe, estabelecimento de estratégias em conjunto com os adultos envolvidos, além da discussão dos avanços conquistados por eles. Esse relato não pretende mostrar a eficácia de um programa de intervenção planejado. Ele ilustra a possibilidade de combinar, de maneira produtiva, estratégias provenientes da Análise Aplicada do Comportamento (treino de pais ou reestruturação de contingências) com as da Psicoterapia Analitico-Funcional (o trabalho através do relacionamento genuíno entre terapeuta e criança) com a intenção de quebrar o ciclo vicioso que os comportamentos da criança e dos adultos mantinham um com o outro.
Palavras-chave: Análise funcional, Treinamento de pais e professores, Psicoterapia infantil.
ABSTRACT
This article discusses the treatment of defiant and aggressive behavior of a nine-year-old boy. The problem was analyzed in terms of the interactions the boy constructed in trying to cope with family and school environment. The treatment consisted in direct work with the child, bibliotherapy with the mother, and establishment of collaborative strategies with the adults involved, including discussions of the progresses they made. This report does not intend to show the efficacy of a planned intervention program. It illustrates the possibility of combining in a productive way strategies derived from applied behavior analysis (parent training and contingency-contracting) and of functional analytic psychotherapy (like working through the genuine relation between therapist and child), with the intention of breaking through the vicious circle in which the behaviors of the child and of the adults shaped and maintained each other.
Keywords: Functional analysis, Parent and teacher training, Child psychotherapy.
Análise do Comportamento
O termo comportamento tem sido utilizado em Psicologia para designar as interações organismo-ambiente (Todorov, 1982). Na Análise do Comportamento, essa interação é de interdependência. Não faz sentido falar de comportamento sem mencionar as circunstâncias em que ele ocorre; como não tem sentido falar em circunstâncias sem a especificação do comportamento que circunstanciam. A partir dessa compreensão, a Análise do Comportamento utiliza a noção de contingência e de relação funcional para descrever as leis que regem as interações organismo-ambiente (Todorov, 1989). Uma questão discutida por analistas do comportamento é o nível da interação organismoambiente relevante para a análise. Na proposta original de Skinner, a uma ciência do comportamento cabe o estudo de relações do organismo como um todo, com eventos que lhe são externos. Há também questões relacionadas ao comportamento que são pertinentes como: o que pode ser chamado de estímulo antecedente? Como definir resposta? (Todorov, 1989; Catania, 1999; Tourinho, 1999).
A Análise Aplicada do Comportamento teve origem a partir de um trabalho publicado por Lindsley e Skinner em 1954. Nesse artigo, os pesquisadores aplicaram o conhecimento acumulado sobre o comportamento operante em humanos. Atualmente o significado do termo aplicada vem sendo discutido pelos analistas do comportamento e diferentes usos do adjetivo podem ser encontrados em trabalhos na área de Análise do Comportamento (Canaan-Oliveira, 2003). Alguns analistas do comportamento utilizam a palavra aplicada no sentido de prestação de serviço, ou seja, aplicação de um conhecimento com o propósito de solucionar um problema de natureza prática. O termo pode ser utilizado também para fazer referência à pesquisa que tem como objetivo identificar variáveis responsáveis por comportamentos socialmente relevantes. Neste sentido, o analista aplicado produz conhecimento científico, especifico para o contexto aplicado e complementar ao conhecimento produzido no laboratório. A palavra ainda pode ser empregada para se referir simultaneamente à atividade de pesquisa e de prestação de serviço.
A Análise Aplicada do Comportamento caracteriza-se pela intervenção nas contingências do ambiente natural onde o problema ocorre. Essa intervenção pode ser direta, quando o analista tem controle sobre as contingências relevantes, como no caso de pacientes internados, ou indireta, por exemplo, através do treino de pais ou outros responsáveis que podem colaborar como mediadores do programa de intervenção. Essa modificação das contingências do cotidiano do cliente distingue a Análise Aplicada do Comportamento das abordagens psicoterápicas que se limitam basicamente ao que aconteça no consultório (Kohlenberg, Bolling, Kanter e Parker, 2002).
Meyer (1995) caracteriza uma terapia como comportamental de acordo com quatro níveis de análise, o tecnológico, o metodológico, o conceitual e o filosófico. É essencial no nível tecnológico, a utilização de procedimentos derivados da pesquisa experimental; no nível metodológico, a análise das contingências; no nível conceitual, a adoção dos princípios do comportamento; e no nível filosófico, pelo menos a rejeição ao mentalismo. Outras formas de terapia não adotam esses quatro critérios, eles são exclusivos das terapias ditas comportamentais.
A Análise Aplicada do Comportamento enfatiza o papel das experiências diretas na aprendizagem do comportamento agressivo, como experimentar diretamente estímulos reforçadores após o comportamento. O comporta-mento agressivo pode ser mantido por uma variedade de eventos reforçadores. Skinner (1980) destaca o fato de a vítima do agressor ser subjugada e as pistas de dor e outras conseqüências injuriosas vivenciadas pela vítimaconstituírem os principais reforçadores do comportamento agressivo. O comportamento do agressor também é reforçado pela complacência da vítima, enquanto a complacência está sendo reforçada pela interrupção da agressão.
Além disso, podemos citar o elevado valor utilitário do comportamento anti-social. Através de uma estratégia agressiva, alguém pode remover exigências ou controlar o comportamento das outras pessoas (e.g., pais, irmãos, professores, colegas e outros). Por meio da dominância física ou verbal, os indivíduos podem obter recursos materiais, mudar as regras para adequá-las aos seus próprios desejos, obter controle e forçar a submissão dos outros, acabar com provocações e barreiras físicas que bloqueiam ou atrasam a obtenção dos resultados desejados. Possibilitando uma enorme quantidade de reforçadores não é surpreendente que os padrões agressivos sejam tão prevalecentes (Snyder, 1995).
Psicoterapia Comportamental Infantil
Ao lado de princípios da Análise Aplicada do Comportamento, utilizaram-se, no presente trabalho práticas provenientes da Psicoterapia Analítico-Funcional. Ao assumir explicitamente a denominação Psicoterapia, esta ultima se distingue formalmente da Análise Aplicada (Kohlenberg, Bolling, Kantor e Parker, 2002). Psicoterapia behaviorista radical é definida como Análise Clínica do Comportamento, sendo esta uma prática que (como a Análise Aplicada) também se enquadra nos critérios comportamentais mencionadas por Meyer (1995) e que podemos considerar como uma abordagem complementar à Análise Aplicada do Comportamento.
Enquanto o Analista Aplicado pode ser terapeuta, mas - recusando o papel de psicoterapeuta - age como especialista em problemas comportamentais, o Analista Clínico resgata de uma maneira inteiramente nova a posição do psicoterapeuta, a partir de uma análise funcional da relação terapêutica e do comportamento verbal. Psicoterapia é um processo de aumento do autoconhecimento (Skinner, 1953), ou seja, promove um maior desenvolvimento da percepção que o indivíduo tem de si mesmo, de seus comportamentos, pensamentos e sentimentos. Esse processo se torna mais árduo quando o cliente que apresenta o comportamento problemático não é quem solicita a terapia, como no caso das crianças que são levadas por seus pais para serem tratadas.
A terapia comportamental infantil, desde seu início, quase sempre envolveu os pais no processo terapêutico das crianças. Esse envolvimento se baseia em alguns pressupostos da abordagem comportamental, como aqueles comentados por Silvares e Marinho (1998). Segundo as autoras, o comportamento infantil (i.e., ajustado ou desajustado) é resultado das interseções do organismo infantil com variáveis históricas e ambientais, sendo que as contingências ambientais familiares são responsáveis pela manutenção dessas interseções. Além disso, são os pais que, por serem os responsáveis da criança, têm mais condições de alterar as contingências controladoras de comportamentos. As autoras também ressaltam que a utilização dos pais, como mediadores da intervenção terapêutica de seus filhos, é uma forma de contornar as dificuldades com a generalização, ou seja, manutenção de ganhos derivados da atuação psicológica e extensão dos ganhos de um ambiente para outro.
Assim, o processo terapêutico intervém também no processo social da família que desenvolveu e sustenta o comportamento problema (Barkley, 1987). Enquanto é necessário envolver adultos responsáveis no tratamento de problemas infantis, já que geralmente fatores que mantém os problemas se situam na família (Costa e Carvalho, 1996), o terapeuta infantil tipicamente desenvolve uma relação com o seu pequeno cliente visando um trabalho direto com o mesmo.
Lima (1987) inclui entre os objetivos da terapia comportamental infantil ajudar a criança a reconhecer seu comportamento levar a criança a efetivamente lidar com as variáveis que afetam seu comportamento e aumentar a probabilidade de ocorrência de comportamentos que garantam à criança maior número de reforçamentos positivos. O termo Terapia Analítico-Comportamental Infantil (Vasconcelos, 2001) que define uma prática guiada pelo behaviorismo radical é um exemplo deste tipo de trabalho. Apesar de se distinguir de terapia para adultos, desde a discussão ética, voltada para o Estatuto da Criança e do Adolescente até as especificidades nos procedimentos de intervenção, trata-se de uma prática que se assemelha com o que conhecemos por Análise Clínica do Comporta-mento (Kohlenberg et. al., 2002) quando o terapeuta vai além da possibilidade de influenciar o comportamento da criança a partir da mudança das contingências no seu ambiente do dia-a-dia.
Uma psicoterapia infantil, nesses moldes, implica necessariamente, como é também o caso da Terapia Analítico-Comportamental Infantil (Vasconcelos, 2001), numa rejeição de modelos normativos que desqualificam a criança como um sujeito que tenha seus próprios direitos independentes de seus genitores, evitando assim de cair na armadilha de uma análise unidirecional da influência das contingências familiares e escolares sobre a criança.
Estudo de caso
Caracterização da criança e das queixas. Eduardo (nome fictício), à época do atendimento (maio de 1997), tinha nove anos, caçula de uma família de dois filhos pertencente à classe econômica média baixa, residia ora com a avó, ora com o avô materno, mas acompanhado da mãe. O irmão mais velho morava com uma tia havia dois anos na mesma cidade. O pai residia fora do País e havia quatro anos não mantinha nenhum contato com a família. A criança estava repetindo a segunda série em uma nova escola pública, pois fora transferida da sua escola anterior por mau comportamento. A neurologista diagnosticou transtorno de conduta com hiperatividade, agressividade e impulsividade, razoes pelas quais foi indicada desde 1996 a farmacoterapia com: Carbana Zepina (Tecretol) e Carbonato de Lítio (Carbolitium).
A criança foi trazida à clínica-escola pela mãe, encaminhada pela neurologista com as seguintes queixas feitas pela família e pela escola: tornar-se agressiva em casa quando algum desejo seu não era satisfeito; não participar das aulas e perturbar o andamento das aulas.
Local de atendimento. O atendimento foi realizado na clínica-escola da Universidade Católica de Goiás. Foram realizadas 24 sessões de atendimento com duração aproximada de 55 minutos cada, seis observações do comportamento de Eduardo no ambiente escolar e contato telefônico com a professora.
Avaliação
Estratégias para obtenção dos dados. A avaliação para apurar as queixas da família e da escola seguiu esta ordem: entrevista com a mãe, avó, tia e irmão; visita à escola de Eduardo e à neurologista; e duas sessões com o próprio Eduardo. Essas sessões tinham o objetivo de estabelecer uma interação social entre psicóloga e a criança, além de averiguar as queixas do ponto de vista da criança. A mãe foi solicitada a registrar a ocorrência diária do comportamento agressivo e da teimosia do filho. Além disso, a mãe ficou responsável por registrar o seu próprio comportamento frente aos comportamentos inadequados da criança.
Linha de base. O comportamento desafiador de Eduardo foi especificado pela família como sendo verbal e físico. Ele xingava, desferia socos, pontapés, mordidas e arremessava pedras e outros objetos perigosos contra seus familiares, além de quebrar vidros com freqüência. Nas demais interações com os adultos da família, ele se mostrou excessivamente teimoso. Na escola, a criança perturbava as aulas (recusava-se a cumprir as tarefas propostas pela professora) e agredia fisicamente e verbalmente seus colegas.
A linha de base no ambiente familiar foi realizada durante cinco dias consecutivos com durações variáveis de duas a quatro horas. Os registros, feitos pela mãe sob orientação da terapeuta, mostraram de duas a três agressões em cada observação.
A linha de base dos comportamentos observados no ambiente escolar foi realizada durante um dia no período de duas horas. Os registros foram feitos pela terapeuta. Das 10 solicitações feitas pela professora à turma, na primeira hora de observação, a criança deixou de atender seis. Nessa ocasião, a criança perturbou a sala de aula (agrediu verbalmente seus colegas) três vezes. Já na segunda hora, das sete solicitações feitas pela professora, Eduardo atendeu apenas a quatro e perturbou 43 vezes a turma, ou seja, o comportamento de perturbar a sala ocorreu em média 23 vezes por hora. As solicitações da professora à turma eram tais como: pegar algum tipo de material (e.g., livro, lápis de cor, caderno etc), ler em voz alta, cantar, copiar o conteúdo do quadro negro, pintar, dar exemplos, fazer silêncio, fazer exercícios, cumprimentar eventuais visitantes e soletrar. Necessidades de ordem prática e ética não permitiam uma linha de base mais extensa.
Hipóteses. A partir dos dados obtidos (entrevista com a família e contado com a escola), elaborou-se a hipótese de que a agressividade da criança, no contexto familiar, poderia estar sendo mantida por reforçamento positivo (atenção dos familiares, permissão para realizar os seus desejos) e negativo (interrupção de alguma situação que lhe era aversiva: principalmente tarefas ou limitações de sua liberdade). No contexto escolar, os comportamentos incompatíveis com a participação em sala de aula poderiam estar sendo reforçados por uma série de fatores como: ênfase (da mãe e professores) aos comportamentos inadequados da criança em sala de aula e ausência de reforçadores em relação ao comportamento de estudar e participar das atividades na escola. O comportamento de agredir os colegas poderia estar sendo mantido por reforçamento positivo (atenção dos colegas e da professora).
Intervenção
A demanda da mãe para uma intervenção terapêutica era justificada por sua incapacidade de lidar com o comportamento agressivo e destrutivo de seu filho, em casa e na escola. Quando o tratamento avançou, sua preocupação passou a ser com a situação escolar da criança. A demanda de Eduardo era compatível com a da mãe, no sentido de concordar que ela não deveria tratá-lo da forma como tratava. Seu pedido de ajuda era complementar ao da mãe, pois ele desejava que ela parasse de maltratá-lo e desenvolvesse formas carinhosas de convivência com ele. A terapeuta acatou os pedidos de ajuda de ambos com o intuito de desenvolver uma aliança de trabalho produtiva a partir deste duplo pedido.
A intervenção no lar teve como objetivo estabelecer comportamentos adequados que fossem funcionalmente equivalentes ao comportamento agressivo. Nesse sentido, o comportamento agressivo do menino, de dar pontapés na mãe para ganhar guloseimas, deveria ser substituído, por exemplo, pela resposta alternativa de pedir com educação. Para implementar uma condição de reforçamento social diferencial, a mãe foi instruída a não ceder às exigências inadequadas do seu filho. Algumas exigências consideradas inadequadas podem ser exemplificadas como: faltar às aulas, não fazer o dever escolar em casa, exigir a compra de alguns produtos no supermercado, assistir a filmes inadequados para sua idade. A mãe e a avó também foram instruídas a conter a agressão física ou comportamentos destrutivos segurando a criança de forma adequada a fim de interrompê-los. Os comportamentos adequados da criança deveriam ser elogiados pelos familiares ou contingenciados por atitudes carinhosas. Como apoio para este programa, um elemento de biblioterapia foi introduzido. A mãe foi recomendada à leitura do livro Convivendo com as crianças: novos métodos para pais e professores (Patterson, 1991) e algumas páginas do livro Modificação do comportamento infantil (Krumboltz e Krumboltz, 1977). A relação entre estes conteúdos e as estratégias combinadas com a mãe foi discutida durante as sessões.
Também durante as sessões terapêuticas, a criança e a mãe relatavam os acontecimentos dos dias anteriores, em seguida, o registro dos comportamentos agressivos da criança no lar e o comportamento da mãe de colocar em prática o programada de reforçamento eram analisados. Os aumentos gradativos nos comportamentos adequados da mãe e da criança eram enfatizados e os reforçadores naturais dos comportamentos incompatíveis com a agressão foram destacados. Esse reforço social, para as melhoras apresentadas nos registros funcionou como apoio indireto aos comportamentos positivos apresentados em casa. Isso ocorreu até que reforçadores naturais se estabelecessem na interação entre o menino e a mãe. A terapeuta também aproveitava a sessão para verificar se a leitura estava auxiliando a mãe a colocar em prática o programa de reforçamento diferencial.
Os comportamentos de ir à aula, participar das tarefas de sala e fazer o dever de casa eram averiguados e discutidos com a criança e a mãe. O aumento na freqüência desses comportamentos dava a oportunidade à criança de visitar as dependências da universidade (laboratórios, biotérios etc), selecionar um brinquedo para ser usado no final da sessão ou ganhar figurinhas auto-adesivas para completar seu álbum. Com o passar das sessões, foi observado que a criança apresentava uma predileção pelo jogo de damas. Esse jogo começou a ser usado no final da sessão, caso a criança entrasse na sala no primeiro chamado da terapeuta e não apresentasse o comportamento agressivo durante a sessão. Aproveitou-se o jogo também para treinar o comportamento de ter paciência da criança. Para isso, a terapeuta ou a mãe (jogadoras adversárias) atrasava as suas jogadas quando a criança exigia pressa. Outro comportamento treinado foi o de seguir regras, ressaltando-se que as seguidas foram as do jogo e não as da criança. Quando a mãe jogava com a criança só considerava sua opinião quando ela era educada em sua intervenção.
Na escola, foi discutida com a professora a importância de não enfatizar o mau compor-tamento de Eduardo e ficar atenta aos comportamentos adequados apresentados, elogiando-os sempre que possível. Ficou também estabelecido que a criança só poderia usufruir o recreio caso cumprisse as atividades de sala. Ao final da aula, a criança só sairia no horário normal se finalizasse todas as tarefas propostas pela professora no período. A intervenção na escola visou estabelecer a participação das aulas. Uma vez que esse comportamento estivesse estabelecido, concorreria com o comportamento de perturbar a sala, tornando-se funcionalmente equivalente aos comportamentos inadequados.
Após dois meses de intervenção, houve uma reformulação da queixa por parte da mãe. Esta solicitou que a intervenção priorizasse os seguintes comportamentos: 1) freqüentar as aulas, 2) fazer as atividades escolares em sala e 3) fazer os deveres escolares em casa. Como, nesse período, a criança havia mudado de escola, os registros desses comportamentos ficaram a cargo da mãe, assim como o registro da freqüência do próprio comportamento de planejar as contingências para que os comportamentos referidos da criança ocorressem. Nessa fase, o dever escolar que deveria ser entregue no dia do atendimento passou a ser realizado dentro da sessão terapêutica, como uma forma de treinar a mãe nessa tarefa de administrar os reforçadores escolares. Além disso, era a oportunidade de a terapeuta identificar as dificuldades escolares da criança. Foram realizados contatos telefônicos com a nova professora.
O jogo de damas, figurinhas e guloseimas foram contingentes aos aumentos na freqüência dos comportamentos alvo (1, 2 e 3). Os critérios para a entrega desses reforçadores se tornaram gradualmente mais exigentes, tendo como guia o princípio da aproximação sucessiva do comportamento desejado empregado na modelagem.
Discussão
O treinamento de pais é em certos casos suficiente para resolver problemas de conduta infantil, mas pode tornar-se difícil quando a família é um ambiente propenso a fornecer conflitos interpessoais. Nesse caso, é preciso que o terapeuta ajude os adultos a rever suas dificuldades. Por outro lado, as próprias mudanças no comportamento das crianças possibilitam uma reestruturação das contingências no lar, às quais os adultos reagirão, pois tanto quanto o comportamento do adulto modela e mantém o comportamento da criança, essa última controla o comportamento do adulto, ou seja, ambos providenciam as contingências para o comportamento do outro. Por isso, as perspectivas de cada um precisam ser analisadas. O Analista Aplicado do Comportamento que trabalha com problemas infantis geralmente assume o papel de consultor dos pais e responsáveis. No caso em questão, a terapeuta assumiu o papel de consultora da mãe e da criança, procurando auxiliar cada uma a modificar sua maneira de lidar com o outro e, em conseqüência, modificar o comportamento do outro, atendendo assim a uma demanda conjunta.
A terapeuta integrou os papéis de psicoterapeuta analítico-funcional com o de analista aplicada do comportamento, duas posições que são pragmaticamente diferentes, mas compatíveis por utilizar a mesma visão behaviorista radical (Vandenberghe e Basso, 2004). Ela considerou o menino como parceiro igual à mãe no tratamento, tendo suas queixas sobre o comportamento dela e seu pedido de ajuda ouvidos, tomados a sério e integrados explicitamente no tratamento. Esta atitude se fundamentou na concepção de que o menino era um dos responsáveis principais para a administração das contingências que determinaram o comportamento da mãe em casa. A participação ativa de Eduardo nas discussões sobre o progresso do trabalho em casa e sobre as estratégias utilizadas ilustrou este posicionamento durante toda a duração do tratamento, além de possibilitar o desenvolvimento natural de comportamento responsável e colaborativo (incompatível com o comportamento manipulador e desafiador) no seio da relação terapêutica. Neste sentido, a própria interação entre terapeuta e menino se tornou um ambiente natural em que melhoras ocorreram ao vivo e foram reforçados pelo processo de trocas espontâneas, sem precisar de reforço planejado.
A mãe de Eduardo apresentava um padrão de comportamento que pode ser definido como desamparo aprendido (Seligman e Maier, 1967). O desamparo aprendido é desenvolvido quando as tentativas de exercer controle fracassam repetidamente. Pessoas que apresentam esse padrão têm dificuldades em seguir estratégias até o fim e demonstram maiores dificuldades em colocar um programa de treinamento em prática. A história de aprendizagem da mãe o tornou necessário e parte do trabalho consistiu em fornecer considerável apoio social a ela para que seu comportamento adequado perdurasse.
Nos estágios iniciais da intervenção, ocorre freqüentemente um aumento temporário do comportamento-problema justamente pela retirada das conseqüências positivas obtidas por este comportamento. No caso de Eduardo, o aumento na freqüência do comportamento agressivo ocorreu tanto no ambiente familiar quanto no escolar. Tal reação da criança às novas contingências geralmente tem um efeito punitivo sobre os esforços dos adultos, resultando muitas vezes no abandono do comportamento de mediador (isto é, o comportamento dos adultos que é necessário para a execução do programa). Nestes momentos, fez-se necessário evidenciar para a mãe e professora que, após esse acréscimo, a freqüência do comportamento problemático da criança sofreria uma diminuição. Durante essa fase, o comportamento de mediador das duas adultas estava sob controle verbal. A falta de reforçamento natural para usar as estratégias sugeridas pela terapeuta e a natureza social das conseqüências que mantiveram o comportamento desejado das adultas (i.e., instruções dadas pela terapeuta; discussão de progressos e dificuldades) qualifica esse seguir regras de aceder (Zettle e Hayes, 1982; Albuquerque, 2001). Tal forma de seguir regras não coloca o indivíduo em contato com as contingências naturais e não promove a generalização. Assumimos que o aceder tornou o comportamento de mediador relativamente insensível às reações adversas de Eduardo, o que era favorável durante esta fase de transição, mas se tornaria um problema em fases posteriores. Por isso, a terapeuta trabalhou simultaneamente com a criança, modelando seu repertório de colaboração e interação social com reforço natural (e.g., durante as conversas, os jogos, as visitas na universidade) e com reforço arbitrário (e.g., recompensando o seguir regras com figurinhas ou com a oportunidade de jogar). A intenção dessa estratégia era que, em fases posteriores, as mudanças positivas no comportamento da criança funcionassem como fontes naturais e poderosas de reforçamento para os comportamentos adequados dos adultos.
Modificações claras no repertório da criança foram visíveis. No contexto familiar, antes da intervenção, a criança apresentava uma alta taxa de agressão (bater, morder, dar pontapé, jogar ou quebrar objetos). Após a intervenção, esse comportamento diminui chegando a zero e permanecendo assim durante uma fase de observação de sessenta dias. O comportamento de teimosia continuou ocorrendo, mas a estratégia da mãe de não reforçar esses comportamentos se tornou cada vez mais freqüente. No segundo mês de intervenção, a criança já participava da maioria das tarefas propostas pela professora. Foram encontradas dificuldades para manter esse comportamento, pois a criança não apresentava repertório acadêmico adequado para segunda série. A solução proposta foi de intensificar o estudo realizado em casa. Na linha de base, o comportamento de provocar a turma ocorria em média 23 vezes em duas horas de observação. Após sessenta dias de intervenção esse comportamento passou a ocorrer em média três vezes no mesmo período.
Na nova escola, o menino participou das aulas, fez as tarefas propostas pela professora em sala de aula e em casa. A professora relatou que ele alcançou a melhor nota de comportamento da sala no terceiro bimestre daquele ano letivo. As pessoas que se relacionam com a criança relataram que, em várias situações, o comportamento interpessoal da criança melhorou. Comportamentos sociais do menino na interação com a terapeuta que não tinham sido alvo de intervenções planejadas, também mudaram de forma marcante.
Referências
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Recebido em: 17/05/04
Primeira decisão editorial em: 28/09/04
Versão final em: 29/11/04
Aceito em: 05/12/04
1 Doutoranda do departamento de Processos Psicológicos Básicos do Instituto de Psicologia. Endereço para correspondência: QRSW 08, bloco B4, apto 303, Ed. Dune, st - Sudoeste, Brasília-DF, CEP 70675-824
2 Professor do departamento de Psicologia. Rua J-51 Q.136 L.31 st- Jáo - Goiânia-GO, CEP 74674-170