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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
versão impressa ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.9 no.2 São Paulo dez. 2007
ARTIGOS
Avaliando o papel do comportamento verbal para aquisição de comportamento "supersticioso"
Evaluating the role of verbal behavior on "superstitious" behavior acquisition
Paulo André Barbosa Panetta1 ; Cássia Leal da Hora2; Marcelo Frota Lobato Benvenuti3
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RESUMO
O estudo avaliou interações entre descrições de contingências e comportamento adquirido por relação acidental com reforço (comportamento "supersticioso"). Quatro adultos participaram de uma atividade feita no computador. Cada sessão foi composta de períodos de 30s nos quais os participantes poderiam responder com um mouse a um retângulo que aparecia no monitor do computador. Após o término de cada período de 30s, havia um intervalo de 10s no qual o participante poderia pedir para encerrar a sessão. Para cada participante foram realizadas quatro sessões. Em cada sessão, vigorava apenas uma contingência para apresentação de pontos: VR 6, extinção, extinção e VT 8 s. No início das duas últimas sessões, era dito aos participantes que respostas no retângulo produziriam pontos. Três participantes responderam mais na última sessão do que na terceira, mostrando que instruções que sugerem relação entre resposta e mudança ambiental podem facilitar a aquisição de comportamento "supersticioso".
Palavras-chave: Comportamento "supersticioso", Computadores, Comportamento verbal.
ABSTRACT
The experiment evaluated interactions between instructions and behavior acquired by accidental relations with reinforcement ("superstitious" behavior). Four adults participated on a computer task. In each session there were 30 s periods in which the participants could respond by clicking with a mouse upon a colored rectangle displayed on the screen. At the end of each 30 s period, there was one interval of 10 s in which the participant could ask to quit. Four individual sessions were used, and in each of them there was only one contingency for scoring points: VR 6, extinction, extinction and VT 8 s. At the beginning of the last two sessions, the participants were told that no responses to the rectangle scored points. Three participants responded more in the last session than in the third, showing that instructions implying relationship between response and environmental change can facilitate the acquisition of "superstitious" behavior.
Keywords: "Superstitious" behavior, Computer, Verbal behavior.
O livro O Comportamento Verbal, publicado por Skinner originalmente em 1957, foi um marco importante para a análise de interações em que "o homem age apenas indiretamente sobre o ambiente" (Skinner, 1957, p. 1). As características das interações verbais são responsáveis por boa parte da complexidade que caracteriza o comportamento humano e podem estar presentes em episódios que, tradicionalmente, poderíamos caracterizar como do campo das ilusões das pessoas em relação a si próprias e ao mundo em que vivem (Taylor & Brown, 1988). O presente trabalho avalia experimentalmente o papel de variáveis verbais em um episódio comportamental que poderia ser caracterizado como "ilusão" ou "ilusão de controle" (Rotter, 1966). Essa possibilidade foi avaliada num estudo sobre a relação entre comportamento verbal e a aquisição do comportamento por relação acidental com reforço.
No processo de reforçamento, respostas são emitidas e seguidas de certas mudanças ambientais que tornam respostas da mesma classe mais prováveis no futuro (Skinner, 1953). Quando há uma relação de dependência entre resposta e mudança ambiental, podemos dizer que a mudança ambiental é uma conseqüência do responder. Na análise do comportamento, o processo de reforçamento é básico para a compreensão de como passamos a ser afetados pelas conseqüências produzidas pelo próprio comportamento e como, a partir disso, repertórios complexos são construídos e mantidos.
Reforçamento depende de uma sensibilidade especial dos organismos àquilo que vem depois da emissão da resposta. Essa sensibilidade parece ser tão importante que respostas de diferentes organismos podem ser reforçadas mesmo quando a relação entre respostas e mudança ambiental é apenas de contigüidade. Num estudo com pombos, Skinner (1948/1972) demonstrou que, quando a apresentação de alimento ocorria independentemente de qualquer resposta dos pombos, a mera relação temporal de algo que o pombo estivesse fazendo com a apresentação do alimento era suficiente para tornar uma resposta mais provável. Comportamento adquirido ou mantido apenas por contigüidade com reforço ficou conhecido como comportamento "supersticioso".
Skinner sugeriu que o resultado do experimento de 1948 poderia ser entendido como "um tipo de superstição" (Skinner, 1948/1972, p. 527) e que o pombo "não era excepcionalmente crédulo" (Skinner, 1953, p. 86), pois poderiam ser encontradas muitas analogias entre os resultados do experimento e o comportamento humano. Comportamento "supersticioso", contudo, não é equivalente às práticas sociais que denominamos superstições. A esse respeito, Skinner (1953) considerou que:
"... apenas uma pequena parte do comportamento fortalecido por contingências acidentais evolui para as práticas ritualísticas às quais denominamos 'superstições', mas o mesmo princípio está presente. (Skinner, 1953, p. 86)
Rituais supersticiosos na sociedade humana em geral envolvem fórmulas verbais e são transmitidos como parte da cultura. Nessa medida, diferem quanto ao simples efeito de um reforço operante acidental. Mas devem ter tido sua origem no mesmo processo e são provavelmente mantidos por contingências ocasionais que obedecem ao mesmo padrão". (Skinner, 1953, p. 87)
Numa linha semelhante de argumentação, Ono (1994) procurou circunscrever a análise das superstições dentro da noção de comportamento governado por regras. Para Ono, superstições envolvem respostas controladas por antecedentes verbais que não descrevem, de modo acurado, as contingências dispostas pelo ambiente. Nesse caso, as superstições poderiam ou não envolver respostas mantidas por relação acidental com reforço (comportamentos "supersticiosos").
Tanto na análise de Skinner (1953) como na de Ono (1994), a relação entre superstições e comportamento "supersticioso" não é de igualdade: superstições não podem ser completamente entendidas como comportamentos mantidos por relação acidental com reforço. No entanto, a noção de comportamento "supersticioso" pode ajudar na análise das superstições, em especial se for considerada a interação com o comportamento verbal.
Uma importante tentativa de analisar a interação entre comportamento verbal e aquisição e manutenção do responder por relação acidental com reforço foi o estudo de Higgins, Morris e Johnson (1989). Num dos experimentos do estudo, os autores apresentavam a crianças uma instrução em que se descrevia que bolinhas de gude poderiam ser produzidas se as crianças pressionassem o nariz de um boneco na forma de palhaço. As crianças passavam por sessões em que as bolinhas de gude eram apresentadas de acordo com o esquema mult VT EXT: períodos sinalizados de apresentação de bolinhas independentemente de respostas eram intercalados a períodos sinalizados de ausência de apresentações. A maior parte das crianças do estudo começou as sessões respondendo nos dois períodos do esquema múltiplo, mas logo passaram a responder apenas no período de reforçamento independente, continuando a fazê-lo ao longo de mais de 15 sessões. Os resultados desse trabalho não podem ser atribuídos apenas ao efeito da instrução - o que poderia sugerir "insensibilidade" às contingências. O responder "supersticioso" produzido no experimento deve ser entendido necessariamente como um produto da instrução combinado à aquisição e manutenção por relação de contigüidade com reforçamento.
No estudo de Higgins e cols. (1989), a instrução tem um papel de facilitar a resposta que, depois de emitida por controle verbal, passa a ser mantida por reforço que não depende do responder. Outras relações entre descrição de contingências e comportamento "supersticioso" foram experimentalmente investigadas. Pisacreta (1998) mostrou que o comportamento "supersticioso" pode dificultar o surgimento de auto-regras precisas, em que são descritas as contingências dispostas pelo ambiente. Descrições de contingências que não correspondem às dispostas pelo ambiente também podem surgir em certas tarefas experimentais que não envolvem comportamento "supersticioso". Autodescrições que sugerem que certas respostas produzem mudanças ambientais quando, na verdade, não produzem, têm sido chamadas de "regras supersticiosas" (Heltzer & Vyse, 1989; Rudski, Lischner & Albert, 1999). Heltzer e Vyse (1989) mostraram a possibilidade de controle experimental sobre a formulação do que foi chamado de "crenças ou regras supersticiosas". Os autores trabalharam numa situação experimental, com humanos, em que seqüências de oito respostas deveriam ser distribuídas em duas chaves (quatro respostas em cada chave). Quaisquer seqüências apresentadas pelos participantes eram reforçadas, a depender de para qual grupo cada participante era designado, de acordo com o esquema de Razão Fixa 1 ou 2 (FR 1 ou 2) ou de acordo com o esquema de Razão Randômica 2 (RR 2). "Regras supersticiosas" foram mais freqüentes quando as seqüências foram reforçadas em esquemas de RR 2. Os resultados sugeriram que quanto mais "confusas" as contingências para apresentação do reforço, mais prováveis as "regras supersticiosas". Rudski, Lischner e Albert (1999) mostraram que é mais provável que participantes apresentem autodescrições "supersticiosas" sob condições de reforçamento do que punição.Autodescrições "supersticiosas" podem contribuir para a manutenção do padrão supersticioso (Ninnes & Ninnes, 1998; 1999).
Ninnes e Ninnes (1998) avaliaram a interação entre regras e comportamento mantido por relação acidental com reforço em um experimento com crianças. Os participantes recebiam o aviso de que ganhariam cinco centavos de dólar como conseqüência da resolução de problemas de matemática na tela de um computador. Entre as condições experimentais, as crianças passavam por uma condição em que as conseqüências eram apresentadas de acordo com o esquema VR 6 seguido de extinção, follow-up da extinção e apresentação do aviso de ganho dos cinco centavos de dólar sem relação com a resposta. Na condição de extinção ou de apresentação dos cinco centavos de dólar, instruções poderiam ou não ser apresentadas, a depender do grupo experimental para o qual as crianças fossem designadas previamente. No Experimento 1, a instrução apresentada no início da sessão era: "Quanto mais rápido você trabalhar, mais dinheiro poderá ganhar. Digite Enter se você entendeu". Essa instrução era correta quando apresentada antes de iniciada a sessão em que estaria em vigor o esquema de razão variável (VR), e incorreta quando apresentada antes da sessão de extinção ou de apresentação dos cinco centavos de dólar independente do responder. Em cada condição, o participante recebia a oportunidade de desistir ao fim de cada problema de matemática: terminando um problema, aparecia, na tela do computador, uma pergunta sobre continuar ou não, à qual o participante poderia responder "sim" ou "não". Respondendo "sim", um novo problema era apresentado; respondendo "não", a sessão terminava. Os resultados de Ninnes e Ninnes (1998) demonstraram que responder aos problemas matemáticos cessou nas sessões de extinção sem instrução. Nas sessões com instrução incorreta e condição de extinção, os participantes também deixaram de responder, embora com mais demora em relação àqueles que não recebiam instrução. Para os participantes do grupo que recebia a instrução incorreta e a apresentação independente do aviso de ganho, a resolução de problemas matemáticos manteve-se com freqüência igual ou maior do que observada na condição de VR. As apresentações dos avisos independentemente do responder, sem a instrução incorreta, não manteve o responder: para os participantes de um grupo controle que não receberam a instrução no início e foram expostos à condição de FT 60 s, o responder deixou de ser observado logo nas primeiras sessões. Os resultados foram replicados com uma contingência de esquiva e uma instrução que dizia: "Se você trabalhar rápido, você não perderá dinheiro. Digite Enter se você entendeu" (Ninnes & Ninnes, 1998, Experimento 2).
A partir dos resultados dos estudos apresentados, podemos concluir que o papel do comportamento verbal na interação do comportamento "supersticioso" aparece: a) na forma de instruções que favorecem o comportamento mantido por relação acidental com reforço; b) na forma de auto-relatos, relatos "supersticiosos" que podem contribuir para a aquisição ou manutenção de comportamento "supersticioso". Ainda não está totalmente esclarecida a relação entre auto-regras "supersticiosas" e reforçamento acidental. Recentemente, alguns estudos têm buscado comparar responder não-verbal em condições de apresentação de eventos ambientais independentemente do responder com o relato que os participantes fazem da situação a que são expostos. Esses relatos são coletados a partir de perguntas que buscam medir como o participante avalia o controle que tem sobre a situação de apresentação de eventos ambientais independentes do responder (Aeschleman, Rosen & Williams, 2003; Bloom, Venard, Harden & Seetharaman, 2007). Eventualmente, a relação entre auto-relatos e comportamento "supersticioso" pode ser semelhante ao que foi demonstrado pelos experimentos de Higgins et al. (1989) e Ninnes e Ninnes (1989) com relação a instruções oferecidas pelo experimentador: o controle da regra imprecisa sobre o comportamento pode depender de reforçamento ocasional pela apresentação de um evento que não depende do comportamento.
O presente estudo tem como objetivo investigar a relação entre instrução e comportamento mantido por relação acidental com reforço em uma condição inspirada na utilizada por Ninnes e Ninnes (1998). No presente estudo, será avaliado principalmente a aquisição do comportamento "supersticioso" em um delineamento em que diferentes condições experimentais são repetidas para um mesmo sujeito. Por conta da ênfase na aquisição, serão realizadas poucas sessões, com períodos breves em que o participante pode responder. Como no estudo de Ninnes e Ninnes (1988), o próprio participante terá controle sobre o final das sessões, evitando a necessidade de critérios pré-definidos de encerramento da sessão. Em paralelo a essa investigação, o estudo também pretende coletar relatos dos participantes que permitam uma comparação do desempenho verbal após cada sessão com o desempenho não-verbal.
Método
Participantes:
Quatro estudantes do 1º ano da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP), com idades entre 18 e 32 anos. Todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP.
Equipamento:
As sessões experimentais foram conduzidas em uma sala de 3,5 m X 2,5 m, localizada no Laboratório de Psicologia Experimental da PUC SP. Nessa sala havia um computador Pentium 2 em cima da uma mesa, com 1,8 m X 1 m, com cerca de 1m de altura, e uma cadeira. Os participantes, sentados nessa cadeira, manipulavam um mouse que controlava um cursor no monitor do computador. As condições experimentais foram programadas no programa PROG REF V3 (Costa & Banaco, 2002).
Procedimento:
Os participantes eram conduzidos à sala de coleta para realização da tarefa experimental: uma atividade no computador em que pontos poderiam ser acumulados. Respostas poderiam ser emitidas em um retângulo colorido na tela do computador. Para isso, os participantes manipulavam um mouse que controlava um cursor na tela. Uma vez dentro da sala de coleta, o participante ouvia as instruções gerais lidas pelo experimentador:
"Esta atividade na qual você está participando não tem o intuito de medir o nível da sua inteligência ou traçar definições da sua personalidade. É apenas uma atividade que visa investigar as possíveis relações entre uma tarefa feita no computador e as hipóteses que você formulará enquanto a estiver realizando. Durante a tarefa, você deverá utilizar o mouse para clicar sobre um retângulo que aparecerá na tela. A tarefa é dividida em quatro fases. Nesta primeira fase, quando quiser, você poderá encerar a sessão nos momentos em que aparecer a palavra 'aguarde' na tela. Eu lhe trarei uma questão sobre a sessão para ser respondida rapidamente. As outras três fases terão uma duração aproximada de 6 minutos e meio cada uma, mas você poderá desistir quando quiser."
Ao iniciar a sessão, aparecia uma mensagem dizendo ao participante que, para iniciar a sessão experimental, ele deverá clicar no retângulo OK.
O procedimento experimental foi dividido em quatro sessões. Em cada sessão vigorava uma contingência diferente. Cada sessão era composta por períodos de 30 s nos quais poderia haver ou não a apresentação de pontos. Durante a vigência do período de 30 s, o retângulo amarelo ficava disponível na tela do computador sobre um fundo cinza. Entre um componente e o seguinte foi introduzido um período de time out, durante o qual a tela do computador ficava escura por 10 s. Durante o time out, na tela do computador, aparecia a mensagem "AGUARDE", em vermelho. Possíveis respostas emitidas não produziam quaisquer conseqüências programadas. Durante o time out, o pesquisador perguntava se o participante queria ou não continuar a sessão. Em caso afirmativo, o participante voltava a trabalhar no próximo período de 30 s; em caso negativo, a sessão era finalizada. As sessões terminavam quando o participante pedia ou decorridos 10 min do seu início (sessão VR), ou após o termino do 10º componente (sessões extinção, extinção com instrução e FT).
As seguintes contingências vigoravam em cada uma das quatro sessões do experimento:
Sessão 1: VR 6. Para aquisição e fortalecimento da resposta no retângulo amarelo na tela do computador, pontos foram apresentados em média após a ocorrência de seis respostas emitidas pelo participante. A sessão era iniciada com instruções gerais (já apresentadas no início da descrição do procedimento). Assim que o participante respondesse em "OK" era iniciada a fase experimental.
Sessão 2: Extinção: respostas ao retângulo não produziam qualquer conseqüência programada.
Sessão 3: Extinção com instrução incorreta: respostas no retângulo amarelo não produziam pontos, tal qual planejado para a Sessão 2. No início da sessão, contudo, o participante recebia oralmente a seguinte instrução:
"Você já descobriu que a tarefa é clicar sobre o retângulo que aparece no centro da tela, certo? Agora, quero que você tente produzir o máximo de pontos possível que você conseguir. No final da sessão eu lhe trarei as questões para você responder."
Sessão 4: A mesma instrução da sessão anterior era apresentada no início da sessão. Em vez de extinção, pontos eram apresentados independentes do comportamento do participante, de acordo com o esquema VT 8 s. Em média, a cada 8 segundos, um ponto era entregue ao participante.
Ao final de cada sessão, o participante respondia por escrito as seguintes questões: Pergunta 1: "Você sabia o que tinha que fazer para produzir os pontos durante a sessão?
( ) Sim ( ) Não" e Pergunta 2: "Como você achava que deveria fazer para produzir os pontos?
Resultados
A Figura 1 mostra a taxa de respostas (respostas por segundo) dos quatro participantes em cada período de 30 s das quatro sessões realizadas. O número de períodos de 30 s de cada sessão variou entre três e sete; em geral, houve menos períodos nas duas condições de extinção. Os retângulos pretos indicam as taxas nas duas sessões sem a instrução incorreta e quadrados brancos, nas sessões com a instrução incorreta.
Os resultados podem ser comparados de diferentes maneiras. Uma comparação possível é entre o desempenho dos participantes nas condições específicas. Em VR, o desempenho de P3 é diferente dos demais. P3 respondeu menos do que os outros participantes, embora a taxa de resposta tenha aumentado ao longo dos componentes da primeira sessão. Para P1, P2 e P4, a condição em VR manteve taxas estáveis de respostas, acima de duas respostas por segundo. Nas duas condições de extinção, com ou sem instrução incorreta, as taxas de respostas ao longo dos componentes foram mais variadas: mantiveram-se estáveis, aumentaram ou diminuíram abruptamente. Na condição de apresentação de pontos em VT 8 s, também houve diferentes padrões de taxas ao longo dos componentes para os quatro participantes.
O responder estável em VR, ao menos para P1, P2 e P3, pode ser utilizado como uma medida de linha de base para o efeito das variáveis presentes nas condições seguintes. Com essa medida, é possível avaliar o desempenho de um mesmo participante ao longo das diferentes condições. P1 apresentou taxas progressivamente menores às obtidas em VR nas três condições seguintes. P2 apresentou taxas menores nas duas condições de extinção, mas nos quatro primeiros componentes de VT a taxa de respostas foi maior do que a obtida em VR. No último componente, antes do participante encerrar a sessão, a taxa voltou a diminuir, sendo próxima às taxas mais baixas das condições de extinção. Para P3, houve um aumento progressivo da taxa entre os componentes e entre as condições. Finalmente, para P4, na condição de VT foram obtidas taxas mais altas do que as obtidas na maioria dos períodos das condições anteriores (houve uma única exceção na segunda condição de extinção).
Resumindo, para três dos quatro participantes, foi observado responder consistente no componente VT, com taxas maiores do que as obtidas nas condições de extinção (com ou sem instrução) e maiores ou próximas à condição de VR.
A Tabela 1 mostra a resposta "sim" ou "não" dos participantes à pergunta 1, "Você sabia o que tinha que fazer para produzir pontos durante a sessão?". Na sessão de VR, três dos quatro participantes responderam "sim" à pergunta. Nas demais condições, o número de respostas "não" foi maior: apenas três respostas "sim" nas três condições.
A Tabela 2 mostra a resposta dos participantes à questão "Como você achava que deveria fazer para ganhar os pontos?" nas duas fases com instrução incorreta. Na condição de extinção, todos os participantes disseram que não sabiam o que fazer ou que não adiantava responder para produzir os pontos. P4 relatou suas tentativas para produzir os pontos, concluindo que, ao final, nada adiantou para a produção dos pontos. Na condição VT, os relatos de P1 e P4 sugerem uma relação entre respostas no retângulo e pontos. P2 e P3 sugeriram em seus relatos, como na extinção, que os pontos não dependiam das respostas.
Comparando os resultados apresentados na Figura 1 com os da Tabela 2, é possível relacionar comportamento não-verbal com o verbal nas duas condições finais do experimento. Na condição de extinção, há variabilidade nos padrões de respostas, mas os relatos são bastante parecidos. Na condição VT, os participantes apresentam relatos que sugerem não existir relação entre respostas e pontos, mesmo quando respondem no retângulo em vários dos componentes da sessão de VT. Também há relatos que sugerem existir relação entre resposta e mudança ambiental, mesmo quando não há, ou há poucas respostas nos componentes da sessão.
Discussão
O presente estudo buscou avaliar a interação entre instruções incorretas sobre a aquisição de comportamento por relação acidental com reforço. Paralelo a isso, buscou-se coletar dados sobre auto-relatos, em uma tentativa de avaliar as possíveis relações entre auto-relatos, relatos e desempenho não-verbal.
Os resultados do presente estudo podem ser vistos, de início, como uma demonstração adicional do fortalecimento acidental do responder por uma mudança ambiental que não depende deste responder (Skinner, 1948; Pear, 1985; Lee, 1996; Ono, 1987). A resposta acidentalmente reforçada já havia sido previamente fortalecida em uma condição anterior em que havia contingência entre resposta e reforço. Nesse sentido, o estudo também mostra que uma história prévia de reforço pode facilitar que determinada resposta seja emitida em um contexto de mudança ambiental independente do responder e, assim, fortalecida acidentalmente pela apresentação do evento que agora não depende mais da emissão da resposta (Neuringer, 1970; Wagner & Morris, 1987).
A interação entre instruções e comportamento "supersticioso" foi verificada numa condição de apresentação de pontos independentes do responder (VT). Como condição de controle, foi usada uma condição com a mesma instrução incorreta em que as respostas não produziam qualquer conseqüência nem eram apresentados pontos independentes do responder. A condição de suspensão dos pontos como estratégia de controle para avaliação da interação instrução / "supersticioso" já havia sido utilizada por Ninnes e Ninnes (1989), que utilizaram o procedimento como estratégia de controle numa sessão diferente da sessão em que pontos foram apresentados independentemente do comportamento. Higgins, Morris e Johnson (1989) valeram-se de estratégia semelhante de controle com a utilização de um esquema múltiplo, em que a instrução incorreta era fornecida e os participantes eram submetidos a uma situação em que componentes de apresentação de pontos independentemente do responder alternava-se com outra em que não havia pontos (extinção). Essas estratégias de controle para os efeitos da instrução parecem fundamentais para avaliar se o responder mantém-se pela relação acidental com reforço e não reflete apenas o controle pela instrução per se. Controle pela instrução quando o participante é em seguida colocado em uma situação em que não há relação entre resposta e reforço pode sugerir o que tem sido chamado em análise do comportamento de "insensibilidade às contingências" (ver, por exemplo, Madden, Chase & Joyce, 1988). Replicações sistemáticas da interação entre instruções e comportamento mantido por relação acidental com reforço podem indicar com mais clareza o papel do reforço quando a instrução parece controlar o desempenho em um modo aparentemente não esperado pelas contingências dispostas depois da instrução (Matos, 2001).
Em alguns momentos, auto-relatos nas condições de instrução incorreta podem ser caracterizados como relatos "supersticiosos". Entretanto, o uso da expressão "supersticioso" para relatos pode ser questionado, se levarmos em conta algumas relações entre o desempenho verbal e não-verbal. A comparação do auto-relato com o desempenho não-verbal não permitiu conclusões fortes sobre a relação entre comportamento verbal e o comportamento "supersticioso". Entretanto, alguns pontos de discussão podem ser levantados e mais bem explorados em futuras investigações. Nem sempre o desempenho verbal coincidiu com desempenho não-verbal. Na sessão de VT, os participantes relatavam que precisavam responder para ganhar pontos quando não faziam isso, e diziam que não precisavam responder depois de uma sessão em que haviam emitido taxas altas de respostas. A presente análise, em que os dados não-verbais foram apresentados por componente de 30 s de cada sessão, sugere uma possibilidade de interpretação interessante: o relato verbal pós-sessão pode estar sob controle de diferentes aspectos do desempenho do participante ao longo da sessão. Consideremos alguns resultados como exemplos. P2 respondeu com uma taxa estável ao longo dos quatro primeiros componentes da sessão de VT. No último componente, o quinto, houve uma diminuição drástica na taxa de resposta, e o relato de P2 foi "não sei, mas acho que não dependia dos cliques". O desempenho que controlou o relato de P2 parece ter sido seu desempenho final, no último componente quando o participante já havia deixado de responder e observava a apresentação dos pontos independente do responder. O resultado de P3, por outro lado, parece mostrar um controle diferente. Para esse participante, houve um número crescente de respostas em VT; em seu relato, contudo, afirmou que "a partir da terceira sessão (possivelmente, uma referência ao número de componentes da sessão) percebi que não era necessário clicar o mouse para produzir os pontos". O controle do relato de P3 na sessão de VT parece ser muito mais do seu desempenho como um todo, especialmente no início da sessão quando, possivelmente, esse participante recebeu pontos sem relação de contigüidade com respostas ao retângulo.
Resultados como os apresentados pela presente investigação são evidência da necessidade de aprimoramento das estratégias empíricas para avaliação do controle usado para avaliar como o verbal afeta o não-verbal ou vice-versa. Um resultado representativo nesse sentido foi obtido, no presente estudo, por P3. No início da sessão de VR, esse participante respondeu muito pouco, bem menos que os demais participantes. Seu desempenho estaria sobre controle da instrução fornecida no início da sessão? Provavelmente não. Em outras investigações (ainda não publicadas), tentamos avaliar o controle verbal gerado por instruções a partir da solicitação de um palpite no início das sessões experimentais. O palpite é solicitado no início da sessão, na forma de uma pergunta sobre o que o participante irá fazer na sessão. Esse palpite pode ser útil para avaliar diferentes controles exercidos pela instrução sobre o desempenho verbal do participante (em linguagem não-técnica, se o participante "entendeu" o que lhe foi solicitado).
O encerramento da sessão no momento em que o participante solicita, torna dispensável a definição de critérios de estabilidade de desempenho que podem fazer com que o participante seja submetido a uma longa condição de extinção que comprometa os resultados nas sessões posteriores. Esse cuidado ajuda a delimitar de maneira menos arbitrária a diferença entre aquisição e manutenção do comportamento por relação acidental com reforço. O procedimento envolveu um pequeno número de sessões de curta duração. Portanto, as conclusões alcançadas limitam-se à aquisição do comportamento "supersticioso". A curta duração das sessões pode ser um dos aspectos responsáveis pela variabilidade inter e intraparticipantes, característica do processo de aquisição de uma resposta. Em experimentos posteriores, seria necessária uma investigação mais cuidadosa dos efeitos de instruções e autodescrições sobre a manutenção do comportamento "supersticioso".
Por fim, os resultados do presente estudo fortalecem a noção de Skinner (1953) de que "superstições" e comportamento "supersticioso" devam ser tratados diferencialmente. Eventualmente, a interação do verbal com o "comportamento" supersticioso pode mostrar os mecanismos pelos quais "práticas ritualísticas às quais denominamos 'superstições'" (p.86) são transmitidas de geração a geração. O como a manutenção do responder por relações acidentais com reforço contribui para isso, ainda é uma questão aberta à investigação. Esclarecer essa questão pode mostrar como o comportamento verbal participa naquilo que podemos chamar das ilusões que as pessoas criam em relação ao mundo.
Referências Bibliográficas
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Recebido em: 29/10/2007
Primeira decisão editorial em: 06/11/2007
Versão final em: 26/02/2008
Aceito em: 28/01/2008
1 Mestre em Psicologia Experimental pela PUC-SP.
2 Psicóloga pela PUC SP e mestranda do programa de Psicologia Experimental da USP.
3 Doutor em Psicologia Experimental pela USP e professor do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Psicologia da PUC SP. E-mail: mbenvenuti@yahoo.com