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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.12 no.1-2 São Paulo jun. 2010

 

ARTIGOS

 

Análise funcional do comportamento na avaliação e terapia com crianças

 

Functional analysis of behavior in the assessment and therapy of children

 

 

Rochele Paz Fonseca1; Janaína Thaís Barbosa Pacheco2

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

Este artigo objetiva apresentar a importância da análise funcional do comportamento na avaliação e terapia comportamentais com crianças. Tomou parte um caso com oito anos e seis meses de idade, sexo feminino e dois anos de escolaridade. Sua mãe procurou atendimento com as descrições comportamentais da filha: desatenta, agitada, agressiva, desobediente e com dificuldades escolares. A avaliação funcional foi realizada em seis situações: terapeuta-cliente, terapeuta-mãe, terapeuta-pai, terapeuta-pais, terapeutatia e terapeuta-professora. Os principais procedimentos foram a observação do repertório comportamental da cliente, o relato verbal e a aplicação de instrumentos específicos. A análise funcional do comportamento foi promovida com base na formulação de hipóteses dos efeitos de mudanças ambientais nos comportamentos-queixa da cliente. Procedimentos de reforço verbal e generalizado foram utilizados para aumentar a autoestima e desenvolver um comportamento de melhor desempenho aritmético e acadêmico. Ambos os objetivos foram alcançados. Esse estudo de caso demonstrou que a análise funcional pode embasar processos de avaliação e psicoterapia infantil, tornandoos mais efetivos.

Palavras-chave: Análise funcional; Avaliação funcional; Terapia comportamental; Infância.


ABSTRACT

This article aims to demonstrate the importance of functional behavior analysis in behavioral evaluations and therapy involving children. A client took part who was eight years and six months old, female and with two years of schooling. Her mother sought assistance with the behavioral descriptions of her daughter: listless, agitated, aggressive, disobedient and with learning difficulties. The evaluation was conducted in six functional situations: therapist-client, therapist-mother, therapist-father, therapistboth parents, therapist-aunt and therapist-teacher. The main procedures involved the observation of the behavioral repertoire of the client, verbal account and the application of specific tools. The functional analysis of behavior was promoted based on the formulation of hypotheses of the effects of environmental changes on the client's complaint-behavior. Procedures of verbal and generalized reinforcement were used to increase selfesteem and develop a behavior that included better arithmetical and academic performance. Both goals were achieved. This case study demonstrated that functional analysis can be based on processes of evaluation and child psychotherapy, making them more effective.

Keywords: Functional analysis; Functional evaluation; Behavioral therapy; Childhood.


 

 

Introdução

O presente artigo tem por objetivo ilustrar a importância da análise funcional na avaliação e na terapia comportamentais com crianças através de um estudo de caso. De acordo com Conte e Regra (2004), a psicoterapia comportamental infantil é considerada uma atividade clínica diferenciada que visa à modificação e a ampliação do repertório comportamental infantil. Esta abordagem estabeleceuse como modelo psicoterápico infantil apenas a partir das décadas de 1950 e 1960.

Os pressupostos desta abordagem de psicoterapia infantil fazem parte do corpo teórico-metodológico da terapia comportamental, propriamente dita. A terapia comportamental consiste na intervenção terapêutica baseada no Behaviorismo Radical e na Análise Experimental do Comportamento; é também conhecida como Terapia Analítico-Comportamental - TAC - ou como Psicoterapia Analítica Funcional - PAF. Delitti (2001) ressalta o papel fundamental da análise funcional para o levantamento adequado dos dados necessários para o processo terapêutico, ou seja, essencial na perspectiva de aproximação efetiva entre o clínico e o pesquisador. A dificuldade de promover uma análise funcional correta é, também, salientada pela autora. Neste contexto, estudos que ilustrem como esta análise pode ser promovida em ambiente clínico podem contribuir para reflexões teóricometodológicas, acerca da sua aplicabilidade em consultório.

Uma intervenção psicoterápica infantil efetiva deve partir de um diagnóstico cuidadoso. Na abordagem comportamental, a análise funcional consiste na principal ferramenta para um processo de avaliação e de terapia de modificação do repertório de comportamentos de uma criança (Delliti, 2001; Moura, Grossi e Hirata, 2009; Silvares, 2004).

 

Análise funcional do comportamento

O Behaviorismo preconiza, segundo Delitti (2001), que a compreensão do homem só é alcançada a partir de conhecimentos empíricos e da obtenção de dados em laboratório. Matos (1999b), ao abordar o Behaviorismo Radical, proposto por Skinner, ressalta que o eu é o construtor do conhecimento e que a metodologia do n=1 é aceita. Para esta autora, o Behaviorismo é radical por negar radicalmente a existência de algo que não seja identificável no espaço e no tempo e por aceitar radicalmente todos os fenômenos comportamentais.

Para Skinner (1953), o comportamento é o resultado da interação organismo-ambiente, só podendo ser entendido a partir da identificação das circunstâncias em que ocorre. O comportamento é, então, uma unidade interativa que deve ser investigada sistematicamente. Essa investigação se dá mediante a descrição e a interpretação de relações funcionais entre comportamento e ambiente (Matos, 1999b).

Esse entendimento das relações funcionais entre comportamento e ambiente consiste na base da análise funcional do comportamento. Esta análise pressupõe que um indivíduo emite um dado comportamento por este ter sido selecionado por suas conseqüências. Assim, todo e qualquer comportamento possui uma função dentro do repertório comportamental de um indivíduo (Skinner, 1953). A busca das variáveis externas, independentes, das quais o comportamento (variável dependente) é função, consiste na principal finalidade de uma análise funcional. No contexto terapêutico, o foco da análise funcional é o comportamento do cliente e pode ser utilizada em diferentes momentos da terapia, tais como a avaliação, a intervenção e o processo de alta (Delliti, 2001).

A análise funcional realizada na avaliação do cliente objetiva desenvolver hipóteses sobre o efeito de variáveis ambientais na modelagem e na manutenção de comportamentos-problema e, dessa forma, identificar a função do comportamento-problema (Field, Nash, Handwerk & Friman, 2000; Santarém, 2000). Quanto à análise funcional na psicoterapia, é a etapa de verificação das hipóteses, através da manipulação sistemática dos eventos ambientais (Santarém, 2000). Alguns autores denominam essa etapa de análise funcional experimental, consistindo na etapa que tem por objetivo central testar experimentalmente as hipóteses da etapa anterior, usando variáveis independentes derivadas da avaliação funcional (Field et al, 2000).

No que diz respeito aos procedimentos a serem tomados em uma análise funcional durante a avaliação do cliente, Meyer (2001) retoma três aspectos indicados como essenciais por Skinner, para uma formulação adequada conseqüências reforçadoras. Delitti (2001) enfatiza que, para a descoberta das contingências em que o comportamento-problema se instalou e de como ele é mantido, estão envolvidos três momentos da vida do cliente: 1) sua história passada; 2) seu comportamento atual e 3) sua relação com o psicoterapeuta.

Os métodos utilizados neste processo são a observação e o relato verbal. Estes podem ser utilizados no contexto clínico, ou seja, em consultório, ou no contexto natural, residência, escola, local de trabalho do cliente, por exemplo. A história passada só pode ser acessada por intermédio do relato verbal, que pode ser uma conversação dialogada, o relato de sonhos, fantasias, filmes, que tenham a função de estímulos discriminativos para a evocação de eventos da história de vida do indivíduo. O comportamento atual e a relação clienteterapeuta podem ser analisados, tanto a partir da observação de comportamentos variados do indivíduo, como a partir da interpretação do seu relato verbal (Delliti, 2001).

Com base nesta breve revisão da literatura, observase que a análise funcional realizada na avaliação não tem o objetivo de estabelecer um diagnóstico psiquiátrico tradicional, como Torós (2001) ressalta, mas buscar entender qual é a função dos comportamentos-problema no ambiente do cliente, através de hipóteses sobre relações entre variáveis independentes e dependentes. Del Prette, Silvares e Meyer (2005) enfatizam que a avaliação, em terapia comportamental, visa a uma análise funcional que oriente a seleção de estratégias de intervenção, fornecendo, ainda, indicadores para posteriores avaliações da sua efetividade. Esses últimos autores em sua metaanálise de estudos de caso verificaram uma predominância do uso dos seguintes procedimentos de avaliação: entrevistas iniciais com os pais e a criança e a observação direta da criança, no contexto da terapia.

Mediante uma visão conceitual mais ampla da análise funcional do comportamento, Matos (1999a) sugere cinco procedimentos básicos, cada um desses com estratégias específicas envolvidas, para a realização de uma avaliação e de uma intervenção funcionais, conforme pode ser observado na Tabela 1 abaixo.

 

 

Para esta autora, então, uma análise funcional completa deve englobar observação, suposição e verificação, visando à produção de uma definição funcional do comportamento. Matos (1999a) enfatiza, ainda, a impossibilidade de se observar diretamente uma relação funcional. Esta pode ser, apenas, investigada com base na observação dos comportamentos de um indivíduo. Assim sendo, as vantagens de uma análise funcional completa são a identificação de variáveis que influenciam na ocorrência do comportamento de interesse, o planejamento de intervenções, através da modificação destas variáveis e, conseqüentemente, do comportamento-problema, e a previsão das condições que podem proporcionar a generalização e a manutenção das modificações comportamentais efetuadas.

Quanto à aplicação da análise funcional no atendimento clínico de crianças, Conte e Regra (2004) e Silvares (2004) mencionam a importância desta ferramenta para que os antecedentes e os conseqüentes ambientais, que controlam o comportamento-queixa infantil atuais, sejam identificados. A busca por como, quando e onde tal comportamento ocorre, é essencial para o planejamento da psicoterapia comportamental infantil.

Psicoterapia comportamental com crianças

A Psicoterapia Comportamental pode ser entendida como aquela intervenção para a modificação e ampliação de comportamentos, baseada na aprendizagem, na preocupação com o método e na especificação das relações funcionais (Kerbauy, 2001; Kohlenberg & Tsai, 2001). Sua utilidade é associada ao tratamento de indivíduos de diferentes faixas etárias. Entretanto, na literatura que aborda a aplicação da terapia comportamental no processo de avaliação e intervenção com crianças, algumas especificidades são apontadas.

Silvares (2004), ao mencionar a análise funcional no contexto da psicoterapia infantil, enfatiza que a forma de conduzir esta análise muda de acordo com a idade do cliente, mas os objetivos de buscar as relações funcionais não sofrem modificações. Regra (2000) e Conte e Regra (2004) esclarecem que, tanto na avaliação quanto na intervenção psicoterápica, o envolvimento de outras pessoas, em casa e na escola, além da própria criança, é fundamental para o sucesso de uma análise funcional do comportamento infantil.

O manejo de contingências, a partir da interação de, no mínimo, três pessoas, pode ser chamado de modelo triádico (Silvares, 1995). Assim, além do envolvimento do terapeuta e do cliente, conforme o modelo diático, geralmente aplicado na terapia comportamental com adultos, na terapia comportamental com crianças, um mediador também é envolvido. Este pode ser representado pelos pais, pela professora, entre outros. A efetividade da intervenção será maior, quanto maior for a modificação das variáveis independentes mantenedoras do comportamento de interesse da criança em análise. O comportamento da criança continua sendo o alvo primário, mas para as modificações comportamentais serem generalizadas e duradouras, o treino de pais e/ou c professores tornase essencial.

Desta forma, a análise funcional do comportamento infantil requer o entendimento das relações funcionais entre o comportamento-queixa e as conseqüências comportamentais dos pais, dos professores e do terapeuta comportamental. O método mais utilizado para esta análise é o relato verbal das pessoas envolvidas (Deaver, Miltenberger & Stricker, 2001). Frente à revisão apresentada, concluise que a análise funcional do comportamento é uma ferramenta importante na terapia comportamental. No entanto, a sua implementação na prática clínica, ainda se constitui em um desafio. A fim de contribuir com a literatura sobre o tema, este estudo de caso visa a apresentar procedimentos de avaliação e de intervenção sustentados pela análise funcional do comportamento, em um contexto de psicoterapia infantil.

 

Método

O método utilizado para a realização deste estudo de caso foi a análise funcional do comportamento que conduziuse a aplicação de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi assinado pelo pai e pela mãe da cliente. Primeiramente, uma descrição geral da participante e da queixa será promovida.

 

Participante e relato da queixa

A participante, por critérios éticos, será chamada de A. Esta tem oito anos e seis meses de idade e é do sexo feminino. Encontrase cursando a terceira série do Ensino Fundamental. Mora com seus pais e com sua irmã gêmea, B (nome fictício, ressaltandose a semelhança entre os nomes reais), permanecendo no turno da manhã, sob os cuidados de uma tia materna.

A mãe de A procurou atendimento em uma clínica psicoterápica da região metropolitana de Porto Alegre, RS, com as seguintes queixas comportamentais relacionadas à sua filha: desatenta, agitada, agressiva (com familiares e amigos), desobediente e apresentando dificuldades escolares.

 

Método

A fim de tornar claros os procedimentos desenvolvidos com a cliente, o método será dividido em: método do procedimento de avaliação e método da intervenção terapêutica. É importante salientar que ambos foram desenvolvidos utilizando a análise funcional.

 

Método do Procedimento de Avaliação

Instrumentos e Procedimentos

A avaliação foi efetuada mediante contato em seis situações: terapeuta-cliente, terapeuta-mãe, terapeuta-pai, terapeuta-pais, terapeutatia e terapeuta-professora. Diferentes instrumentos e quantidade de sessões foram utilizados em cada situação, conforme pode ser visualizado na Tabela 2.

 

 

Quanto aos procedimentos utilizados na avaliação, a observação do repertório comportamental da cliente foi efetuada desde a sala de espera até cada sessão individual de avaliação e aplicação dos instrumentos. Além disso, as relações funcionais também foram inferidas a partir do relato verbal das pessoas que convivem com a cliente: mãe, pai, tia e professora. Foram definidos os comportamentos de interesse, com a posterior identificação dos efeitos comportamentais.

 

Método da Intervenção Terapêutica

Instrumentos e Procedimentos

A análise funcional do comportamento foi realizada em ambiente clínico, a partir de três interações: 1) terapeuta-cliente (29 sessões); 2) terapeuta-familiares (3 sessões) e 3) terapeuta-professora (2 sessões). A partir dos resultados da avaliação, foram formuladas predições sobre as conseqüências, no comportamento de interesse da cliente, de modif icações nas variáveis ambientais. Assim, foram efetuadas intervenções específicas em cada interação, cujos objetivos, procedimentos e estratégias encontram-se explicitados na Tabela 3.

 

 

Resultados

Assim como na seção Método, os resultados serão apresentados em dois momentos: 1) Resultados da avaliação e 2) Resultados da intervenção terapêutica.

 

Resultados da avaliação

História pregressa e atual

A e sua irmã-gêmea, B, dormem no mesmo quarto há sete meses. Antes, dormiam no quarto dos pais. Quanto à escolarização, A finalizou a segunda série do Ensino Fundamental em dezembro de 2004. Não freqüentou préescola, sendo sua primeira série realizada com dificuldades atribuídas a questões institucionais, tais como greve, falta de professor e violência no bairro, em que a escola se localiza. Nos dois anos escolares, teve sua irmã como colega, na maior parte do tempo. A professora e seus familiares referiram que ela freqüentemente demorava a terminar as atividades propostas em aula, tendo que levar tarefas para casa ou pedir auxílio à irmã, para que esta terminasse as suas tarefas. Sua professora salientou, ainda, habilidades aritméticas, assim como habilidades mais complexas de linguagem escrita (narrativa escrita, por exemplo).

Através da análise das fichas de anamnese, preenchidas individualmente pelos pais de A, observouse que não houve intercorrências, durante a gestação. Seu parto foi realizado com o procedimento de cesariana. Nasceu após sua irmã, com hipóxia. Seu desenvolvimento psicomotor e lingüístico é sugestivo de normalidade neurológica. Foi amamentada naturalmente, até os seis meses de idade e artificialmente, até cinco anos e um mês. Apresentava sono agitado.

A ficava sob os cuidados diários de sua tia materna, juntamente com sua irmã e um primo. Estudava no turno vespertino. Costumava brincar na escola apenas com crianças de seu sexo, preferindo a companhia de uma amiga (amiga em comum com sua irmã) e de sua irmã. Gostava de assistir televisão, sem permanecer muito tempo nesta atividade. Optava freqüentemente por brincadeiras de rua, tais como pular corda, subir em árvores, correr, entre outras. Relacionavase melhor com o pai (sic. pai e mãe). Ocorriam, com freqüência, episódios de discussão verbal entre as irmãs, iniciados sempre por A (sic. pais e tia).

No Questionário Parental de Sintomas, respondido pela mãe, esta referiu problemas de alimentação, sono, ocorrência de medos e preocupações excessivos, assim como de hábitos de onicofagia e mordedura de objetos. Quanto aos aspectos afetivos propriamente ditos, a mãe mencionou sintomas de dependência na realização de atividades e tarefas diárias, problemas com sentimentos, problemas em fazer e manter amigos, problemas com a irmã, agitação, intolerância à frustração e desatenção, temperamento explosivo associado a mauhumor, problemas na escola, ocorrência de mentiras, provocação de danos à propriedade. Por fim, classificou o problema de sua filha como menor, apesar de graduar a freqüência de observação desses comportamentos como 'muito', numa escala Likert de quatro graus (nunca, um pouco, bastante, muito) (para uma revisão, consultar Pasquali, 2003). Sentiase culpada por ter demonstrado preferência por B, referindo que na época da avaliação, amava de modo igualitário suas filhas.

No processo de avaliação, o repertório de comportamentos e condutas da cliente foi observado em diferentes situações. Na sala de espera, pode-se constatar que as irmãs vestiam-se com roupas, calçados e acessórios de modelos idênticos, apenas com cores diversificadas. A procurava ficar longe da irmã, demonstrando satisfação ao afirmar que, apenas ela, entrava na sala de atendimento. Mostravase agitada, alternando sistematicamente os lugares em que permanecia sentada ou em pé, enquanto aguardava ser chamada. Ressaltase que a mãe da cliente demonstrava carinho direcionado à B, com maior expressão. Costumava fazer comentários sobre as dificuldades apresentadas por A, na própria sala de espera. Além disso, nas tarefas domiciliares e escolares, mesmo que apenas uma das irmãs pudesse executálas, ambas eram estimuladas pela família a executaremnas conjuntamente. Enfatizase, ainda, que a mãe comparava com freqüência as filhas gêmeas, destacando as qualidades de B, em contraponto às dificuldades de A. Esta última, percebia o comportamento materno.

Na execução das tarefas em geral, A apresentou comportamentos de impulsividade e pouca tolerância a um preparo e a uma espera para uma execução mais cuidadosa das atividades propostas. Mostrou comportamentos ligados à desejabilidade social, procurando agradar a terapeuta constantemente, apesar de demonstrar irritabilidade aumentada, frente à maior complexidade das tarefas.

No que concerne às habilidades lingüísticas e comunicativas, A apresentou discursos oral e escrito restritos, para sua idade. Teve dificuldades em organizar logicamente as seqüências de quatro e seis peças, apresentando sentenças de extensão curta e narrativa das respectivas histórias com conteúdo e forma lingüísticos pouco explorados. No exame do caderno, observaramse equívocos ortográficos e gramaticais, de um modo geral, bastante freqüentes, com a maioria das tarefas inacabadas. No ditado de palavras e sentenças, demonstrou encontrarse na fase alfabética do desenvolvimento da linguagem escrita (Ferreito & Teberosky, 1985), com aumento de dificuldade frente à maior complexidade dos estímulos lingüísticos. Tais características de escrita alfabética são esperadas para sua série escolar. Entretanto, sua exploração restrita da linguagem escrita não é típica de sua faixa etária.

Quanto à inteligência, no teste Matrizes Progressivas de RAVEN (Angelini, Alves, Custódio et al, 1999), a cliente obteve desempenho classificado como grau III, ou seja, intelectualmente médio. Observaramse, qualitativamente, respostas com características de impulsividade, desatenção, com pouco tempo de manutenção de observação dos estímulos visuais. Além disso, apresentou desempenho regular na tarefa de habilidades aritméticas, realizando adequadamente as operações de soma com unidades, com respostas inadequadas para as demais operações. Tais dados confirmaram as observações efetuadas pela professora da cliente.

 

Resultados dos procedimentos da avaliação

Primeiramente, os comportamentos de interesse foram definidos o mais precisamente possível, mediante solicitação de exemplos que ilustrassem os comportamentos-queixa apresentados pelos entrevistados. Na Tabela 4, encontramse as definições dos comportamentos-queixa de interesse.

 

 

Posteriormente, foram identificadas e descritas as relações ordenadas entre as variáveis ambientais (antecedentes e conseqüentes) e os comportamentos de interesse. Na Tabela 5, os resultados destes procedimentos podem ser visualizados para cada comportamento-queixa.

 

 

Assim sendo, a partir dos resultados das observações efetuadas no processo de avaliação de A, evidenciaramse dificuldades relacionais predominantemente nas díades clienteirmã e cliente-mãe. A demonstrava dependência com relação à sua irmã e busca por desejabilidade social e materna. Apresentava dificuldades aritméticas e lingüísticas, provavelmente oriundas da falta de estimulação e da demanda reduzida do ambiente. Este último fator está ligado às dificuldades afetivas da cliente, ou seja, ela era reforçada ao não realizar as tarefas solicitadas.

Indicou-se atendimento psicoterápico individual com freqüência de duas vezes semanais para A e separação das irmãs em duas turmas de terceira série. Os objetivos predominantes da intervenção psicoterápica foram auxiliar a cliente no seu processo de independência, melhorar sua auto-estima e autoconfiança e contribuir para o aprimoramento do seu desempenho acadêmico, estimulando suas habilidades linguísticas e aritméticas.

 

Resultados da intervenção à luz da análise funcional do comportamento

Em um primeiro instante, predições foram formuladas acerca dos efeitos de manipulação das variáveis ambientais sobre os comportamentos-queixa da cliente. No contexto terapeuta-cliente, os reforços verbais de elogio à aparência e vestimenta da cliente, assim como à legibilidade de sua letra, foram promovidos com a finalidade de contribuir para o aumento da autoestima da cliente. Mostraram um efeito de modificação do comportamento, conforme pode ser observado na Tabela 6, em que pode ser observada uma comparação entre os comportamentos verificados antes e depois do esquema de reforçamento de razão variável: a quantidade de reações comportamentais aos elogios aumentaram, após esse esquema de reforçamento. O aumento do repertório de habilidades sociais da cliente, representado pelo aceite aos elogios e às mudanças na interação com os demais membros da clínica, denota uma melhora de sua auto-estima.

 

 

Ainda no contexto terapeuta-cliente, foi utilizada a técnica comportamental de economia de fichas, sendo as fichas corações desenhados com régua específica de desenho infantil em papel cartolina e recortados pela cliente. O objetivo dessa técnica foi instalar o comportamento de desempenho aritmético e acadêmico satisfatório, assim como, indiretamente, generalizar o reforço atribuído às fichas para a atenção e valorização das pessoas ao seu redor. Na Figura 1, na qual é exposto o percentual de acertos em operações matemáticas da linha de base, até o 13º dia de intervenção, podese constatar um aumento gradativo do desempenho em tarefas aritméticas. A partir da linha de base simples, a cliente foi apresentando ganhos em desempenho, até alcançar 100%.

 

 

Após atingir 100% de desempenho positivo por dois atendimentos consecutivos, A mostrou o pote de fichas conquistadas para seus pais, que a elogiaram e demonstraram carinho através de trocas de abraços e beijos, com a cliente. No contexto terapeutafamiliares e terapeuta-professora, o resultado das orientações para diminuição da freqüência de comparações entre irmãs pelos pais e pela professora pode ser evidenciado na Figura 2. Nesta, podese notar uma diminuição da quantidade de emissões de comparação AB pelos familiares (principalmente mãe, pois pai e tia tinham poucas emissões, desde a primeira entrevista) e pela professora. Na Figura 2 são apresentados, então, o número de emissões, em cada entrevista.

 

 

Além desta orientação, também foi efetuada uma combinação de pais e professora elogiando A, após cada pequena conquista (acerto em uma operação matemática, por exemplo). Na última entrevista com cada um deles, a partir de seu relato verbal, os efeitos dessa mudança comportamental puderam ser identificados no repertório comportamental de A: aumento da atenção nas atividades escolares e execução independente das tarefas de aula e de casa.

Atualmente, A encontrase em fase final de generalização dos resultados obtidos em consultório, para os ambientes casa e escola. Os pais e a professora demonstraram preocupação, inicialmente, com as modificações dos comportamentos da cliente: A mantém-se em silêncio, enquanto a professora explica o conteúdo, termina as atividades, embora demore, ainda, mais que alguns colegas. Vestese diferentemente da irmã, está fazendo novas amizades e impõe sua vontade à da irmã (de modo, ainda, agressivo). A terapeuta, então, explicitou que estas mudanças representam melhora e não piora, no comportamento de A.

 

Discussão

Os comportamentos-queixa trazidos pelos familiares e pela professora da cliente consistem em características de comportamento bastante freqüentes, no início da fase escolar. A contingência de evitar tarefas escolares é considerada comum por Northup, Kodak, Lee e Coyne (2004). Apesar de queixas, tais como as de desobediência, agitação e desatenção serem frequentemente originadas pelos pais (Shapiro & Bradley, 1999), na literatura, a utilização da análise funcional, tanto na avaliação, como na terapia comportamentais, é mais incidente em casos de queixas mais bizarras do desenvolvimento infantil, tais como distúrbios alimentares (Piazza, Fisher, Brown, Shore, Patel et al., 2003), transtornos do desenvolvimento (Bosch, 2002) e auto-agressão (Deaver et al., 2001), entre outros.

Os comportamentos-queixa, embora considerados inadequados pelas pessoas com quem a cliente convivia, mostraram-se funcionais, ou seja, apresentavam uma função no seu repertório de comportamentos, com um antecedente que contribuía para sua ocorrência e um consequente que contribuía para a sua manutenção e posterior repetição. Para a identificação dos antecedentes e consequentes de cada comportamento de interesse, assim como da relação funcional entre comportamentos da cliente e variáveis ambientais, os procedimentos sugeridos por Delitti (2001) e Matos (1999a) foram fundamentais. A observação das relações funcionais na história de vida permitiu a inferência de que a cliente estabeleceu uma autoregra de que já era a pior e que nada que fizesse mudaria este status na sua família. Esta autoregra, segundo a conceituação e classificação de Jonas (1999), pode ser considerada encoberta. Graças a esta regra, A passou a tomar decisões de não completar as tarefas domésticas e escolares, além do que sua mãe e sua irmã, as faziam, reforçando o comportamento de A. Além da história de vida, comportamentos apresentados na relação terapeuta-cliente (busca por agradar constantemente a terapeuta - desejabilidade social) e relatados por seus pais, contribuíram para o entendimento da sua função do repertório da cliente.

Pela observação dos antecedentes e dos conseqüentes de cada comportamento-queixa (Tabela 5), pode-se, também, inferir que, em geral, o aumento da demanda por desempenho do ambiente e as freqüentes comparações com sua irmã gêmea foram variáveis independentes significativas no estabelecimento e manutenção dos seus padrões comportamentais de não execução das tarefas. Ressaltase que a regra familiar que categorizou B como a irmãmodelo e A como a irmã malsucedida, associada à constante punição materna, contribuiu muito para a ocorrência dos comportamentos indicativos de baixa autoestima e de busca constante por aceitação materna. Além disso, associação entre baixa autoestima e dificuldades escolares é amplamente destacada na literatura (por exemplo, Shirk & Harter, 1999).

A partir da identificação destas variáveis, a análise funcional do comportamento de A pôde ser planejada. Conforme o modelo triádico preconiza, a participação de, no mínimo, três pessoas é fundamental para o sucesso da intervenção psicoterápica infantil. Elliott e Fuqua (2000) ilustram casos bemsucedidos de tratamento de auto-agressão infantil, a partir do envolvimento de modificações comportamentais dos pais, do terapeuta e da professora. Para tanto, a conscientização dos pais sobre as contingências que circundam o comportamento da criança, mostramse essenciais (Bosch, 2002; Rocha & Brandão, 2001). No caso em estudo, o relato verbal da terapeuta, sobre os antecedentes e conseqüentes dos comportamentos de A, auxiliaram neste processo de conscientização dos seus pais e da professora, sendo fundamental para o aceite das orientações de modificação dos seus comportamentos nos ambientes casa e escola. McNeill, Watson, Henington e Meeks (2002) salientam, inclusive, que em seu estudo o treinamento de pais na realização de análises funcionais foi bemsucedido, conseguindo estes identificar as relações funcionais entre os comportamentos.

No contexto terapeuta-cliente, o reforço verbal (ver em Simonassi, Borges & Loja, 2000 e Tomanari, 2000) e a técnica de economia de fichas (ver em Tomanari, 2000), o elogio e as fichas foram muito importantes para o estabelecimento de padrões comportamentais de maior autoestima e de melhor desempenho escolar. As fichas atuaram como reforçadores condicionados generalizados, cujos comportamentos a elas relacionados foram ampliados para o ambiente casa, a partir da transferência do controle por elas exercido para a aprovação de seus pais (reforçador natural).

Apesar de se ter conquistado bons resultados até o momento, a fase atual de generalização é crucial para a conclusão efetiva da terapia comportamental. Simonassi et al. (2000) abordam a importância desta ampliação do efeito alcançado de alguns estímulos discriminativos para outros importantes, tendose em vista uma maior adaptação da cliente ao seu ambiente. O processo de generalização em contexto clínico é complexo e envolve variáveis extrínsecas ao setting terapêutico, podendo ser dificultado pela inconsistência ou não sistematicidade dos esquemas de reforçamento (Gadelha & Vasconcelos, 2005). Dessa forma, a manutenção das orientações ensinadas à família de A, principalmente no sentido de reforçar positivamente as condutas esperadas, será fundamental para que o processo de generalização das aprendizagens ocorra satisfatoriamente, ampliando o repertório comportamental da cliente.

 

Conclusão

Apesar de o ambiente de consultório não permitir um controle rigoroso como o laboratório o faria e de a modificação do comportamento em ambiente natural não ter sido efetuada, o presente estudo de caso demonstrou que os pressupostos da avaliação e da análise funcional do comportamento podem embasar os processos de avaliação e de psicoterapia de uma criança, tornando-os mais efetivos. A ferramenta análise funcional foi essencial para que as funções das variáveis, que controlavam os comportamentos-queixa da cliente, fossem identificadas e, a partir da previsão do efeito da manipulação de variáveis independentes (comportamentos do pai, da mãe, da terapeuta e da professora), novos padrões comportamentais fossem planejados e instalados.

Assim sendo, a avaliação funcional foi promovida, graças à observação do comportamento da cliente em diversos contextos de interação comportamental, relato verbal e aplicação de alguns instrumentos, que objetivaram a avaliação clínica. Com base nestes procedimentos avaliativos, conduziu-se a uma análise funcional do comportamento, que fundamentou a intervenção de mudanças ambientais, refletindo diretamente nos comportamentos disfuncionais da cliente. Procedimentos de reforço verbal e generalizado foram utilizados para aumentar a auto-estima e desenvolver comportamento de melhor desempenho aritmético e acadêmico, com objetivos de intervenção atingidos. Esse estudo de caso reforça a importância da aplicação da análise experimental do comportamento, na clínica psicoterápica infantil.

 

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Recebido em: 03/04/2007
Aceito para publicação em: 04/03/2009

 

 

1 Programa de Pós-Graduação em Psicologia - Área de Concentração em Cognição Humana. Grupo de Neuropsicologia Clínica e Experimental (GNCE), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Av. Ipiranga, 6.681 -Prédio 11 -9º andar, sala 932. 90619-900. Porto Alegre, RS, Brasil. Fone / Fax: 55-513320-3500 ramal 7742. E-mail: rochele.fonseca@pucrs.br
2 Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica (PUCRS). Bolsista PNPD.