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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.12 no.1-2 São Paulo jun. 2010

 

ARTIGOS

 

Intervenção analítico-comportamental em tricotilomania1

 

Behavioral intervention on with trichotillomania

 

 

Rosedália Maciel Goulart-Junior; Ilma A. Goulart de Souza Britto2

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

 

 


RESUMO

O presente estudo objetivou analisar funcionalmente o comportamento-problema de puxar os fios de cabelo de uma pessoa diagnosticada com tricotilomania, por meio do procedimento de reversão do hábito. A participante era uma jovem solteira de 21 anos, estudante universitária e encontravase em tratamento médico e farmacológico desde os 12 anos de idade. Para demonstrar o controle experimental dos procedimentos, foi utilizado o delineamento de ReversãoReplicação no formato ABAB, seguido por follow-up. O programa de intervenção foi efetivo na redução do comportamento de arrancar os fios de cabelos, que se manteve no follow-up.

Palavras-chave: Análise funcional; Intervenção terapêutica; Reversão do hábito.


ABSTRACT

The aim of this study wasaimed to analyze functionally the problem behavior of the selfpulling of thestrands of hair in of an individualperson diagnosed with trichotillomania, usingthrough habit reversal procedure. The participant was a young maiden of 21year olds unmarried woman; a college student who had been receivingwas in medical and drugpharmacological treatment since the age of 12. To demonstrate the experimental control of the procedures, were used to design Reversal-Replication design was employed, using the ABAB format, followed by with follow-up. The intervention program was effective in reducing the behavior of pulling out the strands of hairs, and this that remained the case in the follow-up.

Keywords: Functional analysis; Therapeutic intervention; Habit reversal.


 

 

A palavra tricotilomania, do grego "loucura de arrancar os cabelos" foi utilizada por Hallopeau no início do século XX, para descrever o comportamento de pessoas que arrancavam os próprios cabelos (Opdyke & Rothbaum, 2003). O presente artigo focaliza uma intervenção analítico-comportamental para o tratamento da tricotilomania. A seguir, uma breve revisão da literatura que apresenta os critérios diagnósticos, controvérsias e desdobramentos do que se descreveram a respeito desse tema nas abordagens psiquiátrica, psicológica e dermatológica.

No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (APA, 2000/2002) é encontrado que a característica essencial da tricotilomania consiste em puxar ou arrancar os próprios cabelos de maneira recorrente, resultando em perda capilar perceptível em qualquer região do corpo, sendo classificada como transtornos do controle dos impulsos. Rangé e Rodrigues (2003) declaram que a tricotilomania foi classificada neste tipo de transtorno, uma vez que é marcada por um impulso do qual a pessoa não consegue se controlar. A tricotilomania pode ocorrer em qualquer área pilosa do corpo sendo mais comum no couro cabeludo, sobrancelhas, barba, cílios e pelos púbicos, o que provoca prejuízos na área afetiva e social do indivíduo.

De acordo com Kaplan, Sadock e Grebb (1997), os sintomas clínicos da tricotilomania incluem um sentimento crescente de tensão, antes de arrancar os cabelos e prazer, gratificação ou alívio, quando a pessoa puxa os cabelos. Dentre os transtornos associados, os autores apontam o transtorno obsessivo compulsivo, transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva, transtorno de personalidade borderline e transtornos depressivos.

Entretanto, há controvérsias na literatura da área. Jenike e Jesen (1989), por exemplo, sugerem que a tricotilomania pode ser uma forma de transtorno obsessivo-compulsivo, devido à sua resposta frente aos inibidores da recaptação da serotonina. Kaplan et al. (1997) sugerem que a fenomenologia da tricotilomania e do transtorno obsessivo compulsivo sobrepõem-se. Ambos são transtornos crônicos e reconhecidos pelo indivíduo como indesejáveis.

A diferença é que os indivíduos com tricotilomania não têm pensamentos obsessivos e a atividade compulsiva está limitada a um só ato: arrancar os cabelos. Por sua vez, autores como Christenson, Mackenzie e Mitchell (1991), Christenson, Ristvedt e Mackenzie (1993), Stanley, Borden, Mouton e Breckenridge (1995) e Stanley, Swann, Bowes, Davis e Taylor (1992), declaram que pessoas com tricotilomania arrancam os cabelos sem perceberem totalmente, em vez de reduzir impulsos, ansiedade ou responder a uma obsessão.

Do ponto de vista dermatológico, a tricotilomania é rica em sinais propedêuticos. O quadro é agravado por uma patologia no couro cabeludo, como eczema, neurodermite, dermatofitose ou, até mesmo, alopecia (falta de cabelos). Pode ser acompanhado de tricofagia (ingerir cabelos) e, por vezes os cabelos são encontrados dentro da boca da pessoa ou acumulados no estomago e intestino formando o clássico tricobezoar (Kaplan et al., 1997; Pereira, 2004). O tratamento para a tricotilomania envolve dermatologista, psicólogo, psiquiatra e uso de medicamentos.

Geralmente a agressão aos cabelos ocorre quando o indivíduo está assistindo televisão, estudando ou falando ao telefone. Pode ser intensificada quando associada a uma situação estressante, como por exemplo, preparação para uma prova. Nem sempre a extração do pêlo é imediata. Muitas vezes o indivíduo fica durante horas torcendo os cabelos entre os dedos ou manipulando de uma forma qualquer para depois extraílos. A extração dos cabelos anágenos é mais difícil e doloroso motivo pelo quais os cabelos telógenos são primeiramente arrancados. A tricotilomania pode alternar períodos de exacerbação e de acalmia (Pereira, 2004).

Dificilmente o indivíduo adulto ou criança consulta o médico por apresentar tricotilomania. O tratamento só é buscado quando o quadro se agrava de tal modo que afeta a vida social e emocional do mesmo. Na maioria dos casos o cliente vai ao consultório com acompanhante, que é quem tem o maior interesse pelo tratamento. Normalmente o indivíduo já passou por outros médicos e, assim como o acompanhante, não admite a hipótese de tricotilomania. Apesar de toda cautela para abordar o assunto, grande parte dos indivíduos não mais retornam após a confirmação do diagnóstico (Rangé & Rodrigues, 2003; Pereira, 2004).

Como acima mencionado, os critérios diagnósticos da tricotilomania requerem comportamentos repetitivos de arrancar os cabelos, uma sensação de tensão antes de arrancálos, tentar resistir ao impulso e experimentar alívio quando se arranca o cabelo. Todavia, os problemas com essas explicações são que elas não oferecem avanços porque os construtos propostos para explicar o comportamento são estados internos e inobserváveis tornando difíceis suas medidas e verificações. Nas descrições tradicionais sobre os problemas humanos mais complexos é comum ver ignorada a relação crítica entre o indivíduo e o ambiente.

 

Análise Funcional da Tricotilomania

O comportamento deve ser estudado como dado científico. E o estudo do comportamento por meio de uma análise funcional busca a identificação de relações de dependência entre os eventos, sem a necessidade de especificar a existência de uma doença ou transtorno. A tarefa do analista do comportamento é investigar as relações funcionais entre o comportamento e o contexto em que ele ocorre.

Por meio da experimentação se investiga quais são as dimensões do fenômeno comportamental e como ele se relaciona aos outros fenômenos naturais (Johnston & Pennypacker, 1993). Ao estudar o comportamento numa relação funcional, evidenciase a tríplice relação de contingência: evento antecedentecomportamentoconsequências (Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/1970; Todorov, 2002). E se o comportamento ocorre, possui uma função, mesmo no caso de comportamentos humanos complexos como arrancar os cabelos. O analista do comportamento não manipula os eventos internos. Assim sendo, ele não manipula o impulso, mas os estímulos responsáveis pela emissão do comportamento de arrancar os cabelos.

No estudo conduzido por Rapp, Miltenberger, Galensky, Ellingson e Long (1999), foram utilizadas uma série de análises funcionais para avaliar o comportamento de a) Arrancar e b) Manipular os cabelos de uma participante de 19 anos de idade com o diagnóstico de tricotilomania. Na primeira fase, as análises funcionais foram estabelecidas a partir de um delineamento de múltiplos elementos com quatro condições de tratamento: demanda, atenção, sozinha e controle.

Os resultados das análises funcionais indicaram que o percentual de tempo utilizado em arrancar e manipular o couro cabeludo foram elevados na condição "sozinha", quando comparados com as outras condições. Tais dados sugerem que o comportamento foi mantido pelo reforçamento automático ou estimulação sensorial, relacionada às manipulações tátil-digitais.

Na segunda fase, Rapp et Al. (1999) manipularam o percentual de tempo ocupado em arrancar e manipular os cabelos em três condições funcionais: "sozinha", "free hair" (disponibilização dos fios de cabelos, anteriormente arrancados) e "luva". Os resultados demonstraram que, na condição "luva", não ocorreu arrancar ou manipular os cabelos. Na condição "free hair", não houve arrancar cabelo do próprio couro cabeludo, o que pouco ocorreu na condição "sozinha". No entanto, o percentual de tempo em manipular os fios de cabelos nas condições "free hair"e "sozinha" foram extremamente elevados. Mais uma vez, os resultados sugerem que arrancar os cabelos foi mantido pela estimulação sensorial relacionada à manipulação tátildigital. O uso da condição "free hair" possibilitou uma alternativa parcimoniosa para a hipótese da redução da tensão.

 

Tratamento para a Tricotilomania

Para tratar comportamentos frequentes e repetitivos que são inconvenientes, tanto para si próprios, como para as outras pessoas, Martin e Pear (2007/2009) sugerem que o método de reversão de hábito tem sido usado com eficácia. De acordo com os autores, esse método possui, basicamente, três componentes: primeiro o cliente aprende a descrever e a identificar o comportamento-problema. Segundo, o cliente aprende e treina a emissão de um comportamento que seja incompatível ou concorra com o comportamento-problema. O cliente treina, diariamente, o comportamento corrente na frente do espelho e também emite tal comportamento logo após uma emissão do comportamento-problema. Terceiro, para se motivar, o cliente revê as inconveniências causadas pelo transtorno, registra e faz gráficos do comportamento e pede a um membro da família que forneça o reforçamento pela adesão ao tratamento.

Pesquisas realizadas para a intervenção terapêutica com pessoas que arrancavam os cabelos de forma crônica demonstraram que o método de reversão de hábito foi a que apresentou os melhores resultados clínicos (Rapp, Miltenberger, Long, Elliott & Lumley 1998; Rapp et al. 1999). Opdyke e Rothbaum (2003) afirmam que a reversão do hábito é uma estratégia clínica para controlar comportamentos como roer unhas ou arrancar cabelos. Fazse necessário que o cliente atente para cada ocorrência do comportamento-problema e o interrompa por meio de outro comportamento incompatível.

Rapp et al. (1998) demonstraram o controle para o comportamento de arrancar os cabelos de três adolescentes tratados com a reversão do hábito em um procedimento que consistia de aprendizagem para descrever e identificar o transtorno, treinamento de resposta incompatível e apoio social em um delineamento de linha de base múltipla. Os resultados demonstraram uma imediata redução dos comportamentos de arrancar os cabelos na fase de tratamento, quando comparados com os dados da linha de base.

O presente estudo teve objetivo analisar funcionalmente o comportamento de arrancar o cabelo emitido por uma pessoa com o diagnóstico de tricotilomania no contexto clínico. Para essa finalidade, foi utilizado o método de reversão do hábito com três componentes: a) Ensinar a participante a descrever e a identificar o comportamento de arrancar os fios de seu cabelo; b) Treinar a emissão de comportamentos incompatíveis com o arrancar os cabelos; c) Reforço social e apoio por meio do envolvimento dos familiares no tratamento. Um segundo objetivo foi o de empregar o delineamento experimental de reversãoreplicação, seguido por follow-up para o controle dos procedimentos.

 

Método

Participante

Participou do presente estudo uma pessoa do sexo feminino, 21 anos de idade, solteira, estudante universitária e que foi diagnosticada como portadora de tricotilomania, conforme encaminhamento médico. A participante relatou a terapeuta que procurou ajuda psicológica, pelo fato de sentir vergonha de sair de casa em função de sua aparência, o que causava curiosidade nas pessoas, levando-as a indagarem-na sobre as falhas de cabelos.

Relatou ter dificuldades de controlar a emissão do comportamento de arrancar os cabelos, vergonha de sair de casa, em função de sua aparência e também medo de que as pessoas indagassem sobre as falhas de cabelos, pois não saberia o que dizer em tal situação. Relatou ainda que, sempre que necessitava sair de casa, tinha enorme trabalho em frente ao espelho, fazendo uso de maquiagem com o objetivo de esconder as regiões alopécicas. Acrescentou: "tenho que evitar" programas, como: ir ao clube, ir à praia, tomar sol com alguém por perto, atividades físicas, pois o suor evidencia as regiões afetadas. Além disso, não podia usar os cabelos soltos, pintar, cortar ou alisar como gostaria de fazer. Também restringia bastante o contato intimo com o seu parceiro, afirmando que "não posso me deitar à vontade, nem encostar minha cabeça no peito dele, estou sempre escondendo a cabeça”. Tais fatos lhe causavam grande constrangimento pessoal e social.

 

Material e Ambiente

As sessões de atendimento foram conduzidas em um consultório particular. O consultório continha uma mesa retangular com três cadeiras, duas poltronas, armário, tapete, lavatório e ar condicionado. Foram utilizados lápis, papel chamex, canetas, borracha, celular equipado com máquina fotográfica e folhas de registro.

 

Procedimento

Foram marcados dia e horário para a primeira entrevista e, nessa sessão, foi explicado à participante a forma de intervenção e os procedimentos que seriam utilizados no decorrer da terapia. Foram levantadas as queixas, a definição do comportamento que seria requerido e os objetivos a serem alcançados. Foi enfatizada a importância da coleta de dados e as regras que deveriam ser seguidas para ajudála, não apenas na aprendizagem de novas habilidades, mas principalmente, na redução de seu comportamento problema.

Um Documento de Consentimento Livre e Informado foi assinado pela participante. O documento continha esclarecimentos sobre o trabalho terapêutico, o sigilo das informações e a permissão para divulgação dos resultados em revistas ou eventos científicos. Também foi obtida a autorização para o registro fotográfico dos fios de cabelos arrancados da cabeça da participante, registro esse utilizado para comparações futuras sobre a evolução do tratamento.

O atendimento para o comportamento de arrancar os cabelos foi realizado em duas sessões semanais de 50 minutos, durante quatro meses consecutivos. Nas sessões iniciais, foram feitos os registros do comportamentoalvo que comporiam a linha de base, para posterior intervenção. Observações diretas do comportamento do comportamento da participante no consultório propiciaram importantes informações, como por exemplo: a participante se expressava com um tom de voz baixo (quase inaudível), permanecia cabisbaixa, fazia gestos lentos, pouco contato olho a olho, além de choros frequentes.

A categoria comportamental, identificada para sofrer intervenção, foi o comportamento repetitivo de arrancar os cabelos. Para demonstrar o controle experimental dos procedimentos, foi utilizado o delineamento de reversãoreplicação ABAB, seguido por follow-up. Fase de linha de base, a variável manipulada não estava presente; fase de tratamento ou intervenção I; repetição da fase de linha de base; outra fase de tratamento ou intervenção II, por se tratar de estudo realizado no contexto terapêutico. Após trinta dias, foi realizado o follow-up.

Todos os dados coletados foram registrados nas folhas de registros que pontuavam os intervalos de tempo da ocorrência do comportamento de manipular e arrancar os cabelos durante as sessões. A folha de registro apresentava um cabeçalho com espaço para iniciais do nome da participante, a data da sessão, a fase do delineamento, a atividade as ser desenvolvida e a duração dos intervalos de trinta segundos em trinta segundos. O registro fotográfico foi realizado durante algumas sessões do delineamento aplicado. A seguir, é apresentada uma descrição da classe comportamental da participante que sofreu intervenção.

Arrancar os cabelos: esta classe de comportamentos foi definida pela topografia comportamental apresentada pela participante que levava as mãos em direção à cabeça, usando todos os dedos de ambas as mãos; flexionava-os e executando movimentos de dedilhar, separando os fios maiores dos fios menores, já que arrancava os fios menores. Em seguida, utilizando apenas os dedos polegar e indicador de uma das mãos, fazia movimento de pinça, segurando firmemente o fio de cabelo. Ato contínuo, executava um movimento rápido e brusco no sentido de arrancar o mesmo. Após a remoção do cabelo, olhavao fixamente com os dois olhos, mantendoo preso com os dedos polegar e indicador. Por instantes, acompanhava com o olhar a extensão do fio de cabelo arrancado, da raiz à ponta final; logo após, levava com a mão direita o fio de cabelo em direção à boca, cortava a raiz com os dentes e, então o deglutia. O tempo usado para esta classe de comportamentos variava de dois a cinco minutos.

1. Linha de Base I e Linha de Base II

As sessões da linha de base, para o comportamento de arrancar os cabelos, tiveram inicio, quando a terapeuta questionou fatos da história de vida da participante. Seus constrangimentos e inconveniências causadas pelo arrancar dos cabelos, momentos difíceis experimentados, tratamentos realizados ou aspectos de sua vida pessoal, familiar e social. A participante era livre para comentar o quanto quisesse sobre cada assunto. Se a participante arrancasse fios de cabelo, seu comportamento era anotado na folha de registro. Na emissão desses comportamentos não havia nenhuma consequência.

2. Intervenção I e Intervenção II: Reversão de hábito

As sessões de intervenção para o comportamento de arrancar os cabelos tiveram inicio, quando a terapeuta introduziu o método de reversão de hábito. A participante aprendeu a identificar cada ocasião em que ela arrancava o cabelo e descrever a sensação de ter o cabelo entre seus dedos e, logo após, simular repetidamente o comportamento de levar as mãos no cabelo, sem arrancálos. Se a participante levasse as mãos à cabeça, a terapeuta imediatamente impedia que ela arrancasse o cabelo, segurando seu braço até que a participante desistisse do movimento. Esta ação foi repetida tantas e quantas vezes a participante levasse as mãos aos cabelos. Paralelamente, se ocorresse arrancar os cabelos, a terapeuta anotava a frequência na folha de registro.

Com o treinamento das respostas incompatíveis, a participante selecionou vários comportamentos apresentados pela terapeuta que eram incompatíveis com o comportamento de arrancar os cabelos. A participante foi encorajada a empenharse em um desses comportamentos (p. ex., apertar os punhos e mantê-los assim durante dois minutos, sentar em cima das mãos, dobrarem os braços, manter as mãos ocupadas, mudar de ambiente) a cada vez que sentisse desejo de arrancar os cabelos. Durante o treinamento, a participante simulava arrancar os cabelos, ao mesmo tempo em que emitia o comportamento incompatível, o que era imediatamente reforçado pela terapeuta.

Para o reforço social e apoio, a mãe da participante foi instruída: dar um prompt para a participante que favorecesse a resposta incompatível quando necessário (p. ex., foi muito bom você ter sentado em suas mãos), ou por ela fazer uso da resposta incompatível previamente treinada no consultório ou elogiála (p. ex., seu cabelo está crescendo e ficando bonito; esse tratamento está sendo útil, pois seus cabelos estão crescendo), pela ausência do comportamento de arrancar os cabelos.

 

Resultados

Os resultados encontrados são apresentados em forma de gráfico. O mesmo demonstra as fases manipuladas. O delineamento envolveu coleta de dados durante uma fase inicial ou linha de base I, quando a variável de interesse não estava presente. Condução de uma segunda fase de tratamento ou intervenção I, na qual o evento ou a situação de interesse estava presente. Repetição da linha de base e outra fase de intervenção II para um padrão claro, que mostrasse a relação entre a variável manipulada e as mudanças nas frequências do comportamento-problema. Após o intervalo de trinta dias, foi realizado o follow-up.

Os dados da Figura 1 mostram o percentual de tempo de manipular e arrancar os cabelos por sessão, durante as fases de linha de base e intervenção. Na linha de base I e II, os percentuais de duração do comportamento de arrancar os cabelos foram freqüentes, ocorrendo com maior intensidade durante a linha de base I do que na fase de linha de base II. Durante as sessões de intervenções I e II, o percentual de duração do comportamento de arrancar cabelos diminuiu e alcançou frequência zero nas últimas sessões da intervenção I e manteve-se com ocorrência zero nas últimas sessões da intervenção II e no follow-up.

Já a Figura 2 mostra o registro fotográfico do crescimento dos fios de cabelo da participante obtido durante algumas das sessões das fases do delineamento aplicado.

 

Discussão

As descrições tradicionais para a tricotilomania estabelecem critérios diagnósticos, tendo por base a topografia comportamental e a hipótese de um fator interno subjacente como causa. Arrancar os fios de cabelo seria causado por suposto processo impulsivo, que ocorre dentro do indivíduo.

De acordo com a abordagem analítico-comportamental, no entanto, ser compreendido separado das características do contexto onde ocorre. Torna-se, então, necessário especificar as relações compreendidas entre arrancar o fio de cabelo e os eventos ambientais que o antecedem e o mantêm. Mais precisamente, o comportamento, problema ou não, deve ser funcionalmente analisado, isto é, visto à luz das condições de estímulo antecedentes e consequentes (Skinner, 1953/1970).

Assim sendo, deve-se levar em conta as características do contexto para observar a frequência com que uma pessoa se engaja nesse tipo de comportamento, qual circunstância o favorece ou condição que o influencia, tal como demonstraram os estudos de Rapp, et al. (1998) e Rapp, et al. (1999). Com tais procedimentos, os terapeutas analíticocomportamentais estarão assegurados por uma ciência natural, por um amplo conjunto de condições experimentais e sistemas mensuráveis exigidos pelo rigor metodológico.

Desta forma, os resultados do presente estudo mostraram que a intervenção foi efetiva em modificar consideravelmente o comportamento-problema apresentado pela participante com o diagnóstico de tricotilomania, como demonstram os dados da Figura 1. Tais achados são consistentes com os estudos presentes na literatura, demonstrando que o método de reversão de hábito produz resultados efetivos para a solução deste tipo de problema. Mais uma vez, foi confirmada a eficácia desse método, como demonstraram os estudos de Rapp et al. (1998), Rapp et al. (1999) e Martin e Pear (2007/2009).

Com efeito, os procedimentos utilizados demonstraram a modificação do comportamento de arrancar os cabelos da participante, conforme verificadas nas fases de linha de base e intervenção do delineamento aplicado. Como evidenciado das análises dos dados, verificou-se a diminuição do comportamento de arrancar os cabelos, que alcançaram frequência zero, durante as sessões de intervenção, o qual foi alvo direto do procedimento aplicado.

Ainda que se possa questionar o uso do delineamento de reversão no contexto terapêutico, esclarecese que a opção pela reversãoreplicação foi com o objetivo de demonstrar convincentemente à participante, uma relação de causa e efeito, uma vez que a mesma permitiu o registro fotográfico progressivo do crescimento dos fios de cabelos, durante as fases do estudo (Figura 2).

O tratamento analítico-comportamental da tricotilomania pode se tornar promissor, como demonstraram os achados do presente estudo. Enfatizase a sua importância e justificase a sua relevância, por ter sido aplicado um programa experimental para estudar o comportamento de arrancar os cabelos, no contexto terapêutico. Pesquisas a esse respeito são importantes para determinar o real valor da intervenção analítico-comportamental, em casos de tricotilomania.

 

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Recebido em: 20/03/2008
Aceito para publicação em: 30/06/2010

 

 

1 Artigo apresentado à Pontifícia Universidade Católica Goiás, como requisito parcial a obtenção do título de especialista em "Psicopatologia: subsídios para a atuação clínica" da primeira autora sob a orientação da segunda.
2 Endereço de correspondencia: Rua Aspília, Qd A3 lote 20, Residência dos Ipês, AlphaVille Flamboyant, 74 884547, Goiânia, GO, Brasil. Email: psyilma@terra.com.br