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Revista Mal Estar e Subjetividade
versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644
Rev. Mal-Estar Subj. v.1 n.1 Fortaleza set. 2001
ARTIGOS
Indivíduo e sociedade: um estudo sobre a perspectiva hierárquica de Louis Dumont
Clara Virgínia de Queiroz Pinheiro
Professora do Curso de Mestrado em Psicologia da UNIFOR, Doutoranda em Saúde Coletiva do IMS pela UERJ. E-mail: claravirginia@hotmail.com
RESUMO
Trata-se, no presente texto, de examinar alguns aspectos da cultura individualista, característica da sociedade moderna, a partir da teoria de Louis Dumont. Para isto se estabelecem os fundamentos da perspectiva dumontiana, precisando sua orientação metodológica e seus conceitos centrais.
Palavras-chave: ética, individualismo, Louis Dumont, modernidade, sociedade
ABSTRACT
The text examines some aspects of individualistic culture, as a characteristic of modern society, from Louis Dumont theory. It establishes the basis of Dumont approach, specifying his methodological trend and his central concepts.
Keywords: ethics, individualism, Louis Dumont, modern age, society
A problemática da relação indivíduo e sociedade é essencial na modernidade e é tratada freqüentemente em termos de um antagonismo entre os dois pólos da questão. No entanto, conforme indicações de Ellias (1994) não se pode considerar tal tema como se fosse uma questão de fato, no sentido de referir-se ao indivíduo, enquanto unidade, que se opõe à sociedade, ou seja, em uma dimensão ontológica, mas consiste em examiná-la enquanto realidade histórica e, assim, em seu caráter ético. Desta forma, podemos afirmar que essa questão foi produzida na modernidade e diz respeito ao fato de que somente o homem moderno se reconhece como indivíduo. Nesse sentido, se pensa como autônomo em relação a qualquer instância exterior a ele próprio, toma a si mesmo como fonte e sede absoluta de todos os sentidos de sua existência, desconhece qualquer dependência de laços sociais. Neste contexto, as referências coletivas constituem um problema, surgindo daí a questão de saber a natureza, as possibilidades e limites da relação indivíduo e sociedade.
No exame desta questão destacam-se duas perspectivas teóricas e metodológicas, que, podemos dizer de acordo com Reis (1989), são fundamentos prototípicos das ciências humanas. Assim, temos, de um lado, o ponto de vista que parte do indivíduo como realidade em si mesma, dado primeiro, irredutível e sua socialização; na base dessa perspectiva situa-se Max Weber. Do outro lado, o pensamento que parte da totalidade social, enquanto natureza intrínseca da experiência humana, tendo, como expoente primeiro, Durkheim.
Acompanhamos aqui os estudos de Louis Dumont que, a partir de uma visão antropológica, inspirada nos ensinamentos de Mauss a respeito da dupla referência fundamental à sociedade global e ao estudo comparativo, apresenta uma tese de fôlego sobre a problemática da relação indivíduo e sociedade, a partir da qual analisa o individualismo da sociedade moderna. Consideramos que essa concepção possibilita uma visão crítica e relativizada frente às tendências de lidar com a noção de indivíduo em termos absolutos e naturais, como também, às posições messiânicas de superação do individualismo.
Segue-se, então, uma leitura que é menos uma análise crítica da teoria dumontiana, do que uma tentativa de elaboração de seus pressupostos teóricos e metodológicos, visando estabelecer fundamentos que permitam uma abordagem diferenciada, no sentido de ser etnológica, dos temas psicológicos, mais especificamente, da psicanálise que constitui a área de nossa investigação.
Com base em seus estudos sobre a sociedade de casta indiana, cuja organização escapava a uma compreensão fundada nas categorias das sociedades modernas, Dumont estabelece um método comparativo das diferenças fundamentais entre as sociedades, distinguindo, assim, sociedades tradicionais, cujo modelo é sociedade de castas indianas, e sociedades modernas. Os fundamentos dessas diferenças encontram-se nos princípios cardeais, quais sejam holismo, característico das culturas tradicionais, e, no tipo de cultura moderna, o individualismo, aos quais estão associadas, necessariamente, as categorias de hierarquia e igualdade, respectivamente.
Holismo e individualismo constituem dois conjuntos de representações sociais, duas configurações de idéias e valores característicos de uma dada sociedade, enfim, conforme conceituação dumontiana, duas ideologias. Isto significa dizer que o sentido de individualismo não se refere ao indivíduo empírico, à unidade do grupo social, mas à dimensão moral do termo que diz respeito à forma de consciência do homem moderno de pensar a si mesmo como indivíduo, logo, como autônomo em relação ao grupo social. Nesse sentido, trata-se de estudar o individualismo como cultura, desta forma, como totalidade, embora seja característico dessa cultura não se reconhecer enquanto tal.
... nós chamamos ideologia o conjunto de idéias e valores - ou representações - comuns em uma sociedade, ou correntes em um meio social dado.
Não se trata aqui, de procurar estabelecer uma distinção, mais ou menos substancial, entre ideologia de um lado, e de outro a ciência, a racionalidade, a verdade, a filosofia. (...) Que uma representação particular no conjunto seja julgada "verdadeiro" ou "falso", "racional" ou "tradicional", "científico" não tem nada a ver com a natureza social da coisa1 (Dumont, 1977, p. 26).
Dumont analisa as ideologias a partir de uma perspectiva metodológica que ele define como hierárquica, que consiste em tomá-las enquanto totalidades, cujas partes se relacionam de forma interdependente e subordinadas ao todo, constituindo um tipo de relação que ele denomina de "englobamento do contrário", que consiste numa identidade entre seus elementos em um nível e, em outro, contradição, rompendo, assim, com o modelo da lógica aristotélica. Daí, conforme podemos compreender, Dumont afirmar que sua análise comparativa implica o estudo da ideologia e do não ideológico.2 Da mesma maneira, podemos dizer, como nos indica Duarte (1986) que a ideologia holista e a ideologia individualista estabelecem entre si uma relação hierárquica, constituindo assim uma totalidade, na qual o individualismo se situa em um nível subordinado em relação ao holismo, com a única exceção do caso moderno. Desta forma, Dumont estabelece distinções entre sua teoria e a concepção estrutural e positivista, na medida em que atribui importância cardeal ao valor, o qual imprime diferenças de níveis entre as partes na organização da totalidade. Em outros termos, na análise de um universo dividido em duas partes, a perspectiva hierárquica não reconhece a simetria entre elas, isto é, que ambas são idênticas, como numa visão estrutural, nem tampouco estabelece uma relação excludente, ou seja, uma parte exclui a outra, ou é uma ou outra, como na concepção positivista. Vejamos a longa, mas inevitável, citação de Dumont (1997, p. 371-372):
Consideremos um universo de discurso, figurado por um retângulo, dividido em duas classes ou categorias sem resto nem recobertura. Há dois casos possíveis. No primeiro caso, o retângulo é dividido em partes justapostas, dois retângulos menores A e B. Tomadas em conjunto, as duas classes A e B esgotam o universo do discurso. Pode-se dizer que elas sejam complementares em relação a esse universo, ou ainda contraditória, no sentido de que uma exclui a outra e de que não existe uma terceira possibilidade. No primeiro caso, considera-se o universo do discurso em sua constituição (perspectiva estrutural); no segundo, considera-se essencialmente uma das duas classes e sua relação lógica à outra, ou, se quiser, considera-se a relação entre as duas classes, sendo o universo do discurso apenas implicado no plano de fundo da relação (perspectiva substancial).
No caso da hierarquia, a classe X é extensiva ao universo do discurso, e a outra é distinguida no interior da primeira, como retângulo Y contido em X:Y faz parte de X e ao mesmo tempo dele difere. (...) A hierarquia consiste na combinação dessas duas posições de nível diferente. Na hierarquia assim definida, a complementaridade ou contradição está contida numa unidade de ordem superior. Mas, tão logo confundamos os dois níveis, obtemos um escândalo lógico, porque não existe ao mesmo tempo identidade e contradição.
O modelo hierárquico implica um caráter de universalidade das estruturas em oposição. Tal universalismo implica pensar que as ideologias não se modificam ou não são ultrapassadas, o que é objeto de críticas dos estudiosos da área.3 Entretanto, segundo Dumont, o que pode ocorrer, em termos de temporalidade, é a produção de níveis diferentes sem, no entanto, alterar o quadro global. Portanto, holismo e individualismo constituem os fundamentos universais das relações humanas, sendo o holismo a posição dominante e o individualismo o nível subordinado, com exceção, como já dissemos, da configuração moderna. Isto porque, conforme afirmações de Dumont (1993, p. 253) ... a comparação implica um fundamento universal: é necessário que, em última análise, as culturas não pareçam tão independentes umas das outras quanto pretenderiam e sua coesão interna parece assegurar.
Achamos que a perspectiva hierárquica de Dumont é um instrumento de análise muito competente que permite o exame das mais variadas questões humanas nas suas relações de dependências e implicações sob a forma das referências fundamentais, de um lado, o holismo e hierarquia e, do outro, o individualismo, igualdade e liberdade, a partir dos quais os valores de análise se diferenciam, o que permite a relativização dos modelos éticos bastante idealizados, embora se possa dizer que, em certa medida, existe em Dumont uma valorização da organização holista. Mas, sem dúvida nenhuma, esta concepção metodológica rompe com uma tendência preconceituosa, que consiste em estudar uma cultura a partir dos ideais de outra. Com isso, como ressaltou Dumont, abre-se uma questão interessante para a antropologia que diz respeito ao estatuto de uma intervenção em uma determinada sociedade com alegativas de abusos sociais, tendo em vista os valores individualistas. Achamos que vale a pena citar Dumont.
Uma associação humanitária entrou recentemente em guerra contra "as mutilações" infligidas em certas sociedades em "milhões de meninas e de adolescentes" (Le Monde, 28 de abril de 1977). Trata-se de práticas ligadas à iniciação das jovens. Por falta de competência deixo de lado os detalhes, as localizações alegadas, os erros de interpretação, e formulo somente o problema geral. Aí está um caso em que a antropologia é posta diretamente em causa, e em que ela não pode nem rejeitar em bloco os valores modernos que fundamentam o protesto nem endossar simplesmente a condenação pronunciada, o que poderia constituir uma ingerência na vida coletiva de uma população. Idealmente, vemo-nos obrigados, portanto, a estabelecer em cada caso, segundo sua configuração própria, sob que forma e dentro de que limites se justifica que o universalismo moderno intervenha (ibid., nota de rodapé, p. 208).
A partir dessa orientação metodológica, Dumont estuda a ideologia moderna, definindo três eixos de investigação, sendo o primeiro genealógico, que, através da história das idéias, trata da questão de saber como, a partir das sociedades tradicionais, se dá a supremacia do individualismo; o segundo estuda as variações da cultura moderna e o terceiro refere-se às implicações do individualismo.
Na gênese do individualismo, Dumont traça um percurso que parte das categorias de indivíduo-fora-do-mundo até indivíduo-no-mundo. Desta forma, remonta aos primeiros séculos do cristianismo a origem do indivíduo moderno, uma vez que a idéia da experiência do homem, em relação com Deus, promove o aparecimento do indivíduo-fora-do-mundo, que, nos moldes do renunciante indiano, significa o abandono da vida mundana e relativização dos laços sociais, objetivando desenvolver-se espiritualmente. Portanto, o homem, em relação com Deus, implica uma autonomização em relação a uma ordem social. Nesse contexto, se encontra uma oposição hierárquica na qual o valor transcendente, absoluto, subordina os valores mundanos. O desenvolvimento deste processo se dará no sentido de uma mundanização do valor supremo, na medida em que a Igreja, elemento extramundano, se aproxima do Estado e passa a ter ingerência sobre os valores do mundo, a partir da referência ao supremo, restabelecendo o vínculo do indivíduo com o espaço social. Este processo de individualização no mundo intensifica-se com Calvino, que faz desaparecer a dualidade mundo/extramundo, com a afirmação de Deus como vontade que se realiza no mundo; assim, as coisas do mundo adquirem valores que estão fora delas na medida em que dizem respeito a algo que não pertence a este mundo, ou seja, o sentido do mundo se exterioriza dele mesmo. Nesse sentido, é no mundo que o cristão cumpre os desígnios divinos, provando sua absoluta submissão a Ele.
... a aplicação sistemática ás coisas deste mundo de um valor extrínseco, imposto. Não um valor extraído de nossa pertença ao mundo, de sua harmonia ou de nossa harmonia com ele, mas um valor enraizado em nossa heterogeneidade em relação a ele: a identificação de nossa vontade com a vontade de Deus ... (ibid., p. 67).
Talvez não seja incorreto estabelecermos aqui uma articulação com Foucault (1994), na medida em que atribui ao cristianismo a fundação de uma modalidade ética característica da forma de subjetivação do homem moderno, o sujeito psicológico, quando inventa a prática da confissão, que implica no mergulho para a profundidade do interior do indivíduo, buscando os indícios mais sutis das manifestações do desejo, portanto, de sua verdade, que lhe escapa e lhe é exterior, com o fim de uma purificação. Desta forma, é possível afirmar, de acordo com esses autores, que a relação com Deus, tal como foi instituída pelo cristianismo, implica a relação consigo mesmo a qual assume a forma de uma busca da verdade de si. Daí a supremacia da idéia de eu, fonte absoluta dos significados da vida humana, que, como examina Russo (1993), passa a ser sacralizado, na medida em que o mundo se objetiva.
A partir da filosofia sob o domínio do ideal racional, este processo de individualização se desenvolve de forma laicizada, na medida em que ocorre uma desvinculação do homem em relação à natureza e, também, podemos dizer, em relação aos valores transcendentais.
Em outros termos, rompe-se o vínculo, estreito nas sociedade tradicionais, entre realidade e ação, ou seja, de acordo com Dumont, entre fato e valor.
Para Platão, o ser supremo era o Bem. Não havia desacordo entre o Bem, o Verdadeiro e o Belo, e, no entanto, o Bem era supremo, talvez por ser impossível conceber a mais alta perfeição como inativa e indiferente, porque o Bem acrescenta a dimensão da ação á contemplação. Pelo contrário, nós, modernos, separamos ciência, estética e moral. E a natureza da nossa ciência é tal que a sua própria existência explica, ou melhor, implica a separação entre, de um lado, o verdadeiro, do outro, o belo e o bem, e em particular entre ser e valor moral, entre o que é e o que deve ser (Dumont, op. cit., p. 240).
Assim, a configuração moderna se caracteriza por uma fragmentação enquanto totalidade, sendo pensada apenas por seus elementos em si mesmos os quais não estão vinculados entre si por relações de necessidade, mas somente por relações externas de caráter de eficiência e interessam somente por razão instrumental. Daí, a autonomia entre os diversos planos da vida social, a saber, moral, política, religiosa, econômica, etc. Rompe-se a relação entre as partes e o todo.
Esse processo alcança a sua plenitude na medida em que se define cada vez mais o princípio fundamental subjacente à configuração moderna, a saber, a valorização absoluta das relações entre homens e coisas, o qual atinge a sua mais perfeita expressão no campo econômico, ao invés das relações entre homens que fundam as culturas holistas.
No estudo sobre a categoria do econômico na configuração individualista, Dumont (1977) parte da afirmação de Adam Smith, considerado o fundador da área econômica, enquanto emancipada em relação ao político, a respeito dos sentimentos morais egoístas como impulsionadores da atividade econômica, ou seja, o desenvolvimento material, a prosperidade pública precisa da força dos interesses particulares dos indivíduos. No conjunto, esses interesses se harmonizam entre si em função de um mecanismo que Smith chama de "mão invisível". Rasteando a gênese desse pensamento econômico, que, como já foi dito, segundo afirmações dumontiana, é considerado a realização plena da cultura individualista, Dumont chega a Mandeville, atribuindo-lhe a gênese de várias idéias morais presentes na nova arquitetura antropológica estabelecida por Adam Smith.
Segundo Monzani (1995), a nova ordem de valores morais defendida por Mandeville constitui o resultado de um processo que se desenvolveu desde Hobbes, Locke e Condillac, o que culminou, como expressa tão bem a concepção de Mandeville, na construção de um novo campo moral, fundado nas noções de desejo e prazer como os princípios cardeais da vida passional do homem moderno. Sigamos, então, o percurso de Dumont para examinarmos o conjunto de idéias e valores próprios do campo ético4 moderno.
Dumont examina o poema de Mandeville com o sugestivo título "A Fábula das Abelhas ou Vícios Privados Benefícios Públicos", no qual trata de uma colméia, tomada como espelho da sociedade humana, onde se vivia na riqueza e prosperidade e na qual os indivíduos estavam livres de qualquer constrangimento aos seus impulsos pessoais; até que, num dado momento, tomados por uma nostalgia de virtude, clamam por uma sociedade pautada na compaixão, humildade e simplicidade, no que são atendidos; o resultado dessa mudança é uma sociedade inerte e pobre, tendendo para seu desaparecimento.
Através desta alegoria, Mandeville, segundo análise de Monzani (op. cit.), expõe duas ordens de valores que são incompatíveis. De um lado, valores que levam em conta a riqueza espiritual do homem em função de suas relações sociais e, do outro, valores que implicam a predominância dos ideais de propriedades materiais. Desta forma, os
... sujeitos são colocados frente a uma opção: ou a busca da salvação pessoal e a conseqüente estagnação e deterioração da sociedade, ou a atitude inversa. Ora, o sentido e o tom do poema de Mandeville,(...), não podem deixar muita dúvida com relação à posição ou à sua tese. Ele afirma claramente que o vício é tão necessário ao Estado quanto é a fome para comer, e percebe muito bem que seus contemporâneos já escolheram a Segunda via (ibid., p. 33).
Portanto, na perspectiva econômica, conforme analisa Dumont, o social se constitui a partir da tendência dos indivíduos de buscarem bens pessoais, movidos que são por sua natureza desejante. Daí, o traço próprio do individualismo, da predominância da relação entre homens e coisas, homens e seus objetos de desejo. Em outros termos, os laços sociais não são as razões das relações entre os homens, mas os objetos que venham a satisfazer os seus desejos insaciáveis, característicos da natureza humana; o homem é, deste modo, um consumidor nato. Assim, ... "mergulhando até a origem" da sociedade, Mandeville achou que a satisfação das necessidades materiais do homem é somente a razão pelas quais os homens vivem em sociedade (Dumont, op. cit., p. 89).
Talvez seja possível pensar, apoiados nas indicações de Monzani, que, se acrescentarmos o corpo entre os bens de consumo da nossa cultura, podemos entender a explosão da sexualidade assinalada por Foucault, a partir do século XIX.
Esta idéia de uma força que impulsiona os seres na busca desenfreada de realizações, através das quais se individualizam ou, mais radicalmente, se singularizam as ações no mundo, constitui a lógica dominante da cultura moderna e foi gestada pelas idéias religiosa e filosófica como também pela ciência, que, como a Biologia, elaborou uma noção de vida, como nos fala Foucault, a qual é pensada em termos de puro movimento dominada pela necessidade funcional de realização e individuação. Daí, a aproximação que Foucault (1966) estabelece:
A natureza já não sabe ser boa. Que a vida não possa mais ser separada do assassínio, a natureza do mal, nem os desejos da contranatureza, Sade o anunciava ao século XVIII, cuja linguagem ele esgotava, bem como á idade moderna, que por longo tempo quis condená-lo ao mutismo. Que se desculpe a insolência (para com quem?): Les 120 jounées são o reverso aveludado, maravilhoso, da Leçons d'anatomie comparée ... .
Configura-se um campo no qual a idéia de indivíduo dominado por interesses egoístas, por desejos insaciáveis, marca o estilhaçamento do conjunto na medida em que se subjetivam todos os valores, os quais possuem, de forma absoluta, o caráter utilitário. A análise de Dumont é, no mínimo (o que já é o máximo), detonadora na medida em que faz tremer um campo caracterizado pela supervalorização dos valores modernos, tomados como ideais absolutos da humanidade.
Referências Bibliográficas
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Notas
1. Tradução livre a partir do original.
2. Esta compreensão é passível de outra leitura, pois, conforme considerações de Duarte (1986), o que Dumont considera não-ideológico não está claramente desenvolvido.
3. Sobre estas críticas, não foi possível no presente estudo examiná-las.
4. Trabalhamos aqui com o sentido de ética tal como foi formulado por Foucault (1984) em "História da Sexualidade II - O Uso dos Prazeres".