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Revista Psicologia Política
versão On-line ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.21 no.52 São Paulo set./dez. 2021
RESENHA
A Psicologia Política da Equipe de Córdoba (Argentina)
The Political Psychology of Córdoba Team (Argentina)
La Psicología Política del Equipo de Córdoba (Argentina)
Henrique Araujo Aragusuku
Doutorando e mestre em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Especialista em Psicologia Política pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Membro do Núcleo de Pesquisa em Psicologia Política e Movimentos Socais (NUPMOS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: henrique_aragusuku@hotmail.com
Obra: Políticamente: Contribuciones desde la Psicología Política en Argentina, organizada por Silvina Brussino
A obra Políticamente: Contribuciones desde la Psicología Política en Argentina, organizada por Silvina Brussino (2017), é um dos mais recentes livros/manuais de Psicologia Política publicados na América Latina, reunindo as pesquisas realizadas pela "Equipo de Psicología Política" da Universidad Nacional de Córdoba (UNC). Junto a obras como No interstício das disciplinaridades: A psicologia política (Silva & Corrêa, 2015), Psicologia Política: temas atuais de investigação (Sandoval, Hur, & Dantas, 2015), Psicologia Política Crítica: Insurgências na América Latina (Hur & Lacerda, 2016) e Contribuciones a la Psicología Política en América Latina: contextos y escenarios actuales (Magaña, Dorna, & Torres, 2016), o presente livro se soma aos esforços atuais de divulgação dos desenvolvimentos acadêmicos da Psicologia Política latino-americana contemporânea.
A publicação deste livro coincidiu com os trinta anos da pioneira obra Psicología Política Latinoamericana - organizada por Maritza Montero (1987) - que compilou artigos de autores/as de diversas nacionalidades, como Pablo Christlieb (México), Ignacio Martín-Baró (El Salvador), Fernando González Rey (Cuba), Wanderley Codo (Brasil) e Ángel Rodríguez Kauth (Argentina). Esta obra marcou a formalização do campo da Psicologia Política na América Latina que se instituiu, nos anos de 1980, fortemente influenciado pela tradição crítica latino-americana, vinculada ao cenário político de resistência às ditaduras civil-militares existentes em todo o continente. Como evidenciado em diversos trabalhos (Hur & Lacerda, 2016; Silva & Corrêa, 2015), o desenvolvimento da Psicologia Política na América Latina ocorreu em meio às lutas pela democracia, pelos direitos humanos e pela justiça social no continente, de forma a impulsionar o seu caráter crítico e contestatório1.
A Psicologia Política na Argentina também foi formalizada neste período, principalmente a partir das produções de Rodríguez Kauth na Universidad Nacional de San Luis (UNSL), que estavam inseridas na tradição crítica latino-americana e nas lutas pela redemocratização. Cabe ressaltar que na Argentina, desde os anos de 1960, eram desenvolvidos importantes trabalhos que articulavam política e psicanálise, como em Enrique Pichon-Rivière (1907-1977) e Marie Langer (1910-1987). Tais trabalhos influenciaram os desenvolvimentos da Psicologia Social e da Psicologia Política na Argentina ao longo das últimas décadas do século XX, proporcionando uma nova forma de análise dos entrelaçamentos entre psicologia e política. Nos anos de 1990, já inseridos em um ambiente institucionalizado por grupos e projetos, novos estudos em Psicologia Política foram desenvolvidos a partir de múltiplas abordagens e perspectivas (Brussino, 2017; Brussino, Rabbia, & Imhoff, 2010).
Tratando sobre o século XXI, como destacado por Brussino (2017), a Psicologia Política latino-americana passou por um processo de consolidação institucional nos últimos dez anos, impulsionado pela organização de encontros acadêmicos do campo e pela criação da Asociación Ibero-Latinoamericana de Psicología Política (AILPP), em 2011, na cidade de Córdoba. A Equipo de Psicología Política da UNC, em atividade desde 2003, possui um lugar fundamental neste processo recente de institucionalização do campo, sendo atualmente um dos principais grupos de pesquisa em Psicologia Política na América Latina.
O livro Políticamente compila os resultados das pesquisas realizadas no âmbito deste grupo, estando vinculado à análise da realidade política e social argentina. No entanto, suas proposições teóricas, conceituais e metodológicas não se restringem às particularidades regionais e nos proporcionam contribuições fundamentais para o desenvolvimento da Psicologia Política no cenário latino-americano - certamente possuem potencial de amparo a pesquisas realizadas em outros contextos, tempos e localidades. Desse modo, considero que este livro deve compor as leituras de pesquisadoras/es latino-americanas/os que se engajam no estudos das intersecções entre psicologia, política e sociedade.
Cabe ressaltar que as reflexões e proposições presentes neste livro foram articuladas a partir de uma perspectiva particular em Psicologia Política que não é majoritária no contexto latino-americano: a perspectiva sociocognitivista. Trata-se de uma perspectiva dominante na Psicologia norte-americana e europeia, e na Psicologia Política impulsionada por pesquisadores/as vinculados/as à International Society of Political Psychology (ISPP), porém duramente criticada no contexto latino-americano pelas perspectivas sócio-históricas e social-críticas, de orientação marxista ou pós-estruturalista. Assim, como exposto no livro, vemos uma forte aproximação teórica com os referenciais da Psicologia Política, da Psicologia Social e da Sociologia Política norte-americanas e europeias (sobretudo espanhola), utilizados em articulação com os referenciais latino-americanos.
A perspectiva sociocognitivista da ISPP é minoritária e praticamente inexistente na Psicologia Política brasileira, sendo inclusive criticada e rejeitada (mesmo que de forma indireta) por expoentes da Associação Brasileira de Psicologia Política (ABPP). Como apresentado por Hur e Lacerda (2016), expressando uma concepção corrente na Psicologia Política brasileira:
Entendemos, assim, que chegamos a um ponto de inflexão em que ousamos afirmar que, na atualidade, não nos reconhecemos dentro da mesma tradição clássica da 'Psicologia Política'. O que fazemos da Psicologia Política na América Latina não é o mesmo que se faz historicamente dela no hemisfério norte. Nossa Tradição Crítica resultante das inúmeras lutas sociais que nos constituiu e continua a nos constituir como continente nos faz pensar que "Psicologia Política Crítica" é um termo que define muito melhor a Psicologia Política Latinoamericana. (Hur & Lacerda, 2016, p. 9)
Provavelmente, este distanciamento de tradições e perspectivas teve influência na ausência de referenciais brasileiros nas discussões realizadas pela Equipo de Psicología Política da UNC - que também permanecem pouco difundidas na Psicologia Política no Brasil. Por outro lado, compreendo que também existe uma polissemia em relação às noções de "política" e "político", que produz cisões e distanciamentos analíticos. Paralelamente, não existe consenso sobre a constituição dos elos entre "psicologia" e "política" e sobre o significado da Psicologia Política enquanto campo acadêmico2. Algo que gera polêmicas e tensões nos encontros nacionais e internacionais do campo. Em minha compreensão, estas são questões que devem ser aprofundadas e reformuladas por novas pesquisas, tendo em vista o confronto dialógico entre distintas perspectivas teóricas e epistemológicas.
Sobre uma discussão ético-política de fundo, concordo que a utilização acrítica de referenciais do hemisfério norte, tratados como "universais", prejudica a compreensão dos problemas sociais que perpassam a realidade latino-americana. Entretanto, isto não significa que tais referenciais não possam trazer valiosas contribuições quando utilizados de forma qualificada. Dentro da Psicologia Política, vemos aportes sociocognitivistas norte-americanos que também se inserem na Tradição Crítica de produção de conhecimento, como visto em John Jost (2006), Kristen Monroe (1996) e Jim Sidanius e Felicia Pratto (1999). O próprio John Jost (presidente da ISPP de 2015 a 2016) contribuiu com a redação do prólogo do livro, demonstrando uma aproximação inédita entre as, ainda distantes, Psicologias Políticas norte-americana e latino-americana.
Em minha percepção, Políticamente se apresenta como uma boa utilização de referenciais da Psicologia Política norte-americana e europeia, articulados aos referenciais latino-americanos e a outras áreas de saber, para a análise de parte da realidade social e política da América Latina. O diálogo e o confronto construtivo entre diferentes tradições, perspectivas e aportes são importantes exercícios para o desenvolvimento científico e filosófico de um campo de conhecimento. Logicamente, isto não significa perder de vista as relações de poder, os desequilíbrios geopolíticos e socioeconômicos e a contínua dominância (neocolonial) do hemisfério norte na produção de conhecimento científico e filosófico. O debate ético-político crítico, emergente nos anos 70 e 80 na América Latina, continua central para o exercício analítico e reflexivo da Psicologia Política, nos impelindo a pensar sobre para quê e para quem estamos produzindo conhecimento. Em relação a esta dimensão normativa, na compreensão de Brussino (2017), expressa no prólogo:
el presente libro supuso un intento por mostrar la diversidad de temáticas que esta disciplina ha abordado en Latinoamérica en un esfuerzo por echar luz a nuestra complexa realidade...
...ante un escenario socio-político tan desafiante como el actual, la Psicología Política puede ayudar a delinear líneas de acción orientadas a fomentar intervenciones y políticas públicas empíricamente fundadas que posibiliten la construcción de una sociedad más justa, equitativa y democrática. (Brussino, 2017, pp. 232-233)
Assim, circunscrito neste horizonte ético-político, o livro foi dividido em oito capítulos, cada um apresentando uma sistematização teórica de determinada temática da Psicologia Política, junto à síntese dos resultados obtidos nas pesquisas realizadas pelo grupo. Cabe destacar que as reflexões presentes nos capítulos foram orientadas por uma perspectiva de produção de pesquisas empíricas, por meio da utilização de metodologias quantitativas (em sua maioria) e qualitativas. Por outro lado, esta perspectiva pela produção de conhecimento empírico, exposta em resultados de pesquisa, produziu limitações no aprofundamento das discussões de nível filosófico (ontológico, epistemológico e normativo), sendo o ponto mais frágil do livro. Entretanto, compreendo que tal fragilidade está, muito provavelmente, vinculada a um problema de delimitação do "escopo" dos capítulos. Portanto, questões filosóficas como "o que é Estado, política pública, política e sociedade," "em que contexto socioeconômico e político tais pesquisa estão inseridas" e "quais são os elos entre psicologia e política" poderiam ser explicitadas e aprofundadas em publicações futuras do grupo.
Assim, no primeiro capítulo, Brussino apresenta algumas definições e um breve histórico sobre a Psicologia Política na Argentina e na América Latina. No capítulo 2, Débora Imhoff e Brussino trabalham com a noção de "socialização política", trazendo reflexões sobre como determinados fatores (sociais, institucionais, individuais etc.) influenciam o desenvolvimento das atitudes, opiniões e valores políticos. Já no capítulo 3, Brussino, Imhoff, Ana Pamela Paz García e Matías Dreizik realizam uma sistematização teórica sobre o conceito de "ideologia política", destacando a importância do uso de uma abordagem multinível que correlaciona as dimensões simbólica e operativa das ideologias políticas. No quarto capítulo, de autoria de Patricia Mariel Sorribas e Brussino, temos nossa atenção direcionada à temática da "participação política", com a definição de três tipos de orientação à participação e a vinculação das variáveis psicossociais como possíveis fatores explicativos. No capítulo 5, María Inés Acuña, Daniela Alonso e Sorribas destacam o processo de análise do "comportamento eleitoral", algo que inclui a compreensão dos aspectos sociodemográficos, psicossociais, cognitivos e emocionais do voto.
Em seguida, no capítulo 6, Hugo H. Rabbia e Dreizik trabalham sobre a temática dos "movimentos sociais e das ações coletivas de protesto" a partir da apresentação de uma ampla conceituação sobre a questão, destacando cinco casos presentes em pesquisas realizadas pelo grupo em Córdoba. Paz García e Alonso, no sétimo capítulo, enfocam na análise dos "meios de massas", da "opinião pública" e da "comunicação política", refletindo sobre como as ideologias circulam pelos meios de comunicação e influenciam a sociedade. Por fim, no oitavo e último capítulo, Edgardo Etchezahar, Joaquín Ungaretti e Rabbia se atentam ao fenômeno do "preconceito, dos estereótipos e da discriminação" a partir da análise de aspectos intergrupais e psicossociais, junto à proposição de algumas estratégias para a redução dos conflitos intergrupais que constituem este fenômeno.
Desse modo, apresentando uma qualificada síntese das pesquisas realizadas pelo grupo, o livro lança reflexões sobre as seguintes temáticas da Psicologia Política: socialização política, ideologias políticas, participação política, comportamento eleitoral, movimentos sociais e ações coletivas, opinião pública e comunicação política, preconceitos, estereótipos e discriminação. Estes são temas de estudos que podem ser considerados basilares para a Psicologia Política, perpassando a sua história enquanto campo de conhecimento na América Latina e em outras partes do mundo. Políticamente é, certamente, uma importante contribuição para a Psicologia Política latino-americana, por sistematizar discussões temáticas, proposições teóricas e metodológicas, referenciais e resultados de pesquisa. Algo que demonstra a maturidade acadêmica da Equipo de Psicología Política da UNC e seu importante papel para o desenvolvimento da Psicologia Política na América Latina.
Referências
Brussino, Silvina (Org.). (2017). Políticamente: contribuciones desde la Psicología Política en Argentina. CONICET. https://rdu.unc.edu.ar/bitstream/handle/11086/4910/politicamente-Brussino_2017.pdf?sequence=4&isAllowed=y [ Links ]
Brussino, Silvina, Rabbia, Hugo H., & Imhoff, Débora (2010). Psicologia Política na Argentina: um percorrido pela história de uma disciplina emergente. Revista Psicologia Política, 10(20),199-213. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpp/v10n20/v10n20a02.pdf [ Links ]
Dorna, Alexandre (2013). Dossier: la psychologie politique en Amérique Latine.
Cahiers de Psychologie Politique, 22. http://lodel.irevues.inist.fr/cahierspsychologiepolitique/index.php?id=2293
Hur, Domenico U. & Lacerda, Fernando (Orgs.). (2016). Psicologia Política Crítica: Insurgências na América Latina. Editora Alínea. [ Links ]
Jost, John T. (2006). The End of the End of Ideology. American Psychologist, 61(7),651-670. http://dx.doi.org/10.1037/0003-066X.61.7.651 [ Links ]
Magaña, Irene, Dorna, Alexandre, & Torres, Iván. (Eds.). (2016). Contribuciones de la Psicología Política en América Latina: Contextos y escenarios actuales. RIL Editores. [ Links ]
Monroe, Kristen R. (1996). The Hearts of Altruism: perceptions of a common humanity. Princeton University Press. [ Links ]
Sandoval, Salvador A. M., Hur, Domenico U., & Dantas, Bruna S. A. (Orgs.). (2014). Psicologia Política: temas atuais de investigação. Editora Alínea. [ Links ]
Sidanius, Jim & Pratto, Felicia (1999). Social Dominance Theory: An Intergroup Theory of Social Hierarchy and Oppression. Cambridge University Press. [ Links ]
Silva, Alessandro S. & Corrêa, Felipe (Orgs.). (2015). No interstício das disciplinaridades: A psicologia política. Editora Prismas. [ Links ]
Silva, Alessandro S. & Pezzia, Augustín E. (2012). A Psicologia Política na Ibero-Latino-América: avanços e desafios de um campo emergente. Revista Psicologia Política, 12(25),401-407. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpp/v12n25/v12n25a03.pdf [ Links ]
Recebido em: 08/10/2019
Aprovado em: 03/10/2021
1 Sobre a Psicologia Política na América Latina, temos os dossiês "A Psicologia Política na Ibero-Latino-América: avanços e desafios de um campo emergente" (Silva & Pezzia, 2012), publicado na Revista Psicologia Política (Brasil); e "La psychologie politique en Amérique Latine" (Dorna, 2013), publicado na Cahiers de Psychologie Politique (França).
2 Na perspectiva de Brussino (2017), a Psicologia Política é definida como uma área disciplinar da Psicologia. Uma definição distinta da comumente utilizada, que apresenta a Psicologia Política como um campo interdisciplinar (Hur & Lacerda, 2016; Jost, 2017; Magaña, Dorna, & Torres, 2016; Silva & Côrrea, 2015). No entanto, tal definição "disciplinar" não prejudica o caráter interdisciplinar das pesquisas apresentadas no livro.