Os conflitos conjugais são investigados por especialistas da área de família há décadas, tanto no contexto nacional como internacional. Conceitualmente, o conflito envolve divergências entre os cônjuges acerca de diferentes temas relacionados ou não à conjugalidade (Buehler, & Gerard, 2002; Fincham, 2003). A relevância desses estudos reside no fato de os conflitos serem considerados fortes preditores de divórcio se ocorrem com frequência, atingem níveis elevados de intensidade e envolvem motivos considerados mais graves, como violência, infidelidade, alcoolismo, entre outros (Rauer et al., 2017; Zordan et al., 2012).
Os casais que permanecem juntos, apesar de vivenciar conflitos diários, intensos e sem resolução, colocam-se em uma condição de vulnerabilidade para o desencadeamento de doenças tanto físicas como emocionais (Abbasi, 2017; Neves, & Duarte, 2015). Em casais com filhos, os conflitos podem desencadear sintomas internalizantes e externalizantes e afetar o desenvolvimento saudável da prole (Mosmann et al., 2018). Esse transbordamento dos conflitos do subsistema conjugal para outros subsistemas familiares, tais como o parental e o filial (Buehler, & Gerard, 2002; Erel, & Burman, 1995; Mosmann, & Falcke, 2011), e que incide em toda a dinâmica familiar (Benetti, 2006), tem sido denominado de efeito spillover.
Há consenso entre os pesquisadores da área de família de que conflito é um fenômeno inerente a todos os relacionamentos conjugais (Fincham, 2003; Gottman, 1991; Wagner et al., 2019) e se manifesta na dinâmica relacional tanto de parceiros recém-casados como aqueles casais de longa duração (Costa et al., 2016). Sabe-se também que a cada fase do desenvolvimento individual e estágio do ciclo vital familiar surgem novas demandas, anseios e necessidades, de modo que os motivos de conflito entre os cônjuges se atualizam com o passar do tempo (Costa, & Mosmann, 2015; El-Sheikh et al., 2019).
Se, por um lado, conflitos excessivos e intensos são destrutivos, por outro, a ausência de conflitos pode também indicar algum tipo de dinâmica disfuncional na díade. Por exemplo, submissão de um dos parceiros, desligamento e distanciamento emocional, evitação/esquiva de situações divergentes, excessiva dependência emocional, entre outros (Driver et al., 2016). Além de intrínsecos à conjugalidade, os conflitos podem ser sinal de vitalidade e investimento emocional na relação e uma oportunidade para os parceiros se ajustarem ao jeito de ser um do outro desenvolvendo conjuntamente estratégias construtivas para a resolução dos seus conflitos (Costa et al., 2015; Gottman et al., 2015).
Conflitos conjugais persistentes tendem a ocorrer principalmente nos casais que apresentam baixos níveis de ajustamento conjugal (Fincham, 2003). O ajustamento é um construto formado pelos fatores coesão, consenso e satisfação conjugal (Busby et al., 1995; Lebow, & Stroud, 2016). Os fatores investigam, respectivamente, os níveis de proximidade e intimidade para o compartilhamento de sentimentos e pensamentos; a capacidade da díade de estabelecer acordos e soluções mutuamente satisfatórias diante dos aspectos sob os quais divergem; e, finalmente, o quanto sentem-se satisfeitos com o relacionamento e o parceiro (Hollist et al., 2012; Neves, & Duarte, 2015; Rauer et al., 2017).
Na literatura da área, há profusão de escalas internacionais avaliando as repercussões dos conflitos no ajustamento conjugal, mas nenhuma no contexto nacional. No Brasil, essa avaliação tem sido feita, principalmente, por meio da Escala de Buehler e Gerard (2002). A referida escala leva em consideração os motivos, a frequência e a intensidade dos conflitos por meio de duas subescalas, considerando o último ano de convivência entre os cônjuges. Na primeira subescala, são listados os temas mais comuns de discordâncias entre casais, sendo que o respondente deve indicar a frequência (número de vezes) com que experimenta cada um deles na relação.
Os principais motivos de conflito descritos na literatura científica envolvem temas como: quantidade de tempo dedicado estritamente à intimidade e prazer conjugais, desigualdade na divisão das tarefas domésticas (Mosmann, & Falcke, 2011; Wagner et al., 2019), valores e decisões acerca da educação dos filhos (Jackson et al., 2016; Mosmann, 2007; Mosmann, & Falcke, 2011), administração conjunta ou separada das finanças e decisões sobre onde, como e quanto investir (Cenci et al., 2018; Jackson et al., 2016; Käfer-Schünke et al., 2022), espaço para a individualidade e vida social (Giudici et al., 2011), tempo dedicado ao trabalho e investimento na carreira (Fellows et al., 2016), imersão nas tecnologias de informação e comunicação, como computador, celular, aplicativos e redes sociais (Barrie et al., 2019), ciúme e infidelidade (Neumann et al., 2019), características e modelos herdados da família de origem (Curran et al., 2011), entre outros motivos.
Na segunda subescala, avalia-se a intensidade da discussão que envolve o conflito. A intensidade dos conflitos refere-se à evolução de uma discussão que inicia com tom de voz moderado, ascende para ofensas e acusações, podendo evoluir para gritos e chegar à agressão física (Buehler, & Gerard, 2002; Scheeren et al., 2015). Embora o instrumento seja usado há mais de uma década no contexto brasileiro (Costa et al., 2015; Mosmann, 2007; Mosmann, & Falcke, 2011; Mosmann et al., 2018; Wagner et al., 2019), sua estrutura interna ainda não foi avaliada, sendo que a escala foi somente traduzida e adaptada do idioma inglês para o português (Mosmann, 2007).
Os estudos que utilizaram a escala de conflito até o momento fornecem evidências de sua validade externa ao testá-lo em associação com outros instrumentos que avaliam a conjugalidade. Porém, é necessário que existam medidas para avaliar as características do relacionamento conjugal com evidências de validade interna e externa (Heyman, 2001; Lebow, & Stroud, 2016). Frente a tal necessidade, somada ao fato de que a inferência de validade se dá a partir do acúmulo de evidências (Heyman, 2001), este artigo apresenta dois estudos. No estudo I, buscou-se investigar evidências de validade da Escala de Conflito Conjugal por meio da análise da sua estrutura interna. No estudo II, o objetivo foi verificar o poder preditivo do tempo de união, da frequência e intensidade dos conflitos conjugais no ajustamento conjugal, a fim de fornecer evidências adicionais da validade do instrumento baseadas na relação com essa variável.
Estudo I
Método
Amostra
Os participantes dessa etapa do estudo foram 244 casais heterossexuais com média de idade de 44,26 anos (DP=12,74) para os homens e 41,44 anos (DP=11,98) para as mulheres. Os casais estavam no relacionamento atual há, em média, 17 anos (DP=11,79), sendo que 69,5% eram casados no civil e/ou religioso e 30,5% estavam em união estável. No que diz respeito ao recasamento, 16,3% dos homens e 16,1% das mulheres relataram já ter vivido como casal anteriormente. Além disso, 73,7% dos homens e 72,5% das mulheres tinham filhos. A maioria dos participantes, 91,7% dos homens e 85,2% das mulheres, reportaram que exercem trabalho remunerado. A média de horas de trabalho por dia foi de 8,66 (DP=1,71) para os homens e 7,91 (DP=1,95) para as mulheres. A maioria dos casais residia na região sul (85,7%), seguida pela região sudeste (8,2%) e nordeste (6,1%) do Brasil.
No que diz respeito à escolaridade, a maioria dos participantes tinha ensino superior completo (52,5% das esposas e 45,4% dos maridos), sendo que 32,4% e 23,1% do total de esposas e maridos, respectivamente, também tinham pós-graduação. Os demais participantes declararam ter concluído o ensino médio (43,0% dos maridos e 41,4% das esposas). Quanto à renda, 35,9% dos participantes de ambos os sexos recebiam de dois a quatro salários-mínimos. Uma proporção maior de esposas (30,3%), em comparação aos maridos (14,7%) referiu ganhar até dois salários-mínimos. O padrão inverso ocorreu com participantes que tinham renda de quatro a seis salários-mínimos (22,9% dos maridos e 17,1% das esposas).
Instrumento
Questionário Sociodemográfico. Composto por perguntas relativas à caracterização sociodemográfica, qualidade conjugal, estratégias de resolução de conflitos, personalidade e apoio social. Na parte inicial do questionário, havia questões sobre idade, sexo, situação conjugal, tempo de relacionamento, informações sobre relacionamentos anteriores e filhos, religião, escolaridade e renda.
Escala de Conflito Conjugal. Escala originalmente desenvolvida por Buehler e Gerard (2002) e traduzida para o português brasileiro por Mosmann (2007). O instrumento avalia a frequência e a intensidade dos conflitos entre o casal por meio de duas subescalas. A primeira avalia a frequência com que os cônjuges experimentaram desentendimentos sobre determinados motivos de conflito no último ano, por meio de uma escala do tipo Likert que varia de 1 (quase nunca) a 6 (quase todos os dias). Para o presente estudo, foi realizada uma adaptação da escala que Mosmann (2007), apenas traduziu para o português. Na adaptação, foram acrescentados três outros temas de conflito escolhidos com base no que aponta a literatura científica da área (Costa et al., 2016; Costa et al., 2015), sendo eles: família de origem, individualidade e trabalho/profissão, aos seis presentes no instrumento original, totalizando nove itens nessa subescala. A segunda subescala avalia a intensidade dos conflitos por meio de três itens que abordam a discussão calma de problemas (codificado invertido), discussões intensas e agressões, em uma escala tipo Likert que varia de 1 (nunca) a 5 (sempre), sendo que, nessa subescala, escores mais altos representam a maior intensidade dos conflitos. No estudo de adaptação, o alfa de Cronbach foi 0,71 (Mosmann, 2007), e neste estudo, os valores de alfa foram 0,65 e 0,70 na subescala intensidade para homens e mulheres, respectivamente.
Procedimentos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, conforme consta no parecer nº 2.075.195; CAAE: 65851616.6.0000.5344. O acesso aos participantes se deu pelo critério de conveniência, a partir da rede de contato dos pesquisadores e do contato com instituições, como escolas e igrejas, que facilitaram o acesso aos casais. A coleta de dados ocorreu no primeiro semestre de 2018, de forma individual, na residência dos participantes, e coletiva, quando realizada em instituições. Os casais receberam um envelope contendo os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o questionários de pesquisa. Os participantes foram orientados a ler o TCLE e, mediante consentimento, assiná-lo. Os termos foram recolhidos e os casais orientados a preencher os questionários individualmente, de forma que os cônjuges não tivessem acesso às respostas um do outro. Após o preenchimento dos questionários, os casais deveriam colocá-los novamente no envelope, lacrá-lo e entregá-lo aos assistentes de pesquisa.
Análise dos Dados
Os dados referentes à Escala de Conflito Conjugal foram analisados por meio de estatísticas descritivas. Tendo em vista a distribuição não normal dos dados, foi utilizado o teste de Wilcoxon para medidas repetidas, a fim de verificar se havia diferenças nas respostas de maridos e esposas. A escolha pelo teste de medidas repetidas se deu em função da interdependência entre os relatos de maridos e esposas sobre seu relacionamento. O tamanho de efeito (r) foi calculado dividindo-se o escore Z pela raiz quadrada do tamanho da amostra. Para a subescala de intensidade, também foi realizada uma análise fatorial confirmatória (AFC) diádica. Optou-se por incluir apenas a subescala de intensidade na AFC em função da natureza dos itens. Enquanto os itens relativos à intensidade dos conflitos fazem referência as diferentes formas de lidar com os desentendimentos, por meio de certos níveis de intensidade, os itens da subescala frequência representam tanto um conjunto de motivos de conflito como a frequência com que ocorrem. Embora esse conjunto seja relevante, não se pode considerar o escore resultante como uma medida geral da frequência com que conflitos ocorrem no relacionamento, mas sim a frequência com que ocorrem desentendimentos sobre cada um dos temas.
A AFC diádica foi utilizada, pois leva em conta a interdependência entre os cônjuges, estimando um modelo com os mesmos indicadores explicando as mesmas variáveis latentes para homens e mulheres, sendo as variáveis latentes e os resíduos de erro de cada item correlacionados entre os parceiros. O procedimento de análise também envolve o teste da invariância diádica de medida. Para isso, primeiramente o modelo foi estimado sem restrições de parâmetros. Em seguida, foi testado o modelo com cargas fatoriais restritas como iguais para ambos os membros da díade. Caso a diferença do CFI (ΔCFI) entre os modelos seja menor do que 0,01, pode-se considerar que há invariância de medida entre os cônjuges. Adicionalmente, pode-se restringir os valores dos interceptos, o que permite interpretar as diferencas de média entre as variáveis latentes caso ΔCFI seja menor que 0,01 para o modelo com essa restrição (Claxton et al., 2015).
O método de estimação utilizado foi o Weighted Least Square Mean and Variance adjusted (WLSMV) que é recomendado para distribuições não normais (Moshagen, & Musch, 2014). Para testar a adequação dos modelos, foram considerados os seguintes índices de ajuste: qui-quadrado, Comparative Fit Index (CFI), Tucker-Lewis Index (TLI), Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), e Standardized Root Mean Square Residual (SRMR). Valores de CFI iguais ou maiores do que 0,95 indicam bom ajuste, assim como valores de RMSEA inferiores a 0,06 e SRMR inferiores a 0,08 (Byrne, 2010). Os dados foram analisados no software R versão 3.4.4, por meio do pacote lavaan (Rosseel, 2012).
Resultados
Primeiramente, foram analisadas as estatísticas descritivas da Escala de Conflito Conjugal, verificando se havia diferenças entre os escores de maridos e esposas nos temas e na intensidade dos conflitos. Os resultados são apresentados na Tabela 1.
M (DP) | dif. médias | Z | r | KS | assim. | curt. | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
tarefas domésticas | maridos | 2,47 (1,59) | −0,05 | −0,72 | −0,05 | 4,26*** | 1,04 | −0,80 |
esposas | 2,52 (1,57) | 3,71*** | 0,75 | −0,69 | ||||
dinheiro | maridos | 2,03 (1,31) | −0,04 | −0,09 | −0,01 | 3,25*** | 1,37 | 1,21 |
esposas | 2,07 (1,39) | 4,07*** | 1,32 | 0,84 | ||||
tempo que passam juntos | maridos | 3,15 (1,99) | 0,03 | −0,08 | −0,01 | 3,41*** | 0,36 | −1,49 |
esposas | 3,12 (2,10) | 3,54*** | 0,35 | −1,60 | ||||
sexo | maridos | 2,55 (1,51) | 0,13 | −1,09 | −0,07 | 3,28*** | 0,62 | −0,76 |
esposas | 2,43 (1,46) | 3,53*** | 0,72 | −0,67 | ||||
filhos | maridos | 2,41 (1,81) | 0,25 | −1,90† | −0,13 | 4,47*** | 1,04 | −0,42 |
esposas | 2,17 (1,60) | 4,41*** | 1,34 | 0,54 | ||||
questões legais | maridos | 1,57 (1,20) | 0,17 | −1,89† | −0,12 | 6,35*** | 4,60 | 2,31 |
esposas | 1,41 (0,94) | 6,82*** | 2,91 | 8,97 | ||||
família de origem | maridos | 1,93 (1,36) | 0,17 | −1,49 | −0,10 | 4,61*** | 1,64 | 1,84 |
esposas | 1,76 (1,20) | 5,22*** | 1,80 | 2,62 | ||||
individualidade | maridos | 2,09 (1,51) | 0,17 | −1,35 | −0,09 | 4,61*** | 1,30 | 0,52 |
esposas | 1,92 (1,39) | 5,04*** | 1,58 | 1,55 | ||||
trabalho/profissão | maridos | 2,24 (1,69) | 0,44 | −3,33** | −0,22 | 4,37*** | 0,01 | 1,19 |
esposas | 1,80 (1,49) | 5,87*** | 1,96 | 2,61 | ||||
discussão calma1 | maridos | 3,45 (1,14) | 0,25 | −2,55** | −0,16 | 2,66*** | −0,22 | −0,78 |
esposas | 3,20 (1,17) | 2,70*** | -0,08 | −0,79 | ||||
discussão intensa | maridos | 1,91 (0,89) | −0,35 | −4,43*** | −0,28 | 3,56*** | 0,79 | 0,28 |
esposas | 2,25 (1,07) | 3,25*** | 0,42 | −0,84 | ||||
agressão | maridos | 1,07 (0,31) | −0,08 | −2,34* | −0,15 | 8,30*** | 5,92 | 42,61 |
esposas | 1,14 (0,53) | 8,14*** | 4,35 | 20,87 | ||||
intensidade dos conflitos (escore total) | maridos | 5,52 (1,72) | −0,68 | −4,25*** | −0,27 | 2,10*** | 0,14 | −0,80 |
esposas | 6,20 (2,07) | 1,82** | 0,44 | 0,14 |
Nota. ***p < 0,001, **p < 0,01, *p < 0,05, †p < 0,10. KS=Teste Kolmogorov-Smirnov de normalidade; assim.=assimetria; curt.=curtose.
1Escore de intensidade dos conflitos calculados com o item “discussão calma” invertido.
A Tabela 1 mostra que o tempo que passam juntos foi o tema que gerou conflitos com maior frequência, para ambos os cônjuges. Em seguida, sexo, tarefas domésticas (para os homens, sendo a ordem inversa desses temas para as mulheres) e filhos foram os temas mais frequentes das discussões conjugais. O trabalho foi o único tema de conflito que apresentou diferenças entre maridos e esposas. Os homens relataram discutir sobre esse tema com mais frequência, sendo o quinto motivo mais frequente de conflito para eles e o sétimo para suas esposas. Em contraposição, as mulheres identificaram maior intensidade nos conflitos de casal em comparação aos seus companheiros.
Em seguida, foi realizada uma AFC diádica para a subescala intensidade dos conflitos. Três modelos confirmatórios foram testados: um modelo sem restrições, um modelo com restrições de cargas fatoriais e um modelo com restrições de cargas fatoriais e interceptos. Os três modelos foram estimados com os mesmos itens, explicando o mesmo fator (intensidade dos conflitos) para cada membro do casal, permitindo a covariância entre os fatores e entre os erros associados aos itens de cada um dos cônjuges. A Tabela 2 apresenta os índices de ajuste dos modelos e uma representação gráfica do modelo é apresentada na Figura 1.
índices de ajuste | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
χ2 | df | p | CFI | ΔCFI | TLI | RMSEA (I.C.) | SRMR | |
sem restrições | 5,207 | 5 | 0,391 | 0,997 | 0,992 | 0,013 (0,000-0,091) | 0,027 | |
cargas fatoriais restritas | 6,835 | 7 | 0,446 | 1,000 | −0,003 | 1,005 | 0,000 (0,000-0,078) | 0,033 |
cargas fatoriais e interceptos restritos | 10,270 | 9 | 0,329 | 0,984 | 0,016 | 0,973 | 0,024 (0,000-0,078) | 0,036 |
parâmetros do modelo | coeficientes padronizados | |||||||
B | SE | Z | ||||||
discussão intensa homem | 1,000 | 0,338 | 3,657 | 1,237*** | ||||
discussão calma homem | 0,234 | 0,078 | 2,912 | 0,226** | ||||
agressão homem | 0,071 | 0,073 | 3,473 | 0,253** | ||||
discussão intensa mulher | 1,000 | 0,217 | 4,741 | 1,030*** | ||||
discussão calma mulher | 0,382 | 0,097 | 3,706 | 0,360*** | ||||
agressão mulher | 0,155 | 0,092 | 3,494 | 0,323*** | ||||
Intens. h ↔ intens. m | 0,440 | 0,126 | 2,879 | 0,363** |
Os resultados apresentados na Tabela 2 demonstram que os três modelos testados apresentaram bom ajuste, com CFI>0,95 e resíduos abaixo de 0,06. A comparação entre os modelos indica que há invariância de medida entre os cônjuges, ou seja, o modelo apresenta bom ajuste a nível diádico. Além disso, a covariância na intensidade dos conflitos para maridos e esposas foi significativa, demonstrando que, de fato, há um efeito diádico nessa variável.
Discussão
Este estudo buscou verificar evidências de validade baseada na estrutura interna para a Escala de Conflito Conjugal. Primeiramente, foi comparada a frequência com que maridos e esposas relataram apresentar conflitos sobre cada um dos nove temas investigados pela primeira parte do instrumento. Em seguida, foi realizada uma análise fatorial confirmatória diádica para verificar se a estrutura unifatorial da escala de intensidade de conflitos se ajustaria aos dados, considerando a interdependência dos dados entre maridos e esposas.
O tema de conflito mais frequente entre os casais foi o tempo que têm para ficar juntos, resultado semelhante aos encontrados em outros estudos nacionais (Costa et al., 2015; Mosmann, & Falcke, 2011; Neumann et al., 2019; Wagner et al., 2019), assim como a alta frequência de discussões sobre tarefas domésticas (Neumann et al., 2019), sexo e filhos (Mosmann, & Falcke, 2011). Estudos internacionais apontam temas semelhantes, como as tarefas domésticas, os filhos, a comunicação, o lazer, o trabalho e o dinheiro (Papp, 2017; Papp et al., 2009). Apesar de o trabalho não ter sido um dos motivos mais frequentes de conflitos, foi o único em que houve diferenças entre os cônjuges. É possível que esse resultado esteja refletindo diferenças de gênero na concepção do trabalho, seja pela ideia, ainda presente, de que os maridos devem arcar com maior responsabilidade pelo sustento do lar que as esposas ou pelo esforço das mulheres em conquistar cada vez mais seu espaço no mundo laboral. Além disso, esse investimento feminino, em muitos casos, soma-se ao fato de ainda serem as principais responsáveis pelas tarefas domésticas, gerando uma sobrecarga de demandas. Estudos mais detalhados sobre esse tema são necessários para esclarecer o significado desse resultado.
Quanto à intensidade dos conflitos, as esposas relataram envolvimento mais intenso nos desentendimentos em comparação aos seus companheiros. É possível que o fato de as mulheres ainda serem consideradas culturalmente responsáveis pelo cuidado nos relacionamentos fazendo com que esses últimos ocupem papel central em suas vidas (Negreiros, & Féres-Carneiro, 2004; Wheeler et al., 2010), faça com que elas se engajem nos conflitos com mais intensidade. Outra possibilidade é que o comportamento evitativo dos homens (Kulik et al., 2016) poderia aumentar a intensidade com que as mulheres abordam os conflitos, na tentativa de envolver o parceiro. Esse processo interacional é denominado demanda-recuo (demand-withdraw), ou seja, quanto mais a esposa vai em direção ao marido com demandas para serem discutidas, mais ele recua, levando-a a intensificar sua investida, o que explica a recursividade do fenômeno na díade (Driver et al., 2016).
A escala de intensidade de conflitos demonstrou bons índices de ajuste a nível diádico. Assim, o instrumento mostra-se apropriado para a avaliação de casais, e não apenas de indivíduos, tendo em vista que os escores dos cônjuges não são independentes, pois há influência mútua de emoções, cognições e comportamentos entre eles (Kenny et al., 2006). É interessante notar que a discussão intensa, item que representa intensidade intermediária dos conflitos, apresentou carga fatorial consideravelmente acima daquelas dos outros dois itens da escala, sendo o mais representativo da variável latente. É possível que as discussões intensas entre casais tenham sido consideradas como principal expressão característica do conflito conjugal pelos participantes. Provavelmente, a discussão intensa tenha sido identificada como um conflito pelos cônjuges com mais facilidade do que a divergência que foi resolvida calmamente. É possível que isso ocorra, pois os conflitos tendem a provocar emoções negativas, como raiva, indignação e frustração, e as reações fisiológicas associadas a essas emoções (Costa et al., 2015), resultando em discussões intensas.
Quanto ao uso do instrumento, o escore de intensidade dos conflitos é obtido por meio da soma dos três itens da subescala, sendo que o item 1, “discussão calma”, deve ser codificado de forma invertida. Dessa forma, quanto maior o escore, maior a intensidade do envolvimento do respondente nos conflitos do casal. A frequência dos conflitos é uma subescala que pode ser utilizada por meio da soma ou da média da frequência total dos conflitos ou pela análise das médias de cada motivo de conflito separadamente. Neste estudo, foi realizada a comparação pareada de médias de homens e mulheres (casais) para cada um dos motivos de conflito conjugal. No estudo II, apresentado a seguir, foi realizado o somatório da frequência total dos motivos de conflito dos participantes, avaliando a associação dessa variável às demais do estudo e seu poder de predição do ajustamento conjugal dos respondentes.
Estudo II
Método
Amostra
O Estudo II contou com 237 homens e 248 mulheres (N=485) autodeclarados heterossexuais. A idade mínima dos respondentes foi 18 anos e a máxima 79 anos (M=41,49, DP=12,26). Em relação à escolaridade, a maior parte dos participantes tinha nível superior 26,4% (N=128) ou pós-graduação 35,5% (N=172). O tempo de união variou de 6 meses a 53 anos (M=15,33, DP=11,97), sendo que 82,1% (N=398) dos respondentes estava na primeira união. Quanto à prole, 32,4% (N=157) dos respondentes referiu não ter filhos. Os participantes que referiram ter filhos foram 67,6% (N=328), sendo que destes 85,2% (N=279) tinha um ou dois filhos e 14,8% (N=49) tinha entre três e cinco filhos.
Quanto ao trabalho, 83,7% (N=406) dos respondentes referiu trabalhar fora de casa, dedicando-se de quatro a 14 horas por dia (M=6,66; DP=3,31), e 16,3% (n=79) referiu não ter trabalho ou estar aposentado. Quanto à renda, a maior parte dos participantes, 36,1% (n=175), referiu ganhar de dois a três salários-mínimos.
Instrumentos
Foram utilizados o questionário sociodemográfico e a Escala de Conflito Conjugal, já descritos no Estudo I. Os participantes responderam também à Revised Dyadic Adjustment Scale, R-DAS (Hollist et al., 2012), composta por 14 itens divididos em três fatores. O primeiro, consenso, possui seis itens que avaliam o nível de concordância/discordância entre os parceiros sobre diferentes temas em uma escala do tipo Likert de seis pontos que variam de 0 (sempre discordamos) a 5 (sempre concordamos). O fator satisfação possui quatro itens que medem a frequência com que os parceiros brigam, conversam sobre divórcio, entre outros temas, em uma escala do tipo Likert de seis pontos que variam de 0 (sempre) a 5 (nunca). O terceiro fator, coesão, possui quatro itens que avaliam a frequência com que os parceiros realizam diferentes atividades juntos. Os itens devem ser pontuados em uma escala do tipo Likert de seis pontos que variam de 0 (nunca) a 5 (mais de uma vez por dia), exceto pelo item 11 que é pontuado em uma escala do tipo Likert de cinco pontos que variam de 4 (todos os dias) a 0 (nunca). Na tradução e validação para o Brasil, foram encontrados alfa de Cronbach de 0,90 para ajustamento total, 0,81 para o fator consenso, 0,85 para satisfação e 0,80 para coesão. Neste estudo, os valores do alfa de Cronbach para o ajustamento total e os fatores consenso, satisfação e coesão, foram, respectivamente, 0,84, 0,77, 0,78 e 0,80 para os homens e 0,87, 0,72, 0,83 e 0,82 para as mulheres.
Procedimentos
O presente estudo foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, conforme consta no parecer nº 2.075.195; CAAE: 65851616.6.0000.5344. Os procedimentos adotados seguiram rigorosamente o que consta na Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, atendendo os fundamentos éticos e científicos pertinentes, conforme lia-se no TCLE.
A coleta de dados ocorreu em Porto Alegre, região metropolitana e cidades do interior do estado do Rio Grande do Sul a fim de que a amostra fosse heterogênea. O pesquisador responsável entrou em contato com os respondentes via telefone, WhatsApp e e-mail por meio da indicação de pessoas conhecidas, igrejas e centros de formação em psicologia, portanto, coleta de dados por conveniência. No primeiro contato, foram explicados os objetivos do estudo, os riscos e benefícios implicados na participação. Havendo interesse e disponibilidade, agen-dava-se dia e hora para a coleta no local de preferência do respondente, que variou entre residência e local de trabalho. O procedimento levou em média 60 minutos e envolveu a leitura em voz alta do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, esclarecimento de dúvidas, assinatura do TCLE em duas vias, uma para o participante e outra para o pesquisador, que guardou o documento em envelope separado dos demais materiais para evitar a identificação do respondente por meio do termo assinado, e preenchimento do questionário de pesquisa.
Análise dos Dados
Em um banco de dados no programa SPSS 25.0 (Statistical Package for Social Science), foram realizadas análises descritivas para calcular porcentagens, médias e desvio padrão e correlação de Pearson para avaliar as associações entre as variáveis e determinar o tipo de associação, se positiva ou negativa, considerando o nível de significância de 95%, p≤0,05 (Dancey, & Reidy, 2019). Com base no resultado das correlações, foi realizada análise de regressão linear, método stepwise, para avaliar o poder preditivo das variáveis independentes tempo de união, frequência e intensidade dos conflitos de homens e mulheres sobre a variável dependente ajustamento conjugal. A frequência dos conflitos foi calculada com base no somatório da frequência de todos os motivos de conflito.
Resultados
Na Tabela 3, consta o resultado da correlação de Pearson entre os fatores tempo de união, frequência e intensidade dos conflitos e ajustamento conjugal de homens e mulheres.
homens mulheres | tempo de união | frequência dos conflitos | intensidade dos conflitos | ajustamento conjugal |
---|---|---|---|---|
Tempo de união | 1 | 0,041 | −0,052 | 0,132* |
Frequência dos conflitos | −0,027 | 1 | 0,268** | −0,400** |
Intensidade dos conflitos | −0,079 | 0,405** | 1 | −0,411** |
Ajustamento conjugal | 0,002 | −0,556** | −0,471** | 1 |
Nota. **p<0,001; *p<0,050
Conforme a Tabela 4, as variáveis independentes que tiveram correlação significativa compuseram o modelo de predição para o ajustamento conjugal. Para as mulheres, o modelo final possibilitou fazer uma estimação correta de 37% por meio das variáveis frequência e intensidade dos conflitos conjugais. Para os homens, o modelo final de ajustamento conjugal permitiu fazer uma estimação correta de 26%, sendo que as variáveis preditoras foram a intensidade e a frequência dos conflitos conjugais e tempo de união.
variáveis preditoras | mulheres modelo final nº 2 | variáveis preditoras | homens modelo final nº 3 | ||
---|---|---|---|---|---|
B | sig. | B | sig | ||
Frequência do conflito | −0,437 | 0,000 | Intensidade do conflito | −0,319 | 0,000 |
Intensidade do conflito | −0,294 | 0,000 | frequência do conflito | −0,320 | 0,000 |
Tempo de união | 0,128 | 0,022 | |||
R | 0,618 | R | 0,526 | ||
R2 | 0,382 | R2 | 0,276 | ||
R2 ajustado | 0,376 | R2 ajustado | 0,267 |
Discussão
Por meio da análise de correlação, foi possível perceber que o tempo de união não teve associação com a frequência e a intensidade dos conflitos. Em outras palavras, o tempo de relacionamento dos respondentes homens e mulheres do Estudo II não está relacionado com o aumento ou a diminuição na frequência ou na intensidade com que os conflitos ocorrem. Esse resultado difere do que apontam outros estudos nacionais e internacionais de que a variável tempo influencia a qualidade do relacionamento conjugal, já que, quanto mais tempo de união, mais flexíveis, tolerantes e cooperativos se tornam os cônjuges (Delatorre, & Wagner, 2015; Gottman et al., 2015), o que indica a necessidade de mais estudos para que afirmações conclusivas possam ser feitas.
Ainda quanto ao tempo de união, não houve correlação com a variável ajustamento conjugal para as mulheres, somente uma correlação baixa para os homens. Esse resultado pode sugerir que, para eles, a estabilidade que se adquire com o passar do tempo de união também provoca aumento nos níveis de ajustamento conjugal, já que parte das divergências e exigências podem ter sido superadas (Costa et al., 2016; Gottman et al., 2015).
Como esperado, a frequência e a intensidade dos conflitos conjugais tiveram correlação positiva moderada entre si e correlação negativa moderada com o ajustamento conjugal para homens e mulheres, exceto por uma correlação baixa e positiva entre a frequência e a intensidade dos conflitos para os homens. Esses resultados reforçam o pressuposto de que a frequência e a intensidade dos conflitos são variáveis que aumentam em uma mesma direção e podem levar ao escalonamento das situações de conflito (Mosmann, & Falcke, 2011). A correlação baixa entre as duas variáveis para os homens vai ao encontro dos demais achados deste estudo e da literatura, que indicam a maior evitação dos conflitos por parte dos homens e maior envolvimento feminino nos desentendimentos (Driver et al., 2016; Kulik et al., 2016), conforme discutido no Estudo I.
Sobre o ajustamento conjugal de homens e mulheres, o resultado indica que efetivamente, quanto mais frequentes e intensos são os conflitos conjugais, menores são os níveis de ajustamento conjugal (Fincham, 2003). Observa-se que o ajustamento é constituído pelos fatores consenso, coesão e satisfação conjugal, ou seja, o aumento na frequência e na intensidade dos conflitos também indica que os parceiros estão se entendendo menos, ficando mais distantes e se sentindo menos satisfeitos com a relação e o cônjuge (Hollist et al., 2012; Neves, & Duarte, 2015; Rauer et al., 2017).
No modelo de predição estatística, constatou-se que a frequência e a intensidade dos conflitos conjugais explicaram 37% do ajustamento conjugal das mulheres. Além de reforçar as evidências científicas encontradas em outros estudos (Abbasi, 2017; Fincham, 2003; Rauer et al., 2017), esse resultado reitera o quanto os fenômenos se relacionam já que o percentual de explicação pode ser considerado alto visto que o modelo possui somente duas variáveis preditoras.
Para os homens, o modelo explicou 26% do ajustamento conjugal por meio das variáveis frequência e intensidade dos conflitos conjugais e acréscimo da variável tempo de união, que teve carga inferior se comparada com as duas primeiras variáveis. A compreensão desse resultado vai em direção ao que foi discutido anteriormente nas correlações. Pode ser que a intensidade e a frequência dos conflitos conjugais expliquem menos o ajustamento conjugal dos homens porque eles tendem a recuar e/ou evitar se envolver nos acalorados debates sobre as divergências conjugais (Driver et al., 2016). Ainda, o tempo de união contribui para o modelo e, considerando o resultado da correlação, pode indicar que o tempo de alguma forma impacta nos níveis de ajustamento dos homens. Finalmente, a diferença entre as estimativas que explicam os modelos feminino e masculino também reforçam outras evidências (Negreiros, & Féres-Carneiro, 2004; Wheeler et al., 2010) de que existem diferenças associadas ao gênero quanto às questões conjugais que precisam ser consideradas nos estudos desse fenômeno, conforme apontado também no Estudo I.
Discussão geral e Considerações Finais
O presente artigo buscou, em dois estudos, respectivamente, investigar as evidências de validade da Escala de Conflito Conjugal por meio da análise de sua estrutura interna e verificar o poder preditivo do tempo de união, da frequência e intensidade dos conflitos conjugais no ajustamento conjugal, a fim de fornecer evidências adicionais da validade do instrumento. Por meio dos dois estudos, foi possível alcançar ambos os objetivos, corroborando o conjunto de evidências científicas que o uso da escala acumula no contexto brasileiro na última década (Costa et al., 2015; Mosmann, 2007; Mosmann, & Falcke, 2011; Mosmann et al., 2018).
Quanto ao uso da Escala de Conflito Conjugal em estudos futuros, destaca-se que as duas subescalas, de frequência e intensidade dos conflitos podem ser utilizadas para avaliar indivíduos ou casais, já que a subescala de intensidade se ajustou satisfatoriamente em um modelo diádico (Kenny et al., 2006). A subescala de frequência pode fornecer uma medida geral, embora pouco precisa, acerca do quanto os cônjuges se envolvem em situações de conflito e as médias de cada motivo de conflito que são relevantes, principalmente, em amostras compostas por ambos os membros do casal. Dessa forma, torna-se possível analisar as médias pareadas e conseguir uma medida mais fidedigna sobre as diferenças em casais.
Quanto aos motivos dos conflitos, destaca-se que o fator frequência não é uma escala de medida com estrutura fatorial, de modo que a subescala possibilita o acréscimo de outros motivos de conflito. Esse recurso possibilita acompanhar as mudanças socais e necessidades individuais que tendem a alterar também os motivos pelos quais indivíduos em relacionamentos conjugais se envolvem em conflitos (Costa, & Mosmann, 2015; El-Sheikh et al., 2019).
Sobre a validade baseada na relação com outras variáveis, há um número expressivo de estudos que utilizaram a escala de conflito em conjunto com outras medidas que avaliam diferentes aspectos do relacionamento conjugal, como variáveis sociodemográficas, satisfação conjugal, resolução de conflitos, sintomas nos filhos, entre outras variáveis (Buehler, & Gerard, 2002; Costa et al., 2015; Costa et al., 2016; Mosmann, 2007; Mosmann, & Falcke, 2011; Mosmann et al., 2018; Wagner et al., 2019). No Estudo II, foi definida a medida de ajustamento conjugal como associação e desfecho porque é apontada na literatura como proeminente aspecto de avaliação do funcionamento do casal (Lebow, & Stroud, 2016). Nesse sentido, o estudo confirmou a interdependência entre as variáveis frequência, intensidade e ajustamento conjugal.
Além disso, a Escala de Conflito Conjugal mostra-se uma medida útil também para a avaliação do relacionamento e, portanto, relevante nas intervenções preventivas e terapêuticas da conjugalidade. Em outras palavras, ao identificar aumento no número de vezes que o casal discute sobre diferentes motivos de conflito e perceber a intensidade da variação das discussões, é possível intervir de modo a evitar o aumento progressivo da intensidade do conflito e, em decorrência, prejuízos mais importantes ao relacionamento do casal. Como limitação, o delineamento da pesquisa não possibilitou a análise da direcionalidade das relações encontradas no Estudo II. Dessa forma, não foi possível identificar se a maior frequência e intensidade com que os conflitos conjugais ocorrem tende a diminuir os níveis de ajustamento conjugal, ou se em um casal com baixos níveis de ajustamento provocados por outros aspectos da vida a dois tende a aumentar a frequência e a intensidade dos conflitos. Portanto, a recursividade do fenômeno pode ser uma agenda para estudos futuros.