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Revista da SPAGESP
versão impressa ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP v.4 n.4 Ribeirão Preto dez. 2003
ARTIGOS
Atenção psicossocial à mulher e criança vitimizada: uma experiência
Attention to woman and child victim of violence: an experience
Atención psicosocial a la mujer y al niño victimados: una experiencia
Maíra Bonafé SeiI, 1; Sonia Aparecida Pires de OliveiraI, 2; Catalina Camas CabreraI, 3; Sérgio KodatoII, *
I Grupo de Estudos e Atenção à Violência Doméstica e Agressão Sexual - GEAVIDAS
II Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP
RESUMO
A violência, cujos indicadores mostram-se altos, traz diversas conseqüências, físicas e psicológicas, para aqueles que dela são vítimas. Faz-se necessário uma atenção cuidadosa à problemática e à população atingida. Por conta dessa necessidade que foi criado, em Ribeirão Preto, o GEAVIDAS (Grupo de Estudos e Atenção à Violência Doméstica e Agressão Sexual). Foi desenvolvido um protocolo onde a vítima recebe atendimento médico, legal, psicológico e social no pronto-atendimento. Entretanto, tendo em vista a necessidade de um atendimento psicológico que não apenas o de urgência, criou-se em 2001 um convênio com a FFCLRP-USP para o atendimento, por estagiários de 4º e 5º anos de Psicologia, das vítimas encaminhadas. Contudo, percebeu-se que apenas o atendimento individual não estava sendo capaz de atender à demanda, gerando espera e desistência do tratamento e optou-se pela criação de grupos de espera para mães e adolescentes, onde possam trabalhar suas angústias, vivências e sentimentos, podendo fazer uso das vantagens que um setting grupal oferece.
Palavras-chave: Abuso; Violência; Trauma; Psicoterapia; Grupo.
ABSTRACT
The violence, which indicators are very high, brings many consequences, physics and psychologicals, to their victims. It’s necessary a careful attention to this problem and population. Because of this necessity, GEAVIDAS (Study Group and Attention to Domestic Violence and Sexual Aggression) had been created in the city of Ribeirão Preto. A protocol had been developed and the victim receives medical, legal, psychological and social attention in the emergency hospital. However, due to the necessity of a continued psychological attendance, an accord with the FFCLRP-USP was created in 2001.Through this accord, the victims are attended by the 4th and 5th years trainees of Psychology. Nevertheless, it has been observed that the individual attendance couldn’t care for all the victims, who had to wait and started to abandon the treatment. After that, GEAVIDAS had chosen to create “wait groups” for mothers and adolescents (who is waiting for an individual attendance), where they can talk about their anguish, experiences and feelings, making use of the advantages that a group setting offers.
Keywords: Abuse; Violence; Trauma; Psychotherapy; Group.
RESUMEN
La violencia, cuyos índices se muestran altos, trae diversas consecuencias, físicas y psicológicas, para quienquiera que della sea víctima. Una atención especial a la problemática y a la populación afectada se hace imprescindible. Por ese motivo, fue creado, en Ribeirão Preto/São Paulo/Brasil, el GEAVIDAS (Grupo de Estudios y Atención a la Violencia Doméstica y Agresión Sexual). Un protocolo fué creado, onde la víctima recibe cuidados médicos, legales, psicológicos y sociales en carácter de urgencia. Llevando en cuenta la necesidad de cuidados psicológicos no solamente en carácter de urgencia, fue creado en el año de 2001 un convenio con la FFCLRP-USP para que los estudiantes del 4o. y 5o. años del curso de Psicología pudiésen tratar las víctimas que acudian a los servicios. Entretanto, se pudo percibir que apenas el tratamiento individual no era suficiente para auydar a todos los que acudian al servicio, dando origen a demoradas esperas y incluso desistencias de la terapia; por eso se decidió por la creación de grupos de espera para madres y adolescentes permitiendo trabajar sus angustias, vivencias y sentimientos, con las ventajas que un setting grupal ofrece.
Palabras clave: Abuso; Violencia; Trauma; Psicoterapia; Grupo.
INTRODUÇÃO
As situações de violência e suas conseqüências têm sido uma preocupação constante da atualidade, tanto na área criminal como também na área da saúde, requisitando-se profissionais preparados para lidar com a atual realidade.
A vitimização, que não se faz presente apenas em países menos desenvolvidos ou em classes desfavorecidas, como também entre classes e países ricos, traz seqüelas podendo ser de cunho orgânico ou emocional, sendo que as conseqüências psicológicas podem ser imediatas ou mediatas (Santoro Jr., 2002). Entre as marcas deixadas pela situação de vitimização, pode-se perceber influências no relacionamento interpessoal e consigo próprio.
Quanto às possíveis conseqüências, Azevedo (1989) faz uma revisão a respeito dos possíveis efeitos do abuso sexual e físico e aqui se enumera alguns dos problemas encontrados: de ajustamento sexual; interpessoais, como idealização do homicídio, fugas do lar; educacionais, como dificuldades de aprendizagem; e outros sintomas psicológicos, como perda de auto-estima, culpa ou vergonha, depressão, psicose, masoquismo, identidade não integrada,dentre outros.
Observando-se as conseqüências que uma situação de vitimização pode acarretar, faz-se necessário algum tipo de apoio médico e psicológico a essa população, no sentido de prevenir problemas futuros ou amenizar os efeitos adversos já percebidos após a situação traumática.
HISTÓRICO DO GEAVIDAS
É papel da escola (e em especial das escolas de ensino superior) pesquisar, produzir conhecimento e técnica para a desconstrução da violência. Também se torna necessário desenvolver modos de atenção às vítimas de violência e modos de prevenção de atos violentos, quebrando a cadeia geradora de violência e negligência.
O Hospital-Escola e os serviços de saúde com programas de formação e treinamento de profissionais de saúde são locais apropriados para assistência, ensino e pesquisa na área de violência, pois os serviços de saúde constituem a encruzilhada para onde confluem todos os corolários da violência. Por outro lado, vítimas de violência necessitam de atendimento de urgência e de atenção especializada em curto prazo e de reabilitação física, psicológica e readaptação social a médio e longo prazo.
O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP vem desenvolvendo, no município de Ribeirão Preto, estratégias para assistência médica e psicológica a vítimas de violência e abuso sexual, com perspectivas de instalação progressiva de ações preventivas aos atos violentos.
A partir da observação das conseqüências médicas, psicológicas e sociais decorrentes dos agravos sexuais contra mulheres e crianças e das dificuldades das equipes de tratamento no manejo dessas situações, um grupo de profissionais, em 1999, passou a se reunir regularmente neste hospital, com o propósito de promover ações para otimizar a assistência e o ensino específicos.
Inicialmente fez-se um levantamento de informações sobre recursos e equipamentos existentes no município e formas de funcionamento, juntamente com representantes de entidades governamentais e não governamentais do município, envolvidos com a atenção à situação de violência e abuso sexual de crianças, adolescentes e mulheres.
Numa segunda etapa, instituiu-se o grupo de trabalho, que recebeu o nome de GEAVIDAS - Grupo de Estudos e Atenção à Violência Doméstica e Agressão Sexual - com objetivo de planejamento das ações para a viabilização de uma assistência efetiva e eficaz às vítimas de violência doméstica e abuso sexual no município de Ribeirão Preto.
Num terceiro momento, o GEAVIDAS iniciou a implantação da assistência especializada, a nível terciário, para pessoas vítimas de abuso sexual receberem atendimento nas primeiras horas após a ocorrência do agravo.
Tal ação buscou garantir: agilização na entrada da Unidade de Emergência do HCFMRP-USP; acolhimento na recepção da mesma; realização de exames médicos especializados, dentre eles o exame médico-legal no local de atendimento; medicamentos para prevenção das DST-AIDS e gravidez; notificação da ocorrência; avaliação do Conselho Tutelar no local (para crianças e adolescentes); orientações do Serviço Social sobre procedimentos legais para proteção, assessoria jurídica e apoio social; orientações para continuidade dos tratamentos médico e psicológico no HC - Campus.
Para isto, tornou-se necessário preparar o protocolo de utilização dos medicamentos profiláticos para padronização e desse modo, elaborou-se o protocolo do HCFMRP para orientação das condutas no pronto atendimento, até 72 horas após a agressão. Também se mostrou necessário preparar os profissionais da saúde do município para esse atendimento e para isso foram realizadas algumas estratégias de sensibilização e capacitação.
Quanto à assistência psicológica às vítimas de agressão sexual recente, o GEAVIDAS organizou um fluxograma em que todos os pacientes que chegam ao hospital para a avaliação médica, após o primeiro atendimento de urgência, são aconselhados a fazer entrevista com um psicólogo, que avalia com a paciente (ou responsável), o melhor modo de atendimento psicológico, colhendo informações para identificação de riscos (reincidência da violência) e complicações psiquiátricas secundárias ao agravo.
Os atendimentos psicológicos são realizados por alunos do 4º e 5º anos de psicologia, em estágio supervisionado do GEAVIDAS. As modalidades de atendimento são: psicoterapia individual, ludoterapia e orientação familiar. As crianças recebem atenção especial do Projeto Brincar (voluntários que brincam no hospital) durante uma fase da avaliação.
RESULTADOS
A experiência adquirida nos últimos dois anos no atendimento psicológico, pelo GEAVIDAS, às pessoas vítimas de violência sexual, nos mostra que essas situações podem trazer, aos indivíduos vitimizados, sérias conseqüências, produzindo traumas físicos e psicológicos, além de angústia causada pela possibilidade de aquisição de uma doença sexualmente transmissível (dentre elas a decorrente de infecção pelo HIV) ou a ocorrência de gravidez indesejada, no caso das mulheres, confirmado pela literatura.
Assim, espera-se que o atendimento possa ser iniciado prontamente, com o objetivo de propiciar à vítima uma melhor estrutura para o enfrentamento do tratamento preventivo, recuperação da auto-estima e minimização das seqüelas decorrentes do trauma.
Com o aumento da demanda pelo atendimento psicológico às vítimas de violência sexual atendidas no GEAVIDAS e para facilitar a ressocialização pós-trauma de crianças e adolescentes, começou-se a cogitar a possibilidade de psicoterapia de grupo com enfoque na restauração psíquica, visando principalmente, no primeiro momento, elevação da auto-estima e diminuição do sofrimento junto ao grupo, acreditando-se que muitos pacientes possam se beneficiar e ter maior eficácia em sua recuperação através da psicoterapia grupal.
Sabe-se que a maioria dos serviços de saúde não está equipada para diagnosticar, conduzir, tratar e contribuir para a prevenção, já que as atuações frente aos casos de violência - em especial a sexual & requerem profissionais da violência, principalmente aqueles de caráter mais insidioso, exigindo uma dinâmica de atendimento com atitudes imediatas, efetivas e dignas (Deslandes, 1999).
Pensando-se nisso e percebendo-se que apenas o atendimento individual não estava sendo capaz de atender à demanda, gerando espera e desistência do tratamento, buscou-se uma parceria junto à SPAGESP - Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo - para o oferecimento de um atendimento humanizado e rápido, fazendo com que se espere uma vaga para o atendimento psicológico pelo menor período de tempo. Optou-se pela criação de grupos de espera para mães, adolescentes atendimento grupal infantil, onde os indivíduos vítimas de violência possam trabalhar suas angústias, vivências e sentimentos, podendo fazer uso das vantagens que um setting grupal oferece. Espera-se que através da parceria um número ainda maior de pessoas possa se beneficiar da psicoterapia, de forma que alcancem uma reestruturação e qualidade de vida apos o trauma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, M. A. Conseqüências psicológicas da vitimização de crianças e adolescentes. Em: AZEVEDO, M.A. e GUERRA, V.A. (Org.) Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo: Iglu Editora, 1989. [ Links ]
DESLANDES, S.F. O atendimento às vítimas de violência na emergência: “prevenção numa hora dessas?”. Ciência & Saúde Coletiva: São Paulo, v.4, n.1, p. 81-94, 1999.
SANTORO JR., M. Maus-tratos contra crianças e adolescentes. “Um fenômeno antigo e sempre atual”. Pediatria Moderna, 38, 6, 279-283, 2002.
Endereço para correspondência
Maíra B. Sei
E-mail: mairasei@ig.com.br
Sonia Aparecida Pires de Oliveira
E-mail: soniapires@sernet.com.br
Catalina Camas Cabrera
E-mail: catcabrera@hcrp.fmrp.usp.br
Sérgio Kodato
E-mail: skodato@ffclrp.usp.br
Recebido em 30/01/2003.
1ª Revisão em 10/02/2003.
Aceite Final em 20/02/2003.
1 Psicóloga, mestranda em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e ex-estagiária do GEAVIDAS.
2 Psicóloga colaboradora do GEAVIDAS do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
3 Médica Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo e Vice-Presidente do GEAVIDAS.
* Professor Doutor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.