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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.5 n.5 Ribeirão Preto dez. 2004

 

ARTIGOS

 

Aplicação da dinâmica de grupo à escola

 

The application of group dynamic technique in school

 

Aplicación de la dinámica de grupo a la escuela

 

 

David Epelbaum Zimerman 1

Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre - SPPA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho pretende enfatizar a importância que a dinâmica de grupos representa nos processos de ensino-aprendizagem em qualquer instituição de ensino, principalmente nas escolas primárias.

A dinâmica de grupos é enfocada do ponto de vista das contribuições psicanalíticas, mais particularmente, a integração e interação dos alunos, familiares, professores, cúpula diretiva da instituição, a ideologia do ensino, etc.

Após enfatizar a importância dos fatores inconscientes de todos participantes, e a natureza dos vínculos que caracterizam as inter-relações grupais, o trabalho destaca a possível aplicação prática de "grupos de reflexão" na escola, em diversos níveis.

Palavras-chave: Educação e grupos; Ensino-aprendizagem; Dinâmica de grupo; Grupos de reflexão.


ABSTRACT

This work intends to emphasize the importance that dynamic group technique represents in the process of teaching-learning in every teaching institution, mainly in primary schools. The group dynamic is focused from the point of view of psychoanalytical contributions, more particularly the integration and interaction of the students, their relatives, teachers, and higher teaching members of direction of the institution, the teaching ideology, etc.

After emphasizing the importance of unconscious factors of all participants and the nature of the links that distinguish the inter-relationship in groups, the work points out the possible practical application of "group of reflection" at school, and in different levels.

Keywords: Education in groups; Teaching-learning; Group dynamic; Groups of reflection.


RESUMEN

EI presente trabajo pretende dar énfasis a la importancia que Ia dinámica de grupos representa en los procesos de enseñanza-aprendizaje en cualquier institución de enseñanza, y en primer lugar en las escuelas primarias.

La dinámica de grupos es enfocada sobre el punto de vista de las contribuciones psicoanalíticas, en especial, en lo que se refiere a la interacción de los alumnos, familiares, y profesores, cúpula directiva de la institución, ideología de la enseñanza, etc.

Después de realzar la importancia de los factores inconscientes de todos los participantes, y la naturaleza de los vínculos que caracterizan las interrelaciones grupales, el trabajo destaca la posible aplicación práctica de grupos de reflexión en Ia escuela en diversos niveles.

Palabras clave: Educación y Grupos; Enseñanza-aprendizaje; Dinámica de grupo; Grupos de reflexión.


 

 

Elegi esta epígrafe

“Como é possível que sendo as crianças tão inteligentes,
a maioria dos adultos seja tão tola?
A educação deve ter algo a haver com isso”.
(Alexandre Dumas Filho)

para iniciar a presente participação porque ela sintetiza admiravelmente a importância da educação, logo, o largo quinhão de responsabilidades que, de alguma forma, também cabe à Escola na formação da personalidade dos alunos. Dentre os múltiplos fatores que estão contidos nas diversas dimensões dos inter-relacionamentos - professores com alunos, alunos com alunos, professores com professores, com a administração da escola, com os pais dos alunos, etc. - sobressaem, fora de qualquer dúvida, os aspectos da emocionalidade. Justamente por esta razão, é que a psicanálise pode contribuir para uma melhor qualidade do processo de ensino-aprendizagem e, indiretamente, na formação da personalidade do aluno.

Conquanto estejamos empregando quase indistintamente as expressões “ensino” e “educação”, impõe-se estabelecer uma distinção entre ambas, sendo que a etimologia pode auxiliar nisto. Assim, a palavra ‘ensino’ deriva dos étimos “en” (quer dizer: ‘dentro de’) + “signo” (sinais), ou seja, alude a uma colocação de informações dentro da cabeça do aluno. ‘Educação’, por sua vez, é um vocábulo que deriva de “ex” (significa ‘para fora’, como em ‘ex-terior’...) + “ducare” (designa  ‘dirigir’, como em ‘con-ductor’...), isto é, este termo refere um propósito de fazer emergir, e dirigir para fora, as capacidades que são inerentes aos próprios alunos e que estão à espera de serem reconhecidas e despertadas (ZIMERMAN, 2.000).

Creio que existe uma correspondência entre a afirmativa acima e a bela metáfora que Freud (1905) empregou para caracterizar o fato de que o processo psicanalítico pode seguir duas vias: uma, chamada via di porre, é comparada com a arte da pintura, na qual o artista põe (porre) as tintas numa tela em branco. A outra via, é a di levare, que foi comparada com o trabalho de um escultor que, como Michelangelo, retira (levare) o excesso de mármore de um bloco e, assim, faz surgir (nascer) impressionantes figuras humanas, que transmitem a impressão de que elas já estavam ali, latentes e aprisionadas, à espera de serem despertadas e libertadas.

A tendência atual dos psicanalistas e educadores, é a de não incorrer num maniqueísmo empobrecedor que consistiria em escolher uma das duas vias mencionadas, mas, sim, antes disso, fazer uma composição de ambas, privilegiando a ‘educação’ (a di levare), sempre levando em conta o sábio princípio, segundo Bleger (1987) de que “muito melhor do que encher cabeças, é formar cabeças”.

Unicamente como esquema de exposição didática, cabe descrever, separadamente, as diversas dimensões dos inter-relacionamentos que se processam na Escola (no sentido ‘coletivo’ dessa palavra), juntamente com alguns dos inúmeros problemas decorrentes de cada uma delas.

 

ALUNO - PROFESSOR

Todo aluno, ao entrar na Escola, traz consigo uma bagagem de valores, aptidões, angústias, identificações e, principalmente, um mundo interior, configurado a partir de uma combinação de fatores que procedem de duas fontes fundamentais: a biológica-heredo-constitucional, e a ambiental, na qual desponta como fator primacial a influência dos pais, além de irmãos, amigos, colegas, professores e a cultura em geral.

Por meio do fenômeno que no jargão psicanalítico é conhecido como “identificação projetiva”, fica mais claro reconhecer a nítida tendência que o aluno tem de projetar partes do seu mundo interno nos professores e colegas, deste modo ‘identificando’ a estes, com as mesmas características dos personagens que habitam o interior do seu psiquismo. Daí podem resultar atitudes aparentemente incompreensíveis que são apresentadas por parte de certos alunos, ou de um grupo deles, como por exemplo, vir a atacar, ou submeter-se, a professores e colegas, promover rebeldias, fazer uma distorção paranóide daquilo que escutam dos outros, fazer uma insaciável demanda de pedidos e exigências, etc., etc. Nestes casos, torna-se fundamental que o educador tenha um preparo educacional-emocional com uma suficiente aptidão para não entrar no jogo da provocação dos alunos, a qual, na maioria das vezes procede de raízes inconscientes.

Também costuma acontecer com uma certa freqüência que o aluno busca encontrar no professor uma figura que preencha o seu vazio de mãe ou pai, os quais provavelmente estejam, na realidade, falhando nas suas atribuições de entender e atender as necessidades emocionais básicas do seu filho. Neste contexto, uma coisa deve ficar bem clara para o professor: é imprescindível que ele conheça muito bem qual é o seu papel, seu lugar, posição e função na sala de aula; igualmente conhecer quais são os seus limites e limitações, de modo a não assumir o papel de substituto do pai ou mãe que, de alguma forma importante, estão falhando.

Isso não quer dizer que não caiba aos professores a delicada e sublime tarefa de, indiretamente, funcionar para os seus alunos como um novo e importantíssimo modelo de identificação. Por exemplo, se um determinado aluno, mostra-se agressivo é bastante provável que esteja se tratando de uma “agressividade por defensividade”, isto é, ele está muito convicto de que vá se repetir, com a pessoa do professor, uma  conduta tirânica, desqualificatória e humilhatória que ele sofreu por parte de um dos pais, ou de ambos. Por isso, este aluno fica numa postura psíquica de defesa, pronto para contra-atacar, o que ele pode fazer, antecipando-se agressivamente contra o suposto ataque que ele imagina que esteja sofrendo, ou que virá a sofrer por parte do professor.

Um novo modelo de identificação propiciado pela pessoa do professor, consiste no fato de que este aluno, do nosso hipotético exemplo, vai ter a experiência de conviver intimamente com algum professor que -bem ao contrário dos pais - lhe forneça um modelo de alguém que o respeita, valoriza, tem amor às verdades, o escuta, pensa os problemas e enfrenta situações difíceis com outras atitudes diferentes daquelas com as quais ele está acostumado em casa, etc. Ao introjetar esse modelo do educador, torna-se bastante possível que o aluno modifique substancialmente algo na sua estruturação da personalidade.

 

ALUNO – ALUNO

Todo professor que lida com uma sala de aula, mais particularmente nas séries iniciais, há de concordar que existe uma forte tendência à formação de “subgrupos”, como pode ser, por exemplo, a de uma parte da turma constituída por aqueles que, apelidados como “Caxias” (ou nomes equivalentes), são dedicadíssimos aos estudos e tiram notas máximas, enquanto concomitantemente organiza-se um outro sub-grupo, com alunos numa posição antípoda àquela anterior, mostrando-se como transgressores às finalidades precípuas da Escola e, não raramente, incorrendo no sério problema do uso de drogas psico-ativas.

Um outro aspecto que, de regra, aparece na dinâmica dos grupos, consiste numa distribuição de distintos papéis que cada aluno tende a assumir e, muitas vezes, age cumprindo de forma estereotipada, um tipo de papel que, inconscientemente, lhe é inerente ou lhe esteja sendo atribuído pelos demais.

Virtualmente, todos os grupos - familiares, escolares, institucionais - estruturam-se de uma maneira em que se forma uma distribuição de papéis diferentes, assumidos por pessoas diferentes. Assim, com um pequeno esforço de memória, o leitor há de lembrar-se de que, desde as suas primeiras classes escolares, sempre havia na sua turma aquele colega que era um ‘chato’, um outro que era o ‘burro’, ou geniozinho, puxa-saco, tímido, brigão, etc. e, da mesma forma havia o professor ‘carrasco’, um outro considerado como uma ‘mãe brasileira’, etc., etc.

Os papéis que mais comumente são desempenhados por distintos alunos consistem nos tipos: “bode expiatório” (leva as culpas por tudo e, provavelmente ele contribui para isso); “porta-voz” (expõe-se em demasia, falando e agindo por todos); “sádico” de tipo agressivo-destrutivo; o eternamente “bonzinho”, entre tantos outros papéis mais.

É útil registrar que sempre se forma um campo com uma dinâmica grupal entre os alunos, onde se entrecruzam, simultaneamente, emoções distintas, como amizade, solidariedade, mas também uma rivalidade competitiva, com sentimentos de ciúme, inveja, jogo de intrigas, atingindo, por vezes, um grau de crueldade. No entanto, esse complexo jogo de emoções reinantes na Escola, reproduz fielmente aquilo que se passa no grande mundo do “lá fora”, de sorte que se pode dizer que a Escola constitui-se como uma escola que forja uma socialização dos indivíduos.

Por último, cabe consignar que nos alunos que estão numa faixa etária na qual estão construindo o seu sentimento de identidade, eles podem rechaçar a outros colegas que, então sofrem uma  marginalização do convívio com eles. A explicação psicológica para esse fato pode ser entendida assim: em grande parte o sentimento de identidade forma-se através do estabelecimento das diferenças, tal como pode ser exemplificado com o grupo de personagens da conhecida história em quadrinhos, do “clube do Bolinha”, o qual mantém afixado na porta o cartaz ‘menina não entra’ (é claro que, posteriormente as meninas se vingaram e criaram o “clube da Luluzinha”, onde os meninos não podiam entrar, mas que igualmente, pela demarcação das diferenças, também se comporta como um instrumento de formação da identidade específica próprio do sexo feminino). Assim, num outro registro, os alunos podem rechaçar algum(a) colega que destoa da maioria, ou por ser por demais feia, ou bonita, ou mais corpulenta, jeito afeminado, “galinha”, etc., etc.

 

PROFESSOR – PROFESSOR

A natureza humana é, fundamentalmente, a mesma. Assim, o campo da dinâmica psíquica que se processa entre os alunos, tal como antes foi descrita, encontra uma contra-partida equivalente entre os professores, juntamente com orientadores pedagógicos, psicólogos e diretores. Destarte, é bastante freqüente que haja uma dissociação entre os papéis assumidos pelo corpo docente, de sorte que uns professores assumem a condição de ‘democrata-liberais’ com uma larga margem de tolerância para os alunos, enquanto outros advogam uma dureza na colocação de limites e nos critérios de tolerância.

Ademais, tal como acontece ao nível dos alunos, também os professores fazem recíprocas identificações projetivas e igualmente formam sub-grupos. Existe um aspecto bastante sutil, e nada incomum, que decorre de surdos conflitos que existem entre a cúpula e a base do magistério, a qual vai respingar nos alunos, causando conseqüências prejudiciais aos mesmos. Essa situação consiste no fato de que um diretor, ou orientador, trace uma determinada linha de conduta pedagógica e, ou, disciplinar, a qual recebe, aparentemente, a concordância manifesta de todos; no entanto, um professor, ou um subgrupo deles, apesar da aceitação formal, no fundo, discorda da referida orientação, por razões conscientes ou inconscientes. Nessas ocultas discordâncias podem pesar fatores como os de uma rivalidade e desafeição pessoal, ou uma disputa corporativista entre categorias e hierarquia profissional, de modo que pode acontecer que os referidos professores mantenham intimamente uma outra orientação pedagógica diferente da que lhes foi “imposta” e, inconscientemente, para demonstrar que a sua tese é que é a certa e a do orientador é que está errada, possa promover um boicote ativo, embora sutil, acionando os alunos para um certo tipo de conduta transgressora, como conseqüência da orientação combinada.

 

PROFESSORES – PAIS

Esta dimensão do inter-relacionamento da Escola é particularmente complexa e importante porque, nos casos com alunos problemáticos, é bastante freqüente a possibilidade de que se estabeleça um clima de recíprocas acusações entre pais e mestres. Assim, os pais que não têm condições emocionais de suportar a sua parcela de responsabilidade, ou culpa, pelo mau rendimento escolar, ou algum transtorno de conduta do filho, farão de tudo, para encontrar argumentos e pinçar fatos, a fim de imputar aos professores que reprovaram o aluno, ou à Escola como um todo, a total responsabilidade pelo fracasso do filho. Em contrapartida, também existe a possibilidade de que os professores, pessoalmente, ou representados pelos pedagogos da Escola, tenham a mesma dificuldade de reconhecer as possíveis falhas e, como forma de defensiva, partam para a ofensiva.

Também acontece, com certa freqüência, que um dos professores tenha na sua organização psíquica pessoal, um “superego” de características ameaçadoras e punitivas; é possível que este superego, projetado nos pais do aluno, provoque no próprio professor um alto grau de intimidação em relação aos pais, especialmente se estes pais estiverem num estado de indignação. Caso o professor ou o orientador pedagógico venham a ficar envolvidos nessa atmosfera intimidatória, os papéis correm o risco de ficarem desvirtuados, ou até invertidos, com todas as nefastas conseqüências previsíveis.

Tudo isso pode ganhar uma complexidade ainda bem maior porque o próprio aluno, que não suporte reconhecer a responsabilidade por suas falhas, fará um sutil jogo de intrigas que predisponham os pais contra os professores e a Escola. Da mesma forma, a complexidade aumenta à medida que existe uma dissociação bastante comum, que é aquela que se refere ao comportamento que um aluno tenha na sua casa e que seja totalmente diferente e oposto ao que ele manifesta na escola.

 

ESCOLA – ALUNOS

A ideologia relativa ao processo de ensino-aprendizagem da Escola, a sua orientação pedagógica, o clima de maior ou menor liberdade em relação à participação dos alunos, e outros aspectos equivalentes, tudo isso gera implicações imediatas no rendimento educacional e na formação da personalidade dos alunos. Assim, em meio a tantos fatores que pressionam os diversos níveis da escola, tanto aqueles provindos do interior dos indivíduos e dos grupos, como também aqueles oriundos de coerções exteriores, fica difícil para a Escola manter um equilíbrio harmônico entre os fatores que exercem pressões e as metas a serem alcançadas.  As metas e os fatores que interferem nelas, estão muito próximos e conjugados entre si, como podem ser mencionados, entre outros, os seguintes: a meta de um estímulo ao crescimento do sentimento de liberdade e da criatividade dos alunos, sem descurar o fato de que, ao mesmo tempo, deve haver por parte da Escola uma firme manutenção dos limites e o reconhecimento dos alcances, limitações e as inevitáveis diferenças que existem entre cada um e todos, além dos conflitos intra e interpessoais, em todos os níveis.

O que ninguém contesta é o fato de que os fatores, por parte da Escola, que podem ser desestruturantes para o aprendizado dos alunos, consistem no risco de incidirem num destes três aspectos: 1) a concessão de uma liberdade excessiva aos alunos, ao ponto dela ficar desvirtuada em uma ‘liberalidade’, ou ‘licenciosidade’(em cujo caso, não existe o respeito pelo direito ao espaço e à liberdade dos outros), o que confunde os alunos e que prejudicam a formação de uma capacidade para conseguir usufruir - sadiamente - o sagrado direito à liberdade. 2) uma exagerada repressão que acaba construindo um estado de submissão, ou, muitas vezes,  uma reação de rebeldia. 3) uma demasiada incoerência entre as duas referidas orientações opostas, praticadas por parte da Escola, como uma totalidade, ou advindas de professores cujas atitudes contraditórias refletem uma dissociação entre eles. De forma análoga, se não houver coerência no corpo diretivo e docente entre o que é dito, o que é feito e, sobretudo, o que, de fato, eles são, fatalmente isto repercutirá nos alunos, de forma negativa e provocadora de estados de confusão.

Para confirmar as afirmativas acima referidas a respeito da importância dos limites e da liberdade, cabe referir os três seguintes fatos: um refere à uma assertiva de Freud na qual ele assevera a existência de dois tipos principais de métodos patogênicos da educação: “a severidade excessiva e o consentimento exagerado”. O segundo fato alude à conhecida experiência na Escola de “Summer Hill”, na qual, após relatar, de forma entusiástica,  as suas observações no livro “Liberdade sem medo” o mesmo autor, algum tempo após, com o surgimento de novas observações dos fatos decorrentes da ampla liberdade concedida aos alunos, viu-se obrigado a escrever um novo livro: “Liberdade sem excesso”. O terceiro registro, diz respeito àquela geração de jovens norte-americanos, de algumas décadas atrás, que cresceu sob um lema educacional que, então, estava em voga em alguns centros dos Estados Unidos: “é proibido proibir”. Consta que esta foi a mais complicada geração de adultos que o país já produziu.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS CONHECIMENTOS PSICANALÍTICOS.

Como ficou evidenciado, os fatores inconscientes exercem uma função determinante na emocionalidade e conduta das pessoas, o que está de acordo com a clássica e convincente metáfora de Freud: ele comparou o psiquismo do ser humano com um “iceberg”, ou seja, a parte visível da “montanha de gelo” (equivale ao consciente da mente) é relativamente inócua e muitíssimo menor do que a parte que fica oculta, imersa no oceano (corresponde ao inconsciente), a qual é a grande responsável pelas colisões e tragédias, como a do Titanic. E é justamente por permitir um acesso, reconhecimento e manejo dos aspectos inconscientes que influenciam a nossa vida consciente, é que a vertente psicanalítica pode ser muito útil, quando aplicada na Escola, como, por exemplo, nos seguintes aspectos que seguem enumerados:

1. A Escola, como qualquer outra instituição, se constitui como um “grande grupo”, composto por grupos menores, como são as classes de aula;

2. todo grupo, da mesma forma como acontece com os indivíduos, sempre funciona em dois planos: um, que é consciente (no jargão dos que trabalham com grupos é denominado como “grupo de trabalho”), e um outro, subjacente, que é de natureza inconsciente, onde estão, latentes, sentimentos reprimidos, como ódio, erotismo, ciúme, inveja, etc., os quais, em certas circunstâncias, podem emergir à superfície do consciente;

3. um exemplo específico para ilustrar a situação acima mencionada, pode ser o de uma classe onde o professor e alunos constituem um “grupo de trabalho” no qual todos estão voltados para um objetivo comum: estudar, conviver e aprender. No entanto, essa tarefa consciente e voluntária pode ficar desvirtuada pela emergência dos múltiplos fatores inconscientes, atrás mencionados. Um bom indicador, para o professor, de que esteja acontecendo algum transtorno na qualidade do ensino-aprendizagem, consiste no surgimento de alguns sinais sintomáticos, como: os alunos, na sua grande maioria, dão claros indícios de que não estão estudando com um suficiente empenho e seriedade; aumentam as “gazetas” e atrasos às aulas; conversinhas paralelas nas aulas e fofocas nos corredores. Quando estes sinais ficam generalizados, podem estar significando um indício de que esteja havendo algum tipo de falha no professor;

4. muitas vezes, uma sensível queda do rendimento, ou a intensificação da conduta transgressora de um certo aluno, pode estar traduzindo tanto algum tipo de distúrbio emocional pessoal que mereça cuidados psicológicos específicos, como também é possível que ele esteja expressando a sua maneira de hostilizar, como alguma forma de revide contra professores, ou contra seus pais;

5. a aquisição e sadia utilização de uma liberdade dirigida para o mundo exterior só é possível se, antes, o aluno conquistou uma liberdade interior, isto é, se ele não está oprimido por personagens perseguidores e ameaçadores que moram no mundo interno dele;

6. a existência de problemas numa Escola é inevitável e, por si, não se constitui como um problema preocupante. O problema, mesmo, consiste na inexistência da criação de apropriados espaços na Escola, onde as distintas problemáticas possam ser ventiladas e debatidas;

7. levando em conta os aspectos acima referidos, cabe enfatizar a necessidade de que a Escola propicie, como uma atividade regular e sistemática, a criação de um espaço de um “grupo para discussão”, onde os professores, juntamente com orientadores, psicólogos e diretores da Escola, encontrem um terreno propício para debaterem e refletirem  sobre os problemas surgidos, não unicamente aqueles que envolvem os alunos e pais, mas também os que existem de forma manifesta ou latente, entre eles próprios;

8. esses referidos grupos são qualificados como pertencentes ao tipo “operativo” e, de forma mais específica, são denominados como Grupos de Reflexão, sendo que, de preferência, devem ser coordenados por um técnico, de fora da Escola, - psicólogo, psicanalista, psiquiatra grupo-terapeuta, assistente social, professor com algum grau de formação em dinâmica de grupo, etc.-;

9. um professor que esteja tendo, ou já tenha tido, este tipo de experiência pessoal de participar ativamente de um grupo de reflexão, pode estar habilitado a coordenar grupos análogos, com seus alunos, ou em “reuniões com pais e mestres”;

10. um grupo de reflexão não visa trabalhar com os aspectos da problemática inconsciente de indivíduos separadamente; antes, a reflexão deve ficar centrada na tarefa principal, que é a referente à normalidade e patogenia do ensino-aprendizagem e os diversificados inter-relacionamentos;

11. um grupo de reflexão exitoso auxilia a promover e desenvolver nos alunos (e mestres), entre outras, as capacidades de: um “amor às verdades”, isto é, tornarem-se pessoas verdadeiras; “aprender com as experiências”, as boas e as más; “pensar de forma reflexiva”; “comunicar-se” adequadamente e, sobretudo, aprender a aprender.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLEGER, J. (1987) Grupo operativo no ensino. In: Temas de Psicologia. Entrevistas e grupos. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1987, p.53-82.        [ Links ]

FREUD, S. (1905) Sobre a psicoterapia. In: Vol.VII da Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1968.        [ Links ]

OUTEIRAL, J. O trabalho com grupos na escola. In: ZIMERMAN, D. E.; OSORIO, L. C. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegra: Artmed, 1997, p.359-372.        [ Links ]

ZIMERMAN, D. E. Grupos de educação médica. In: Fundamentos básicos das  grupoterapias. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p.220-226.        [ Links ]

 

Endereço para correspondência
David Epelbaum Zimerman
E-mail: dgzimer@terra.com.br

 

 

1 Médico psiquiatra, membro efetivo e psicanalista didata da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA), psicoterapeuta de grupo, Ex-presidente da Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul.