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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.5 n.5 Ribeirão Preto dez. 2004

 

ARTIGOS

 

A importância dos grupos na atuação junto a familiares de surdos

 

How important it is for groups to work with the deaf’s family

 

La importancia de los grupos en la actuación junto a familiares de sordos

 

 

Tárcia Regina da Silveira Dias 1

Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta experiência foi realizada em atendimento educacional a surdos e a seus familiares sob enfoque bilíngüe. Para as famílias, o atendimento foi organizado na forma de grupos, inspirados na técnica operativa de Pichon-Rivière. Cada sessão de grupo teve 05 a 13 integrantes. No seu percurso, o grupo revelou que os seus integrantes assumiram a identidade de familiares de surdos, puderam criar vínculos e se fortalecer para contribuírem na execução de movimentos na família, na escola e na comunidade, demonstrando a existência de uma disposição positiva frente ao trabalho grupal.

Palavras-chave: Surdez; Grupos operativos; Educação.


ABSTRACT

This experience has been carried out within a bilingual educational service for the deaf and their families. For families, the service was rendered in groups, according to Pichon-Rivière’s operative technique.  Every session had from 05 to 13 participants. During such period, the group has presented its participants taking the identity of a member of the deaf’s family, being able to create bonds and strengths in order to contribute for movements within the family, the school, and the community, bringing a positive attitude as to group work.

Keywords: Deafness; Operative groups; Education.


RESUMEN

Esta experiencia fue realizada en atendimiento educacional a sordos y a sus familiares bajo el enfoque bilingüe. Para las familias, el atendimiento fue organizado en la forma de grupos, inspirados en la forma operativa de Pichon-Rivière. Cada grupo tuvo de 05 hasta 13 integrantes. En su ruta el grupo reveló que sus integrantes asumieron la identidad de familiares de sordos, pudieron crear vínculos y fortalecerse para contribuir en la ejecución de movimientos en la familia, en la escuela y en la comunidad, demostrando la existencia de una disposición positiva  frente al trabajo grupal.

Palabras clave: Sordera; Grupos operativos; Educación.


 

 

Esta apresentação é uma adaptação do texto de Dias, Rocha e Pedroso (2002) que descreve a evolução de grupos de pais em um período de três anos.

Antes de tudo, é importante informar que a atuação psicológica junto a familiares de crianças/adolescentes surdos em atendimento educacional bilíngüe, como no presente caso,  visa facilitar o ensino da Língua de Sinais e oferecer apoio psico-educacional, considerando que ensinar a Língua de Sinais e desenvolver apoio aos pais é muito importante sob esse enfoque (HOFFMEISTER,1999; MANTELATTO, PEDROSO & DIAS, 2000).

No Brasil, são poucos os serviços educacionais bilíngües pela dificuldade de contar com equipes compostas por surdos adultos que ensinem a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) 2, por intérpretes e por profissionais fluentes em LIBRAS (LACERDA, 2000).

Esta experiência foi dirigida a crianças, adolescentes, adultos surdos e suas famílias. O atendimento ocorreu em uma extensão universitária com o objetivo de intervir educacionalmente junto a essa população.

Para as famílias, o atendimento foi organizado na forma de grupos de familiares, os quais visaram melhorar a interação entre pais ouvintes e filhos surdos e discutir questões pertinentes à surdez e ao aprendizado de LIBRAS. Esses grupos têm oferecido a oportunidade de seus integrantes se esclarecerem sobre a surdez e a sua representação social, e a Língua de Sinais como meio natural de comunicação e instrumento do pensamento dos surdos. Buscam mostrar, também, a importância do ingresso ao mundo dos surdos, à sua comunidade, e a importância do desenvolvimento de sua identidade e cultura. Os grupos funcionam sob coordenação de psicólogo.

Simultaneamente, os grupos têm valorizado a aprendizagem do Português escrito e falado como o caminho para o ingresso, dos surdos, no mundo ouvinte e para a sua participação ativa na sociedade

O grupo de apoio a familiares, inspirado na técnica operativa proposta por Pichon-Rivière (PICHON-RIVIÈRE, 1980 a e b), possibilita mudanças criativas pelo envolvimento de seus membros (integrantes e coordenação) em reflexões conjuntas sobre as necessidades em jogo.  A satisfação dessas necessidades é atingida por meio de uma tarefa. Nesse sentido, os grupos operativos são grupos centrados na tarefa, onde a atenção está voltada para a relação dos integrantes entre si (considerando a história pessoal &– verticalidade, e o aqui e agora do grupo &– horizontalidade) e com a tarefa, que estrutura o grupo (BELLER, 1987).

Nos grupos operativos, a equipe de coordenação é composta pelo coordenador e pelo observador.

Nessa equipe, a função do coordenador é criar, sempre em interação, condições (intervenções) para o desenvolvimento de progressivo esclarecimento: insight e elaboração no decorrer das tarefas propostas, bem como identificação e resolução das contradições grupais, favorecendo a aprendizagem (QUIROGA, 1986). A função do observador, de acordo com Diez (1983), consiste em registrar dados, indícios que viabilizam formular hipóteses sobre o processo grupal. O observador vai apreender a dinâmica do grupo e a ação do coordenador. Cabe também ao observador identificar os emergentes, entendidos aqui como dificuldades, situações de esforço e de ansiedade trazidas por integrantes do grupo, porta-vozes dos mesmos (BELLER, 1987). O observador procura anotar as falas dos integrantes, anotando, o mais fielmente possível, a palavra, o gesto e a distribuição espacial, buscando narrar tudo o que pareça significativo para elaborar uma síntese do desenvolvimento do grupo. O observador é a memória e o espelho do grupo (DIEZ, 1983).

No desenvolvimento dos grupos, a equipe de coordenação se organiza a partir do que o grupo revela, do que emerge como necessidades de familiares de surdos e de como essas necessidades evoluem à medida que a aprendizagem progride.

Cada sessão de grupo teve um total de 05 a 13 integrantes.

Na condução do grupo, o coordenador utiliza disparadores temáticos (trazidos pela família ou pela coordenação, podendo ser: um texto lido, um assunto, uma exposição, um depoimento), sobre os quais se estruturam os trabalhos. Podem ser também disparadores os emergentes surgidos em grupos anteriores, tais como discussões a respeito do ensino-aprendizagem de LIBRAS e a respeito de outros assuntos pertinentes ao enfoque bilíngüe. Adicionalmente, são empregados depoimentos de convidados, surdos adultos fluentes em LIBRAS ou outros membros da comunidade, e depoimentos de surdos extraídos da internet. Esses disparadores foram sempre coerentes com os pressupostos do bilingüismo.

Após a ocorrência de cada grupo, o observador e o coordenador se reúnem para elaborar crônicas que contenham dados sobre: a abertura do grupo, o desenvolvimento da tarefa proposta, aspectos destacados da tarefa, conflito central da reunião, relação entre abertura e fechamento, vetores (afiliação, pertença, cooperação, pertinência, participação e papéis dos integrantes, aprendizagem e tele) 3 e contexto político social. Nessas reuniões são elaboradas as propostas a serem implementadas na sessão seguinte, dependendo do acontecer grupal.

Esses registros e crônicas subsidiam a descrição, a análise dos dados e a elaboração de hipóteses nas pesquisas empreendidas no atendimento educacional, tendo por base os referenciais de grupos operativos e do bilingüismo.

No decorrer das sessões foi possível delinear uma progressão no processo grupal, onde os participantes procuraram, a princípio, conhecer onde se situavam e, ao longo das discussões dos temas, foram revelando como se modificavam.

Puderam expressar as suas dificuldades, inclusive assumindo os próprios preconceitos quanto aos seus filhos. Revelaram os seus sentimentos de culpa e falaram sobre as suas crenças. Contaram as suas histórias e aconselharam os seus pares. Identificaram muitas das dificuldades dos filhos no núcleo familiar, revendo a própria postura da família perante a surdez.

Assim sendo, o grupo tem se configurado como um espaço de troca e de acolhimento para os seus integrantes, cuja maior força é a identificação entre eles isto é, o vetor pertença, que se refere ao sentimento de estar integrado em um grupo e de criar uma identidade, de si e do grupo (NEVES, 1999).

No processo grupal, os integrantes começaram a perceber a família como o núcleo básico social, do qual dependem todos os contatos e vínculos posteriores da criança surda com o mundo, principiando a assumir a própria responsabilidade.

Todos consideram o atendimento apropriado porque os seus filhos exprimiam o desejo de retornarem e pediam aos pais para comparecerem aos grupos, o que lhes aumentou a motivação e a capacidade de centrar-se nas tarefas, a pertinência grupal (NEVES, 1999).

Tem favorecido, também, a aprendizagem porque, à medida que o processo grupal avança, os integrantes revelam que podem perceber mudanças qualitativas nas relações com seus filhos e refletir sobre alguns aspectos que jamais haviam se dado conta 4.

Aprofundaram o conhecimento sobre a escolaridade dos surdos, iniciando a consolidação do referencial bilíngüe.

Fundamentados nesse referencial, os participantes chegaram a elaborar críticas sobre a condição dos surdos na família, na escola e na sociedade, bem como sobre a condição das famílias.

Pelo desenvolvimento dos grupos, observou-se que os familiares vão trazendo, com mais força, alguns temas, muitos dos quais amplamente discutidos no enfoque bilíngüe, consolidando, cada vez mais, a aprendizagem. Simultaneamente, à medida que os integrantes foram elaborando críticas sobre as condições dos surdos na sociedade, foram expressando, também, uma motivação, cada vez maior, de participar de movimentos sociais que pudessem modificar a situação dos surdos, revelando comunicação e cooperação entre eles (NEVES, 1999).

Alguns familiares se envolveram em mudanças significativas em suas vidas, reiterando posições anteriores de que a família deve servir de apoio para o filho surdo e buscar melhores condições de vida, para ele, na sociedade.

Com a possível consolidação do referencial bilíngüe, o grupo revelou uma dinâmica qualitativamente diferente, percebida quando alguns familiares mostraram-se capazes de prestar os esclarecimentos solicitados por integrantes mais novos. Nesses casos, não há mais necessidade da coordenação intervir para facilitar a aprendizagem, os próprios participantes ajudavam aos demais a se apropriarem do conhecimento e a solucionarem os problemas levantados. Adicionalmente, os integrantes mais antigos puderam, sempre, informar aos mais novos sobre o funcionamento do serviço. A cooperação no grupo é evidente.

Alguns integrantes iniciaram, também, um processo de busca de uma maior compreensão do bilingüismo, como, por exemplo, saber mais profundamente sobre as possibilidades de comunicação empregadas no ensino de surdos: seus aspectos históricos, suas dificuldades, suas semelhanças e suas diferenças. Tal busca deixou transparecer interesses em conhecimentos teóricos, além das análises sobre as vivências, as práticas familiares, ou seja, os participantes do grupo conseguiram superar o modelo de aprendizagem apoiada apenas sobre a prática familiar. A superação desse modelo se manifestou por solicitarem complementação teórica dos assuntos debatidos.

No decorrer das sessões, os integrantes revelaram competência para se aprofundarem em aspectos cruciais do apoio educacional aos surdos, ampliando conhecimentos e delineando soluções, apesar do nível de escolarização dos familiares e do período de tempo em que não exercitavam uma situação sistemática de ensino-aprendizagem, ou seja, os integrantes não estudavam há muito tempo ou nunca haviam freqüentado uma escola. Um deles, inclusive, era analfabeto.

Simultaneamente, os familiares principiaram movimentos, individuais ou em grupo, para superar os obstáculos na organização do mundo dos surdos, adentrando, por meio de suas experiências, em ações políticas educacionais.

Então, a partir de uma atitude passiva dos integrantes, de solicitar informações, o processo grupal evoluiu para articulações conjuntas de ações sociais. Ou, em outras palavras, a partir de uma postura médica tradicional sobre a surdez e os surdos, o grupo mostrou uma evolução até o bilingüismo, superando as reflexões pontuais sobre a escolaridade dos surdos, isto é, deixando emergir os conflitos e as relações de poder, presentes nessa área, na atual sociedade.

Tais mudanças ocorreram por meio de discussões cíclicas sobre diversos assuntos, tratados, cada vez mais, profundamente.

Nesse percurso, o grupo revelou que os seus integrantes assumiram a identidade de familiares de surdos e, a partir das discussões sobre as necessidades dessas famílias, puderam criar vínculos e se fortalecer para contribuírem na execução de movimentos na família, na escola e na comunidade, demonstrando a existência de tele, entre os participantes, ou uma disposição positiva frente ao trabalho grupal (NEVES, 1999).

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELLER, D. (1987) Grupo operativo I. Aula proferida na Primeira Escuela Privada de Psicologia Social (mimeog.)        [ Links ]

DIAS, T.R.S.; MANTELATTO, S.A.C.; DEL PRETTI, A.; PEDROSO, C.C. A.; GONÇALVES, T. C.; e MAGALHÃES, R. C. (1999) A surdez na dinâmica familiar: estudo de uma população específica. Espaço, v.11, p.29-36.        [ Links ]

DIAS, T.R.S.; ROCHA, J.C.M e PEDROSO, C.C.A. Evolução de apoio a familiares de surdos. Em S. R. R. LUCATO; L. P. MANZOLI (Org.) Educação Especial face ao desenvolvimento e à inserção social. Coleção Temas em Educação Escolar. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2002, p. 41-57.        [ Links ]

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MANTELATTO, S. A. C.; PEDROSO, C. C. A. e DIAS, T. R. S. (2000) Reflexões sobre uma abordagem bilíngüe de atendimento aos surdos. Espaço, v.14, p.03-11, 2000. (ISSN 103.7668)        [ Links ]

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PICHON-RIVIÈRE, E. (1980 a) El proceso grupal. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión SAIC.        [ Links ]

PICHON-RIVIÈRE, E. (1980 b) Teoría del vínculo. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión SAIC.        [ Links ]

QUIROGA, A. P. (1986) Enfoques e perspectivas em psicologia social. Buenos Aires: Ediciones Cinco.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Tárcia Regina da Silveira Dias
E-mail: tcosta@unaerp.br

 

 

1 Curso de Psicologia &– UNAERP: Universidade de Ribeirão Preto.
2 Como reconhecida no Brasil: Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002.
3 De acordo com as definições de Neves (1999).
4 Para mais informação, ver os estudos de Dias e col.(1999); Magalhães e col.(2000 e 2001); e Magalhães e Sarti (2001).