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Revista da SPAGESP
versão impressa ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP v.6 n.1 Ribeirão Preto jun. 2005
ARTIGOS
Aplicações da técnica do grupo focal: fundamentos metodológicos, potencialidades e limites
Focus group´s aplications: methodological foundations, potentialities and limits
Aplicaciones de la técnica del grupo de enfoque: fundamentos metodológicos, potencialidades y límites
Camila Delatorre BorgesI, 1; Manoel Antônio dos SantosII, 2
I Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde - FFCLRP/USP
II Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é apresentar os fundamentos metodológicos da técnica do grupo focal, focalizando suas aplicações, potencialidades e limites. É crescente o emprego desta técnica em pesquisas na área da saúde e ciências sociais, assim como na implementação e avaliação de programas sociais e educativos. A aplicação do grupo focal, seja como única técnica ou em combinação com outras, pode oferecer uma importante ferramenta na aproximação dos pesquisadores/profissionais ao universo da população-alvo em diversos momentos de projetos e estudos.
Palavras-chave: Grupo focal; Metodologia de pesquisa; Métodos qualitativos.
ABSTRACT
The aim of this work is to present the methodological foundations of focus group, its applications, potentialities and limits. In the research field of social science and health, and in the development and evaluation of social and education programas, there is an increase use of focus group. The application of this methodology, being used with other technique or just by it self, has become an important tool in the approach of researches/professionals to the target population in several moments of projects and researchs.
Keywords: Focus group; Research methods; Qualitative methods.
RESUMEN
El objetivo del presente trabajo es presentar los fundamentos metodológicos de la técnica del grupo de enfoque, enfocando sus aplicaciones, potencialidades y límites. Es creciente el empleo de esta técnica en investigaciones en áreas de la salud y ciencias sociales, así como en la implementación y avaluación de programas sociales y educativos. La aplicación del grupo de enfoque, sea como única técnica o en combinación con otras, puede oferecer una importante herramienta en la aproximación de los investigadores/profesionales al universo de la población-blanco en diversos momentos de proyectos y estudios.
Palabras clave: Grupo de enfoque; Metodología de investigación; Método cualitativo.
Nos últimos anos nota-se um crescente emprego da técnica do grupo focal, tanto por parte de pesquisadores como por profissionais da área de saúde e educação. A técnica do “grupo focal” constitui uma dentre as várias modalidades disponíveis de entrevistas grupais e/ou grupos de discussão. Há uma ampla diversidade técnica de condução e configuração grupal e, a bem da verdade, as entrevistas grupais possuem diferentes enfoques, com referenciais históricos e sócio-culturais que tanto apresentam divergências como convergências nas publicações acadêmicas de diversos países.
Segundo Morgan (1998), um histórico da técnica do grupo focal pode ser delineado em três fases: primeiro, durante a década de 20, os cientistas sociais utilizaram a técnica para diversas finalidades, sendo que uma das mais importantes era o desenvolvimento de questionários de pesquisa de opinião pública (enquetes do tipo IBOPE). Segundo, entre a Segunda Guerra e a década de 70, os grupos focais foram utilizados principalmente por pesquisadores da área de marketing. E, finalmente, dos anos 80 até o presente, os grupos focais têm sido largamente utilizados por vários profissionais no desenvolvimento de pesquisas em saúde, educação em saúde, implementação e avaliação de programas, entre outras aplicações.
CARACTERÍSTICAS METODOLÓGICAS DO GRUPO FOCAL
O grupo focal possui determinados procedimentos que o diferenciam de outras entrevistas grupais. No planejamento e montagem do grupo devem ser considerados os seguintes itens:
No recrutamento de participantes: Idealmente, os integrantes não devem pertencer a um mesmo círculo de amizade ou trabalho. Isto visa evitar que a livre expressão de idéias no grupo seja prejudicada pelo temor do impacto (real ou imaginário) que essas opiniões podem causar posteriormente. Os participantes devem ser homogêneos com relação a determinados atributos, evitando-se incluir no grupo integrantes que se sintam ameaçados ou desvalorizados em decorrência de características pessoais (IERVOLINO & PELICIONI, 2001). O recrutamento dos participantes ocorre em função do grupo social a ser estudado, devendo abranger sua variabilidade (por exemplo, faixa etária, gênero ou classe social).
O local no qual será realizado o grupo deve ser idealmente neutro, acessível e silencioso, sendo que a utilização de salões de igrejas, escritórios e escolas é bastante comum.
A duração média de um grupo é de uma hora e trinta minutos.
O moderador de grupo deve facilitar a interação grupal, enquanto um observador é encarregado de captar as informações não verbais e, ao final da atividade, auxiliar o moderador a analisar os possíveis vieses ocasionados por problemas decorrentes de sua forma de coordenar a sessão (WESTPHAL, BÓGUS & FARIA, 1996). Cabe ao moderador receber os participantes de maneira cordial, criando um ambiente agradável de espera. Autores como Morgan (1998) apontam ser muito comum a distribuição de uma folha de auto-preenchimento, visando obter informações básicas sobre os participantes (idade, sexo, profissão) para posterior controle da equipe de pesquisa.
O roteiro de entrevista contém em suas questões os temas-chave a serem investigados. A seqüência dos temas é normalmente ordenada, primeiramente, por questões gerais e, em seguida, por questões específicas. Tal ordenação permite que os elementos essenciais apareçam de forma mais natural. A preparação desse roteiro exige a análise cuidadosa dos objetivos da investigação.
APLICAÇÕES DO GRUPO FOCAL
Desde a década de 80 verifica-se uma ampliação da utilização do grupo focal para diversas finalidades e por diferentes profissionais. Há um importante emprego desta técnica na implementação e avaliação de programas, podendo ser desde programas educacionais e de saúde a ações sociais. A técnica do grupo focal pode ser empregada antes do início do programa, como aponta Wetsphan, Bógus e Faria (1996), para o conhecimento prévio dos problemas segundo a ótica da população-alvo. Os autores comentam que
O conhecimento de percepções, crenças, valores, da forma como a população se organiza, como costuma se relacionar com as autoridades de saúde, ou com os funcionários dos serviços e suas concepções de saúde e doença, orientou a determinação de objetivos e prioridades de alguns programas educativos em saúde. (p. 479)
Uma aplicação possível da técnica é no desenvolvimento de programas, para verificar a percepção dos participantes quanto a aspectos do programa que precisam ou podem ser alterados e/ou melhorados, tais como a avaliação do material didático empregado. E também ao final de um programa, para avaliar as atividades desenvolvidas e todos os segmentos envolvidos no programa, os ganhos ou benefícios obtidos, bem como as falhas cometidas na sua implementação.
Uma outra aplicação do grupo focal seria a obtenção de um mapa cognitivo (cognitive views) acerca de um tema ou tópico. Nesse sentido, o pesquisador deve estar atento para compreender como o grupo desenvolve um modelo cognitivo específico acerca de um tópico ao trocar e discutir suas experiências coletivas.
Quanto às estratégias de coleta de dados em pesquisas, grupos de discussão são utilizados, segundo Minayo (1992), para: 1. focalizar a pesquisa e formular questões mais precisas; 2. complementar informações sobre conhecimentos peculiares a um grupo em relação a crenças, atitudes e percepções; 3. desenvolver hipóteses de pesquisa para estudos complementares.
Na realização de um levantamento (survey) que utilize tanto dados quantitativos como qualitativos, a técnica do grupo focal pode ser utilizada na obtenção de informações acerca de crenças e percepções dos sujeitos. Morgan (1992) coloca que epidemiologistas estão utilizando a técnica do grupo focal para ter acesso à percepção dos sujeitos acerca dos fatores de risco e de seus comportamentos de risco.
Em estudos de saúde pública, Iervolino e Pelicioni (2001) expõem diversas aplicações do grupo focal, tais como: gerar hipóteses sobre um assunto a partir da perspectiva dos informantes; avaliar um serviço ou intervenção de material instrucional; fornecer um quadro inicial para estudo de um campo até então não explorado cientificamente; funcionar como pesquisa exploratória ou como diagnóstico preliminar; obter a interpretação de um grupo sobre resultados quantitativos obtidos em estudo prévio; contribuir para a montagem e teste de questionários e escalas para projetos de pesquisas quantitativas.
O emprego do grupo focal, seja em pesquisa, seja em avaliação de programas e projetos, depende tanto dos objetivos almejados, como das potencialidades e limites da técnica.
Quanto às potencialidades da técnica, Minayo (1992, p. 129) aponta que “o grupo focal consiste numa técnica de inegável importância para se tratar das questões da saúde sob o ângulo do social, porque se presta ao estudo de representações e relações dos diferenciados grupos de profissionais da área, dos vários processos de trabalho e também da população”.
Em relação às técnicas de coleta de dados, a vantagem dos grupos focais sobre a entrevista individual é que eles permitem aos pesquisadores observar os processos de interação ocorrendo entre os participantes. Acrescenta-se a essa questão o fato de que a interação entre os participantes do grupo geralmente diminui o montante de interação entre o facilitador e os membros do grupo, podendo assim minimizar a influência do pesquisador sobre o processo de entrevista. Acredita-se que a situação “em grupo” pode reduzir a influência do entrevistador nos sujeitos de pesquisa por inclinar o nível de poder para o grupo (MADRIZ, 2000). Para pesquisadores feministas, segundo relato de Madriz (2000), as entrevistas em grupo são particularmente adequadas para revelar as experiências cotidianas das mulheres, pois minimizam o controle que o pesquisador tem sobre os participantes e valida seus relatos e experiências.
Quanto à implementação da técnica, é relatado em diversos estudos, como o de Westphal, Bógus e Faria (1996), que o custo é baixo em comparação, por exemplo, com técnicas de estudos descritivos de amostragem, bem como possibilita a obtenção de dados com rapidez.
Observa-se, contudo, limites da técnica, como em situações em que o pesquisador precisa que o participante compartilhe detalhes muito íntimos de sua vida. Nesse caso, uma entrevista individual seria mais adequada. Madriz (2000) pondera que deve-se evitar utilizar grupos focais naqueles casos em que os participantes não se sintam à vontade em relação a outros integrantes do grupo, ou que apresentem fortes discordâncias de opinião ou, ainda, que sejam hostis entre si.
Já em uma comparação com a observação participante, os grupos focais têm a desvantagem de poderem ser realizados fora do setting onde ocorre a interação social tipicamente, como afirma Madriz (2000). Desse modo, o alcance sobre a informação é limitada à comunicação verbal, linguagem corporal e dados de auto-relato.
Essa técnica grupal não é considerada adequada para estudar a freqüência com que determinados comportamentos ou opiniões ocorrem (IERVOLINO & PELICIONI, 2001). Os grupos focais não são apropriados quando o pesquisador precisa generalizar os resultados da pesquisa. Se a generalização é um requisito do estudo, o pesquisador deve empregar técnicas de pesquisas quantitativas e adequar seus métodos de amostragem aos objetivos pretendidos (MADRIZ, 2000). Para Westphal, Bógus e Faria (1996), a maior inconveniência desta técnica é a utilização de uma amostra intencional, muitas vezes pequena quando comparada às utilizadas em estudos descritivos amostrais. Tal condição exigiria que, em certos momentos, a técnica do grupo focal seja utilizada como complemento a estudos descritivos que geram dados quantitativos.
CONCLUSÕES
Observa-se que a técnica do grupo focal vem sendo muito utilizada em diversos estudos, podendo ser empregada como técnica isolada ou em combinação com outras. A aplicação deste recurso metodológico pode fornecer uma importante ferramenta na aproximação dos pesquisadores/profissionais ao universo da população-alvo, em diversos momentos do desenvolvimento de programas e pesquisas. E, dependendo de sua utilização, pode contribuir para dar vez e voz a grupos que tradicionalmente não são ouvidos (quando não silenciados), ou quando o são, sua escuta é feita sob a ótica do outro que não compartilha de suas questões e questionamentos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
IERVOLINO, S.A.; PELICIONI, M.C.F. A utilização do grupo focal como metodologia qualitativa na promoção da saúde. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 115-121, 2001. [ Links ]
MADRIZ, E. (2000). Focus groups in feminist research. In: DENZIN, N.; LINCOLN, Y. S. (Eds.). Handbook of qualitative research. 2ª ed. Thousand Oaks: Sage, cap. 32, p. 835-850, 2000. [ Links ]
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1992. 269 p. [ Links ]
MORGAN, D. L. Designing focus group discussion. In: Stwewart, M. (eds.) Tools for primary care research. Newbury Park, London, New Delhi: Sage, cap. 15, p. 177-193, 1992. [ Links ]
MORGAN, D. L. The focus group guide-book. Thousand Oaks, CA: Sage, 1998. [ Links ]
WESTPHAL, M. F.; BÓGUS, C. M.; FARIA, M. M. Grupos focais: experiências precursoras em programas educativos em saúde no Brasil. Boletim Oficina Sanitária Panamericana, v. 120, n. 6, p. 472-482, 1996. [ Links ]
Endereço para correspondência
Camila Delatorre Borges
E-mail: camidb@zipmail.com.br
Recebido em 21/12/04.
1ª Revisão em 15/03/05.
Aceite Final em 05/04/05.
1 Psicóloga da Prefeitura Municipal de São Simão; mestre pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto-USP. Supervisora do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (NEPPS/FFCLRP-USP).
2 Professor Doutor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto-USP, membro do corpo docente da SPAGESP, membro da ABP - Associação Brasileira de Psicoterapia.