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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP v.7 n.2 Ribeirão Preto dez. 2006

 

ARTIGOS

 

Reflexões sobre o trabalho de orientação em grupo para pais em uma instituição que atende crianças com graves comprometimentos emocionais

 

Reflections on parents’ orientation group work in an institution that assists children with serious emotional problems

 

Reflexiones del trabajo de orientación en grupo para padres en una institución que asiste a los niños con serios comprometimientos emocionales

 

 

Amaury Tadeu Rufatto1

Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho procura ressaltar os benefícios que a opção por atendimento em grupo pode trazer na orientação aos pais cujas crianças apresentam graves comprometimentos emocionais. O grupo possibilita a confrontação de experiências, o convívio com o diferente e a criação de uma rede de sustentação. É no tênue limiar que separa os grupos operativos dos grupos psicoterapêuticos que pode ocorrer uma verdadeira aprendizagem sobre estes quadros emocionais.

Palavras-chave: Grupo; Saúde mental; Aprendizagem.


ABSTRACT

This work pursuit to emphasize benefits that the option for group attendance can bring to orientation of parents whose children have serious emotional problems. The group makes possible experiences confrontation, be in contact with the different and the creation of a support net. It’s in the tenuous threshold that separates operative groups from psychotherapy groups that could happen a genuine learning about these emotional frames.

Keywords: Group; Mental health; Learning.


RESUMEN

El trabajo busca enfatizar los beneficios que la opción por la asistencia en grupo puede traer a la orientación de padres cuyos niños tienen serios comprometimientos emocionales. El grupo hace posible la confrontación de experiencias, convivo con el diferente y la creación de red de sustentación. Es en el umbral tenue que separa los grupos operativos de los grupos psicoterápicos que se pode pasar un verdadero aprendizaje sobre estos cuadros emocionales.

Palabras clave: Grupo; Salud mental; Aprendizaje.


 

 

O tema grupos em saúde me reporta ao trabalho que venho desenvolvendo já há alguns anos no CAPSi (Centro de Atenção Psicossocial Infantil). Por ser um serviço voltado ao atendimento de casos de maior comprometimento emocional, e tendo como premissa a inclusão social das crianças, a unidade optou pelo atendimento em grupo como sua primeira escolha.

Esta escolha, a priori, já é bastante discutível, visto a gravidade dos casos acompanhados. São crianças autistas, psicóticas ou que apresentam transtornos mentais de moderados a graves, como distúrbios de comportamento, tentativas de suicídio, ou ainda que sofreram assédio sexual, abuso etc. Em todos os casos é obrigatório o acompanhamento de um cuidador, de preferência que seja o pai ou a mãe ou ambos, que também serão inseridos em grupos de orientação.

A prática de grupos neste contexto requer algumas atenções especiais. Primeiro que os terapeutas estejam sempre em dupla. Segundo que, mesmo havendo dois coordenadores para cada grupo, um outro membro da equipe fique como retaguarda, para os casos de crianças que não conseguindo ficar no grupo, saiam da sala/espaço.

Os CAPS lançam mão de diversas estratégias para promover seu trabalho. Os grupos terapêuticos, as oficinas de terapia ocupacional, os espaços de lanche, as atividades de pátio, entre outras. Assim, as crianças como seus familiares poderão ter a oportunidade de experimentar diferentes espaços terapêuticos de convívio e interação.

Nos casos, por exemplo, de maior gravidade como psicose e autismo, e onde as crianças são muito pequenas, faixa de três anos, ou muito comprometidas, opta-se por montar grupos com dois técnicos e duas crianças a princípio, podendo entrar novas crianças durante o processo, sendo freqüente que neste início as mães entrem junto. A presença de outra criança e sua mãe no espaço, a observação do manejo dos técnicos e as orientações que estes vão fazendo ao longo dos encontros, isto por si só já promovem mudanças de comportamento tanto destas mães como das crianças.

No desenvolvimento deste processo terapêutico, logo que é possível se retira as mães da sala de atendimento infantil, para começar com elas um trabalho específico. Para as crianças normalmente esta separação é pouco traumática, se evidenciando com a necessidade de saber em que sala a mãe está, ou ao sair da atividade e ir ao encontro delas. É comum neste momento observarmos que as crianças em sala desenvolvem atividades solitárias, como se ignorasse a presença da outra criança, porém escolhem um dos técnicos como apoio. Não obstante, quando há a falta de um elemento, quando o amigo apresenta alguma alteração como choro, birra, ou outras, a presença até então aparentemente negada é evidentemente apontada. Assim, onde havia um distanciamento, uma quase negação do outro, estava escondido uma relação de outra ordem. Aos poucos o objeto escolhido pelo colega se torna mais interessante, aparecem as primeiras brigas pelos objetos, as primeiras crises de ciúmes, tornando explícitas as relações dentro do grupo.

De seu lado, as mães passam a viver a angústia da separação. Ficam angustiadas com qualquer barulho, choro, correria pela casa. Logo identificam como sendo o seu filho em perigo, chegando algumas a sair da sala para verificar o que se passa.

Ao ouvir a porta da sala de atendimento infantil se abrir e as crianças começarem a sair, uma mãe pega a bolsa, levanta e diz: “Já acabou!” Ao que outra antiga participante do grupo responde: “As crianças vão descer para o lanche.” “Mas ele pode sair para a rua!” Uma outra responde: “A vigia está na porta, não tem como ninguém sair sem passar por ela.” Mesmo com o suporte do grupo, aquela mãe não consegue mais sentar e aguarda de pé a permissão para se retirar.

Apesar de ter aberto um vasto leque, vou me ater daqui por diante à experiência vivida com o grupo de orientação de pais.

Em primeiro lugar o grupo de orientação serve de suporte, de continente para as pessoas que o compõem. Frente a todas as possíveis fantasias, anseios e medos que um diagnóstico de doença mental pode trazer, o grupo a partir das diferentes vivências e possibilidades de seus participantes, tem maior condição de criar um espaço de empatia, pela troca horizontal que pode acontecer, aonde as experiências vão sendo divididas e servindo de suporte às angustias de todos.

Os grupos de orientação de pais, que em sua grande maioria são compostos por mães e formados a partir de mais de um grupo de crianças, o que implica em ter no mesmo espaço mães/pais de crianças que estão em acompanhamento na instituição já há algum tempo, juntamente com os recém chegados.

Um grupo de orientação por definição deve trabalhar sobre uma tarefa bem estabelecida. Qual seria esta tarefa sendo que as crianças, em sua grande maioria, apresentam quadros emocionais graves? Pela própria dificuldade de compreender o diagnóstico e as manifestações que as crianças apresentam os pais esperam orientações para diminuir as estereotipias, as manias, as repetições exasperadoras de um mesmo movimento, aparentemente sem sentido.

Ao ouvirmos este primeiro pedido temos que ter claro o quanto o pedido é uma ajuda para aquela criança que sofre com um sofrimento sem nome, que não encontra outra maneira de ser expressa, ou uma ajuda a estes pais que não suporta as estereotipias, pois estas evidenciam as dificuldades do filho. E aqui só para citar teríamos que lidar com questões da ordem das feridas narcísicas, que em um grupo de orientação não é o lugar apropriado para tal. Mesmo assim o grupo pode se valer da experiência acumulada e à medida que estas e outras angústias vão surgindo, mobilizam diferentes necessidades de cuidados e de cuidadores.

A mãe que vive atemorizada frente as inúmeras dificuldades que enfrenta no cuidar deste filho, que não suporta a idéia que ele possa fazer um lanche acompanhado apenas pelos profissionais da instituição, ou ainda que por descuido ele desaparecerá, poderá com o passar do tempo perceber que suas fantasias não se realizam e que naquele espaço, grupo/instituição, tanto ela quanto o filho podem ser cuidados. Pode ainda vir a perceber que cuidar não implica em um aprisionamento, como vivem algumas mães de crianças autistas, mas na criação de espaços que possibilitem desenvolvimento.

Os grupos de orientação de pais, conforme descrevi, são grupos operativos, e não terapêuticos, apesar desta afirmação é bom lembrar o que diz Zimerman (1993): “É muito difícil fazer uma delimitação precisa entre grupo operativo e grupo terapêutico pela razão de que eles se tangenciam e, muitas vezes, se imbricam” (p. 168). A premissa de que a reunião de pais é decorrente da necessidade de orientá-los quanto aos cuidados para com seus filhos, em poucas sessões acaba caindo por terra. Ao perceber e trazer para o espaço grupal as diferentes manifestações das crianças, o grupo acaba por se deparar com seus próprios limites. Antes de saberem como lidar com os filhos esses pais passam a observar manifestações em si, que anteriormente reconheciam apenas nos outros. Num determinado grupo, frente às queixas de uma mãe sobre as “bobices” do filho, que sempre precisava ficar esfregando as mãos, proponho ao grupo falar sobre as manias de cada um ali.

Pergunto se eles tinham manias, hábitos, vícios. Frente ao estranhamento da minha pergunta e percebendo que o grupo se sentiu invadido levanto a questão do cigarro, que é um vício/mania e que é aceito, como também parece um vício a criança que precisa esfregar as mãos. Aos poucos, e encorajadas pela idéias que todos nós temos vícios (manias) e que eles nos ajudam a lidar com uma determinada situação, foram aparecendo sob risos nervosos relatos como: “Eu só como sentada atrás da porta, num banquinho, e não quero que ninguém veja”. “Eu sempre levanto para ver se as portas estão trancadas, meu marido até briga comigo”. “Eu sempre durmo de meia, pode tá o maior calor, se não colocar uma meia, eu não consigo, parece que dá um negócio assim...” Dessa maneira, o que, visto no outro, parecia estranho, bizarro e sem propósito, mesmo que de maneira socialmente aceita (necessidade de fumar), visto a partir da experiência e necessidade de cada um ganhou novos contornos.

Aquelas mães passaram a admitir a existência de um sentimento de angústia de seus filhos. De tal maneira que as estereotipais não desapareceram, nem tampouco deixaram de ser incomodativas, porém eram entendidas como a necessidade de expressar algo, de suprir uma necessidade, que naquele momento não encontrava outra expressão. Esta nova percepção só foi possível pela vivência e pelo percurso que o grupo pôde fazer no decorrer um período, onde pôde depositar não suas queixas somáticas, mas suas angústias, e a partir delas aprender sobre si mesmos e sobre seus filhos.

Segundo Fernandes (2003): “Pichon interessou-se por problemas de aprendizagem com relação à saúde mental. Ele verificou que para aprender é preciso assumir o papel do paciente... O objeto de conhecimento situa-se quase como um inimigo do sujeito, que tem que penetrá-lo e conhecê-lo.” (p. 197). Para estas mães, o filho era um doente que precisava ser curado pela extirpação dos sintomas.

Estes grupos de orientação, conforme estou expondo, aproximam-se mais dos grupos de reflexão. Apesar de existir uma tarefa, e em alguns momentos ser preciso tratar de questões pontuais como, por exemplo questões escolares, o foco na própria vivência do grupo, é fundamental para que se alcance, não uma compreensão cognitiva dos problemas enfrentados por aquelas crianças, mas um reconhecimento de aspectos emocionais que podem estar presente naquelas manifestações.

Assim, o grupo de orientação de pais “nos coloca frente não a uma questão formal, escolar, mas nos conduz a uma viagem pelos caminhos da mente. É na presença do outro, este igual e ao mesmo tempo diferente... que podemos nos defrontar com toda a gama de aspectos emocionais, o que pode nos auxiliar a perceber novos recursos, ou ainda a falta deles” (RUFATTO, 2006, p. 44).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERNANDES, W. J. Grupos operativos. In: Grupos e configurações vinculares. Cap. 19. Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 195-203.        [ Links ]

ZIMERMAN, D. E. Grupos operativos. Grupos de reflexão aplicados ao ensino médico. In: Fundamentos básicos das grupoterapias. Cap. 22. Porto Alegre: Artmed, 1993, p. 168-172.        [ Links ]

RUFATTO, A. T. O grupo como lugar de aprendizagem. Vínculo: Revista do NESME, n. 3, p. 37-45, 2006.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Amaury Tadeu Rufatto
E-mail: rufatto@gmail.com.br

Recebido em 17/09/05.
1ª Revisão em 22/10/05.
Aceite Final em 09/11/05.

 

 

1Psicólogo. Especialista em Psicologia Clínica. Grupoterapeuta. Membro Efetivo do NESME - Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares. Ex-presidente e atual tesoureiro do NESME. Ex-coordenador e atual psicólogo do CAPSi CRIA de Santo Amaro, São Paulo.