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Revista da SPAGESP
versão impressa ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.15 no.2 Ribeirão Preto dez. 2014
ARTIGOS
O fenômeno da parentalidade durante a adolescência: reflexões sobre relações de gênero
The phenomenon of parenthood during the teenage years: reflections on gender relationships
El fenómeno de la paternidad en la adolescencia: reflexiones sobre los temas de género
Naiana Dapieve Patias1,I; Pascale Chechi Fiorin2,II; Letícia Saldanha de Lima3,II; Ana Cristina Garcia Dias4,I
IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
IIUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria-RS, Brasil
RESUMO
Este estudo visa compreender como as temáticas de gênero, parentalidade e gestação durante a adolescência encontram-se relacionados na literatura. Para isso, realizou-se um levantamento bibliográfico de artigos na base de dados SciELO, no período de 2000 a 2013. Foram analisados 27 artigos, concentrando-se em seus aspectos metodológicos e principais contribuições para a compreensão desses temas. As publicações referem-se, em sua maioria, a estudos empíricos qualitativos, que utilizam entrevistas semiestruturadas, tendo como público adolescentes de ambos os sexos. Os estudos abordam diferentes questões relacionadas à sexualidade, contracepção, experiências de maternidade e paternidade, relacionamento com a família de origem e parentalidade adolescente, demonstrando que concepções tradicionais de gênero contribuem para tornar as adolescentes, principalmente de classes pobres, mais vulneráveis à ocorrência da gestação durante esse período de vida.
Palavras-chave: parentalidade; adolescência; gênero.
ABSTRACT
This paper aims to understand how themes of gender, parenthood and gestation during adolescence are related in scientific literature. For this, it was conducted a bibliographical survey on SciELO database of articles dated from 2000 to 2013. 27 articles were fully analyzed based on their methodological methods and main contributions for understanding these themes. In majority, publications are empirical qualitative studies that use semi-structured interviews with teenagers of both genders. The articles study different aspects concerning sexuality, contraception, experiences of motherhood and fatherhood, relationship with family of origin and adolescent parenthood. They reveal that traditional conceptions of gender contribute to make adolescents, especially of lower class, more vulnerable to unwanted parenthood during this period of life.
Keywords: parenthood; adolescence; gender.
RESUMEN
Este estudio tiene como objetivo comprender cómo los temas de género, paternidad y gestación durante la adolescencia se encuentran relacionados en la literatura. Por eso, se realizó una revisión bibliográfica de artículos en la base de datos SciELO en el período 2000-2013. Fueron analizados 27 artículos, centrándose en los aspectos metodológicos y comprensión de estos temas. Las publicaciones hacen referencia en su mayoría a aspectos cualitativos estudios empíricos, mediante entrevistas semi-estructuradas, teniendo como público adolescentes de ambos sexos. Los trabajos tratan diferentes temas relacionados con la sexualidad, anticoncepción, experiencias de maternidad y paternidad, relacionamiento con la familia de origen, y paternidad adolescente demostrando que las concepciones tradicionales de género contribuye a tornar las adolescentes, principalmente as clases pobres, mas vulnerable a quedar embarazada en este período de la vida.
Palabras clave: parentalidad; adolescencia; gênero.
A adolescência é um período do desenvolvimento humano repleto de transformações, sendo muitas delas associadas à construção de um senso de identidade. Neste momento, a partir da redefinição da imagem corporal gerada pela puberdade, o jovem passa a desenvolver funções de um corpo adulto, sendo que essas mudanças geram uma série de questões, tanto em termos biológicos, psicológicos e sociais (Levandowski, Piccinini, & Lopes, 2008).
Nesse momento em que diversas mudanças estão ocorrendo na vida do indivíduo podemos refletir sobre como as relações de gênero, que estão presentes na sociedade, podem estar influenciando nas vivências dos adolescentes em relação à sua sexualidade, contracepção e construção de suas identidades. Compreende-se que as relações de gênero dizem respeito aos papéis que historicamente são atribuídos a homens e mulheres, em uma dada cultura e contexto social. Esses papéis estão ligados às representações simbólicas dos indivíduos, estando em constante construção. Assim, essas relações não se referem apenas a diferenças sexuais, mas sim abrangem entendimentos mais complexos do que é ser homem e mulher (Strey, 2005).
As relações de gênero, desde a Idade Média, se organizaram de maneira assimétrica, conferindo um poder maior aos homens do que às mulheres. O patriarcado propõe que o homem possui um poder soberano sobre a mulher e os filhos, se constituindo na autoridade máxima dentro da família. Assim, a mulher e os filhos são, muitas vezes, oprimidos pelo patriarca da família, sendo que, nesses casos, geralmente não possuem a possibilidade de decisão, estando em uma condição passiva e desvalorizada face à figura masculina. À mulher é designado o espaço privado, menos valorizado, no qual ela deve cuidar dos afazeres domésticos e dos filhos. Aos homens é reservado o espaço público (mais valorizado) devendo este ser o provedor e representante da família, que se ocupa das questões sócio políticas da comunidade (Ariès, 1981; Badinter, 1985).
Vale ressaltar que este modelo se adequava aos indivíduos pertencentes às classes médias urbanas, já que em outras classes sociais, mesmo no modelo tradicional burguês, a mulher trabalhava fora, muitas vezes combinando o trabalho doméstico com pequenos serviços e o comércio (Chechi & Hillesheim, 2008). Além disso, compõe o histórico das famílias brasileiras as mudanças ocorridas na economia do país no século XVIII. A partir da descoberta das minas de ouro em 1690, homens e mulheres se reconfiguraram para atender a essa nova demanda de trabalho. As mulheres saíram do âmbito doméstico e se inseriram em vagas laborais antes ocupadas por homens e escravos, que migraram para o sul do país em busca de novas perspectivas de trabalho. No âmbito doméstico a ausência masculina também abriu espaço para a chefia feminina (Samara, 2002).
Contudo, com o passar do tempo, ocorreram tanto continuidades quanto rupturas nessas compreensões e vivências associadas aos discursos e papéis de gênero, em nossa sociedade. Atualmente, os discursos sobre a mulher já não a colocam numa posição tão submissa à do homem e as relações de poder já não estão mais tão centradas nos papéis que cada um desempenha socialmente. Outros elementos passaram a ser considerados nas relações sociais. Por exemplo, o status social passou a ser um valor importante, que pode até em alguns casos, superar os discursos de gênero, sendo este conseguido por pessoas que apresentam um destaque financeiro e intelectual, independente do sexo do indivíduo. Isso é diferente do modelo associado à concepção de família tradicional burguesa e patriarcal (Ariès, 1981; Oliveira, 2008). No entanto, apesar dessas mudanças relacionadas aos discursos sobre a mulher e o homem no contexto social amplo, ainda hoje encontramos assimetrias nos papéis e nas relações de poder, uma vez que as transformações ocorridas nesses papéis e funções não se realizam da mesma maneira na esfera subjetiva dos indivíduos.
No Brasil, por exemplo, observa-se variações importantes nos papéis de gênero e nas configurações familiares. Percebe-se que existe um continuum, desde famílias que se identificam mais com os papéis masculinos e femininos tradicionais da família burguesa até outras em que esse modelo é vivido de uma maneira diversa. Assim, há uma variação de representações, expectativas, ideais e normas sobre o tema, o que não significa necessariamente uma perda de orientação, mas sim a coexistências de vários modelos inscritos em diferentes níveis objetivos e subjetivos nos indivíduos e na sociedade, em geral (Souza & Ramires, 2006).
Esses diferentes modelos e representações associados aos papéis de gênero influenciam as vivências dos jovens na atualidade, bem como suas concepções e expectativas em relação a si e ao outro. Compreende-se, então, que é importante estudar o que os autores têm investigado e refletido em seus estudos a respeito dessa questão, pois ao se estudar o fenômeno da gestação na adolescência observa-se que as relações de gênero podem estar contribuindo para a ocorrência do fenômeno (Almeida & Hardy, 2007; Barbosa & Rocha-Coutinho, 2007; Cavasin & Arruda, 1999; Pantoja, 2003; Sabroza, Leal, Souza, & Gama, 2004; Ximenes, Dias, Rocha, & Cunha, 2007). Observa-se que algumas representações do papel feminino vinculadas às concepções ligadas à história da predominância do patriarcado na sociedade dificultam a adoção de comportamentos sexuais seguros durante a adolescência (Asinelli-Luz & Junior, 2008; Taquette, Vilhena, & Paula, 2004). Assim, esse estudo pretende realizar um levantamento da literatura sobre gênero, parentalidade e gestação durante a adolescência, na base de dados SciELO, com o objetivo de compreender como esses temas encontram-se relacionados na literatura.
MÉTODO
Foi realizado um levantamento bibliográfico de artigos sobre os temas gênero, parentalidade e adolescência na base de dados SciELO, no período compreendido entre 2000-2013, sendo utilizados os descritores: "maternidade and gênero and adolescência"; "paternidade and gênero and adolescência"; "casamento and gênero and adolescência". Foram encontrados apenas 12 artigos, sendo seis referentes à maternidade, gênero e adolescência; seis relacionados à paternidade, gênero e adolescência. Dois trabalhos estavam sobrepostos, assim foram descartados, restando, então, dez artigos para análise. Outro trabalho foi descartado por falar sobre trabalho em jovens adultas. Dessa forma, nessa primeira fase, nove artigos restaram para análise.
Após uma leitura desses trabalhos verificou-se que o tema da sexualidade era discutido nos mesmos, associado às questões de papéis de gênero. Assim, procedeu-se uma nova busca de trabalhos, utilizando os descritores: "sexualidade and gênero and adolescência. Nessa nova busca foram identificados mais 30 artigos no portal SciELO, durante o período de 2000 a 2013. Esses artigos passaram por uma primeira análise, na qual se realizou uma leitura dos mesmos, buscando identificar aqueles que tratassem dos temas: sexualidade, contracepção, parentalidade e relações de gênero durante a adolescência. Assuntos transversais como aborto, escola, uso de substâncias psicoativas e trabalho foram descartados. Restaram, então, 18 artigos para análise. Desta forma, o presente trabalho conta com a análise de 27 artigos (nove da primeira busca e 18 da segunda busca).
Para análise dos dados foi utilizado o método de revisão proposto por Gil (2006), composto por quatro etapas: leitura exploratória, seletiva, analítica e interpretativa. Na primeira etapa, entra-se em contato com os textos em sua totalidade, para então realizar uma leitura aprofundada das partes que interessam ao trabalho (leitura seletiva). O próximo passo consiste em ordenar e sumariar as informações encontradas, identificando-se as ideias - chave dos textos e construindo sínteses (leitura analítica). Na última etapa, a leitura interpretativa, são estabelecidas relações entre o conteúdo dos textos pesquisados, agrupando-os e conferindo uma interpretação mais ampla aos resultados obtidos.
O critério de inclusão dos artigos foi tratar do tema da adolescência associado, ao menos, a um dos seguintes termos: sexualidade, parentalidade, gênero. Os critérios de exclusão foram: não atender ao critério de inclusão, o artigo se referir unicamente à adultez e/ou infância, ou então enfocar outros temas transversais associados ao período da adolescência, como drogas. Nesta etapa de análise foram excluídos mais 15 trabalhos, restando 27 para a análise final (N = 27).
RESULTADOS
A seguir é apresentado uma tabela com os 27 artigos analisados, a partir de alguns indicadores escolhidos a priori para análise dos mesmos.
Os resultados e conclusões dos trabalhos analisados foram divididos em duas grandes categorias, em função da afinidade dos temas e objetivos desse trabalho: "Mudanças demográficas e gestação na adolescência", e "Características e impactos da parentalidade adolescente".
MUDANÇAS DEMOGRÁFICAS E GESTAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA
A partir da análise dos artigos foi possível observar que as relações de gênero estão presentes no exercício da sexualidade, influenciando na adoção ou não de métodos contraceptivos nos comportamentos em jovens. Brandão (2009) observa que o desenvolvimento da sexualidade adolescente depende da forma como os jovens se apropriam das relações sociais. A construção de papéis sociais desafia os adolescentes a negociar relações entre as gerações e, principalmente, a negociar os papéis e as representações de gênero com os pares. O exercício sexual dos adolescentes é marcado por um balanço entre os impulsos sexuais e as normas sociais existentes, consideradas apropriadas a cada gênero (Taquette, Vilhena, & Paula, 2004).
Discussões importantes sobre essas questões iniciaram em meados de 1960 com as lutas feministas que denunciaram a exclusão feminina existente em diferentes esferas do contexto social (trabalho, política, etc.). As mulheres conquistaram diferentes direitos transformando seu papel dentro da sociedade. O uso dos métodos contraceptivos auxiliou na realização dessas conquistas, uma vez que conferiu às mulheres a possibilidade de exercício da sexualidade desvinculada de questões reprodutivas (Taquette, Vilhena, & Paula, 2004; Brandão, 2009). Um dos efeitos dessas conquistas e mudanças foi a diminuição significativa nas taxas de natalidade. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013) indicam que houve uma diminuição considerável na taxa de fecundidade das mulheres brasileira de 2,39 no ano 2000 para 1,64 em 2013.
No que se refere à situação da gestação na adolescência, a visibilidade do fenômeno aparece, dentre outros fatores, a partir da diminuição da taxa de natalidade em outras faixas etárias (Heilborn et al., 2002), uma vez que as taxas de fecundidade durante a adolescência, ao contrário das encontradas entre as mulheres adultas, apresentaram um aumento no período de 1970-1991, passando de 7,1% a 14,1%. Contudo, dados mais recentes indicam uma desaceleração nessas taxas, representando uma diminuição significativa entre os anos. Por exemplo, na faixa etária de 15 a 19 anos, em 2000, as adolescentes tiveram uma participação de 18,8% na taxa de fecundidade. Já em 2010, esse número diminuiu para 17,7% (IBGE, 2010).
Esses dados apontam que o entendimento desse fenômeno é complexo e realmente varia de acordo com o contexto social no qual ele é vivido. Além disso, outro aspecto que deve ser considerado ao conceber a mudança de compreensão sobre a gestação nesse período de vida deve-se à concepção moderna de adolescência que enfatiza que esse é um momento do desenvolvimento humano no qual o indivíduo ainda não se encontra preparado para o exercício da parentalidade (Patias, Jager, Fiorin, & Dias, 2011). Além disso, a adolescência é considerada um período de preparação e aprendizagem, no qual o jovem deve explorar e exercitar diferentes papéis que lhe possibilitarão no futuro assumir uma série de responsabilidades presentes na vida adulta (Levandowski, Piccinini, & Lopes, 2008; Sifuentes, Dessen, & Oliveira, 2007). Dessa forma, não é esperado que o adolescente fosse pai ou mãe nesse momento que é considerado de moratória social. No entanto, em alguns contextos sociais, as tarefas adolescentes são diferenciadas, podendo, desde cedo, exercer funções que seriam consideradas de adulto – cuidado das crianças, principalmente em famílias com muitos filhos e com baixo nível socioeconômico (Dellazzana & Freitas, 2010).
Além disso, questões como falta de informações e conhecimentos sobre contraceptivos, dificuldades de acesso aos métodos anticoncepcionais, escolarização precária, baixa autoestima e atitudes sexuais inconsequentes são argumentos tradicionalmente associados à ocorrência da gestação na adolescência. Contudo, os estudos aqui analisados sugerem que outros fatores que estão sendo menos investigados (a exemplo das relações de gênero) podem gerar uma maior vulnerabilidade das jovens à ocorrência da gestação, de acordo com os artigos ponderados no presente estudo. Essas relações de gênero apontam para a constituição da subjetividade feminina, que revela a presença de ambivalências referentes à maternidade, à construção de um projeto de vida e à própria vida profissional (Brandão, 2009). Associado a esses temas encontramos questões referentes ao nível sócio econômico e às oportunidades socioculturais ofertadas a jovens, especialmente de nível sócio econômico desfavorecido, para a construção de projetos educacionais e profissionais socialmente valorizados.
Nos contextos em que existe um menor número de oportunidades educacionais e profissionais, parece que a divisão dos papéis tradicionais de gênero acentua-se. Por exemplo, no estudo realizado por Madeira (1996), com adolescentes de classes pobres observou-se que muitas adolescentes que estavam grávidas ou que já eram mães haviam planejado a gestação. Mesmo as jovens que tiveram o bebê sem planejamento estavam felizes com a maternidade, pois as jovens representam que ser mulher é ser mãe (Madeira, 1996).
Alguns estudos mostram que ser mãe é um destino possível, viável e socialmente valorizado pelas adolescentes e por seu contexto próximo. De fato, social e culturalmente, a maternidade tem sido fortemente ligada ao feminino. Ter um filho parece ser a concretização da feminilidade da mulher, sendo que para ser mulher, ela deve ser, necessariamente, mãe. Os adolescentes do sexo masculino representam que ter um filho e trabalhar para prover o sustento da família se constitui em formas de reconhecimento e provas de masculinidade (Heilborn et al., 2002; Pantoja, 2003).
A análise dos artigos indica que os comportamentos, as atitudes e as "normas sociais" referentes à sexualidade são fortemente influenciadas pelas questões de gênero. Existe uma assimetria nas relações entre homens e mulheres, na qual há uma predominância de valores masculinos (Altmann, 2007; Aquino et al., 2003; Brandão, 2009; Cordeiro, Heiborn, Cabral, & Moraes, 2009; Gurgel, Alves, Vieira, Pinheiro, & Barroso, 2008; Heilborn et al., 2002; Luz & Berni, 2010; Maheirie, Urnau, Vavassori, Orlandi, & Baierle, 2005; Santos & Silva, 2008; Pantoja, 2003). Esses estudos apontam que a não adoção de medidas contraceptivas entre adolescentes pode ser decorrente das expectativas sociais associadas a cada sexo e gênero (Almeida & Hardy, 2007; Brandão, 2009; Gurgel et al., 2008; Luz & Berni, 2010; Pantoja, 2003).
Por exemplo, no estudo realizado por Santos e Silva (2008), que analisou os ideais de feminilidade presentes em revistas destinadas ao público adolescentes, foram encontradas as concepções de gênero tradicionais que prescrevem que a menina deve se preservar (fazer-se de difícil) e ter iniciativas sutis ao abordar a própria sexualidade. As negociações com o parceiro devem ser realizadas a partir do "jeitinho feminino". Este é caracterizado por ações indiretas de manipulação que devem dar ao menino a impressão dele ter sido o mentor da ação posta em prática. No que se refere à sexualidade e ao uso dos métodos contraceptivos, os textos das revistas preservam a ideia que as relações sexuais são uma necessidade masculina, hormonal, sendo aconselhando à menina suportar a pressão do rapaz e terminar o namoro caso não consiga lidar com essa pressão. Recomendam, ainda, o uso dos métodos contraceptivos como forma de proteção, pois veiculam a ideia de que a garota é a maior prejudicada nos casos de gravidez e/ou DST. Ela é considerada a principal responsável por sua saúde reprodutiva (Santos & Silva, 2008).
Essas concepções também são reveladas por alguns estudos empíricos. O estudo realizado por Almeida e Hardy (2007), com pais adolescentes em Campo Grande no Mato Grosso do Sul, encontrou que os jovens do sexo masculino representam sua sexualidade como algo incontrolável e símbolo de sua virilidade. Em suas concepções o homem é ativo e deve exercer sua sexualidade de maneira livre, levando em conta apenas a obtenção da satisfação das necessidades corporais e da busca de prazer. No entanto, se as meninas ou mulheres adotarem os mesmos comportamentos ou valores, são consideradas promíscuas, sendo "mal vistas" por eles e pela sociedade. Percebe-se nos relatos dos rapazes a reprovação da curiosidade e iniciativas femininas frente à sexualidade, assim como da prática de relações sexuais fora do casamento pelas meninas (Almeida & Hardy, 2007). As representações nas quais o homem é ativo, corajoso, impetuoso e nada deve temer acabam influenciando para a não adoção de um comportamento contraceptivo efetivo masculino.
Brandão e Heilborn (2006) também perceberam que as adolescentes enfrentam dificuldades para cumprirem os papéis e normas sociais vinculados às concepções tradicionais de gênero. Encontraram que, se por um lado o exercício da sexualidade e a decisão reprodutiva podem ser compartilhados por ambos os sexos, por outro, a responsabilidade e gestão da contracepção parece estar sob encargo feminino. A menina fica submetida à sua capacidade de autodeterminação e de negociação com o parceiro.
Da mesma forma, na pesquisa realizada por Taquette et al. (2003) com jovens da periferia do Rio de Janeiro percebe-se que as relações de gênero possuem influência direta no comportamento sexual dos adolescentes, embora em todas classes socais, parece ter maior influência nas populações de baixo poder aquisitivo. Os autores indicam que os meninos exercem poder sobre suas namoradas, muitas vezes, utilizando métodos violentos para controlar as mesmas. Frequentemente não utilizam preservativos nas relações sexuais, aumentando assim o risco de contágio de DSTs ou a ocorrência de uma gravidez. Esse estudo também mostra que as relações de gênero perpassam a avaliação do nível de intimidade do relacionamento do casal, pois quanto mais intimidade o casal possui melhor será a sua negociação no que se refere à sexualidade e contracepção.
Em outro estudo, Cordeiro, Heilborn, Cabral e Moraes (2009) revelam que há dificuldades na negociação sexual, sendo que, em muitos casos, as jovens são forçadas a manterem relações sexuais. Os resultados indicam que existem representações presentes em nossa cultura que cabe ao homem o papel de tomar a iniciativa na hora do sexo, sem desistir ante a recusa inicial da parceira. Já as mulheres devem se mostrar inexperientes e pouco dispostas ao sexo. Dessa forma, prevalece a premissa do sexo como algo desejado pelo homem e acatado pelas mulheres. A recusa do sexo pela parceira vincula-se, na percepção dos entrevistados, ao questionamento da virilidade.
Heilborn et al. (2002) também observam que as concepções de gênero influenciam no modo como as práticas contraceptivas são negociadas ou não. As autoras consideram que é utilizada uma lógica assimétrica, na qual o gênero masculino é dominante, sendo essa lógica desigual um importante fator de risco que predispõem a gestação na adolescência. Essa lógica dificulta a negociação do uso de contraceptivos e práticas preventivas entre os parceiros.
Nesse sentido, Brandão (2009) lembra que o uso de preservativos está associado a ideias de desconfiança e de falta de intimidade entre os parceiros e não à ideia de cuidado. Adolescentes referem que o uso do preservativo, em geral, é abandonado logo que o casal possui maior intimidade e que as relações se estabilizam. Nesse sentido, há dificuldade para as meninas negociarem o uso de métodos contraceptivos com parceiros, em função das representações e valores associados à utilização dos mesmos.
Este aspecto pode ser também observado no estudo realizado por Alves e Brandão (2009), no qual mulheres e homens foram entrevistados sobre o papel dos métodos contraceptivos nas relações sexuais. Os autores constataram que muitas mulheres somente utilizavam preservativos com a autorização do marido, e se estes não concordassem, elas acabavam desistindo do uso. Ou então utilizavam outros métodos contraceptivos de forma disfarçada, para não gerar qualquer tipo de desconfia do companheiro.
Como vimos, diversos estudos apontam que o namoro assume características tradicionais, obedecendo a uma hierarquia de gênero na qual cabe à mulher determinar a dinâmica do relacionamento, baseando-se nas normas de gênero vigentes em nossa sociedade. Frequentemente, a relação sexual é buscada com insistência pelos meninos que almejam uma relação sem proteção, pois esta é interpretada como uma prova de amor da menina. Esta, por sua vez, atesta seu caráter, por meio da virgindade, castidade ou da realização do ato sexual em uma situação de grande amor. A fidelidade e a confiança na mulher estão associadas à representação da boa moça submissa (Almeida & Hardy, 2007; Heilborn et al., 2002; Luz & Berni, 2010; Pantoja, 2003; Santos & Silva, 2008; Vidal & Ribeiro, 2008).
Nota-se que o discurso social veiculado sobre a sexualidade direcionado ao público feminino é contraditório. Por um lado, a "mulher moderna" deve ter o controle sobre sua sexualidade, praticando-a livremente. Por outro, ela deve justificar o exercício de sua sexualidade através de sua ‘inocência". O ato sexual está vinculado à ideia de descontrole emocional, provocado por uma "grande paixão". Nesse sentido, o intercurso sexual jamais pode ser planejado, mas sim, fazer parte de uma "paixão desenfreada" e "inocente". Essa produção de "inocência" na jovem sexualmente ativa substitui o valor que a virgindade antes possuía na regulação da sexualidade feminina, assumindo um papel fundamental na construção da identidade feminina (Desser, 1993).
Outro aspecto associado ao não uso de contraceptivos pelas meninas é a dificuldade de acesso aos mesmos que, por sua vez, encontra-se relacionada ao medo e à vergonha das jovens de irem ao serviço de saúde da comunidade buscarem esses recursos ou mesmo de comprar preservativos em farmácias. Essa situação pode também estar associada ao despreparo dos profissionais de saúde para lidar com essa população. Esses profissionais, em geral, não possuem capacitação para acolher demandas de sexualidade e contracepção dos jovens, pois se identificam com a manutenção de certos valores tradicionais de família e gênero, já discutidos anteriormente. Os profissionais de saúde, ao realizarem julgamentos associados aos papéis de gênero, não conseguem acolher as demandas dos jovens (Brandão, 2009; Hoga, 2008; Siqueira et al., 2002).
Nesse sentido, observa-se que atualmente vivemos uma ambiguidade em termos de valores. A "revolução sexual" iniciada nos anos 1960 trouxe consequências importantes para a área da sexualidade humana, referente, principalmente, à difusão maciça de contracepção que podem ser controlados pela mulher. No entanto, segundo Bozon (2004), essa revolução não ocorreu de maneira homogênea, mesmo em países desenvolvidos. Dessa forma, pode-se pensar que nem todos os adolescentes têm acesso aos contraceptivos, por motivos como os já destacados acima. Assim, mesmo que a "revolução sexual" tenha permitido a possibilidade de adequação do comportamento sexual dos adolescentes às suas necessidades biológicas – ao adiamento ou opção pela não procriação, isso parece não ter ocorrido no plano psicológico e social. O advento da anticoncepção trouxe maior liberdade aos relacionamentos sexuais em um período em que noções sobre corpo, desejo, erotismo ainda não se encontram bem estabelecidos (Dias & Teixeira, 2010; Monteiro, Costa, Nascimento, & Aguiar, 2007; Santos & Silva, 2008).
CARACTERÍSTICAS E IMPACTOS DA PARENTALIDADE ADOLESCENTE
Os artigos analisados indicaram que a parentalidade apresenta um impacto significativo na trajetória educacional e profissional dos jovens, em sua maioria de classe pobre, sendo perpassada pelas relações de gênero (Heilborn et. al., 2002; Luz & Berni, 2010; Pantoja, 2003). Observa-se que as expectativas sociais depositadas nas meninas estão associadas à ocorrência e à expressão da gestação na adolescência, sendo que essas questões, por sua vez, encontram-se relacionadas a questões socioeconômicas e culturais importantes (Madeira, 1996). A maternidade na adolescência se apresenta como um projeto desejado, viável e valorizado, em um contexto sócio-econômico no qual não existem muitas alternativas de implementação de outros projetos de vida valorizados socialmente (Carvalho, Merighi, & Jesus, 2009; Monteiro et al., 2007; Ximenes et al., 2007). Ela representa, em alguns casos, um modo de desenvolver e obter reconhecimento no grupo através de um papel feminino socialmente valorizado. Isso fica especialmente evidente no estudo desenvolvido por Rangel e Queiroz (2008), no qual os autores compararam as representações sociais de adolescentes de classes pobres e abastadas sobre a gravidez nesse período do desenvolvimento. Os autores encontraram que entre meninas de classes pobres, ter um filho é visto como uma bênção divina, algo "natural" à identidade feminina, sendo a maternidade associada ao "poder de ser mulher" e à construção da própria família. Já entre as meninas das camadas médias, a gravidez na adolescência representa uma sobrecarga financeira e uma experiência não normativa no desenvolvimento humano, que compromete seus planos futuros em relação ao trabalho e estudo.
Dias e Aquino (2006) ainda lembram que a existência de filhos, muitas vezes, leva ao estabelecimento de uma relação conjugal entre os jovens, o que também representa um ingresso no mundo adulto. No entanto, a união não significa necessariamente autonomia para o novo casal face às suas famílias de origem. Na maioria das vezes, há uma relação de dependência afetiva e material das famílias de origem. Esta dependência é expressa através do cuidado da criança; em geral, a avó materna é convocada a auxiliar a filha nessa tarefa (Dias & Aquino, 2006; Hoga, 2008; Siqueira et al., 2002).
Alguns autores (Brandão & Heilborn, 2006; Heilborn et al., 2002) observam que as transformações sociais geraram um prolongamento da juventude, postergando a aquisição da independência material e domiciliar dos pais. Esse prolongamento é vivido de maneira mais tranquila nas classes médias, que buscam garantir o prolongamento da educação dos filhos visando o acesso ao mercado de trabalho mais qualificado. Contudo, o mesmo não ocorre em uma parcela da população das classes pobres, nas quais alguns pais, na maior parte das vezes, não conseguem garantir o prolongamento dos estudos em função de questões econômicas. Nesses casos, alguns jovens tendem a permanecer na casa dos pais em função das precárias condições socioeconômicas que não asseguram um projeto educacional-profissional qualificado aos jovens. Por outro lado, segundo Watarai e Romanelli (2010), nas classes pobres, há muitos casos em que ocorre o inverso. Ou seja, muitos adolescentes, principalmente meninos, como forma de demonstrar independência e autonomia, buscam o trabalho e saem da casa dos pais.
Além disso, o projeto de escolarização e profissionalização de meninos e meninas, nas classes pobres, possui uma divisão em relação ao gênero. Enquanto os meninos tendem a evadir a escola devido à necessidade de trabalhar, por privilegiar ganhar o próprio dinheiro em detrimento dos estudos, as meninas não são incentivadas a prosseguir os estudos, uma vez que sua principal tarefa será cuidar dos filhos e da casa (Dias & Aquino, 2006; Dias, 2009).
Há uma significativa valorização da constituição da família, da parentalidade e das redes de sociabilidade nesses estratos socioeconômicos Os estudos de Almeida e Hardy (2007), Hoga (2008) e Pantoja (2003), por exemplo, indicam que após o choque inicial da descoberta da gestação, a paternidade é percebida como algo enaltecedor, que traz satisfação e prestigio aos jovens pais. Ela insere o rapaz no mundo dos adultos, reforçando sua masculinidade, pois se associa às noções de virilidade e faz com que o menino assuma responsabilidades, como provedor da família. Assim, ser pai é "atitude de macho" na concepção dos jovens. Já para as meninas, significa a concretização da feminilidade e passagem para adultez (Pantoja, 2003).
Os papéis de gênero também influenciam no cuidado da criança. Geralmente, não se espera dos rapazes que eles assumam as tarefas cotidianas de cuidado da criança; essa tarefa é considerada essencialmente feminina. Muitas vezes a falta de oportunidade de exercitar o cuidado através do brincar durante a infância acaba gerando uma atitude negligente ou omissa dos jovens pais ao cuidar de si mesmos e de seus filhos (Almeida & Hardy, 2007; Aquino et al., 2003; Gurgel et al., 2008; Luz & Berni, 2010; Siqueira et al., 2002).
Segundo Heilborn et al. (2002), a paternidade adolescente apresenta um impacto reduzido sobre a vida dos jovens pais, diferentemente do impacto gerado na vida das jovens mães, uma vez que muitos dos pais adolescentes não assumem a mesma. Já a menina não tem como se eximir dessa responsabilidade; mesmo na situação de doação do filho, a menina, durante o período da gestação, tem interrompido na maior parte das vezes, seus estudos ou mesmo projetos profissionais. Assim, esses autores observam que a gestação e a parentalidade adolescente para meninas de classes menos favorecidas acaba gerando maior impacto. Já nos estratos médios o impacto é menor, pois os projetos educacionais e profissionais buscam ser garantidos pelos pais desses adolescentes, mesmo na situação de gestação na adolescência.
Ainda sobre o impacto da paternidade na vida dos jovens, Almeida e Hardy (2007) encontraram que os jovens pais tiveram seus papéis de trabalhadores bem marcados após a experiência de paternidade, pois é esperado que os mesmos sejam os provedores do núcleo familiar em formação. O trabalho proporcionou aos jovens sentimentos de contentamento e responsabilidade, estando esse evento associado ao status adulto. Nesse sentido, a presença do filho e a responsabilidade de provê-lo reafirmam a relação social que vincula trabalho à identidade masculina; o que, por sua vez, confirma as expectativas sociais sobre o papel masculino (Dias & Aquino, 2006; Pantoja, 2003; Luz & Berni, 2010; Siqueira et al., 2002).
Além disso, mesmo entre os jovens pais, que não possuem renda por estarem apenas estudando, os seus pais (avós) mantém, muitas vezes, o pagamento de suas contas referentes ao filho (neto). Nesses casos, a paternidade assume um sentido moral, de responsabilidade material ao sustento da criança, mesmo que esse vínculo (material e moral) ocorra através da sua família de origem (Heilborn et al., 2002).
Cabe destacar que a parentalidade não é suficiente para explicar as diferenças nas trajetórias escolares de meninos e meninas de diferentes classes sociais. A partir dos artigos acessados, percebeu-se que os meninos de classe popular trabalhavam, e muitos já haviam abandonado o estudo, mesmo antes da situação da gestação, em função de questões econômicas e de gênero, nas quais vinculam o masculino ao mundo do trabalho. Almeida e Hardy (2007) consideram que a experiência de paternidade parece repercutir na trajetória masculina dos jovens de maneira positiva, uma vez que provoca nos adolescentes uma atitude mais comprometida na busca por um trabalho mais estável. Percebe-se, então, que as duras condições materiais em que esses jovens se encontram faz com que eles sejam chamados a assumir a criança e compareçam com seu sustento como podem e quando podem.
Já para as meninas de classes pobres, como vimos, a parentalidade adolescente gera um maior impacto, geralmente, no sentido negativo. Nas classes menos abastadas, as mães adolescentes apresentam maiores dificuldades de conciliar trabalho e escola com atividades e responsabilidades domésticas decorrentes da maternidade, o que lhes impossibilita retomar os estudos. Apesar disso, cabe destacar que um número significativo de jovens mães relata que pretendem voltar a estudar. Contudo, relações de gênero tradicionais anteriores e posteriores à gestação atrapalham esse projeto (Heilborn et al., 2002; Pantoja, 2003).
Nas classes pobres observa-se que as carreiras escolares femininas podem ser pontuadas por repetências e descontinuidades, em função de questões externas a escola. Entre as moças, as interrupções e retornos ao universo escolar são frequentes, assim as trajetórias escolares não se mostram muito lineares. Geralmente, essas jovens possuem a tarefa de cuidar da casa e dos irmãos menores, sendo esta uma das razões citadas para a evasão escolar. Esta situação pode influenciar no ingresso e na qualificação destas meninas no mercado de trabalho (Aquino et al., 2003; Dias & Aquino, 2006; Heilborn et al., 2002).
Nesse sentido, alguns consideram que tornar-se mãe entre essas jovens parece estreitar apenas os laços entre a condição de ser mulher e o espaço privado, que muitas já exercem mesmo em momentos anteriores à maternidade (Dias & Aquino, 2006). Apesar disso, o nascimento do filho introduz um diferencial importante na forma como se desenvolvem os percursos escolares e profissionais dessas mães. As meninas acabam ficando impossibilitadas de almejar e implementar outros projetos profissionais, uma vez que os cuidados da crianças e tarefas domésticas acabam sendo mais exigidos dessas adolescentes (Aquino et al., 2003; Gurgel et al., 2008; Luz & Berni, 2010).
De fato, as restrições que pesam sobre as jovens mães parecem ser mais significativas do que as que afetam seus parceiros, independente de classes sociais. Lembramos que as funções associadas à mulher estão mais vinculadas ao ambiente doméstico, que podem lhe afastar do trabalho fora do lar. Ainda hoje, cuidar dos filhos continua sendo considerada uma tarefa eminentemente feminina. A maternidade é percebida como natural à condição feminina, no entanto, o mesmo não ocorre em relação à paternidade e cuidado do filho (Aquino et al., 2003; Dias & Aquino, 2006; Gurgel et al., 2008; Siqueira et al., 2002).
Nas classes médias, observa-se que mais da metade das mães adolescentes não trabalhava e não estudava na época do nascimento da criança. As mesmas estavam fora da escola e do trabalho devido ao nascimento da criança, passando a depender integralmente de outros para garantir a subsistência material e a da criança. Contudo, os seus pais buscavam garantir à menina o retorno à escola. Assim, os percursos escolares dessas jovens, até o nascimento da criança, se deram de modo linear e sem interrupções significativas; após essa interrupção gerada pela gestação, os projetos eram retomados. No entanto, os pais cobram da jovem que esta assuma ambas as responsabilidades. A maternidade representa um diferencial significativo nas trajetórias escolares e profissionais das jovens mães de classe média, no entanto, as alterações acarretadas nas carreiras femininas podem ser apenas temporárias, enquanto nas classes pobres elas tendem a ser mais permanentes (Brandão & Heiborn, 2006; Brandão, 2009; Heilborn et al., 2002).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No levantamento de literatura realizado a respeito de parentalidade adolescente e gênero observou-se uma forte ligação entre concepções tradicionais de gênero e gestação na adolescência. Essa relação parece se expressar particularmente nos contextos menos favorecidos economicamente, pois nesses ambientes se observa que as relações de gênero tradicionais, comuns às famílias patriarcais, são mais valorizadas. Percebe-se através das pesquisas que frente a menores oportunidades educacionais e de inserção social e profissional no mercado de trabalho, a maternidade passa a ser um projeto valorizado entre as meninas adolescentes de classes pobres, que percebem nesse fenômeno a possibilidade de ingresso no mundo adulto, de maneira valorizada. Entre os meninos das classes menos abastadas, a paternidade adolescente também parece estar associada a representações positivas de virilidade, orgulho e senso de responsabilidade. Os estudos apontam que nas classes médias a parentalidade adolescente parece atrapalhar os projetos educacionais e escolares, que sem esse evento se processariam de maneira linear e sem interrupções. Observa-se que a paternidade adolescente parece causar um impacto menor quando comparado à maternidade adolescente nos estratos médios.
Ainda, observou-se nos artigos que, embora os pais dos jovens de ambos os sexos busquem garantir os projetos escolares e profissionais das meninas e meninos, as relações de gênero acabam pesando nessa experiência de maneira diferenciada. As meninas acabam sendo mais cobradas para o exercício de suas funções junto ao filho e às tarefas domésticas que os meninos, ainda demonstrando as diferenças entre os gêneros no que tange à vulnerabilidade e relações de poder.
Nosso levantamento mostrou que as relações de gênero interferem de maneira importante tanto na vivência do fenômeno como em fatores que podem gerar a ocorrência da gestação durante a adolescência. Constatou-se que as vivências da sexualidade adolescente e práticas contraceptivas são atravessadas por questões assimétricas entre os gêneros, havendo uma dominância do papel masculino sobre o feminino, que acaba interferindo nas negociações sobre sexualidade.
Este estudo apresenta algumas reflexões iniciais sobre parentalidade, gênero e adolescência. Destacamos que as questões referentes à sexualidade, ao uso de contraceptivos, às tarefas domésticas e ao cuidado dos filhos precisam ser pensadas à luz desses elementos. Refletir e promover práticas mais simétricas entre homens e mulheres é fundamental para adoção de algumas estratégias em saúde e na educação.
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Naiana Dapieve Patias
E-mail: naipatias@hotmail.com
Recebido: 04/05/2014
Revisado: 30/06/2014
Aprovado: 10/07/2014
1 Naiana Dapieve Patias é doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2 Pascale Chechi Fiorin é mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria.
3 Letícia Saldanha de Lima é mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria.
4 Ana Cristina Garcia Dias é docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.