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Revista da SPAGESP
versão impressa ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.17 no.1 Ribeirão Preto 2016
ARTIGOS
Grupo operativo com professores do ensino fundamental: integrando o pensar, o sentir e o agir
Operative group with elementary education teachers: integrating thoughts, feelings and action
Grupo operativo con maestros de educación básica: la integración entre pensamiento, sentimiento y acción
Manoel Antônio dos Santos1, I; Liliana Scatena2, I; Maria Gizelda R. O. Dias3, II; Sandra Cristina Pillon4, I; Adriana Inocenti Miasso5, I; Jacqueline de Souza6, I; Eucia Beatriz Lopes Petean7, I; Maria Lucia Zanetti8, I
IUniversidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil
IISPAGESP, Ribeirão Preto-SP, Brasil
RESUMO
O objetivo deste estudo é apresentar um relato de experiência de coordenação de um grupo operativo realizado com professores do Ensino Fundamental de uma escola pública de um município do interior do Estado de São Paulo. Em média 25 professores participaram dos encontros grupais, com frequência semanal e duração de uma hora. O grupo era aberto e foi conduzido durante as reuniões de Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC). Os resultados mostram que a intervenção grupal é uma estratégia que permitiu abordar as dimensões subjetivas e intersubjetivas dos participantes. Os professores valorizaram a construção de um espaço compartilhado no qual era possível explicitar as dificuldades que se cristalizavam no cotidiano escolar. Foi possível observar que o processo de aprendizagem é altamente favorecido pelo dispositivo grupal, que fortalece a disposição dos participantes para refletirem sobre possíveis condutas alternativas, a serem adotadas diante de problemas e impasses que se apresentavam na trajetória de cada professor.
Palavras-chave: grupo operativo; escola; atitudes do professor; interação professor-aluno; relações interpessoais.
ABSTRACT
The aim of this study is to present a report regarding coordination experience from an operative group conducted with elementary school teachers from a public school in a city in the state of São Paulo, Brazil. On average, 25 teachers participated in the group meetings, with a weekly frequency and duration of one hour. The group was open and conducted during the Collective Pedagogical Work Class meetings. Results show that the group intervention strategy allowed addressing participants' subjective and inter-subjective dimensions. Teachers valued the construction of a shared space where it was possible to explain the difficulties that emerged in everyday school life. It was observed that the group device highly favours the learning process, which strengthens participants' willingness to reflect on possible alternative behaviours, to be adopted in response to issues and dilemmas present on each teacher's trajectory.
Keywords: operative group; school; teacher attitudes; teacher-student interaction; interpersonal relationships.
RESUMEN
El objetivo de este estudio es presentar una experiencia de coordinación de un grupo operativo llevado a cabo con los maestros de la educación primaria de una escuela pública en una ciudad en el estado de São Paulo, Brasil. En promedio, 25 maestros participaron en las reuniones del grupo, con una frecuencia semanal y duración de una hora. El grupo estaba abierto y se llevó a cabo durante las reuniones de la Clase de Trabajo Pedagógico Colectivo. Los resultados muestran que la estrategia de intervención grupal permitió tratar de las dimensiones subjetivas e inter-subjetivas de los participantes. Los profesores valoran la construcción de un espacio compartido en el que era posible explicar las dificultades que se cristalizaron en el cotidiano escolar. Se observó que el proceso de aprendizaje es altamente favorecido por el dispositivo de grupo, que fortalece la voluntad de los participantes en reflexionar sobre posibles conductas alternativas, a seren adoptadas delante de problemas y dilemas que se presentaron en la trayectoria de cada profesor.
Palabras-claves: grupo operativo; escuela; actitudes del profesor; interacción professor-estudiante; relaciones interpersonales.
Um flash de sabedoria popular:
Ninguém pode ajudar todo mundo.
Mas todo mundo unido pode ajudar alguém.
O grupo operativo, termo cunhado por Pichon-Rivière (2000), é um dispositivo grupal centrado na tarefa, o que propicia refletir sobre determinada experiência afetiva e cognitiva que está em curso (Zimerman, 2002).
O grupo operativo pode ser definido como um conjunto de participantes entrelaçados por um objetivo comum, que operam como um time, uma equipe. O formato, a estrutura da equipe só se torna evidente à medida que o grupo evolui ao longo de seu tempo de vida (Corrêa, Souza, & Saeki, 2005). No plano do ensino-aprendizagem, o grupo operativo constitui um campo no qual se opera enquanto se aprende a reconhecer conflitos e a identificar recursos, potencializando a capacidade criativa e de superação de obstáculos. Um dos objetivos do grupo operativo é permitir que os participantes (por exemplo, uma equipe técnica no contexto institucional) entrem em contato mais profundo com os fatores conscientes e inconscientes que favorecem ou dificultam a execução de uma atividade (Bechelli & Santos, 2001a, 2004).
O propósito primordial do grupo operativo é permitir a produção de um conhecimento que se pode adquirir por meio da convivência grupal. Para aceder a esse conhecimento, fruto de uma construção coletiva, é preciso tomar consciência dos processos obstrutivos e das ansiedades paralisantes que ameaçam o cumprimento da tarefa proposta, levando o grupo à estereotipia e estagnação (Bechelli & Santos, 2001b). Um exemplo da aplicação do conhecimento desses pressupostos teóricos está relacionado ao desenvolvimento dos vínculos estabelecidos com os pares/colegas e o sentimento de pertença a uma instituição ou serviço (Barros, Calmon, Santos, & Rigobello, 2005; Pereira & Santos, 2012; Santos, Péres, Zanetti, & Otero, 2007; Svartman, 2003).
Os grupos operativos podem ser aplicados nos mais diversos contextos: clínica, escola, organizações, comunidade e nas mais diferentes instituições. O que varia, basicamente, é a tarefa grupal. Por meio das atividades que desempenham, as pessoas se engajam em determinadas relações, que são fruto de suas interações ao longo da vida. No grupo operativo com finalidade de ensino-aprendizagem, os participantes trabalham concretamente sobre um determinado tópico, e o fazem enquanto se desenrolam concretamente suas interações.
Estudos acerca da aplicação do grupo operativo em diferentes cenários, como no contexto educacional, são relevantes devido às potencialidades que essa estratégia oferece em termos da promoção e transformação dos vínculos em grupos específicos (Carniel, 2008; Fernandes, 2003; Pereira, 2013). No espaço interacional, o grupo começa a se dedicar à tarefa e a encarnar uma zona de convergência de interesses comuns ou semelhantes.
Bauleo (1989) argumenta que, no Grupo Operativo, o que começa como a generalidade é particularizado por meio de categorizações sistemáticas e significados que estão localizados em uma formulação temática que assegura as ligações entre eles. No grupo operativo, relacionar-se com a tarefa é central. Uma vez estabelecida a tarefa a qual o grupo vai se dedicar, os membros se colocam em um presente contínuo, uma temporalidade própria que é constituída pelo tempo vivido e pelo significado que é dado ao pensar, sentir e agir.
No decorrer das interações o grupo começa a se perceber em sua temporalidade e corporalidade próprias. Nesse sentido, pode-se dizer que, na medida em que a tarefa se torna uma referência mais real para os seus integrantes, o grupo toma uma forma, ou seja, adquire uma corporalidade própria (Bauleo, 1989), que o dota de significado ao configurar uma realidade compartilhada.
A despeito de contar com um leque extenso de possíveis aplicações, na literatura disponível sobre grupo operativo há poucos relatos de experiências em que essa estratégia foi empregada no contexto escolar, particularmente como ferramenta de promoção de laços saudáveis entre professores de Ensino Fundamental da rede pública de ensino. Há estudos com professores e estudantes universitários, mas não no nível do Ensino Fundamental. Como exemplo de uma pesquisa implementada no contexto da universidade, Corrêa et al. (2005) utilizaram o grupo operativo com o intuito de aliviar ansiedades, facilitar a elaboração de vivências cotidianas e auxiliar os alunos de Enfermagem a integrarem o pensar, o sentir e o fazer.
Frente a essa escassez, o objetivo deste estudo é apresentar um relato de experiência de coordenação de um grupo operativo realizado com professores do Ensino Fundamental I e II de uma escola pública do município de uma cidade do interior do Estado de São Paulo. A iniciativa do trabalho partiu de duas psicólogas, que na época cursavam especialização em psicoterapia de grupo e coordenação de grupos, mas também foi ao encontro da demanda da equipe docente que, naquele momento, se encontrava desunida em decorrência de problemas de relacionamento interpessoal.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, que se caracteriza por constituir um relato de experiência clínica. A estratégia metodológica adotada é o estudo de caso, que tem sido empregada tanto em pesquisas científicas quanto nas práticas profissionais, com o propósito de destacar e investigar em profundidade uma situação ou grupo de atores sociais que apresentam características peculiares (Peres & Santos, 2005). Neste estudo consideramos como "caso" o grupo operativo implementado na escola.
Apresentaremos um recorte da experiência de coordenação de um grupo desenvolvido junto às coordenadoras e à equipe de professores do Ensino Fundamental I e II e alguns professores do Ensino Médio. Para a construção do relato clínico iremos contextualizar a experiência e delinear seus fundamentos teórico-metodológicos.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA
O grupo operativo foi desenvolvido por duas psicólogas voluntárias, como parte de sua formação em nível de pós-graduação lato sensu em coordenação de grupos pela Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo (SPAGESP). A iniciativa foi ao encontro da demanda das coordenadoras do Ensino Fundamental I e II e da própria direção da escola.
Uma das dificuldades referidas pela coordenação dizia respeito às barreiras de comunicação existentes entre os membros do corpo docente da escola. Segundo os relatos, as interações eram superficiais ou mesmo inexistentes. Os professores tendiam a atuar de maneira isolada e fragmentada, demonstrando ter pouca disponibilidade para articularem suas práticas em torno do projeto político-pedagógico da instituição. Os encontros entre docentes eram esporádicos e formais, e as relações eram estabelecidas sob um clima predominantemente impessoal. Essas dificuldades também eram percebidas nas relações entre o corpo docente e a coordenação técnica da escola.
No primeiro contato com a escola, ocorrido em agosto de 2014, as psicólogas foram convidadas a ministrarem uma palestra para os pais. Escolheram como tema: "O dia da família na escola", por entenderem que isso permitiria aglutinar os vários interesses, tanto dos pais como da instituição, que se queixava de que os pais estavam distantes da escola e desinteressados/alienados em relação à formação escolar de seus filhos.
O resultado da palestra foi muito positivo e o evento atraiu um público composto por um número expressivo de pais, que compareceram à escola em plena manhã de sábado. Esse resultado exitoso agradou a direção da escola e infundiu ânimo nas coordenadoras, que perceberam que havia vários pais interessados em refletirem sobre a educação de seus filhos. Esse interesse é, de certo modo, surpreendente, pois atualmente somos o tempo todo confrontados por notícias de que os pais estão cada vez mais apartados da escola e que estariam desinteressados ou desesperançados em relação ao futuro de seus filhos.
Desse modo, segundo essa concepção dominante, as famílias estariam negligenciando seu papel educativo e delegando essa missão (e toda a responsabilidade que ela envolve) à instituição escolar. Também somos diariamente bombardeados com notícias de que a escola pública está sucateada e deteriorada, e que fracassou nos propósitos estabelecidos no seu projeto político-pedagógico.
A estratégia escolhida para implementar o trabalho com os professores foi o grupo operativo, tendo em vista que a demanda principal da direção da escola era melhorar a comunicação entre os membros do corpo docente e entre professores e coordenação. A modalidade grupal foi escolhida porque favorece o exame das interações de forma situada, ou seja, os entraves de comunicação aparecem espontaneamente nos padrões de relacionamento estabelecidos pelos membros do grupo e podem, portanto, ser explicitados, tendo em vista a sua possível superação (Pereira & Santos, 2012; Santos et al., 2007; Svartman, 2003).
No grupo operativo os nós e as resistências com que os integrantes se deparam ao enfrentarem a tarefa emergem como obstáculos em relação ao avanço do processo grupal. O grupo operativo é um dispositivo que propicia justamente trabalhar os processos obstrutivos que se interpõem no plano das interações estabelecidas e que impedem o acesso à criatividade e o pleno aproveitamento dos recursos latentes (Santos et al., 2007).
O projeto de implementação do grupo operativo foi devidamente aprovado pelas coordenadoras pedagógicas do Ciclo Fundamental I, assim como pela diretora da escola. Também foi realizada supervisão junto à mediadora de conflitos da escola, para instrumentalizá-la para a realização de suas atividades com os alunos.
A importância do presente estudo frente à produção científica contemporânea sobre essa temática decorre da escassez de relatos que reconstruam as experiências efetivamente realizadas no cenário escolar, especificamente no trabalho com professores da rede pública e de ensino fundamental. Atualmente, a escola pública tem sido alvo de inúmeros questionamentos e imprecações devido às condições de precarização em que se encontram os equipamentos públicos e aos déficits de investimento público para suprir as demandas e necessidades crescentes em razão da expansão do ensino fundamental. Nesse cenário de contornos frequentemente negativos torna-se necessário valorizar experiências inovadoras, que interfiram diretamente no âmbito dos recursos humanos. Entendemos que atuar junto aos professores, dentro de uma postura de acolhimento respeitoso, pode favorecer a instalação de um clima motivacional mais propício para o trabalho criativo.
PARTICIPANTES
Participaram em média 25 professores em cada reunião. A faixa etária da maioria dos professores situava-se entre 25 e 43 anos. O tempo de atuação na profissão variou entre um e 19 anos e a jornada de trabalho equivalia a 35 horas semanais em média.
Os encontros tiveram periodicidade semanal e duração de uma hora. O grupo caracterizou-se pela sua condição institucional, era aberto a todos os professores do Ensino Fundamental, mas também participaram professores do Ensino Médio e as duas coordenadoras do Ensino Fundamental.
PROCEDIMENTO
Foram realizados oito encontros, que ocorreram às segundas-feiras no período da manhã, no período de 22 de agosto a 24 de novembro de 2014. O grupo operativo era realizado durante as reuniões da Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo – ATPC, o que favoreceu a adesão dos professores.
O objetivo dos encontros grupais era possibilitar aos participantes condições de refletirem, identificarem os problemas que os afligiam no cotidiano e estabelecerem as modificações que seriam necessárias para a resolução do problema considerado prioritário: a desunião da equipe.
No primeiro encontro com a equipe ocorreu a apresentação das psicólogas. Foi explicitada a proposta e dinâmica do trabalho a ser desenvolvido (Bechelli & Santos, 2001a, 2004; Pichon-Rivière, 2000). O grupo operativo caracterizou-se como um espaço coloquial aberto ao diálogo entre pessoas que trabalham na mesma instituição, privilegiando a comunicação por meio de linguagem coloquial e despretensiosa, para proporcionar um momento propício para identificar os problemas e refletir sobre o que poderia ser melhorado, mas também uma oportunidade para repensar-sentir-agir, resgatando as experiências bem-sucedidas e as histórias de sucesso dos próprios participantes.
Ao longo dos encontros foram utilizadas estratégias e instrumentos diversificados, tais como exercícios de grupo e rodas de conversa, caixinha de sugestões dos professores e aplicação do questionário clima. Trata-se de um questionário elaborado com base na pesquisa de Brian Perkins, diretor do programa de liderança de Educação Urbana da Universidade de Columbia, Estados Unidos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados foram organizados em torno de dois eixos temáticos, assim denominados: Problemas iniciais: como superá-los? e Estratégias utilizadas para animar as discussões.
PROBLEMAS INICIAIS: COMO SUPERÁ-LOS?
Nos primeiros encontros do grupo operativo percebeu-se que as equipes encontravam-se desunidas, cindidas, separadas pelas denominações de turmas. Além disso, alguns professores apresentavam problemas de relacionamento interpessoal, o que acentuava o isolamento e o sentimento de solidão.
Naquele momento ocorria a transição da diretoria, em um clima de total falta de comunicação com as equipes, o que resultava em insatisfação crescente dos professores. Percebeu-se que, a princípio, a equipe de professores não tinha conhecimento do projeto do grupo operativo e muito menos da proposta de trabalho acordada entre coordenação e psicólogas, pois as coordenadoras não explicaram a proposta anteriormente.
Os participantes foram surpreendidos com a notícia de que aquele espaço coletivo seria utilizado para instaurar um grupo com finalidade de promover aprendizado e reflexão. Percebemos que a decisão de participação da equipe de professores no grupo operativo foi estabelecida de forma vertical, partindo das coordenadoras, sem consultarem os professores. Isso colaborou para reações iniciais marcadas por ansiedade, temores, paralisação e mutismo como manifestações de resistência ao trabalho das psicólogas.
As atuações do grupo são compreendidas como defesas psíquicas imaturas, arregimentadas contra o temor frente à emergência do novo (Bechelli & Santos, 2001a). Porém, depois que os membros do grupo conseguiram compreender e nomear o que sentiam, passaram a valorizar os momentos em grupo e os encontros tornaram-se uma experiência rica para todos os participantes.
No decorrer do processo grupal foram trabalhadas queixas em relação à escola, que colocavam em foco: as dificuldades de comunicação, as barreiras que obstruem a aprendizagem dos alunos, os problemas de disciplina em sala de aula, a precariedade do exercício profissional do professor, as tensas relações estabelecidas no ambiente escolar, especialmente entre familiares de alunos e os professores e entre professores e equipe gestora.
ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PARA ANIMAR AS DISCUSSÕES
Diversos recursos foram empregados para buscar alcançar os objetivos almejados com a intervenção grupal. Uma das estratégias utilizadas foi a caixinha de sugestões dos professores. Essa estratégia se revelou útil para que os integrantes do grupo se sentissem mais protegidos para encaminhar suas expectativas, críticas e sugestões de mudança, preservando o anonimato. Algumas das sugestões e desejos apresentados foram:
"Melhorar a comunicação entre a equipe gestora e o grupo de professores."
"Ter mais diálogo e união entre direção e professores."
"Gostaria que os psicólogos continuassem com o trabalho com as crianças aqui na escola."
"Melhorar a comunicação entre gestão (direção e coordenação) e professores; cada um cumprir sua função; ter um tratamento imparcial."
"Uma equipe gestora participativa, flexível, aberta ao diálogo e presente junto aos alunos e, principalmente, ao lado dos professores."
"Melhorar a estrutura física, maior união do grupo de professores, investir na qualificação."
"Até que ponto a escola pode contribuir com a motivação e sucesso do aluno, diante de uma sociedade rodeada de tecnologias e novos modelos de comportamentos?"
"Precisamos de uma escola que valorize mais o professor do que a burocracia escolar. A gestão escolar tem que deixar os professores participarem de decisões e não impor decisões prévias. Professor decidido melhora a autoestima e trabalha com mais prazer."
Esses relatos são relevantes para dimensionar a percepção dos professores em relação ao seu fazer cotidiano, sua missão e a função social da escola na realidade brasileira. Os dados convergem com a literatura. Ao analisarem a utilização da abordagem de grupo operativo de Pichon-Rivière como possibilidade de criar um espaço para troca de experiências entre docentes e estudantes do 8º semestre de um curso de graduação em Enfermagem, Corrêa et al. (2005) notaram que os alunos puderam refletir sobre suas vivências na transição para a vida profissional, ao passo que os docentes refletiram as experiências relacionadas ao processo ensino-aprendizagem, levando-os a questionar os limites do modelo tradicional.
Outra estratégia empregada para dinamizar o grupo foi o exercício denominado Visão de futuro. A aplicação dessa estratégia teve por objetivo despertar e estimular a percepção positiva da profissão. Os professores deveriam inserir na parte esquerda de uma folha de papel tamanho ofício o passado, momento de escolha da profissão, e na direita o momento atual, e o que estariam fazendo no futuro. O material utilizado para a implementação dessa estratégia foi: papel ofício desenhado com um círculo central, dividido em quatro quadrantes, lápis de cor e canetinhas coloridas.
Outro exercício de grupo utilizado como recurso favorecedor do diálogo foi a Dinâmica do espelho. O uso dessa estratégia teve por objetivo despertar para a valorização de si, a partir do encontro consigo mesmo e do resgate de seus valores e projetos de vida. O material utilizado para a implementação dessa estratégia consistiu, basicamente, em um pequeno espelho oculto dentro de uma caixa, de modo que, ao abri-la, o integrante se depare com o reflexo de seu próprio rosto. O exercício foi aplicado ao som de música ambiente suave para favorecer o relaxamento.
Ao analisarmos os depoimentos obtidos durante os encontros e atividades desenvolvidas, com a aplicação das estratégias e recursos grupais descritos, nota-se que os professores descreveram suas percepções sobre a dinâmica da turma, a relação professor-aluno e a relação com a própria profissão, evidenciando as queixas em relação à sua formação deficitária, à falta de expectativa profissional/pessoal, o despreparo psicoemocional do professor para lidar com seu aluno e o papel que o educador ocupa atualmente na instituição escolar. Mas o grupo, ao mesmo tempo, também abriu a possibilidade de os professores refletirem na (e sobre) sua ação, impregnada de valores e sentimentos que fazem parte do processo de constituição subjetiva de cada um.
O grupo operativo com os professores funcionou como um espaço para problematizar o cotidiano escolar, visando à melhoria das condições de ensino, da formação dos professores e do relacionamento da equipe escolar. Durante os encontros foram discutidas propostas pedagógicas, como também a desestruturação e desmotivação que abatiam sobre o corpo docente, desvitalizando a missão do professor, que passava a desinvestir-se da tarefa pedagógica. Refletiu-se que esse era um sinal evidente do desgaste laboral, da desesperança e da falta de valorização e reconhecimento profissional. As condições limitadas de trabalho e a crônica baixa remuneração foram largamente debatidas. As reflexões e insights foram potencializados pela troca de experiências em um ambiente respeitoso e na maior parte das vezes acolhedor. Nesse sentido, o grupo se revelou um recurso potencializador de saúde mental (Fernandes, 2003; Pichon-Rivière, 2000).
Na abordagem tradicional, há de um lado uma pessoa ou grupo que ensina, e de outro lado, aquele que aprende. Essa dissociação deve ser superada, o que suscita ansiedade devido à mudança e ao abandono de uma conduta estereotipada. A estereotipia, nesse caso, é a manutenção ou repetição ritualística de uma mesma conduta e de normas. Se o integrante do grupo não está disposto a abrir mão do conforto e da segurança oferecida pela estereotipia de conduta, o preço a se pagar é o bloqueio do processo de ensino-aprendizagem. Nesse contexto, o trabalho, em vez de ser instrumento de transformação, torna-se veículo de alienação do ser humano.
Como estratégia utilizada para o seu empoderamento, o professor foi convidado a refletir sobre o seu saber/fazer em serviço, por meio de debate dirigido para a escolha das estratégias mais adequadas ao enfrentamento dos desafios presentes no exercício de atividade profissional docente. Entendemos que é exatamente na resolução de problemas concretos, oriundos da vida real, que diversos saberes são mobilizados e articulados, acarretando o desenvolvimento de novas competências profissionais. Estas propiciam novas condições de sentir-pensar-agir, que facilitam a apropriação da trama complexa da realidade social na qual se inscreve a prática de trabalho no setor educação.
Com a evolução do grupo operativo, as incertezas dos professores puderam aflorar de modo mais organizado, conforme esperado, devido a maior intimidade conquistada pelos participantes (Fernandes, 2003). Dentre as principais incertezas que emergiram, os professores ponderaram que muitas promessas de melhoria da educação são feitas, planos são elaborados a cada nova gestão, mas tudo fica no papel ou não tem continuidade ao longo do tempo. Nesse cenário desolador, muitos docentes se perguntam: por que, a partir de um grupo de reflexão de educadores, poderia surgir uma solução? Que garantias temos de que nossas propostas serão consideradas pela equipe gestora escolar? Em que esse grupo de reflexão de professores pode colaborar com melhorias efetivas no ambiente de trabalho? Como o que é discutido em grupo poderia afetar o trabalho em sala de aula?
Gradualmente, o grupo operativo pôde dar abertura para emergirem vozes diversas, que traduzem diferentes pontos de vista que tensionam o espaço escolar. Por exemplo, no delicado tema da "repetência escolar", notou-se que os pais de família tendem a acreditar que as crianças repetem de ano porque não estão aprendendo a ler e escrever na escola. Os alunos confirmam essa percepção dos pais e acrescentam que, por vezes, não entendem direito o que os professores explicam ou pedem nas aulas. Os diretores afirmam que as crianças não aprendem porque têm "problemas emocionais e psicológicos" e, ainda, porque suas famílias são "ausentes", "desestruturadas" e não lhes oferecem o apoio necessário nos estudos. Os professores declaram que a principal causa da repetência reside nas famílias, na indisciplina dos alunos e no excesso de discentes por classe. Alguns mencionam também sua formação profissional precária, segundo a visão dos próprios professores.
Percebeu-se que, à semelhança do que ocorre com outros grupos operativos, o grupo investigado foi adotando progressivamente sua forma de interatuar, seu "corpo" próprio, substancializado pelo coletivo dos seus participantes, e, assim, pôde se configurar como uma realidade particular (Bauleo, 1989). Os benefícios percebidos com a aplicação do grupo operativo no contexto escolar foram semelhantes aos relatados para outros contextos. Por exemplo, Santos et al. (2007) utilizaram o grupo operativo como estratégia para estimular a independência de pacientes adultos com diabetes mellitus, de modo a permitir uma adaptação ativa e criativa à realidade, possibilitando fazer escolhas mais maduras e livres, ao mesmo tempo em que assumem maior responsabilidade pelas escolhas assumidas.
Os achados são consistentes com as conclusões obtidas em outros estudos, que evidenciam que a abordagem pichoniana vem abrindo a possibilidade de estimular um constante repensar das práticas de ensino-aprendizagem, incorporando os professores como sujeitos críticos e criativos que, ao se organizarem coletivamente, podem funcionar como agentes de transformação do cotidiano escolar (Corrêa et al., 2005).
Como resultado do trabalho crítico-reflexivo, a própria equipe de professores, que antes estava dominada pelo marasmo e desânimo, tomou a iniciativa de realizar uma festa de confraternização de final de ano, como há muito não se via. O detalhe interessante é que a festa seria realizada fora do espaço escolar e que se planejou reunir toda a equipe, pois em outros momentos festivos as equipes de subdividiam. O grupo operativo se encerrava, assim, com um ar de mudanças à vista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência de grupo operativo examinada no presente estudo caracterizou-se por seu enquadre institucional e por um recorte no campo da aprendizagem, que possibilitou aos participantes a condição de refletirem sobre os conflitos, identificarem os problemas e proporem alternativas para efetivarem as modificações necessárias para a resolução dos dilemas humanos vividos (Bechelli & Santos, 2001a, 2001b). Essas operações correspondem ao que Bleger denominou de "fator humano".
Desse modo, o grupo operativo permite recortar e se aproximar de um problema. Os conflitos e processos obstrutivos que emergem no percurso podem ser reconhecidos e investigados pelo próprio grupo, na medida em que vão se delineando no processo grupal. A ideia é que os conflitos possam ser percebidos e examinados em relação à tarefa e aos objetivos propostos, que balizam o funcionamento e a razão de ser do próprio grupo.
Pichon-Rivière (2000) afirma que os grupos operativos atendem basicamente a dois propósitos: de aprendizagem e terapêutico. Mesmo quando se privilegia uma das dimensões, a outra estará presente, uma vez que são intrínsecas ao processo grupal. A intervenção pressupõe aprendizagem de novas maneiras de existir, do mesmo modo que não há aprendizagem sem alguma mudança de caráter terapêutico.
Pudemos constatar, durante os encontros grupais com os professores da rede pública, que existiam dificuldades de diálogo entre os membros da escola como um todo. Os prejuízos na comunicação tendiam a se cronificar cada vez mais, dentro um quadro geral de desmobilização e desinvestimento libidinal, que alimentavam a apatia e a postura de não comprometimento com o coletivo.
O trabalho em grupo é uma poderosa ferramenta para a mudança (Gayotto, 2002). No presente estudo, a preocupação consistiu em fazer a equipe escolar perceber que detinha a chave da solução. Era preciso levar os integrantes a acreditarem que poderiam encontrar o caminho que leva à construção de possibilidades de resolução, equacionar os problemas que podem ser resolvidos no curto e médio prazo, e focar no problema principal identificado: a desunião da equipe, a incomunicabilidade generalizada e o clima geral de "caça aos culpados", que tende a contribuir para que as dificuldades se perpetuem ao logo do tempo, despotencializando as energias vitais restauradoras da trama vincular.
A partir da análise da prática com grupos em instituições escolares, foi possível constatar que o processo de aprendizagem é altamente favorecido pelo dispositivo grupal, que fortalece a disposição dos participantes para refletirem sobre possíveis condutas alternativas diante de problemas e obstáculos que se apresentavam na trajetória de cada um, sempre em permanente transformação.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência
Manoel Antônio dos Santos
E-mail: masantos@ffclrp.usp.br
Recebido: 05/07/2015
1ª revisão: 10/11/2015
Aceito: 12/12/2015
1 Manoel Antônio dos Santos é docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
2 Liliana Scatena é doutoranda pela Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
3 Maria Gizelda R. O. Dias é membro da Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo – SPAGESP.
4 Sandra Cristina Pillon é docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
5 Adriana Inocenti Miasso é docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
6 Jacqueline de Souza é docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
7 Eucia Beatriz Lopes Petean é docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
8 Maria Lucia Zanetti é docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Geral da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.