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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.21 no.1 Ribeirão Preto jan./jun. 2020

 

ARTIGOS

 

Concepções teórico-metodológicas na investigação do fenômeno do stalking na adolescência

 

Theoretical-methodological conceptions in the investigation of the phenomenon of stalking in adolescence

 

Conceptos teórico-metodológicos en la investigación del fenómeno del stalking en la adolescencia

 

 

Jeane Lessinger Borges1; Débora Dalbosco Dell'Aglio2

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esta revisão integrativa da literatura discute aspectos teórico-metodológicos na investigação do fenômeno do stalking na adolescência. Foi realizado um levantamento de artigos empíricos (n=9), com ênfase na população de adolescentes, nas bases PsycINFO, SciELO e PubMed, considerando descritores preestabelecidos – "stalking and adolescence" e "stalking and juvenile" – em publicações entre os anos de 2013 e 2018, e em língua inglesa. Os resultados apontaram diferentes descrições de comportamentos de assédio, perpetrados face-a-face ou no contexto online, por meio das tecnologias, indicando falta de consenso na literatura quanto aos critérios a serem adotados na definição do fenômeno. Observou-se ainda a falta de instrumentos padronizados na investigação do stalking na adolescência, uma vez que a maior parte dos estudos utiliza checklists para sua avaliação.

Palavras-chave: Stalking; Assédio; Adolescência.


ABSTRACT

This integrative review of the literature discusses the theoretical-methodological aspects in the investigation of the phenomenon of stalking in adolescence. A survey of empirical papers (n=9) was carried out, with emphasis on the adolescent population, in databases PsycINFO, SciELO and PubMed, considering pre-established descriptors – "stalking AND adolescence" and "stalking AND juvenile"– in publications between 2013 and 2018, in English language. The results pointed out different descriptions of harassment behavior, perpetrated face-to-face or online through the technologies, indicating lack of consensus in the literature regarding the criteria to be applied on the definition of the phenomenon. We also observed the lack of standardized instruments in the investigation of stalking in adolescence, since most studies use checklists for their evaluation.

Keywords: Stalking; Harassment; Adolescence.


RESUMEN

Esta revisión integrativa de la literatura discute los aspectos teórico-metodológicos en la investigación del fenómeno del stalking en la adolescencia. Se realizó un levantamiento de artículos empíricos (n=9), con énfasis en la población de adolescentes, en las bases PsycINFO, SciELO y PubMed, considerando descriptores preestablecidos - "stalking AND adolescence" y "stalking AND juvenile" - en publicaciones entre los años 2013 y 2018, en inglés. Los resultados apuntaron diferentes descripciones de comportamientos de acoso, perpetrados cara a cara o en línea, por medio de las tecnologías, indicando falta de consenso en la literatura cuánto a los criterios a ser adoptados en la definición del fenómeno. Se observó además la falta de instrumentos estandarizados en la investigación del stalking en la adolescencia, ya que la mayor parte de los estudios utiliza listas de verificación para su evaluación.

Palabras clave: Stalking; Acoso; Adolescencia.


 

 

Os estudos sobre stalking iniciaram por volta dos anos de 1990 (Mullen, Pathé, & Purcell, 2001), quando houve a necessidade de nomear o tipo de perseguição que pessoas da mídia sofriam de seus fãs ("Star stalking"). Posteriormente, houve um aumento significativo nas investigações sobre stalking, buscando compreender traços de personalidade dos perpetradores, sobretudo em amostras de adolescentes do sexo masculino que cumpriam medidas de restrição de liberdade (Evans & Meloy, 2011; McCann, 1998). A partir dos anos 2000, os estudos se voltaram para o contexto das relações íntimas, considerando o stalking como um tipo de violência perpetrado pelo parceiro íntimo (Ferreira & Matos, 2013; Haugaard & Seri, 2004; Roberts, 2002).

Em muitos países há legislação específica para o stalking, tipificado como crime (por exemplo, Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália (Mullen et al., 2001). Na realidade brasileira, embora repercussões jurídicas/legais comecem a ser percebidas recentemente, não há uma legislação específica para este tipo de violência. Em 2015, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Santa Maria-DF condenou a quatro meses e 10 dias de reclusão (pena privativa de liberdade) um homem por ter causado dano emocional e psicológico à vítima (ex-companheira), por meio de vigilância e perseguição constantes. Tal fato foi configurado como stalking. Na sentença judicial, esse tipo de violência foi caracterizado como perseguição obsessiva à ex-companheira, com a qual o agressor havia tido um relacionamento afetivo-sexual por 11 meses (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, 2015). Desta forma, este estudo busca dar visibilidade ao fenômeno do stalking, ainda pouco investigado na literatura nacional.

O stalking pode ser caracterizado por um padrão de comportamentos de assédio persistente, de caráter intencional, de forma intrusiva e/ou indesejada à pessoa-alvo (Centers for Disease Control and Prevention, CDC, 1998; Ferreira & Matos, 2013; Roberts, 2002). Entre as características desse tipo de assédio estão o caráter persistente dos comportamentos (perseguição obsessiva) e a intrusão (contato intrusivo) (Grangeia & Matos, 2006; Logan & Walker, 2017; Theriot, 2008).

A denominação de stalking é oriunda do verbo "to stalk" do inglês, que designa "o ato de espreitar e de se aproximar silenciosamente da caça sem se ser notado" (Ferreira, 2013, p. 16). Dessa forma, em tal tipo de violência há dois atores: o predador (stalker) e a vítima (a pessoa perseguida). O stalker se engaja em diferentes tipos de comportamentos de assédio, intimidação, invasão e ameaças à vítima. Entre os comportamentos de stalking mais praticados pelos seus perpetradores estão: ligar e enviar mensagens excessivamente, vigiar, seguir na rua ou na saída da escola ou do trabalho, aparecer em locais frequentados pela vítima, obter informações por meio dos amigos ou familiares, enviar cartas ou presentes indesejáveis, assim como ameaçar e agredir a vítima e/ou provocar destruição ou vandalismo à propriedade da pessoa (CDC, EUA, 1998). Recentemente, os termos cyber stalking ou cyber-harassment vêm sendo adotados para se referir aos comportamentos de assédio, monitoramento, invasão e intimidação praticados por meio das tecnologias (Marcum, Higgins, & Ricketts, 2014; Pereira & Matos, 2015; Woodlock, 2017).

Estima-se que 8,0% das mulheres e 2,2% dos homens (CDC, EUA, 1998) foram vítimas de stalking em algum momento de suas vidas, sendo que a faixa etária entre 18 a 39 anos seria a de maior risco. Já no levantamento realizado pelo CDC em 2014 (EUA) houve um aumento da ocorrência de stalking ao longo da vida na população acima de 18 anos (15,2% para mulheres; 5,7% para homens). Num estudo de base-populacional (Portugal), na faixa etária entre 16 e 94 anos (n=1.210), foi verificada uma prevalência de 19,5% de vitimação por stalking ao longo da vida (Matos, Grangeia, Ferreira, & Azevedo, 2011).

Uma meta-análise com 175 artigos (Spitzberg & Cupach, 2007) indicou que entre 60% a 80% das vítimas de stalking são mulheres e que na maioria dos casos o perpetrador é uma pessoa próxima à vítima. Ferreira e Matos (2013) definem que o momento pós-ruptura de um relacionamento amoroso se torna de maior risco para vitimização, incluindo casos de homicídios. Roberts (2002) investigou a ocorrência de stalking em uma amostra com 307 universitárias (Reino Unido, média de idade 24,43 anos), e observou que 34,4% das participantes sofreram algum tipo de stalking por parte do ex-parceiro íntimo.

Vários estudos têm apontado que jovens representam a população de maior risco para ser vítima de stalking, quando comparados à população geral (Brady, Nobles, & Bouffard, 2017; Ybarra, Langhinrichsen-Rohling, & Mitchell, 2017). A prevalência de ao menos um episódio de stalking ao longo da vida foi de 22,3% em jovens universitários na Finlândia, e a duração média de exposição ao stalking foi de 10 meses (Björklund, Häkkänen-Nyholm, Sheridan, & Roberts, 2010). Em Portugal, a prevalência de stalking ao longo da vida em jovens foi de 39,9%, sendo que 72,5% das vítimas eram do sexo feminino (Ferreira, 2013). Nos Estados Unidos, um estudo com adolescentes, no contexto escolar, indicou que 16,5% dos estudantes tinham sofrido stalking no último ano, sendo que a maioria dos casos era perpetrada pelo ex-namorado (Fisher et al., 2014). No Brasil, um estudo sobre stalking, na pós-ruptura de um relacionamento íntimo, encontrou uma prevalência de 22,2% de casos de stalking em adolescentes na faixa etária entre 14 a 19 anos (Borges, 2018). Tais resultados evidenciam, de fato, uma prevalência maior na população de jovens e adolescentes, quando comparada à prevalência observada pelo CDC (1998, 2014) para a população adulta. Nesse sentido, pesquisas com foco na população de adolescentes se tornam necessárias, a fim de compreender a precocidade desse tipo de violência e buscar subsídios para intervenções preventivas.

Estudos internacionais têm se debruçado em investigar as especificidades deste comportamento na adolescência, uma vez que os padrões adotados por adolescentes parecem ser diferentes daqueles dos adultos que praticam stalking (Evans & Meloy, 2011; Leitz & Theriot, 2005; McCann, 1998). Tais estudos têm focado diferenças nas motivações para o stalking na adolescência, sobretudo quando associado às situações de término de relacionamento amoroso. Conforme apontam Leitz e Theriot (2005), adolescentes podem fazer uso do stalking como uma forma de lidar com a perda amorosa (frustração), para se vingar ou tentar reatar o relacionamento. A motivação para o comportamento do stalking pode ainda estar associada à busca por controlar, ameaçar, intimidar ou difamar a vítima. Em um estudo com 299 adolescentes (Austrália), em 21% dos casos o stalking foi direcionado a um ex-parceiro íntimo e entre as principais motivações estavam retaliação e reação a uma rejeição (Purcell, Moller, Flower, & Mullen, 2009). Tais dados apontam que o stalking é um fenômeno presente na vida de muitos adolescentes, que merece, portanto, uma maior visibilidade e reconhecimento social e científico, a fim de compreender não apenas sua prevalência, mas também o impacto no desenvolvimento juvenil e fornecer subsídios para intervenções.

O objetivo geral deste estudo foi investigar os aspectos teórico-metodológicos que vêm sendo adotados nos estudos sobre a temática do stalking na adolescência. Para tanto, foi realizado uma revisão integrativa da literatura. Buscou-se investigar a definição deste constructo e mapear instrumentos e outras medidas de avaliação do stalking. Outros aspectos metodológicos, como delineamento do estudo, contexto da pesquisa (comunitário, escolar, clínico ou jurídico), critérios utilizados para definição de stalking e, se este foi investigado como um tipo de violência nas relações românticas entre adolescentes, também foram considerados nesta revisão.

 

MÉTODO

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, sendo que foram utilizados os seguintes passos (Whittemore & Knafl, 2005): identificação do problema, busca na literatura, avaliação dos dados, integração dos dados e apresentação dos resultados. As questões de pesquisa são: "Quais as concepções de stalking adotadas em pesquisas nacionais e internacionais com o público de adolescentes?"; "Quais são os principais instrumentos utilizados nas pesquisas na área?" A Figura 1 indica os passos desta revisão integrativa de literatura.

CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE

Os critérios de seleção adotados nesta revisão integrativa da literatura foram: a) estudos empíricos, com delineamento quantitativo, que investigassem o stalking na adolescência; b) com amostras de adolescentes, compreendendo a faixa etária entre 12 a 19anos; c) artigos redigidos em inglês; d) estudos publicados no período entre 2013 e 2018 (publicações recentes, dos últimos cinco anos).

BUSCAS NA LITERATURA

Foi realizado um levantamento retrospectivo e documental da produção científica, nas bases PsycINFO, SciELO e PubMed. A busca dos artigos foi realizada separadamente em cada base de dados, utilizando-se os seguintes descritores: "stalking AND adolescence" e "stalking AND juvenile". Visando obter maior fidedignidade dos dados, as buscas e análise dos critérios de exclusão foram realizadas por dois avaliadores independentes. Na Figura 1 é apresentado o fluxograma de seleção dos artigos, com os passos do processo e os motivos de exclusão em cada um deles.

 

 

ANÁLISE DE DADOS

Para o mapeamento do conjunto de produções científicas, foram identificadas as seguintes variáveis: Autores, ano, país de origem, amostra, definição de stalking adotada; instrumento ou medida de avaliação de stalking utilizado; critérios utilizados para caracterizar o fenômeno; e, por último, se o stalking foi associado à violência na intimidade (por exemplo, violência no namoro).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A maior parte dos estudos revisados é oriunda dos Estados Unidos da América (EUA), com delineamentos longitudinais, com amostras do contexto escolar e com predomínio de adolescentes do sexo feminino (Tabela 1). Em termos de prevalência, não foi possível comparar as taxas de sua ocorrência entre os nove estudos revisados, uma vez que a definição de stalking adotada nestes estudos não foi homogênea. Contudo, alguns estudos citaram a prevalência de stalking ao longo da vida de adolescentes, indicando dados de vitimização e de perpetração. Por exemplo, quanto à vitimização, estudo com adolescentes norte-americanos indicou semelhança por sexo, indicando que tanto meninos (13%) quanto meninas (14%) sofrem este tipo de assédio (Reidy, Smith-Darden, & Kernsmith, 2016). Em relação à perpetração, foi encontrada uma taxa de 36% de adolescentes e jovens que perpetraram ao menos um comportamento de stalking ao longo da vida (Ybarra et al., 2017). Em outro estudo, 16,5% dos adolescentes relataram ter sido vítima, 5,3% ter sido perpetrador e 2,8% tanto vítima quanto perpetrador (Fisher et al., 2014). No que se refere ao cyberstalking, à taxa de vitimização foi de 17% nos últimos 12 meses (Smith-Darden, Kernsmith, Victor, & Lathrop, 2017).

Em termos de objetivos de pesquisa, diferentes focos de atenção foram observados nos estudos revisados, incluindo prevalência, compreensão das motivações, sintomatologia associada e associação com violência no namoro. Dois estudos investigaram a violência no namoro na adolescência e o stalking concomitantemente nos relacionamentos íntimos (Niolon et al., 2015; Temple et al., 2016). Wright (2018) investigou a associação entre cyberstalking, sintomas de depressão, desempenho acadêmico e suporte social dos pais. Também foram focos de investigação as consequências psicológicas e comportamentais nas vítimas (Reidy et al., 2016) e o risco de ser tanto perpetrador de stalking como de demais tipos de violência interpessoal (Smith-Darden, Reidy, & Kernsmith, 2016). A seguir serão discutidos os aspectos teórico-metodológicos do stalking observados nos estudos revisados.

 

 

ASPECTOS TEÓRICOS SOBRE STALKING NA ADOLESCÊNCIA

A definição de stalking adotada nos estudos revisados não foi homogênea, variando entre uma concepção ampla de comportamentos de assédio, invasão, intimidação e monitoramento face-a-face (n= 5, Fisher et al., 2016; Reidy et al., 2016; Smith-Darden et al., 2016; Sheridan et al., 2014; Ybarra et al., 2017) até outras denominações de assédio e perseguição por meio digital, incluindo cyberstalking (n = 2 estudos, Smith-Darden et al., 2017; Wright, 2018) e cyber dating abuse (n= 1, Temple et al., 2016). Os termos cyberstalking e o cyber dating abuse foram utilizados para se referir ao assédio por meio de mensagens eletrônicas, envio de fotos, ameaças de espalhar conteúdo privado da vítima nas mídias sociais, com situações de intimidação, vigilância, ameaças e monitoramento (Smith-Darden et al., 2017; Temple et al., 2016). Especificamente em relação ao cyberstalking, uma maior clareza dos limites deste conceito, em relação a outros, como, por exemplo, cyberbullying e cyber dating violence ainda merecem atenção. Instrumentos específicos para adolescentes, que contemplem o cyberstalking têm sido criados, como, por exemplo, a Cyber-harassment Scale (Pereira, Spitzberg, & Matos, 2016). No Brasil, Borges (2018) usou uma versão adaptada do Inventário de Comportamentos de stalking (Ferreira & Matos, 2013), buscando uma adaptação para a linguagem de adolescentes e com alterações de alguns itens que contemplassem envio de mensagens por celular ou Facebook.

Ressalta-se a importância da inclusão de itens específicos de comportamentos de stalking por meio do uso de celulares, e-mails e dos perfis das redes sociais na investigação deste fenômeno na adolescência, pois o contexto online é sobremaneira comum na vida dos adolescentes (EU Kids Online, 2014). Estudo realizado com 2.002 adolescentes brasileiros (Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, 2013) indicou que 75,8% dos adolescentes de 15 a 17 anos fazem uso de internet. Na literatura internacional, um estudo realizado com 25 países da União Européia (EU Kids Online, 2014) indicou aumento no uso da internet e sites de redes sociais na faixa etária entre nove e 16 anos, entre o período de 2010 a 2014. Acredita-se, assim, que há necessidade de incluir comportamentos abusivos perpetrados pelo uso das tecnologias na concepção de stalking na adolescência.

Entre os comportamentos de stalking incluídos nos artigos revisados estão: enviar carta, mensagens, presentes de forma excessiva sem a vítima desejar; telefonar, enviar e-mails e mensagens eletrônicas excessivamente; tentar se aproximar da vítima e falar com ela insistentemente; seguir à vítima na rua; esperar ou aparecer no trabalho, na escola ou próximo a outros locais que a vítima frequente; contatar ou buscar informações com familiares ou amigos da vítima para ter notícias sobre a pessoa; espalhar falsos boatos sobre a vítima; ameaçar de agredir fisicamente à vítima; ameaçar de agredir amigo, familiar, atual namorado ou animal de estimação da vítima; desqualificar a vítima para amigos e colegas; quebrar ou destruir bens ou propriedade da vítima; postar fotos nas redes sociais sem autorização da vítima; postar mensagens no Facebook, Twitter, ou outros sites/mídias sociais de forma invasiva, entre outras.

Nos estudos revisados, o fenômeno do stalking não se restringiu a parceiros íntimos. A perpetração de stalking poderia ser direcionada a um atual ou ex-parceiro íntimo, a um colega, a uma pessoa com quem gostaria de ter um relacionamento ou até mesmo a uma pessoa desconhecida (Sheridan et al., 2014; Ybarra et al., 2017). Apenas três estudos (Niolon et al., 2015; Smith-Darden et al., 2017; Temple et al., 2016) investigaram o stalking como um tipo de violência na intimidade. Na maior parte dos estudos, a concepção de stalking adotada englobou a visão de que este é uma forma de violência interpessoal ampla.

No que se refere aos critérios utilizados para a definição do fenômeno, pode-se observar falta de concordância nos estudos, principalmente em relação a dois critérios: o tempo de duração e frequência do comportamento; e a presença de medo da vítima em relação ao comportamento do perpetrador. Quanto à duração e frequência do stalking, critério que deveria fazer parte da definição conceitual, poucos estudos revisados fazem menção a este ponto. Em alguns estudos (Fisher et al., 2014; Reidy et al., 2016; Smith-Darden et al., 2016; Wright, 2018) foi avaliado se a pessoa perpetrou ou foi vítima de stalking nos últimos 12 meses, mas sem fixar a frequência como critério. Por exemplo, Fisher et al. (2014) usaram como critério a presença de três comportamentos de stalking nos últimos 12 meses.No estudo de Haugaard e Seri (2004) foi delimitada a duração de duas semanas para caracterizar stalking após término do namoro. No estudo de Roberts (2002), o critério de stalking englobava a presença de assédio de no mínimo um mês, com no mínimo 10 episódios, em que a vítima desenvolvesse medo. Mullen et al. (2001) definiram stalking como assédio com duração superior a duas semanas e com mais de 10 intrusões.

A definição de um tempo mínimo de exposição aos comportamentos de stalking pode contribuir para diferenciar esses daqueles comportamentos dito "normais" de reaproximação frente ao término de um relacionamento amoroso (Borges, 2018; Campbell & Moore, 2011). Parece haver um limite tênue entre tentativas de reconquistar o ex-parceiro e o stalking, dificultando sua identificação. A frequência e o grau de intrusão podem então se constituir em critérios para esta delimitação, além da resposta emocional de medo.

No que se refere à percepção subjetiva de medo da vítima, frente aos comportamentos de stalking sofridos, nenhum estudo delimitou um critério claro quanto a esta questão. No estudo de Niolon et al. (2015) foi avaliado se a vítima sentiu algum desconforto, se ficou assustada ou sentiu-se ameaçada frente aos comportamentos de stalking do perpetrador; e no estudo de Sheridan et al. (2014) foi perguntado se a vítima reagiu com medo. Assim, observa-se falta de consenso na literatura para este critério. Roberts (2002) e Mullen et al. (2001) apontam o sentimento de medo da vítima como sendo essencial para o conceito de stalking. A percepção de medo em relação ao comportamento do perpetrador seria uma condição para a pessoa compreender que está sendo vítima de uma violência ou de um crime, aumentando as chances da vítima denunciar o stalking nos órgãos competentes (Campbell & Moore, 2011). Assim, para essas autoras, o critério do medo pode contribuir para avaliação de medidas protetivas à vítima, identificar risco para violências mais graves (violência física e homicídio) e fortalecer a concepção de que stalking seria um crime, que deve ser levado à Justiça. Contudo, a maioria dos adolescentes é vítima de stalking envolvendo mensagens e ligações excessivas ou outras formas de assédio eletrônico, o que nem sempre é associado com medo; mas, talvez, com irritação, raiva e estresse (Logan & Walker, 2017; Owens, 2016).

Nesse sentido, nem todos os autores concordam com um critério fechado de medo (Owens, 2016), pois acreditam que uma parcela significativa de vítimas de stalking não seria identificada. Owens (2016) ressalta que muitas vítimas podem estar sendo excluídas, particularmente vítimas do sexo masculino. A prevalência de homens que se consideravam vítimas de stalking foi de 13,3% quando o medo foi requerido como critério, e subiu para 33,1% quando este não foi adotado. Para a população (EUA) maior de 18 anos, a prevalência de stalking no último ano foi de um milhão de pessoas quando o critério de medo foi adotado e aumentou para 5,3 milhões sem esta exigência (Owens, 2016). Por sua vez, Logan e Walker (2017) propuseram um critério mais amplo para o stalking, definindo-o como uma conduta intencional por parte do perpetrador, que causa medo razoável, preocupação com a segurança pessoal ou outra consequência psicológica na vítima. Já Theriot (2008) menciona que, se os comportamentos de assédio persistentes provocam mudanças na vida diária da vítima (trocar número do celular, bloquear o perfil do perpetrador, evitar locais, trocar itinerários, por exemplo), mesmo que tais comportamentos sejam de menor gravidade e não provoquem medo, estes podem ser definidos como stalking. Ao revisar a literatura, foi possível observar que os critérios de duração e de reação emocional da vítima não vêm sendo utilizados nos estudos com adolescentes, embora sejam utilizados na população adulta, indicando a necessidade de maior discussão teórica quanto à definição de stalking.

ASPECTOS METODOLÓGICOS NA INVESTIGAÇÃO DO STALKING NA ADOLESCÊNCIA

De modo geral, os estudos adotaram delineamentos longitudinais ou se constituíram de surveys de base-populacional, sendo os dados coletados preferencialmente no contexto escolar. Nenhum estudo revisado fez uso de algum instrumento padronizado para a avaliação de stalking em adolescentes. Vários estudos buscaram resumir os principais comportamentos de stalking citados na literatura internacional, incluindo critérios para população de adultos, e formularam itens próprios (checklist) para mensurar o stalking (Reidy et al. 2016; Temple et al., 2016; Ybarra et al., 2017). Certamente, a falta de consenso na literatura quanto à definição de stalking contribui para a falta de instrumentos padronizados.

O formato dos cheklists adotados chama atenção para uma maior ou menor profundidade ou rigor na avaliação do stalking. Dois estudos investigaram o stalking em adolescentes a partir de itens isolados: dois itens (Niolon et al., 2015) e três itens (Fisher et al., 2016). Demais estudos utilizaram checklists compostos por 12, 14 e 19 itens (Reidy et al., 2016; Smith-Darden et al., 2017; Smith-Darden et al., 2016). Nesse sentido, pode-se questionar se tais itens permitem avaliar de forma aprofundada o conceito de stalking, que se mostra tão complexo. De forma contrária, Sheridan et al. (2014) utilizaram um questionário abordando 31 variáveis sobre o processo de stalking e 31 variáveis sobre o impacto do stalking na vida da vítima, buscando ter uma compreensão mais ampla do fenômeno.

Observa-se assim uma variedade de formas de avaliar o stalking na adolescência, somada ao uso de poucas medidas e instrumentos padronizados. Os critérios utilizados para definir o fenômeno variam de acordo com a concepção teórica adotada. Como a definição operacional não é consensual, sua forma de avaliação é igualmente heterogênea, podendo ou não ser utilizados critérios, tais como duração dos comportamentos, resposta emocional de medo, se o comportamento é exclusivo ao contexto das relações amorosas, com a presença de ameaças ou violência física e patrimonial associadas, entre outros.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo investigou aspectos teórico-metodológicos adotados na literatura sobre stalking na adolescência. Observou-se uma baixa produção científica de pesquisas que tratam desta temática no período da adolescência, destacando-se apenas alguns estudos realizados em países anglo-saxônicos, embora seja apontada a relevância social do stalking, sobretudo pelo impacto negativo ao desenvolvimento das vítimas (Borges & Dell'Aglio, 2019; Kuehner, Gass, & Dressing, 2012; Reidy et al., 2016).

Embora tenha ocorrido um avanço nos estudos sobre stalking nas últimas décadas, várias lacunas neste campo de investigação permanecem. A definição de stalking adotada nos estudos revisados foi ampla, enquadrado como uma violência interpessoal, contemplando comportamentos de assédio persistente, monitoramento, invasão, ameaças, destruição do patrimônio e envio de mensagens e ligações excessivas no contexto face-a-face, assim como por meio das tecnologias. Assim, considera-se importante uma descrição clara dos critérios adotados por cada autor, a fim contribuir para uma maior validade conceitual do stalking.

Nos estudos revisados, o stalking não foi restrito ao contexto da violência no namoro ou dos relacionamentos afetivo-sexuais, ao contrário, incluía também o assédio persistente contra colegas, amigos e pessoas estranhas, na mesma investigação, o que pode inflacionar as taxas de prevalência. Nesse sentido, torna-se importante, para a investigação de stalking, demarcar quem é o perpetrador e sua relação com a vítima. A dinâmica abusiva deste tipo de assédio e os riscos estão diretamente relacionados com a proximidade afetiva entre vítima e perpetrador (Owens, 2016).

Estudos alertam para a necessidade de avaliar não apenas a ocorrência do stalking, mas também de investigar as motivações, a proximidade da vítima com o perpetrador, número de vítimas, e consequências psicológicas às vítimas e para terceiros envolvidos. Além disso, é importante observar se foi necessária a adoção de medidas protetivas para vítima, se houve ou não denúncia nos órgãos competentes, se a vítima tinha rede de apoio social para enfrentar o assédio sofrido, quais variáveis contribuíram para o desfecho do stalking, qual a percepção da vítima sobre a gravidade do stalking, se havia outros tipos de violência interpessoal associados, se houve uma escalada na gravidade dos comportamentos, entre outras variáveis (Campbell & Moore, 2011; Matos et al., 2011).

Entre as limitações deste estudo está a definição da busca de artigos apenas em língua inglesa e com foco em estudos empíricos. Isso pode ter reduzido o alcance dos estudos revisados, sendo que, no final, apenas nove artigos foram incluídos para esta revisão integrativa da literatura. Apesar destas limitações, acredita-se que este estudo possa contribuir para dar maior visibilidade a este fenômeno, buscando discutir a definição deste tipo de violência e os critérios considerados, assim como a necessidade de um aporte metodológico mais robusto para futuras investigações sobre stalking na adolescência.

Destaca-se a necessidade de pesquisas no âmbito nacional, a fim de conhecer melhor a manifestação desse tipo de comportamento abusivo em nosso contexto sociocultural. A pesquisa científica sobre o tema permite reconhecer o stalking como um fenômeno social que merece atenção e pode, ainda, contribuir para o campo jurídico, trazendo subsídios para a criação de uma legislação específica para estes casos. Espera-se que, com este artigo, os profissionais da saúde, saúde mental e do Direito possam ter subsídios para um maior conhecimento sobre este tipo de violência, reconhecendo a complexidade do tema. Sugere-se atenção do poder público para políticas de intervenção e prevenção, a fim de inibir a ocorrência de stalking e minimizar o impacto na saúde mental das vítimas.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Jeane Lessinger Borges
E-mail: jeanepsico07@gmail.com

Recebido: 28/07/2019
Reformulado: 10/11/2019
Aceito: 22/01/2020

 

 

1 Jeane Lessinger Borges é doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente do curso de Psicologia da Faculdade IENH.
2 Débora DalboscoDell'Aglio é doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente do Programa de Pós-graduação em Educação da Unilasalle e colaboradora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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