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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.12 no.1 São Paulo jun. 2011

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL

 

Orientação vocacional como tema transversal: uma experiência com profissionais da educação

 

Vocational guidance as a cross-curricular theme: an experience with professionals in education

 

Orientación vocacional como tema transversal: una experiencia con profesionales de la educación

 

 

Fernando Henrique Rezende Aguiar1; Maria Inês Gandolfo Conceição

Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil

 

 


RESUMO

A orientação vocacional tem sido considerada essencial para o desenvolvimento saudável dos estudantes. Percebe-se nos temas transversais, conforme legislação brasileira na área da Educação, um meio eficaz na promoção do amadurecimento vocacional, mas, para tanto, faz-se imprescindível a capacitação dos professores. O objetivo deste estudo é apresentar a experiência de um curso com a finalidade de preparar profissionais da educação para pensarem a orientação vocacional como tema transversal. Percebeu-se que apesar de resistências e empecilhos apontados pelas participantes, ao final do curso, elas compreendiam melhor o poder de influência do professor, o processo de desenvolvimento vocacional e a educação transversal. Por fim, produziram-se projetos viáveis de aplicação prática com o potencial de contribuir na escolha vocacional dos estudantes.

Palavras-chave: orientação vocacional, desenvolvimento vocacional, professores, tema transversal, treinamento


ABSTRACT

Vocational guidance is becoming more relevant in society and is considered essential for students' healthy development. Cross-curricular themes, as proposed by the Brazilian legislation in Education, are seen as an effective means to promote vocational development but, for that, teachers must be well trained. The purpose of this study is to describe an experience of training education professionals to think of vocational guidance as a cross-curricular theme. It was noticed that, despite resistance offered by the participants and the obstacles they raised during the course, at the end, they could understand better issues such as: the teacher's power to influence, vocational development and cross-curricular education. Finally, the participants produced simple but useful projects that could contribute effectively to the students' vocational choice.

Keywords: vocational guidance, vocational development, teachers, cross-curricular themes, training


RESUMEN

La orientación vocacional ha sido considerada esencial para el desarrollo saludable de los estudiantes. Se nota en los temas transversales, de acuerdo con la legislación brasileña en el área de la Educación, como un medio eficaz para promover la madurez vocacional pero para ello es imprescindible la capacitación de los profesores. El objetivo de este estudio es presentar la experiencia de un curso con la finalidad de preparar profesionales de la educación para pensar la orientación vocacional como tema transversal. Se notó que a pesar de las resistencias y los obstáculos señalados por los participantes, al final del curso, ellos comprendían mejor el poder de influencia del profesor, el proceso de desarrollo vocacional y la educación transversal. Finalmente, se produjeron proyectos viables de aplicación práctica con el potencial de contribuir a la elección vocacional de los estudiantes.

Palabras clave: orientación vocacional, desarrollo vocacional, profesores, tema transversal, entrenamiento


 

 

Cada vez mais a orientação vocacional e profissional (OV/OP) tem se tornado tema de discussão e preocupação não só por parte dos psicólogos e educadores, mas de toda a sociedade. Exemplo disto é o projeto de lei nº 6069/2009 (Cirilo, 2009) que tramita na Câmara dos Deputados em Brasília visando a tornar obrigatória a oferta do serviço de orientação profissional pelas instituições de ensino médio. Sabe-se que os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (Brasil, 1996) - já prevêem e sugerem que essa preparação para a vida profissional seja uma das funções do ensino. No entanto, as escolas pouco têm contribuído de fato para favorecer o desenvolvimento e amadurecimento vocacional aos estudantes (Aguiar & Conceição, 2009; Gomes, Capanema, Câmara, & Cabanelas, 2006).

A legislação brasileira sobre educação explicita em seu texto a função da escola como promotora de cidadania e preparação do jovem para a vida adulta e o mundo do trabalho. Mais especificamente, nos PCNs, fala-se sobre os temas transversais, que são conteúdos a serem transmitidos conjuntamente com o currículo regular, sem haver distinção entre os conteúdos tradicionais e tais temas, a saber: ética, meio ambiente, orientação sexual, saúde, pluralidade cultural e, mais recentemente, trabalho e consumo (Brasil, 1996). A implementação da transversalidade, ao levar aos educandos assuntos de extrema relevância para a vida, busca dar sentido ao ensino e aos conteúdos do currículo regular, tornando-os mais próximos da realidade cotidiana dos estudantes. Conforme expressa Barbosa (2007), a seguir.

Foram chamados transversais porque indicam uma forma diferente de abordar o conhecimento, vendo-o como algo dinâmico, possível de transformação e de ser relacionado ao cotidiano. Foram pensados como ruas que cruzam as avenidas do conhecimento, produzindo encontros entre o saber do dia-a-dia e o conhecimento construído através dos tempos... Sua principal característica é estabelecer relações entre as matérias, entre a teoria e a prática, entre os conhecimentos sistematizados e os extracurriculares, entre o fator social e o saber sistematizado (p. 10-11).

Fica clara a busca por um ensino integrado, que considere a realidade como um todo e não como elementos isolados estudados por disciplinas distintas ou como algo separado da vida diária. Objetiva-se a compreensão de que existem diversos olhares para um mesmo fenômeno, o olhar da Física, da Química, da Literatura, da História, etc. E que tais fenômenos fazem parte da vida de todos. O desafio, portanto, é fomentar essa perspectiva holística e integrada, nos educadores e nos estudantes.

Mizukami (citado por Figueiró, 2000) faz um levantamento de oito competências necessárias ao profissional da educação para que este seja capaz de articular adequadamente os temas transversais: (a) Planejador central do currículo e do ensino; (b) Ser a figura central do processo ensino-aprendizagem; (c) Avaliador do progresso do aluno e observador dos eventos da sala de aula; (d) Educador do desenvolvimento pessoal de cada aluno; (e) Ser agente do seu processo de aprendizagem e desenvolvimento profissional; (f) Ser conhecedor profundo das Áreas de Conhecimentos e dos "temas transversais"; (g) Educador de estudantes diversos; (h) Participar do projeto educativo da escola. Figueiró (2000) ressalta que para fazer jus a tais competências seriam necessários superprofessores, exigindo dos docentes habilidades muito além da formação pessoal e profissional de cada um. Essa disparidade, se não impossibilita, faz com que o ensino transversal ainda esteja longe de ser uma realidade da educação brasileira.

Bovo (2005) destaca que a falta de compreensão do conceito de transversalidade e interdisciplinaridade é uma das principais barreiras para que estas se tornem uma prática efetiva de educação. "O trabalho com os temas transversais precisa ser pautado numa perspectiva interdisciplinar e, por isso, não adianta fazer com eles o que muitos tentaram: transformá-los em uma disciplina." (Barbosa, 2007, p. 11). Apesar das mudanças pelas quais a educação já passou e as novas ações propostas, a ênfase ainda recai sobre um ensino conteudista. É importante investir na capacitação dos professores caso se deseje que o ensino transversal aconteça de fato. Ainda que não venham se tornar superprofissionais, e isso não deve ser esperado, os docentes devem ser treinados para serem capazes de realizar o que vem sendo sugerido pelo MEC e necessário para uma melhor educação.

Questiona-se até que ponto não é o vestibular, como meio de ingresso no ensino superior, que acaba por ditar a forma como a educação básica vem sendo conduzida. Em Brasília, sabe-se que à medida que a Universidade de Brasília passou a realizar provas de vestibulares mais integradas, reduzindo a segmentação das disciplinas e mesclando os assuntos, as escolas também alteraram suas avaliações, com o intuito de preparar melhor os estudantes para a realização do vestibular. Levanta-se a hipótese de que a forma de ingresso no ensino superior dita como acontece o ensino no nível básico da educação. Ainda que não seja um tema a ser abordado diretamente no presente artigo, é relevante apresentá-lo, uma vez que pode ser um elemento poderoso de mudança e de estímulo à capacitação de professores e transformações no processo de ensino-aprendizagem.

Os adolescentes estão entre os que mais buscam os serviços de orientação profissional, principalmente por ser nessa fase da vida que a maioria faz a escolha do curso no qual deseja ingressar no ensino superior (Melo-Silva, Lassance, & Soares, 2004). Entende-se que a orientação vocacional deve ter por objetivo promover autonomia, possibilitando que o jovem possa ser protagonista da própria vida e ativo na construção do seu destino. Bohoslavsky (1971/1991) afirma que o sujeito é capaz de realizar as próprias escolhas desde que seja capaz de lidar com a ansiedade inerente ao processo. Mas ressalta que nenhuma escolha é permanente de modo que o jovem se desenvolve e se adapta às mudanças no mercado de trabalho. Bohoslavsky (1991) considera que o orientador vocacional tem um papel de facilitar o processo de escolha, não de determiná-lo.

Para Moreno (2005), dentro de uma visão fenomenológica existencial, ao se falar de escolha vocacional é importante inseri-la no contexto maior, abarcando a dimensão do projeto de vida. A construção do projeto de carreira é o desenvolvimento da história e identidade de cada indivíduo, dando sentido para a vida e para o fazer profissional. A falta de sentido na escolha profissional muitas vezes é motivo para abandono do curso de graduação e, no trabalho, ocasiona infelicidade e adoecimento (Dias, 2009). Camargo (2006) considera que na adolescência inicia-se a construção de novos papéis sociais relativos à vida adulta. Lentamente os jovens vão se inserindo na realidade do mundo profissional e os trabalhos que visem à orientação profissional devem contribuir para essa transição.

A orientação vocacional, compreendida como um processo de amadurecimento em direção a maior autonomia, autoconsciência e inserção na vida profissional e adulta, está em total consonância com os ideais do MEC (Brasil, 1996). Os temas transversais são um meio de auxiliar, em larga escala, o desenvolvimento vocacional das crianças e jovens, contribuindo não só para a formação acadêmica, mas também cidadã. Estudos têm sido realizados no sentido de buscar maior integração entre a atividade escolar e a prática da OV/OP. Entre tais trabalhos, destacam-se aqueles que buscam avaliar a importância do papel dos professores em termos de influência e incentivo ao desenvolvimento vocacional.

No que concerne à possibilidade de integração da orientação vocacional no currículo tradicional, Pinto, Taveira e Fernandes (2003) apontam três frentes sobre a importância do papel dos professores no desenvolvimento vocacional dos alunos: (a) a influência pessoal, científica e pedagógica; (b) a ação no âmbito da disciplina, motivando, apoiando e incentivando a exploração vocacional, por exemplo; (c) e a cooperação com outros agentes educativos, como outros professores e o orientador educacional.

Ferreira, Nascimento e Fontaine (2009), também reconhecendo o poder de influência dos professores, fizeram uma análise do discurso dos mesmos em sala de aula no que se referia ao desenvolvimento vocacional. Os autores observaram que (a) não havia uma ação intencionalmente e pedagogicamente pensada por parte dos docentes;

(b) falta aos professores o conhecimento sobre desenvolvimento vocacional e de carreira; (c) há limitações da estrutura institucional; (d) há escassez de tempo para cumprir o currículo; e (e) os participantes não tinham real consciência do seu poder enquanto agentes de mudança.

Mouta e Nascimento (2008) relatam uma experiência de consultoria a professores no sentido de auxiliar os docentes para atuarem como agentes orientadores em temáticas vocacionais. O projeto contribuiu, entre outros, para que os participantes se tornassem mais conscientes do próprio potencial de influência, tivessem mais desejo de inovarem suas práticas pedagógicas e desenvolvessem maior sensibilidade e autoconfiança em relação às necessidades vocacionais dos alunos. Possibilitou ainda que, ao avaliarem o próprio processo de amadurecimento vocacional, os docentes percebessem que o significado pessoal atribuído ao trabalho é fator fundamental de motivação e crescimento profissional.

Bohoslavsky (1971/1991) sugere como o professor poderia, no seu dia a dia com os alunos, prevenir o que ele chama de problemas de desorientação: inserir mais informações sobre áreas de trabalho correlatas com o conteúdo estudado no momento, não incutir preconceitos nos alunos a respeito desta ou daquela profissão, falar da própria trajetória profissional e da vida universitária. Assim, os jovens não chegariam ao final do ensino médio tão angustiados e confusos. São ações simples e que podem ser realizadas à medida que o conteúdo regular está sendo transmitido, na relação diária professor-aluno.

Os professores, assim como os pais, influenciam seus alunos. Normalmente se escuta dos adolescentes em orientação vocacional que seus pais não influenciam suas escolhas, deixando-os totalmente livres para decidir. Ora, bem se sabe que essa imparcialidade é fantasiosa. Seja por estarem, os professores, diariamente com os alunos, seja por ocuparem uma posição de poder e referência, os professores estão permanentemente comunicando, verbalmente ou não, intencionalmente ou não, valores e representações sobre a realidade e o mundo profissional. A pergunta importante a ser feita é: qual é a qualidade e em que direção essa influência se dá? Como questionam Lassance e Sparta (2003), queremos apenas reproduzir a lógica vigente, perversa, ou contribuir para a mudança social?

Apesar das experiências com os temas transversais serem muito recorrentes na literatura e na produção científica nacional, o foco recai sobre os temas de meio ambiente, saúde e sexualidade por meio de análises e propostas de aplicação. Poucos são os trabalhos que apresentam resultados de projetos efetivados e do impacto de um programa pedagógico que contemple a educação transversal. Fica o questionamento de que apesar de muitos apostarem nos temas transversais como promotores de grandes mudanças na educação, será que eles de fato fazem a diferença?

Na tentativa de levantar dados empíricos que respondessem a tal pergunta encontrou-se apenas o trabalho de Mello (2009), que percebeu que, utilizando a educação transversal no ensino da matemática, os professores se sentiram muito mais motivados a trabalhar e os alunos tiveram mais facilidade de se envolver com a disciplina, normalmente encarada com mais resistência. Por outro lado também encontrou argumentos como falta de tempo e sobrecarga de trabalho, desconhecimento das propostas do MEC e falta de interesse como barreiras para a prática da transversalidade.

Watts (2001) faz um levantamento das práticas de Educação para a Carreira - Career Education - realizadas na Europa. Segundo o autor, essa proposta tem por objetivo adquirir conhecimentos e desenvolver habilidades para que cada sujeito seja capaz de gerir a própria carreira. Assim sendo, a educação para a carreira deve começar desde cedo na vida escolar e continuar até a vida adulta. O foco não é apenas fazer uma escolha profissional, mas construir um desenvolvimento de carreira. Segundo Law e Watts (citado por Watts, 2001), o trabalho de educação para a carreira deveria agir em quatro eixos: (a) auto-conhecimento; (b) conhecimento da realidade e de oportunidades profissionais; (c) tomada de decisão e (d) manejo dos momentos de transição.

Watts destaca que no início da década de 90 a educação para a carreira passou a fazer parte dos temas transversais da educação inglesa. Entretanto, uma vez que, assim como no Brasil, não há um rigor e exigência quanto à implementação dos temas, o autor avalia que ainda há muito para avançar em termos da implementação da proposta em toda a Europa. A integração no currículo é um grande desafio em termos educacionais. Uma escola na Grécia tentou transformar a educação para a carreira em uma disciplina extra, na qual os alunos eram avaliados rigorosamente. Tal atitude trouxe dificuldades tantos para os professores, que não estavam preparados para ministrar tal conteúdo, quanto para os alunos, que adotaram uma perspectiva de quererem tirar boas notas como recompensa, esquecendo o real objetivo da proposta. O sucesso de um programa de orientação vocacional na escola pode ser avaliado pela sua capacidade de se integrar com o currículo escolar (Hache, Redekopp, & Jarvis, 2000).

Por entender que a OP/OV pode contribuir com a proposta do caderno de Trabalho e Consumo dos temas transversais e com as recomendações dos PCNs e por também acreditar que a efetivação dessas ações podem trazer inúmeros ganhos para o desenvolvimento vocacional dos estudantes, apostamos que a capacitação de educadores para a real aplicação da transversalidade é um fator fundamental de mudança. O objetivo do presente artigo é relatar a experiência de um curso para educadoras, cujo tema foi a orientação vocacional como tema transversal e, desse modo, contribuir para a educação continuada de profissionais da educação e para a infusão curricular da OP/OV.

 

Método

Em Brasília, o Centro de Seleção e Promoção de Eventos, CESPE, oferece regularmente cursos no Fórum Permanente de Professores com o objetivo de contribuir para a capacitação e atualização de profissionais da educação, principalmente da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Em 2010 foi oferecido o curso Orientação vocacional como tema transversal em parceria com o LABFAM - Laboratório de família, Grupos e Comunidades do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. A iniciativa de oferecer tal curso partiu da reflexão acerca da possibilidade de facilitar o processo de desenvolvimento vocacional dos estudantes brasileiros em larga escala, para além dos pequenos grupos de oito a 10 jovens nos delineamentos mais comuns de intervenção clínica.

A inscrição para o curso foi feita na página virtual do CESPE, http://www.gie.cespe.unb.br. O curso se iniciou com 19 pessoas inscritas, concluíram apenas 11, sendo cinco alunas de graduação em psicologia, quatro orientadoras educacionais de educação básica e duas professoras, uma de ensino profissionalizante e a outra de Física no ensino médio. As outras alunas abandonaram o curso por motivos pessoais. Vale ainda destacar que das cinco alunas de psicologia, duas eram do primeiro semestre e as outras três estavam no final da graduação.

O objetivo do curso foi capacitar profissionais da educação e interessados para pensarem a orientação vocacional como tema transversal. A ênfase recaiu tanto no desenvolvimento de competência para o uso da transversalidade como no reconhecimento do poder de influência do educador. A condução do grupo se baseou em dois pressupostos teóricos.

1. Segundo a Pragmática da Comunicação (Watzlawick, Beavin, & Jackson, 1967/2007) é impossível não comunicar e todo comportamento comunica algo. As atitudes, exemplos e linguagem não-verbal comunicam e influenciam muito mais do que a linguagem direta e verbal.

2. O Pathwork (Thesenga, 1994) nomeia de imagens as crenças falsas e limitadoras sobre a vida que são incorporadas e desenvolvidas nas interações com o meio.

Tais imagens moldam o comportamento e a visão de mundo, mantendo o sujeito preso a padrões e impedindo novas formas de se relacionar com a realidade. Além disso, usou-se técnicas do Psicodrama e da Core Energetics, uma abordagem neo-reichiana.

Estimulou-se o autoconhecimento por parte das alunas e a tomada de consciência a respeito da visão de mundo e imagens sobre conceitos como trabalho, sucesso, dinheiro, felicidade, profissões "boas" e "ruins" e adolescência. Realizou-se uma conhecida dinâmica feita com espelhos, em que as participantes exploram e vêem a realidade por meio do que está refletido. Durante o compartilhamento sobre a atividade surgiu o questionamento que acompanhou todo o curso - o que eu estou refletindo para as pessoas com quem me relaciono, principalmente para meus alunos, a respeito do mundo e da vida? Esperava-se que assim as educadoras pudessem avaliar o que estão comunicando, consciente e inconscientemente, quais imagens estariam transmitindo aos alunos. Durante as aulas, as cursistas eram constantemente estimuladas a refletir sobre a qualidade do conteúdo que comunicavam e a avaliar quais os possíveis resultados dessa comunicação.

Foram ministradas 60 horas/aula, sendo 30 presenciais e 30 virtuais, por exigência do CESPE. 10% das horas/aula foram ministradas por uma professora doutora em psicologia da Universidade de Brasília e 90%, bem como o acompanhamento virtual da turma, foi realizado por um psicólogo e orientador vocacional. Nas horas presenciais havia dinâmicas, exposição teórica e discussão sobre as leituras e assuntos relativos à OP/OV. Os momentos virtuais eram realizados por meio da plataforma Moodle de aprendizagem, oferecida pelo CESPE, na qual, inicialmente, foram propostas as atividades descritas a seguir.

1. Fórum de notícias: Semanalmente eram postadas pelas alunas notícias diversas sobre o mundo do trabalho que pudessem servir de fonte de informação útil para utilização, pelo professor, junto aos adolescentes.

2. Exercícios transversais semanais: Cada participante deveria apresentar ideias de atividades transversais para serem desenvolvidas em sala de aula a partir de algum conteúdo regular do currículo tradicional.

3. Relato de experiência: A intenção era que cada participante falasse da sua experiência com o processo de implementar a orientação vocacional na sua prática diária de educadora.

4. Leituras e fichamentos de texto: Foram feitas sugestões de leitura e para cada uma solicitava-se que as participantes destacassem os pontos principais, fizessem uma reflexão pessoal sobre o conteúdo do texto e sobre como ele poderia contribuir para o exercício da transversalidade.

5. Dinâmicas e trabalhos corporais: Inicialmente toda aula começava com 15 a 25 minutos de atividades corporais, dinâmicas de grupo ou jogos dramáticos. Tal escolha foi com o objetivo de facilitar o autoconhecimento e promover um aquecimento para a aula. Segundo Camargo (2006), o aquecimento facilita a criação de um ambiente acolhedor em que os sujeitos se sentem mais confortáveis e livres para se expressar.

Havia a hipótese de que as alunas teriam muitos conceitos rígidos e ultrapassados sobre o desenvolvimento vocacional e sobre a adolescência. E que poderiam apresentar resistência à proposta da transversalidade por ser diferente da maneira como já estavam acostumadas a trabalhar. A perspectiva da psicologia corporal entende que a rigidez que se desenvolve na mente em relação a conceitos e visões de mundo se manifesta no corpo em forma de tensões e rigidez muscular (Lowen & Lowen, 1977). Portanto, os exercícios também buscavam flexibilizar possíveis resistências ao que estava sendo proposto.

No início e final do curso as alunas responderam a um questionário com o objetivo de avaliar a evolução da visão de mundo de cada uma. Foi solicitado que respondessem as questões a partir de sua visão de mundo pessoal e de sua prática diária.

1. Em linhas gerais, como você entende que se forma a personalidade do indivíduo? (Aborde também as influências nesse processo de formação e até quando você considera que o desenvolvimento acontece)

2. "Nasce, cresce, se reproduz e morre.". Você já ouviu essa frase, certo? Biologicamente esse é, resumidamente, o sentido da vida. Qual a sua opinião sobre isso? Para você, qual é o sentido da vida?

3. Pensando na questão do exercício profissional, como você entende que alguém escolhe a profissão (você pode pensar em como você escolheu a sua)? Para que serve a profissão na vida de alguém?

4. Quais os elementos e as variáveis que influenciam na escolha profissional e vocacional?

5. Você já ouviu falar dos temas transversais? Qual a sua opinião sobre essa proposta?

(a) Qual a sua experiência com os temas transversais?

(b) Quais as dificuldades que você encontra para implementar mais a educação transversal?

6. Como você, enquanto professor ou professora, pode ajudar seus alunos na escolha de uma profissão?

Foi incluído ainda um trabalho final cujo objetivo era, em grupo, elaborar um projeto de intervenção de orientação vocacional como tema transversal em uma determinada série e disciplina do ensino médio. A série escolhida pela turma foi o 1º ano e as disciplinas foram História, Física, Biologia e Geografia. O roteiro do trabalho previa: (a) justificativa para a relevância da orientação vocacional como tema transversal; (b) metodologia de aplicação da proposta com o planejamento do número de aulas consideradas necessárias para atingir as metas vocacionais estabelecidas e ministrar o conteúdo da disciplina e (c) reflexão sobre possíveis entraves e soluções no momento da execução do projeto. Os grupos escolheram quais elementos gostariam de inserir de forma transversal, a partir do levantamento feito por Pinto et al. (2003), sobre o papel dos professores no desenvolvimento vocacional dos alunos.

O programa do curso incluiu discussões e reflexões sobre assuntos considerados importantes para a construção de visão de mundo das participantes e para a aquisição de conhecimentos relevantes ao desenvolvimento vocacional. Os assuntos foram as transformações do mundo do trabalho (Lassance & Sparta, 2003) e os paradigmas sobre a realidade (Brennan, 1991). Crenças e conceitos sobre dinheiro, sucesso, felicidade (Eker, 2006; Thesenga, 1994). A influência da família e, consequentemente, dos professores no processo de escolha (Carvalho & Taveira, 2009; Mahl, Soares, & Oliveira Neto, 2005; Santos, 2005). Adolescência e o processo de tornar-se adulto (Aguiar & Conceição, 2009). O papel dos professores como orientadores vocacionais (Ferreira et al., 2009; Gomes et al., 2006; Pinto et al., 2003), experiências de OV/OP em escolas (Mouta & Nascimento, 2008; Pasqualine, Garbulho, & Schut, 2004) e os temas transversais propriamente (Bovo, 2005).

 

Resultados

Para a apresentação dos resultados consideraram-se as atividades realizadas no ambiente virtual e em sala de aula, principalmente os questionários e o trabalho final. Avaliou-se se os objetivos foram atingidos e os assuntos suscitados para discussão pelas próprias participantes, muitos deles em consonância com a literatura apresentada.

O uso de um ambiente virtual de aprendizagem se revelou uma ferramenta valiosa para a manutenção do contato com as alunas fora de sala de aula e facilitou a troca de opiniões, ideias e experiências, aumentando a interação entre as participantes. A atividade que mais funcionou foi o Fórum de Notícias, com maior adesão e participação, permitindo a partilha e discussão sobre diversas notícias encontradas na internet. Foi uma forma de trazer elementos atuais e do cotidiano para as conversas em sala de aula e possibilitou pensar como aquelas notícias poderiam ser inseridas e aproveitadas na transversalização dos conteúdos vocacionais.

Os exercícios transversais e o relato de experiências foram abandonados pouco depois do início do curso. As participantes tiveram bastante dificuldade para realizá-los. Um pequeno número de cursistas de fato atuava em sala de aula, e, portanto, não tinham um local para aplicar os exercícios e relatar suas experiências. Por sugestão delas, chegou-se à conclusão de que iriam fazer uma parceria com algum professor e auxiliá-lo na construção dos exercícios e, então, relatariam essa experiência. Infelizmente essa proposta também encontrou barreiras. O principal argumento era a falta de tempo para construção dos exercícios e indisponibilidade dos docentes. Motivos estes também destacados quando o assunto era a execução da educação transversal dentro de sala de aula por parte dos professores. Em muitos momentos os assuntos centrais das discussões no curso eram: a dificuldade para lidar com o excesso de trabalho, a impossibilidade de adotar práticas educacionais mais criativas e diferenciadas devido à falta de tempo para planejar e preparar, os diversos empecilhos institucionais e administrativos e as cobranças dos pais dos alunos.

Também se percebeu ao longo das aulas, assim como expõe Bovo (2005), certa dificuldade de compreensão do conceito de transversalidade. Muitas das participantes diziam estar inteiradas do assunto e ter experiência com a educação transversal. O que acabou se revelando é que, na maioria das vezes, os conteúdos transversais eram tratados como aulas avulsas, separadas do currículo regular, que podiam ser aplicados principalmente em situações excepcionais como quando um professor falta e se faz necessário uma substituição. Foi preciso investimento de tempo e energia para que todas se apropriassem do conceito correto e, por meio de atividade em sala de aula, sob orientação e auxílio do instrutor, pudessem ser capazes de começar a aplicar a orientação vocacional como tema transversal.

As leituras e fichamentos foram mantidos, havendo engajamento da maior parte das participantes, o que resultou em discussões mais aprofundadas sobre as temáticas propostas no curso, funcionando também como saída das constantes críticas à educação. Entretanto, quando a questão era aplicar de forma prática o conteúdo do texto, a maioria se restringia a propor o uso do mesmo para levantar uma discussão com outros professores ou com os alunos em sala de aula. Não havia uma apropriação do conteúdo que extrapolasse o texto e tornasse o conhecimento algo prático e útil no dia a dia.

O questionário aplicado no início e no final da disciplina revelou que as estudantes com menor experiência como educadoras absorveram mais o conteúdo da disciplina do que as alunas com longo tempo de prática profissional. Avaliação feita por elas próprias ao final do curso, mostra que enquanto umas tinham mais experiência como educadoras que facilitava o entendimento da realidade educacional também tinham mais rigidez em relação a novas práticas pedagógicas, enquanto outras tinham menos experiência mas mais abertura para novas ideias. As ações sugeridas para intervenção em orientação vocacional, em sua maioria, se limitavam a informar e esclarecer sobre cursos e profissões e incentivar a atividade exploratória. De acordo com o objetivo do curso, esperava-se que as cursistas fizessem referência à influência do professor e à necessidade deste se autoconhecer e estar atento às representações que estaria transmitindo. Entretanto, apareceram poucas referências à questão dos valores subjetivos de cada professor, dando a entender que a ideia principal do curso, isto é, qual o mundo que cada uma estava refletindo para o outro, não foi completamente absorvida e que houve falhas na transmissão dessa compreensão.

O fator tempo foi considerado unanimemente a principal barreira apontada para a transformação da prática docente. As participantes declararam que os professores já estão sobrecarregados de trabalho e falta tempo e disponibilidade para estudar, se capacitar, preparar melhor as aulas, desenvolver melhor os conteúdos e, portanto, poucos docentes de fato estariam interessados em adotar essa nova ação em suas práticas pedagógicas. A capacidade de planejar aulas transversais foi considerada também um obstáculo, vivido pelas próprias participantes do curso, mesmo que interessadas em aprender e desenvolver novas competências, sendo reconhecida a necessidade de outros profissionais, psicólogos e orientadores, que auxiliem no processo.

Ainda assim, ao final, as alunas reconheceram mais elementos que influenciam na escolha vocacional e profissional e também passaram a compreender o poder e potencial dos professores como facilitadores do processo de desenvolvimento vocacional. Avaliaram que, apesar de muitas vezes inserirem a orientação vocacional em sua prática, o faziam aleatoriamente, sem intencionalidade ou sistematização.

O trabalho final se revelou uma estratégia excelente. As alunas se engajaram bastante na tarefa e o resultado foi muito satisfatório. O conteúdo assimilado foi materializado em uma proposta viável e realista, identificando competências e alvos a serem atingidos e sistematizando a integração entre os objetivos do currículo regular e da orientação vocacional. Vale lembrar que cada proposta continha, detalhadamente, o plano de ações e aulas, incluindo o conteúdo transversal almejado, de modo a não dar qualquer trabalho extra de preparação e planejamento ao professor. A tabela 1 descreve sucintamente cada trabalho final.

A título de exemplificar a metodologia de transversalização do conteúdo vocacional, no trabalho de História as alunas construíram um quadro que deveria ser preenchido pelos alunos à medida que estudassem os períodos como Pré-história, Idade Antiga, Idade Média e assim por diante até a Revolução Francesa. Ainda, dentro da Idade Antiga, por exemplo, diferenciavam-se as civilizações como Persa, Egípcia, Grega, etc. Para cada civilização ou período, dever-se-ia se preencher informações como organização política, atividade econômica, religião, profissões mais valorizadas e contribuições/influências para a atualidade. Ao final, o professor promoveria uma reflexão com os alunos a respeito da evolução do trabalho e das profissões enquanto prática e conceito. Faria ainda uma comparação com o modelo atual e as lógicas vigentes, trazendo à consciência as mudanças no sentido atribuído ao fazer profissional.

O grupo responsável pelo trabalho que envolvia a disciplina de Física encontrou maior dificuldade para integrar a OP/OV com o conteúdo escolhido, espaço e movimento na Física Newtoniana. Isso suscitou a discussão sobre ser mais difícil a transversalidade nas disciplinas exatas, conhecidas também como ciências duras, do que nas humanas. Evocando também o questionamento - das professoras e também dos estudantes com os quais as professoras interagiam - sobre a aplicabilidade na vida diária de muitos dos conteúdos do currículo de física e matemática, avaliadas como mais difíceis e temidas pelos alunos. Uma das alunas expressou que, por mais que ela falasse o quanto física é interessante, pouquíssimos alunos realmente se interessavam em seguir carreira na área. Essa constatação contribui, assim como Mello (2009) para afirmar a necessidade da transversalidade, principalmente nas ciências exatas, que por vezes ficam muito distantes da vida real dos estudantes.

Apesar de já se passarem mais de dez anos desde a publicação dos PCNs, o conceito de transversalidade e interdisciplinaridade ainda é pouco compreendido e faltam a muitos professores o interesse e a disponibilidade de tempo e energia para se capacitarem de modo a transformarem suas práticas pedagógicas. As educadoras participantes deste estudo são profissionais engajadas e interessadas em fazer uma educação diferente, mas muitas vezes não realizavam algumas atividades ou tinham que faltar às aulas devido à sobrecarga de trabalho.

Na mesma direção, Mello (2009) descobriu que a maioria dos educadores que participaram da sua pesquisa, principalmente os que haviam concluído a licenciatura há mais tempo, sequer tinham conhecimento do conteúdo dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

 

Discussão

Em resumo, percebe-se a importância de que, em trabalhos desta natureza, os principais conceitos do desenvolvimento vocacional e da educação transversal sejam transmitidos de forma clara e de que os professores sejam auxiliados no desenvolvimento da habilidade de aplicar a teoria na prática. Destaca-se também a relevância de estimular a flexibilização de conceitos e a abertura para novas propostas pedagógicas, dirimindo as resistências às mudanças, citadas como a falta de tempo, as barreiras institucionais e a desmotivação dos alunos e professores. Por fim, e talvez de maior relevância, destaca-se que foi possível desenvolver trabalhos de qualidade com propostas simples, mas realistas e que reconheceram potencial e poder de influência dos educadores sobre os alunos. Vale ressaltar que os resultados encontrados tem muito em comum com o relato da consultoria de Mouta e Nascimento (2008), realizada em Portugal, outro contexto e cultura.

Neste relato de experiência, bem como em estudos semelhantes, como os de Ferreira et al. (2009) e Mouta e Nascimento, as participantes percebiam nitidamente a relevância da OP/OV para o desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes e foi fácil entenderem a importância dos professores nesse processo. Algumas cursistas relataram que suas escolhas pela área de educação estiveram intimamente ligadas a uma professora ou um professor que tiveram no período escolar. Desse modo, consideraram importante perceber que existem muitas formas dessa influência acontecer, principalmente de forma indireta.

Avaliaram que, por não haver uma intencionalidade na ação pedagógica, muito era perdido em termos do potencial de auxílio aos jovens. Entretanto, na hora de integrar e, portanto, criar intencionalidade na ação docente, as alunas encontraram grandes dificuldades em perceber como poderiam explorar alguns elementos como valores, influência da família, aptidões, competências, auto-estima e motivação de maneira transversal e que compusesse uma ação com objetivos claros e com começo, meio e fim. Foi importante o auxílio do instrutor - um orientador vocacional - no sentido de facilitar a integração do conhecimento das participantes com a proposta do desenvolvimento vocacional.

As participantes por vezes falavam que "o professor precisa ser tudo, mãe, pai, médico, psicólogo e ainda tem que dar aula" explicitando um sentimento coletivo sobre a tendência de atribuírem aos professores muito mais do que eles de fato podem realizar, salvo se forem utópicos super profissionais, como aponta Figueiró (2000). Nesse contexto, o psicólogo e educador orientador vocacional tem um papel de suma importância, nada perdendo da sua função quando da implementação da OP/OV como tema transversal. Na verdade, a participação de orientadores vocacionais qualificados é essencial para compor um trabalho bem estruturado e fundamentado.

Cabe realçar que a proposta de integração no currículo dentro da perspectiva da transversalidade, não exclui a oferta de serviços especializados de orientação vocacional e de carreira. Uma coisa é oferecer possibilidades para o desenvolvimento vocacional como algo complementar ao processo educativo, outra é a educação para a carreira pela via do ensino transversal. Melo-Silva et al. (2004) destacam que a psicologia e a pedagogia, quando usadas em complementaridade, conduzem a melhores resultados, revelando o potencial transformador do espaço escolar.

Espera-se do orientador vocacional que este possa suprir a falta de conhecimento dos professores e atuar como um facilitador e colaborador para a integração do tema com os conteúdos curriculares. O professor domina o assunto que ele ensina e o orientador, as questões sobre desenvolvimento vocacional. Ainda que seja necessário que os professores tenham uma base sobre a temática vocacional, assim como o orientador precisa saber um mínimo sobre os conteúdos do currículo básico, a colaboração entre os dois profissionais facilita imensamente a concretização da proposta (Ferreira et al., 2009; Mouta & Nascimento, 2008). O mundo do trabalho hoje preza pela sinergia do trabalho em equipe, propiciado por um ambiente colaborativo, onde a riqueza da diversidade e da singularidade das contribuições conduzem a um resultado final de qualidade.

Inicialmente apareceu muita resistência das cursistas em lidar com o tema. As participantes não faziam as atividades propostas - exercícios transversais e relato de experiência - e tudo foi considerado muito difícil, fora da realidade da educação brasileira e impossível de ser realizado. Diante desses, aparentemente intransponíveis, obstáculos e inúmeros argumentos sobre as barreiras para a educação transversal, foi muito importante ressaltar que estávamos justamente diante de um desafio, que seria abordar a orientação vocacional como tema transversal uma vez que nem os temas transversais originalmente propostos tinham sido plenamente implementados. Longe de querermos resolver o problema, estávamos começando a refletir e construir possibilidades, mesmo que pequenas, de ver um dia essa prática se tornar real e difundida. Isso pareceu diminuir a tensão e exigência interna das participantes, possibilitando o desenvolvimento do curso.

Sobre o trabalho final, em primeiro lugar, as participantes perceberam que, apesar de todas as dificuldades e barreiras mencionadas, foi possível elaborar um projeto que, ainda que não estivesse perfeito, já se mostrava bastante útil e aplicável, usando estratégias simples que não onerariam o trabalho dos professores em sala de aula. Abandonada a exigência inicial de que as propostas fossem milagrosas, desenvolveu-se um conjunto de ações que, se aplicadas ao mesmo tempo, acredita-se, poderiam contribuir consideravelmente para o desenvolvimento vocacional dos alunos.

Todas as participantes destacaram que, de posse de um material/cartilha tal qual elas produziram, que orientasse passo-a-passo como integrar determinado conteúdo - de física, geografia, história, biologia etc. - com a orientação vocacional, seria muito mais fácil e viável, uma vez que não exigiria pesquisa e planejamento extra por parte dos professores, nem impediria que o currículo básico da disciplina fosse transmitido. Apesar de as participantes estarem livres para definir o número de aulas necessárias para cumprir a meta por elas estabelecidas, enfatizou-se a importância de o projeto ser realista e não utópico. Portanto, o planejamento das aulas deveria estar de acordo com a quantidade de aulas usadas normalmente nas escolas para ministrar o conteúdo da disciplina.

 

Considerações finais

Não se pode esperar que os professores supram todas as falhas da educação. O apoio de toda a comunidade escolar, dos diretores e gestores educacionais e da sociedade é preponderante para que uma nova forma de ensinar se estabeleça. Acreditamos que os professores podem transformar as representações dos alunos a respeito da realidade em uma direção mais saudável, isto é, fomentando um melhor autoconceito nos jovens e proporcionando uma visão mais otimista em relação ao futuro, uma crítica à lógica perversa do modelo de trabalho e das exigências que são feitas aos jovens e uma perspectiva mais holística e integrada de desenvolvimento e exercício profissional. Mas, na prática, o que se exige do professor ainda é que ele repita os mesmos e velhos conceitos e que seja dinâmico e divertido o suficiente para prender a atenção dos alunos, garantindo um bom nível de aprovação no vestibular e uma vaga para o jovem na universidade pública.

Em cursos como esse ou na consultoria realizada por Mouta e Nascimento (2008), há a possibilidade, e o desafio, de intervir indiretamente por meio do papel do professor. Não se sabe até que ponto o conhecimento adquirido será de fato utilizado e, ainda, se vai surtir o efeito esperado. Entretanto, percebe-se que é possível promover mudanças e que existem pessoas de fato interessadas. A infusão curricular ou a transversalidade não é tão complicada assim, bastando um pequeno grupo motivado e interessado para produzir material valioso e útil. Espera-se que mais experiências dessa natureza sejam realizadas, sensibilizando a comunidade educadora e os gestores governamentais para a relevância do assunto que tem impactos na saúde integral dos cidadãos, muitas vezes infelizes no trabalho, e dos jovens em processo de amadurecimento. Além do prejuízo humano, quanto dinheiro não se perde anualmente com os altos índices de evasão no ensino superior e nas taxas de absenteísmo por estresse e um ajustamento ao trabalho deficiente?

Sabe-se que as mudanças se constroem lentamente por aqueles que nelas acreditam, fazendo desses professores e pesquisadores que se interessam em possibilitar novas alternativas - mais saudáveis e holísticas para o desenvolvimento humano - os corajosos que ousam fazer diferente. Uma das cursistas expressou, se referindo à competência de pensar a orientação vocacional como tema transversal: "Se eu aprender mesmo a fazer isso vou ficar milionária!", significando o alto valor, também monetário, que tal prática possui.

Não faz sentido aceitarmos que fazendo uns poucos grupos de oito a 10 adolescentes para trabalhar a questão vocacional estaremos atendendo a demanda de todos aqueles que precisam dessa ajuda especializada. A literatura sobre evasão do ensino superior, qualidade de vida e sofrimento no trabalho e fracasso escolar aponta para a necessidade de uma política mais abrangente que auxilie os jovens na inserção na vida adulta e profissional de modo mais coerente e seguro. Urge pensar em formas de expandir a orientação vocacional para muito além das paredes dos consultórios, levando-a a fazer parte da vida de todos na sociedade.

 

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Recebido: 14/09/2010
1ª Revisão: 03/01/2011
2ª Revisão: 22/02/2011
Aceite final: 10/03/2011

 

 

Sobre os autores
Fernando Henrique Rezende Aguiar é psicólogo, Mestrando do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília e graduado em Core Energetics pelo Institute of Core Energetics/New York-USA. Atua como psicoterapeuta corporal e orientador vocacional.
Maria Inês Gandolfo Conceição é Doutora em Psicologia, Professora Adjunta do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), psicodramatista, coordenadora do Laboratório de Família, Grupos e Comunidades do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.

Agradecimentos às alunas do curso do CESPE - Dilma Gasparelli, Samara Meira, Tânia Payne, Pricila Abreu, Luiza Lorentz, Fernanda Truite, Êrika Cruvinel, Germana Pascoal, Maria das Graças, Eliane Carvalho e Stefania Raposo - que gentilmente permitiram o uso dos dados para a produção desse relato.
1 Endereço para correspondência: SGAS, 915, Ed. Office Center, Bloco C, sala 303, 70390-000, Brasília-DF, Brasil. Fone: 61 31076834. E-mail: fhaguiar@gmail.com

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