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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.4 n.7 Barbacena nov. 2006

 

RESENHAS

 

 

Cíntia Rodrigues da Costa; Débora Pacheco Pereira*

Universidade Presidente Antônio Carlos - Brasil

 

 

COSTA, Ana. Sonhos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. 68 p. ISBN 85-7110-825-7.

Essa obra de Ana Costa tem sua relevância ao fazer referência da importância dos sonhos para a psicanálise e descrever, com simplicidade e grande clareza, os caminhos enredados dos sonhos. O trabalho analítico levou um estatuto diferente aos sonhos. Devido a essa singularidade psicanalítica do tema, os sonhos não são mais vistos como augúrios do destino, mas sim como uma complexidade de informações inseridas no inconsciente.

Ao longo de toda a sua obra, a autora relata conceitos fundamentais sobre os sonhos, sempre traçando um paralelo entre dois dos maiores estudiosos de psicanálise, Sigmund Freud e Jacques Lacan. Ela procura investigar a função dos sonhos no ensino da psicanálise, assim como sua importância no trabalho analítico.

Ana Costa introduz a obra relatando que as significações dos sonhos tinham caráter fictício em todas as culturas, porém o trabalho analítico lhe atribuiu outro estatuto.

Freud aproveitou o interesse popular, levou para a interpretação dos sonhos uma abordagem científica e confirmou que, ao invés da predizer o futuro, o sonho mostrava uma realização do desejo infantil recalcado. Propôs, assim, a indestrutibilidade do desejo, mantido intacto no inconsciente, afirmando que dele nada se apaga completamente. Em estudo sobre esse assunto, chega à conclusão de que as produções do sonho provêm de estímulos externos ou são resultados de estímulos internos. Nota-se, então, que sonho e inconsciente são dois conceitos estreitamente ligados na teoria freudiana. Em seu livro, "A interpretação dos sonhos", publicado em 1900, apresenta-os como realização dos desejos inconscientes. As deformações que disfarçam o desejo realizado nos sonhos fazem com que adquiram uma expressão irreconhecível.

A autora levanta a idéia de que os sonhos produzem efeitos em nosso organismo, além de ter a função de manter o sono e o estado de repouso. Freud coloca a inter-relação entre o psíquico e o orgânico, que desencadeia a teoria das pulsões. Baseada nessa afirmação, a realidade psíquica é descrita, conforme a citação: "[...] A realidade psíquica - motor de tudo o que diz respeito às formações do inconsciente - tem efeitos reais, que produzem modificações no organismo e interferem na percepção que temos da realidade do mundo e das coisas" (p. 11).

A autora expõe também o fato de que não se deve confundir realidade psíquica com realidade material. A primeira é a proposta do sonho em realizar o desejo inconsciente. Freud desenvolve, então, o princípio do prazer e o princípio da realidade. O princípio do prazer é o que constitui a realidade psíquica, e sem ela não é possível existir realidade material.

Com essa constatação, a psicanálise pôde trazer à cultura uma de suas maiores descobertas: sem realidade psíquica não há realidade material.

A autora também nos mostra que a linguagem popular interpreta a estreita relação entre sonho e desejo; este surge como motor do sonho e da fantasia e, por isso, precisa ser indestrutível. Portanto, a constituição da realidade psíquica será fundamental na forma como a criança poderá constituir sua relação com a realidade material.

Ao se traçar um paralelo entre os conceitos de Freud e Lacan, Costa acrescenta que, para o segundo, existe um elemento fundamental na formação do sonho. De acordo com Lacan, o sonho coloca em cena a nossa falta mais radical. Afirma também que a principal diferença entre realidade psíquica e material é que ao acordar, somos lançados em nossa vida cotidiana e na eterna busca de sermos amados. Em algumas passagens de seu seminário "Os quatro conceitos fundamentais de psicanálise", ele analisa a fronteira que se inscreve entre o sonho e o que registramos da realidade material. É por isso que a narrativa do sonho interessa tanto para a psicanálise, como efeito de enlace entre pulsão e demanda de amor.

Outra questão abordada se refere à proposta freudiana do sonho como expressão do inconsciente, que teve inúmeras repercussões, inclusive nas artes plásticas. Esse método foi empregado, com bastante sucesso, por Salvador Dalí e André Breton. Já no Brasil, os modernistas introduziram a psicanálise, que chegou, primeiro, como arte e depois, como clínica.

Freud procura esclarecer a linguagem onírica do sonho, ao afirmar que ela possui conteúdos manifestos e latentes, que precisam ser decifrados, pois aparecem em sua forma alterada, mas sempre fazem alusão ao fato que o originou. Segundo a autora, a grande questão para o psicanalista é reconhecer em que posição se encontra o sujeito no relato do sonho.

Ana Costa segue sua obra descrevendo sucintamente os mecanismos de deformação dos sonhos segundo a visão de Freud e, posteriormente, segundo Lacan - não nos cabe relatar neste texto a descrição de Freud, com o intuito de despertar a curiosidade do leitor para essa riquíssima obra.

Em relação aos sonhos de angústia, Costa afirma que o recalque incita esse sentimento, que surge como efeito da castração, e é com Lacan que essa questão será melhor situada. Já com sonhos de repetição, pode-se afirmar que a manifestação onírica que neles surge é uma medição necessária para suportar o real.

Nesta obra, a autora cita um sonho clássico de Freud que foi analisado não só por ele, mas também por Lacan, e mostra um paralelo entre essas duas distintas observações.

Esses autores esclarecem, nos sonhos discutidos, os elementos de deformação sofridos e procuram desvendar os conteúdos ideativos recalcados em tais cenas.

Finalmente, Ana Costa deixa explícita a função dos sonhos no percurso de análise. Pela análise do sonho é possível chegar a uma outra cena que inicialmente, encontra-se imperceptível, mas que é propulsora de todos os desejos realizados durante o mesmo.

Contudo, o sonho é abordado como algo que necessita de leitura para que se produza significado. Quem busca uma análise de seus sonhos procura reconstituir algo que se rompeu nos suportes de sua existência. É pela fala ao analista que o sonho ganha sua condição literal, pois a necessidade da própria experiência do inconsciente em análise é de grande importância para a transmissão da psicanálise.

 

 

*Alunas do 2º período de Psicologia - UNIPAC/Ubá - MG.

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