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IGT na Rede
versão On-line ISSN 1807-2526
IGT rede vol.11 no.21 Rio de Janeiro jul./dez. 2014
ARTIGO
As polaridades do feminino na contemporaneidade e a depressão pós-parto: uma visão gestáltica
The polarities of the feminine in contemporary and postpartum depression: a gestalt view
Lilian Vanessa Nicácio Gusmão*
IGTBa - Instituto de Gestalt-terapia da Bahia - Bahia, Brasil
RESUMO Discutir o papel da mulher na sociedade contemporânea e tecer relações entre as polaridades femininas nesta época e a depressão pós-parto é o objetivo do presente artigo. Partindo de uma breve discussão a respeito do lugar da mulher nos dias atuais, faz um recorte que atribui uma conotação crítica ao papel da mesma em múltiplos espaços acumulando jornadas de trabalho, assumindo papéis sociais. Dentre os papéis assumidos está o ser mãe no qual se vê sobrecarregada e em conflito, levando essa mulher ao desequilíbrio e ao adoecimento na depressão pós-parto, funcionando em apenas um dos pólos. De acordo com a Gestalt-terapia, o ser humano é um conglomerado de forças polares que se inter-relacionam, quando a pessoa tem um comportamento fixo, ou seja, rígido, ela está funcionando em apenas um dos pólos possíveis, pois enquanto ela está em uma polaridade, a outra polaridade está apagada em seu funcionamento, no entanto, nenhuma polaridade funciona sem a outra. Propõe o trabalho clínico da Gestalt-terapia como uma possibilidade de convidar a mulher a conhecer e integrar suas polaridades, possibilitando uma relação mais saudável, construtiva e prazerosa consigo mesma e com o mundo que a cerca. Palavras-chave: Feminino. Gestalt-terapia; Depressão pós-parto; Polaridades. ABSTRACT To discuss the woman’s part in the conteporaneous society and to create relationship between the feminists polarities in this actual times and the pos partum depression is the objective of this present article. Starting from a concise discussion about the woman’s place in the actual days, making a cut that attributes a critical conotation in multiples spaces accumulating journeys of work, assuming social parts. In the midst of the parts assumed there is one very conflicted and averloaded that is to be a mother, taking this woman to instability and getting sick on the pos partum depression, working well in only one of the polarities. According to the Gestalt therapy the human being is a conglomerate of polarities forces that interrelate to each other, when a person has a particular conduct, this person is working in only one of the possible polarities, because when a person is working in one of the ways the other is automatically off. In the mean time any polarity doesn’t work without the other. The propose of Gestalt therapy work is the possibility to ivite the woman to know about her polarities making possible a healthy, constructive joyful relation to herself. Keywords: Female; Gestalt therapy; Post partum depression; Polarities. 1 INTRODUÇÃO Nos dias atuais, as mulheres cada vez mais vêm assumindo diversos lugares e papéis sociais. A sociedade lhes cobra um desempenho cada vez melhor dos seus papéis como mães, esposas, filhas, trabalhadoras e donas de casa. O papel social da mulher como mãe mudou e com isto a representação do lugar desta mulher no âmbito intrapessoal e interpessoal também sofreu modificações. Há uma nova mulher, que vive sob o manto das velhas representações, pois continuamos cobrando delas o velho modelo de mãe idealizada. É a mãe quem continua com a maior parte das responsabilidades junto a casa e aos filhos, quem controla e cria os filhos e quem dá uma imagem do mundo. A fim de compreender as representações femininas e masculinas da sociedade, é relevante abordar o conceito de gênero. " O conceito de gênero, elaborado graças a iniciativas reflexivas e teóricas de grupos feministas na década de 60, serviu para mostrar que não é a anatomia que posiciona homens e mulheres em diferentes níveis hierárquicos. Ao contrário, evidenciou que o que assegura a histórica dicotomia da tradição intelectual androcêntrica ocidental são as idéias disseminadas em uma dada cultura sobre o que é próprio do universo simbólico masculino e o que é próprio do universo simbólico feminino" (LAMAS1 , apud TEIXEIRA, 2001). Refletir sobre o modo de ser e de se perceber da mulher frente à condição de ser mãe e nos demais papéis, reestabelece a necessidade de investigação dos diferentes modos possíveis de ser da mulher que, por vezes, ocorre perder-se no seu mundo, esquecer-se de si mesma, tornando-se mais uma, e que o seu querer, o seu pensar e o seu fazer está naquilo que o mundo determina que deva ser. Nesse contexto, a mulher encontra uma complexa composição de sentimentos e desejos ambivalentes. Ambivalências estas que todas as mães compartilham, mas algumas sentem mais e outras menos, pois o início da maternidade traz muitos conflitos e mudanças, que se tornam singulares na vida de cada mulher. Observa-se um conflito na vivência do papel moderno de mãe, que acarreta mais dúvidas, angústias e, sobretudo em culpa que se revelam através da ambivalência materna, estes conflitos as predispõem à Depressão Pós-parto. O período puerperal é uma fase de grande importância e que exige cuidados especiais à mulher. É marcado pela experiência de dar à luz, cuidar do bebê e por várias alterações físicas e emocionais. Esta é uma fase que exige grande capacidade de adaptação da mulher, e requer atenção e acompanhamento familiar e profissional contínuos. Para McGoldrick (2001), a depressão pós-parto é um risco nesse período. A depressão pós-parto consiste num adoecimento que afeta a saúde psicossocial e fisiológica da mulher, com repercussões na interação social da mãe consigo mesma, com o seu bebê e o entorno. Na construção de uma reflexão sobre este tema, utilizou-se de argumentos anunciados por diversos autores, na tentativa de estabelecer uma reflexão sócio-psicológica sobre as polaridades2 do feminino à luz da Gestalt-terapia, a depressão pós-parto e a condição da mulher na atualidade. Perls (1977a), um dos grandes expoentes da Gestalt-Terapia, definia a saúde e a maturidade psicológica como sendo a capacidade de emergir do apoio e da regulação ambientais para um autoapoio e uma autorregulação, no qual o elemento fundamental no autoapoio e na autorregulação é o equilíbrio. E é a partir desta definição de saúde é que pretende a discussão deste artigo, uma vez que a mulher no papel de mãe e a depressão pós-parto dizem respeito a um mecanismo que não está equilibrado, numa personalidade que não está integrada. Para tanto, é necessário percorrer a trilha em busca da compreensão dos processos que levam a esta integração harmoniosa, propiciando um contato mais autêntico entre a mulher e o seu universo interno e externo. 2 POLARIDADES FEMININAS Em uma mulher cabem tantas mulheres quanto a imaginação e a fantasia permitirem ou tantas quantas forem as possibilidades existenciais na construção desse ser. Segundo Beavouir (1980) "Ninguém nasce mulher: Torna-se mulher"(p.9). Ser mulher é uma construção social, consolidada a partir das relações interpessoais realizadas no tempo, espaço e contexto social e psicológico no qual a mulher está inserida. De acordo com Perls (1977b), o ser humano é um conglomerado de forças polares que se inter-relacionam, ninguém é apenas uma coisa ou outra, todos temos vários pólos que estão relacionados. Toda pessoa "boa" tem um lado "ruim", toda pessoa "tímida" tem um lado "extrovertido", basta se perceber nos dois pólos. Como assim? Quando a pessoa tem um comportamento fixo (rígido) ela está funcionando em apenas um dos pólos possíveis, pois enquanto ela está em uma polaridade, a outra polaridade está apagada, enquanto uma é figura, a outra é fundo em seu funcionamento. Nenhuma polaridade funciona sem a outra. " [...] se quisermos ficar no centro do nosso mundo, seremos ambidestros – então veremos os dois pólos de todo evento. Veremos que a luz não pode existir sem a não-luz. A partir do momento em que existe igualdade, não se pode mais perceber. Se sempre existisse luz, vocês não experienciariam mais a luz. Deve haver um ritmo de luz e escuridão." (PERLS, 1977, p. 35). Perls (1977b), acredita que "em grande parte do tempo experienciamos os lados, os opostos. E isto enriquece a amplitude de nossas possibilidades, quanto mais se tenta ser unilateral, mais experiencio o outro lado" (p.103). De acordo com Zinker (2007a), "o indivíduo saudável é capaz de reconhecer e integrar a maioria de suas polaridades, através da reconciliação das diferenças" (p. 218). No funcionamento não saudável a mulher é incapaz de aceitar algumas partes de si mesma, nega algumas polaridades, aqueles aspectos que pensa serem condenáveis. Esse não reconhecimento das polaridades pode gerar um conflito interno no indivíduo. Tantas alterações contribuem para a multiplicação de imagens femininas na sociedade, refletindo o conflito por que passam as mulheres ao reverem suas identidades e conquistarem outras. A mulher na contemporaneidade pode ser definida, em um sentido amplo, com a fundamentação sobre a terceira mulher de Lipovetsky. Até nossos dias, a mulher sempre se ordenou em função de caminhos pré-traçados, casar, ter filhos, exercer as tarefas subalternas. Com a ascensão da mulheres na ocupação de espaços além do lar, ela anseia outras perspectivas: O que estudar? Que plano de carreira adotar? Como conciliar vida profissional e vida materna? Casar ou viver em concubinato? Que número de filhos e em que momento? Tudo na existência feminina, tornou-se escolha, objeto de interrogação, nenhuma atividade está em princípio fechada às mulheres. Cabe à mulher definir e inventar sua própria vida. Zinker (2007b) expõe que quanto mais a pessoa, no caso do artigo a mulher, aprender sobre si mesma, quanto mais descobrir os segredos e mistérios que guarda dela mesma, mais saudável se tornará. A mulher sente-se mais confortável consigo quando tem mais conhecimento de si. Na medida em que esta mulher se apropria dos dois lados, ela pode busca no meio (outro) aquele lado que "falta" em si mesma. Dessa forma, na medida em que a mulher experiencia os lados, os opostos, mais se ampliam e enriquecem suas possibilidades. Para Perls (1979), o pensamento em opostos está enraizado no organismo humano, a diferenciação em opostos é uma qualidade essencial da vida. Assim, podemos com mais facilidade reconhecer e transitar entre as polaridades. " (...) qualquer coisa se diferencia em opostos. Se somos capturados por uma dessas forças opostas, estamos em uma cilada ou, pelo menos, desequilibrados. Se ficamos no nada do centro-zero, estamos equilibrados e temos perspectiva. Mais tarde percebi que este é o equivalente ocidental ao ensinamento de Lao-Tsé." (PERLS, 1979, p.96). Em geral, a autoimagem exclui a dolorosa tomada de consciência - awareness3 - das forças polarizadas em nosso íntimo. Zinker (2007c) expõe que na realidade interior temos características e polaridades que são aceitas pela consciência do indivíduo (ego-sintônicas) e as que não são (ego-distônicas). Na autoimagem saudável, a mulher está ciente da maioria de suas polaridades e se dispõe a enxergar por uma ampla variedade seus sentimentos e características polares. Zinker (2007d) "Quanto mais amplo é o conhecimento que tenho de mim, mais confortável me sinto comigo mesmo" (p. 225). Já na autoimagem patológica, a mulher se vê de modo estereotipada e unilateral, só olha e aceita um dos pólos das forças e sentimentos interiores que a representam. Zinker (2007e) "Primeiro, devo identificar a parte de mim que desaprovo. Depois, preciso entrar em contato com ela. Esse é o passo preliminar: entrar em contato com meu processo de guardar segredos de mim." (p. 224). Perls (1977b) na elaboração de uma reflexão teórica sobre o conflito interno e a divisão da personalidade expõe que a nossa civilização não contempla a integração da personalidade. " Atualmente, somos dissociados, personalidades dualistas, com linguagem dualista. A profunda divisão na nossa personalidade, o conflito entre o comportamento deliberado e o espontâneo, é uma característica evidente do nosso tempo. Nossa civilização é caracterizada por integração técnica e deterioração da personalidade". (PERLS, 1977, p. 72). A Gestalt-Terapia busca gerar a awareness e o contato da mulher com seus aspectos desintegrados, de forma a proporcionar o trânsito entre as polaridades e a integração da personalidade. Quando existe abertura para que a pessoa assuma a autoria de seus problemas, há menos chance de entrar em grandes conflitos com outras pessoas, dessa forma, a mulher recobra seu valor, na medida em que os dualismos são reintegrados. Diante destes conceitos e na discussão deste artigo, a mulher vem assumindo diversos papéis sociais que apresentam dicotomias de conceitos e sentimentos polarizados como, mãe x profissional / mãe x esposa e milhares de outras polaridades que podem apresentar conflitos intrapessoais com a polaridade mãe, gerando embates entre polaridades, muitas das vezes reprimindo algo que não entende como seu e projetando no outro essa frustração. Não há dúvidas que a inserção da mulher no mercado de trabalho tem contribuído para estes embates e trazido muitas transformações nas relações conjugais, que contribuíram para o declínio do sistema patriarcal e da hegemonia masculina, que pode ser observada, por exemplo, em um gradativo aumento do envolvimento masculino nos trabalhos domésticos. No entanto, existe um descompasso neste fenômeno, pois a participação masculina nos trabalhos domésticos vem crescendo lenta e gradualmente enquanto existe um crescimento acelerado de mulheres no mercado de trabalho. As transformações mudaram significativamente as relações sociais familiares. A medida em que a mulher entrou para o domínio público, levou sua visão e seus valores para a política, para o esporte, o trabalho, o homem viu-se obrigado a ingressar no domínio do privado, sendo parceiro nas atividades familiares, sobretudo na educação dos filhos. Nesse sentido, Confortin (2003) aborda que essa mudança trouxe profundas consequências, em primeiro lugar, desmontou as articulações sociais milenares de sociedade de classes e cultura patriarcal, conceito passado por meio de gerações. A partir do ingresso da mulher no sistema produtivo, houve mudança na família. A criança já não vê mais o pai mandando e a mãe obedecendo, mas sim dois centros de poder diferentes atuando com igual dignidade. A vivência da polaridade feminina representada pelo ser mãe implica em entrar em contato com seu complexo materno e tocar pontos como a maternagem, a possibilidade de se vincular, de usufruir do contato, de experienciar regras, situações e emoções diversas da que se permite atualmente. Em busca da integração, e de uma conscientização de si mesma, faz-se mister convidar a mulher a entrar em contato com suas situações inacabadas, a fim de que sejam transformadas em energias cooperativas. 3 DEPRESSÃO PÓS-PARTO O período puerperal é uma fase de grande importância e que exige cuidados especiais à mulher. É marcado pela experiência de dar à luz, cuidar do bebê e por várias alterações físicas e emocionais. Esta é uma fase que exige grande capacidade de adaptação da mulher, e requer atenção e acompanhamento familiar e profissional contínuos. Estudos de saúde mental relacionados ao parto levaram a uma mudança no conceito específico de depressão pós-parto, por considerá-la um espectro de transtornos depressivos e ansiosos que surgem no período perinatal. Esta mudança está associada ao crescente reconhecimento da necessidade de prevenção e intervenção precoce nesse período (AUSTIN,2004). A depressão pós-parto geralmente inicia da quarta a oitava semana após o parto (por vezes mais tarde, mas ainda dentro do primeiro ano) e pode persistir por mais de um ano (COOPER; MURRAY, 1995; KLAUS; KENNEL e KLAUS, 2000). Os sintomas incluem irritabilidade, choro frequente, sentimentos de desamparo e desesperança, falta de energia e motivação, desinteresse sexual, alterações alimentares e do sono, sensação de incapacidade em lidar com novas situações e queixas psicossomáticas (KLAUS e col., 2000). Em linhas gerais, a sintomatologia depressiva não difere dos que se fazem presentes nos episódios não relacionados ao parto, incluindo instabilidade de humor e preocupações com o bem estar do bebê, cuja intensidade pode variar de exagerada a francamente delirante (APA, 2000). Faz-se necessário diferenciar a depressão pós-parto dos outros transtornos de humor que acometem as mulheres no período pós-parto, sendo eles a melancolia da maternidade, conhecida ou denominada de "baby blues" (O’HARA, 1997; SOUZA; BURTET e BUSNELLO, 1997),ou "tristeza pós-parto" (APA, 2000), além das psicoses puerperais. O "baby blues" é caracterizado por um curto período de emoções voláteis, que com frequência ocorre entre o segundo e o quinto dia após o parto, tendo geralmente remissão espontânea (O’HARA, 1997; SOUZA e col., 1997). Em casos raros, a psicose pós-parto pode desenvolver-se na mãe, caracterizada por ansiedade severa, alucinações e delírios, os quais com frequência requerem tratamento intensivo e, por vezes, hospitalização, ocorrendo entre as duas primeiras semanas após o parto. Dentre os aspectos etiológicos e fatores de risco, de acordo com a literatura, diversos são os fatores associados à etiologia da depressão pós-parto Carnes, (1983); Cooper e Murray, (1995); Guedeney e Lebovici, (1999); Mazet e Stloleru, (1990); Meredith e Noller, (2003), sendo predominantemente citados fatores relacionados ao bebê como prematuridade, intercorrências neonatais e malformações congênitas; fatores socioculturais como morte de familiares, decepções na vida pessoal ou profissional, retomada de atividade profissional e situação social de solidão; modificações hormonais da mãe; além de fatores psicopatológicos prévios (MAZET; STLOLERU, 1990). O caráter conflituoso da experiência puerperal, como um fator de risco para a depressão da mãe implica em mudanças profundas na identidade da mulher e assunção de novos papéis. Dentro de um contexto multifatorial, notamos que as questões que contribuem para o desenvolvimento da depressão pós-parto, são principalmente psicossociais. Segundo Maushart (2006), criar filhos é uma das tarefas mais difíceis que as pessoas realizam na vida e, apesar disto, a sociedade oferece a mesma menos preparo do que a qualquer outra. Poucas mães mencionam a crise psíquica que acompanha o nascimento de um filho, o despertar de sentimentos enterrados há muito tempo a respeito da própria mãe, a mistura de poder e impotência, a sensação de, por um lado, ser levada e, por outro, de tocar novas potencialidades físicas e psíquicas. Nesse sentido, Kimura (1997), aponta para a necessidade de um enfoque amplo e sistêmico deste tema, com uma visão da mulher enquanto um ser em metamorfose, que vive em constante mudança, que imprime e expressa criatividade e singularidade em sua atividade e em suas vivências, num processo de construção de identidade, que redunda, no caso das puérperas, na identidade de mãe. Para Saraiva (2007), as discussões sobre a saúde da mulher, principalmente durante o puerpério, pressupõem uma compreensão sobre a sexualidade e a reprodução humana num contexto socioeconômico e cultural, destacando-se o papel social da mulher frente às necessidades de novas adaptações e reajustamentos intrapsíquicos, interpessoais e de mudança de identidade feminina. A depressão puerperal consiste num adoecimento que afeta a saúde da mulher, com repercussões na interação social da mãe com o seu bebê e com o entorno. Portanto, as alterações humorais no puerpério necessitam ser estudadas no âmbito das configurações subjetivas da depressão pós-parto, na direção da compreensão global das mulheres, distanciando-se da padronização e da patologização deste tipo de depressão (ARRAIS, 2005). Os sintomas da depressão desenvolvem-se quando a mulher olha só para uma parte do que a representa, permanecendo no pólo que reconhece em si, deixando suas polaridades na escuridão. Ela mulher deve ser encorajada na promoção de tentativas de reencontrar seu equilíbrio, facilitando tal percurso, através da tomada de consciência dos seus pontos cegos. Isso se tornará possível através de uma resignificação permanente de modos de existir, de tal forma que ela encontre seu verdadeiro sentido existencial, sua realidade mais íntima, encorajado a sentir prazer em olhar para si mesmo e se reconhecer como pessoa. Esta situação demanda a necessidade de abordá-la no bojo de programas de saúde pública, voltados não só para a função reprodutiva da população feminina, mas também para a saúde integral da mulher. A atuação preventiva das equipes multidisciplinares, nesse período, pode proporcionar à nova mãe o apoio de que necessita para enfrentar os eventuais episódios de depressão. Dar-lhe condições de perceber que a permanência na dor é corrosiva e que, à medida que se reconhece como organismo fluido e capaz de se auto realizar, estará mais próximo de si mesmo e de sua plenitude. Levá-la à busca de outra realidade na qual se perceba como ser de possibilidades e permita o olhar suave para dentro de si mesma irá encontrar-se mais bela, mais inteligente, mais capaz e livre do que se imaginava. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em busca da saúde, a mulher atual para alcançar a integração e se desenvolver, precisa lidar na personalidade com os sentimentos polarizados na depressão pós-parto, ou seja, com as situações inacabadas, a realidade se torna diferente do que era, enquanto a situação estava inacabada. Saindo da imobilidade e da percepção incompleta de si mesma, restaurando o equilíbrio organísmico, o que possibilita abrir caminho para a autorealização. Encorajar a expressão dos sentimentos negativos de hostilidade e rejeição, das ansiedades, temores e dúvidas a fim de que, através da elaboração, faça-se emergir mais plenamente os sentimentos de amor e ternura e, sobretudo, ajude a entender as dimensões polivalentes que compõem cada relação humana. Perls (1977a) enfatiza que as emoções negativas são, sem dúvida, essenciais para a dicotomia da personalidade, para tanto, é necessário transformá-las em energias cooperativas. Diante do processo de reconciliar as diferenças, a mulher tem a possibilidade de se reconhecer e se integrar, adquirindo mais consciência de si mesma, indo em direção de sua harmonia. " O aumento da conscientização dos dados de sua experiência passa a ampliar suas opções existenciais; sua experiência passa por um crivo de avaliação própria, fazendo com que o risco não mais seja bloqueado, para dar lugar a um vir a ser mais espontâneo e realizador. É a tentativa atualizante, antes bloqueada pelo medo e insegurança, que passa a se exprimir com mais clareza na atuação do ser. Sendo aceito (...) sente-se livre para deixar de lutar desesperadamente pelo apreço do outro, e passa a se ocupar mais de si mesmo". (ERTHAL,1991 apud CAMON , 2005, p.135). A Gestalt-terapia encoraja o fortalecimento da mulher como ser no mundo; permite um contato consciente consigo mesma, para as inúmeras possibilidades de ser, tomando parte na vida universal. A Gestalt-terapia visa a dar ao indivíduo condições necessárias para seus próprio crescimento, através de metodologia que dinamiza as funções educativa, preventiva e terapêutica da psicologia como profissão da saúde (BERVIQUE, 2006). As mulheres buscam reconhecimento como quem participa diretamente do processo de crescimento de um novo ser, conquistando um espaço privado para o surgimento de uma nova história, na qual é inserida como protagonista, como um ser que abre a sua existência em múltiplas possibilidades: a mulher – ser do sexo feminino; a mãe – a procriadora, a profissional – o ser intelectual, com talento e capacidade de produzir, além disso, permite-se manter integrada ao mundo, contribuindo com o seu potencial criativo, através do conhecimento que se amplia e se atualiza continuamente. A saúde na mulher atual relaciona-se a ser capaz de resgatar o equilíbrio. No processo de busca por este equilíbrio, a mulher se movimenta do conhecido para o desconhecido, enfrenta barreiras e bloqueios, toma consciência dos sentimentos que apontam para os impedimentos da vivência do novo. É nesse momento que, a despeito de todas as adversidades, a mulher aciona seus recursos internos que permitirão a descoberta do novo, desse modo, pequenas paralisações fazem parte do processo. Na busca de alternativas para o futuro, ter consciência dos entraves paralisantes que se fazem acompanhar pela vivência plena dos impedimentos presentes levará à reorganização das fronteiras entre o ser mãe e o meio, restabelecendo a autorregulação, ou seja, o fluxo constante pela busca de um universo inesgotável das possibilidades de vivenciar o ser mulher. Portanto, a vivência da polaridade feminina representada pelo ser mãe implica que a mulher entre em contato com seu complexo materno e toque em pontos como a maternagem, a possibilidade de se vincular, de usufruir do contato, de experienciar regras, situações e emoções diversas da que se permite atualmente, no entanto, a forma como a vida se proporá a mulher de modo que encare a polaridade excluída somente o seu processo dirá. Os profissionais que tem na Gestalt-terapia uma abordagem que guia sua prática clínica, devem difundir com a maior exatidão possível, conceitos a respeito das necessidades específicas da mulher puérpera, no compromisso de facilitar a esta mulher a conscientização no processo que leva ao encontro do ser mãe e das multiplicidades de existir neste encontro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APA – American Psychiatry Association. Diagnostic and statistical of mental manual disorders. Fourth edition. Text revision. Washington-DC: American Psychiatric Association, 2000 [ Links ] ARRAIS, A.R. As configurações subjetivas da depressão pós-parto: para além da padronização patologizante. Tese de Doutorado. Brasília: Unb, 2005. Disponível em: <http://www.unb.br/ip/web/pos/res_d_2005.htm#Alessandra%20da%20rocha%20Arrais>. Acesso em 28/11/2011. [ Links ] AUSTIN, M. P. Antenatal screening and early intervention for perinatal distress, depression and anxiety: Where to from here? 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In: Proposta, nº 84/85, mar./ago. 2000. 2Polaridades: Denominado na Gestalt-terapia, de acordo com Perls (1977), no qual todo o evento tem dois pólos que permitem que o diferenciemos. "... se quisermos ficar no centro do nosso mundo,... seremos ambidestros - então veremos os dois pólos de todo evento". 3Awareness: manter-se consciente de; estado de consciência. "O objetivo ( da awareness) é o paciente descobrir o mecanismo pelo qual ele aliena parte dos processos do seu self e, assim, evita estar consciente de si e de seu ambiente.
" [...] desvitalização do ideal da mulher no lar, legitimidade dos estudos e do trabalho feminino, direito de voto, "descasamento", liberdade sexual, controle da procriação, manifestações do acesso das mulheres à inteira disposição de si em todas as esferas da existência, dispositivos que constroem o modelo da "terceira mulher". (LIPOVETSKY, 2000, p. 236).