SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 número2Terapia de aceitação e compromisso em idosos: revisão sistemáticaA espiritualidade na flexibilização de pensamentos e crenças de uma paciente ansiosa índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.15 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2019

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20190017 

COMUNICAÇÕES BREVES

 

Desenvolvendo civilidade e empatia na infância por meio da música

 

Developing civility and empathy in childhood by means of music

 

 

Andrey Carvalho de DeusI; Débora Cristina FavaII

IAcadêmico de Psicologia – Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) – (Estagiário de Psicologia Clínica [InTCC – Ensino, Pesquisa e Atendimento Individual e Familiar], Bolsista de Iniciação Científica do Núcleo de Estudos em Realidade Virtual da UFCSPA [NERV-UFCSPA]) – Alvorada – RS – Brasil
IIMestra em Psicologia – Cognição Humana, PUCRS. Especialista em Terapia Cognitivocomportamental. Terapeuta Cognitiva Certificada pela FBTC com formação em Manejo do Comportamento Infantil (PVCC/ USA) – (Doutoranda em Psicologia Clínica na Unisinos/RS e Coordenadora da ELO – Psicologia e Desenvolvimento)

Correspondência

 

 


RESUMO

A pré-escola é um ambiente que visa suscitar o desenvolvimento de habilidades sociais que podem refletir no bom relacionamento entre pares e na prevenção de problemas futuros. A inserção da música na educação infantil, além de fomentar a criatividade artística, é um meio pelo qual os estudantes consolidam aprendizagens diversas. A prática descrita deriva de um relatório de estágio em psicologia escolar que objetivou fomentar as habilidades sociais, especificamente a empatia e a civilidade, em crianças de 3 a 4 anos por meio da música. Realizaram-se quatro grupos focais de aproximadamente uma hora, um a cada semana, com seis crianças de uma escola de educação infantil, nos quais se utilizaram músicas infantis como disparadoras de reflexões das temáticas de intervenção. Os dados foram coletados por meio de diário de campo pelo estagiário. Os comportamentos observados durante oito semanas após a intervenção apontam que ela auxiliou na promoção de atitudes de empatia e civilidade na relação entre os participantes, se comparados aos comportamentos anteriormente emitidos pelas crianças. Espera-se contribuir para a discussão sobre a importância do desenvolvimento de habilidades sociais em ambientes pré-escolares para a melhora do comportamento social.

Palavras-chave: Habilidades sociais; Pré-escolar; Música


ABSTRACT

Pre-school is an environment that aims to stimulate the development of social skills that can reflect in the good relationship between peers and in the prevention of future problems. The inclusion of music in children's education, beyond the fostering of artistic creativity, is a mean by which students consolidate diverse learning. The practice described is derived from an undergrad traineeship report in school psychology and aimed to foster social skills, specifically empathy and civility, in children aged 3 to 4 through music. Four focus groups of approximately one hour, one each week, were held with six children from a preschool, in which children's songs were used as triggers for reflections on intervention themes. Data were collected through field diary by the trainee. The behaviors observed during eight weeks after the intervention point that it helped to promote attitudes of empathy and civility in the relationship among participants, compared to the behaviors previously issued by the children. It is expected to contribute to a discussion of the importance of developing social skills in preschool settings to improve social behavior.

Keywords: Social skills; Preschool Children; Music.


 

 

INTRODUÇÃO

No período da infância entre os 3 e os 6 anos de idade, há um aumento das habilidades cognitivas das crianças, o que possibilita melhor capacidade representacional e simbólica, permitindo que acessem um objeto, uma pessoa ou um evento sem que tenham contato concreto com ele, bem como sentimentos de empatia (Bee, 1997; Papalia, Feldman, & Martorell, 2013). São presentes compreensões sobre as emoções próprias e de outrem, sabendo que podem estar ligadas a desejos e experiências. Também se observa que a interação da criança com o mundo e a socialização que realiza estão embasadas na interpretação que ela dá para as experiências que vive com os pais, professores e seus pares. Nessa etapa, há um crescimento do leque social da criança, que vive novas amizades (Peixoto, 2003).

A pré-escola é um ambiente que pode suscitar o desenvolvimento de habilidades sociais que refletirão no bom relacionamento entre pares e na prevenção de problemas futuros (Fava, 2017). Os distintos desafios e demandas existentes no cotidiano das crianças solicita o desenvolvimento de um repertório de habilidades sociais maior, pois podem influenciar na qualidade de vida e na prevenção do desenvolvimento de problemas psicológicos (Magnuson & Duncan, 2016). Isso porque as crianças estão em constante relacionamento com seus pares, professores e família, que são também influenciados por seus sistemas próximos. Dessa forma, as habilidades sociais podem auxiliar no desenvolvimento de amizades, no estabelecimento de redes de apoio e na maior capacidade de lidar com situações estressoras (Del Prette & Del Prette, 2005; Lee, 2016).

Em contrapartida, um repertório de habilidades sociais pobre pode ter consequências importantes sobre o desenvolvimento saudável, destacando-se o surgimento de transtornos psicológicos como depressão, ansiedade e fobia social (Murta, 2005). Esses problemas podem causar isolamento social excessivo, dificuldades na regulação do afeto, baixo autoconceito, etc., aspectos ligados aos transtornos associados a problemas internalizantes (Gresham, 2016). Se observarmos os externalizantes, evidenciam-se, por exemplo, a agressividade e a desatenção e hiperatividade, que podem contribuir para a rejeição por parte dos colegas, o baixo rendimento escolar e o envolvimento com grupos de risco (Casali-Robalinho, Del Prette, & Del Prette, 2015).

O treino de habilidades sociais pode ser desenvolvido a partir de duas principais concepções: a ação conjunta da família e da escola e a intervenção clínica (McClelland, Tominey, Schmitt, & Duncan, 2017). Em ambas, considera-se que a precocidade de sua aplicação ajuda em sua maior eficiência, na medida em que, já na adolescência, há maior resistência à intervenção e necessidade de maior esforço para a obtenção de resultados semelhantes (Fernandes, Leme, Elias, & Soares, 2018). Diversos programas e intervenções podem ser implementados nas escolas a fim de melhorar a qualidade do repertório comportamental e estimular a solução assertiva de conflitos sociais e seus construtos envolvidos, como a empatia (Fava, 2017).

As habilidades sociais compreendem classes de comportamentos que auxiliam na competência social, promovendo relacionamentos saudáveis e produtivos com outras pessoas (Del Prette & Del Prette, 2005). Essas classes, especialmente na infância, são: autocontrole e expressividade emocional, civilidade, empatia, assertividade, desenvolvimento de vínculos de amizade, solução de problemas interpessoais e habilidades sociais acadêmicas. Elas têm sido ensinadas por instrução e a partir de processos de aprendizagem social (Bandura, 1986) e modelagem (Skinner, 2003). Nessa concepção, a empatia é entendida como a capacidade de tomar a perspectiva do outro, demonstrando reações de compreensão dos sentimentos (Pavarino, Del Prette, & Del Prette, 2005) e um movimento de ação para alívio do sofrimento percebido (Falcone et al., 2008). Já as habilidades de civilidade são definidas como a expressão comportamental das regras de relacionamento valorizadas em uma determinada subcultura (Del Prette & Del Prette, 2005).

A inserção da música na educação infantil tem sido alvo da investigação de muitos músicos e educadores (Gatti, 2012). Destacam-se como contribuições dessa ferramenta para as crianças o fomento da criatividade artística, que possibilita distintas visualizações do mundo e que fortalece a formação da identidade e da autonomia (Gohn & Stavracas, 2010); a percepção espacial; as habilidades verbais; a memória (Costa-Giomi, 2015); a percepção de parâmetros sonoros; o controle rítmico; o uso da voz; o incremento da concentração, da atenção e do raciocínio; a consciência corporal e a utilização do corpo para a produção de ritmos (Oliveira, 2001). Isso porque muitas das expressões realizadas pelas crianças se dão a partir dos gestos e dos sons, na medida em que não dominam a linguagem escrita. A música também é uma forma de transmissão da cultura, possibilitando que a criança acesse a história dos lugares onde vive e o reconhecimento da formação de sua família, realizando integração social (Godoi, 2011). Para tal, fomenta-se a possibilidade de sensação de tristeza, alegria e outros sentimentos significativos para o desenvolvimento socioemocional infantil (Hallam, 2016). A música tem sido inserida nesse contexto por meio do canto, de exercícios de pulsação, das parlendas, da sonorização de histórias, etc.

Estudos têm trabalhado o aprendizado musical e empatia, comportamentos pró-sociais e redução de estereótipos (Ilari, 2015). Além disso, encontram-se estudos que evidenciam o impacto positivo da música na competência social (Gooding, 2011) e a existência de distintas metodologias em sua aplicação, provocando resultados bastante diversos (Hallam, 2010). A interseção dessas temáticas na infância demonstra boas possibilidades à edificação de práticas didáticas para o desenvolvimento de habilidades sociais, na medida em que visualizamos um potencial criativo consolidado na literatura revisada (Ilari, 2016).

 

RELATO DA EXPERIÊNCIA

Buscou-se desenvolver uma intervenção com objetivo de desenvolver as habilidades sociais, especificamente a empatia e a civilidade, em crianças de 3 a 4 anos por meio da música. Essa intervenção nasceu no âmbito de um estágio em psicologia escolar realizado em uma escola de educação infantil da rede privada do município de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Essa prática profissional baseou-se nas contribuições da abordagem cognitivo-comportamental (ACC), com ênfase na promoção e na prevenção de saúde da população escolar (Fava, 2017) durante o ano de 2017. Nesse período, desenvolveramse atividades de planejamento e execução de orientações psicoeducacionais docente, discente e parental, além de observação, avaliação, intervenção e acompanhamento de comportamentos disfuncionais de alunos e professoras.

A demanda da intervenção relatada surgiu após um período de dois meses de observação direta do estagiário e entrevista com a professora de uma turma, nos quais foi constatado que as seis crianças, de 3 a 4 anos, apresentavam maior dificuldade na divisão dos brinquedos e na inserção de colegas em pequenos grupos. Após discussão dos dados levantados por meio do diário de campo com a professora da turma, a psicóloga supervisora e a orientadora pedagógica da escola, decidiu-se planejar uma intervenção a cargo do estagiário para aquele grupo de estudantes, embasada pelos preceitos da ACC em grupos nas escolas (Paternostro, Sullivan, Behar, Berlyant, & Friedberg, 2015).

Elaborou-se, então, um projeto de intervenção a ser avaliado pela coordenação pedagógica, o qual previa a realização de quatro grupos focais (Trad, 2009) de aproximadamente uma hora, sendo que os dois primeiros tratavam sobre as habilidades de empatia e os dois últimos, sobre as de civilidade. Foram selecionadas seis músicas como material disparador das temáticas da intervenção, que fazem parte do repertório do personagem Bita, do álbum musical Mundo Bita. Para a temática da empatia, utilizaram-se as músicas Vamos jogar bola?, A diferença é o que nos une e Ela e ele. Para a da civilidade, foram selecionadas as músicas O parquinho, Quebra-cabeça e Roda-roda. Optou-se pela utilização da música pois ela se monstra como uma maneira interessante de promover o acesso principalmente à socialização, já que pode promover a interação entre os pares e a compreensão de suas necessidades e dificuldades (Schellenberg, Corrigall, Dys, & Malti, 2015).

As canções citadas foram escolhidas pois compunham o repertório de conhecimento das crianças da escola, além de discutirem em sua letra pensamentos ou comportamentos de empatia e civilidade, como, por exemplo, "Nosso corpo fala, preste muita atenção, não precisa palavra pra comunicação", da música A diferença é o que nos une, ou "Roda-roda o mundo sem parar, e se quiser me dê a mão para não desequilibrar, amigo", da canção Roda-roda. Os materiais utilizados foram: um violão, instrumentos de percussão fabricados pelos alunos, impressões das letras das músicas com transcrição de acordes, folhas de ofício em branco, lápis de cor e giz de cera. O projeto foi avaliado pela coordenação pedagógica da escola e, posteriormente, comunicou-se a realização da intervenção para os responsáveis pelas crianças da turma em questão, a fim de obter seu consentimento.

Participaram dos quatro grupos focais conduzidos pelo estagiário todas as crianças presentes no dia planejado para as intervenções. Para registro dos temas debatidos, o estagiário utilizou um diário de campo. As crianças demonstraram receber a atividade com grande entusiasmo e curiosidade. A professora do grupo realizou, inicialmente, breve explicação do motivo da presença do estagiário e, também, estabeleceu combinações para a boa consecução da tarefa. Organizadas em círculo, as crianças, junto do estagiário, estabeleceram alguns acordos para interação com o instrumento, com a música e com a atividade. Depois, o estagiário permitiu que elas tocassem no violão e pudessem compartilhar as experiências que tinham com o instrumento. Após, as crianças foram apresentadas à primeira música que trabalharam da seguinte maneira: primeiro, escutaram toda a canção, a fim de conhecer sua melodia e letra (salienta-se que, uma semana antes do início da intervenção, a professora da turma foi orientada a reproduzir as músicas em momentos de recreação e/ou livres) e ter algum conhecimento de seu conteúdo. Depois, o estagiário repassou alguns pontos da letra em que as crianças poderiam interagir e a tocou mais uma vez. Por fim, as crianças foram instigadas a cantar a letra treinada ou a interagir com a canção tocando um chocalho anteriormente produzido por elas.

Em um segundo momento, foi proposta uma discussão com as crianças sobre algumas atitudes e comportamentos presentes nas canções e que elas praticavam, ou que algumas pessoas lhes houvessem ensinado que eram importantes. O estagiário também levantou algumas situações que aconteciam em sala de aula e que envolviam o tema trabalhado – como a ocorrência de conflitos entre alguns estudantes pela posse dos brinquedos –, e questionou sobre suas possibilidades de resolução à luz do que estavam discutindo. Posteriormente, foi pedido que as crianças produzissem um desenho referente ao tema da música ou da conversa e que depois o explicassem. Esses passos, desde a execução da música até a explicação do desenho, foram realizados em todos os encontros.

No primeiro e no último encontro, participaram seis crianças; no segundo e no terceiro, quatro estiveram presentes. Sua atitude com relação à atividade foi de interesse e envolvimento, cantando, dançando, interagindo musicalmente e prestando atenção à letra e à melodia. Referente ao debate após a reprodução da música, demonstraram acessar com qualidade as informações de seus comportamentos, exemplificando de maneira clara situações em que reconheciam que alguém teve comportamento empático ou de civilidade. Mostraram conhecer termos de cortesia e raciocínio crítico ao refletir sobre situações de sala de aula.

Em um desses debates, a menina T. refletiu sobre a discussão que teve com o colega P. a respeito do lugar em que se sentariam na roda da intervenção, o que fez com que P. não quisesse, inicialmente, participar da atividade. T. debateu com o estagiário que seria mais adequado ter conversado com P. para que ambos pudessem ocupar o mesmo lugar em distintos momentos, pois ele havia chegado antes, e ela poderia ter evitado que P. ficasse de fora se tivessem combinado que P. ficaria ali mais um tempo e T. sentaria lá depois. Nesse momento, T. foi encorajada a conversar com P. para que ele pudesse se sentar no lugar que gostaria e que também pudesse aproveitar o restante da atividade, assim como T. buscou um lugar em que ficou mais confortável e contente para participar. Em outro encontro, C. e I. citaram uma série de palavras de cortesia que conheciam. Nesse momento, o estagiário questionou quais delas as crianças poderiam utilizar no refeitório da escola. Elas então voltaram a elencar as palavras e desafiaram os colegas para que todas as crianças utilizassem esses termos no momento de comer.

Nos desenhos referentes à temática da empatia, apareceram situações de compartilhamento de brincadeiras com os colegas em união e harmonia, de partilha espontânea de brinquedos e objetos. Também se demonstraram relações de confiança com os colegas e de divisão de tarefas. Nos desenhos sobre civilidade, foram retratadas situações em que as crianças poderiam pedir assistência de um adulto para enfrentar determinado problema, e em que elas estimulariam o debate para a resolução do conflito. Além dessas, foram evidenciadas situações em que houve o uso de palavras de cortesia em questões do cotidiano e sobre a importância de escutar a opinião dos colegas para poder ter perspectivas diferentes sobre o mesmo evento.

Após a finalização dos quatro encontros, a psicóloga da escola, a professora da turma e a diretora da escola relataram observação de maior uso de palavras de civilidade e comportamento social por parte dos alunos que participaram da intervenção. O estagiário que a implementou seguiu em período de observação após os encontros, por mais oito semanas, nas quais também observou consolidação do aprendizado nas habilidades trabalhadas. Essas observações foram discutidas em supervisão com a psicóloga e com a orientadora pedagógica da instituição.

 

DISCUSSÃO

Inicialmente, releva-se o estabelecimento de combinações entre o estagiário e os participantes do grupo como elemento fundamental para o trabalho na escola, na medida em que possibilitou a redução da ansiedade das crianças, permitindo seu maior envolvimento na tarefa. O estabelecimento de limites na intervenção escolar em grupo é proposto por Paternostro e colaboradores (2015), pois auxilia na credibilidade e confiança no terapeuta por parte dos participantes do grupo.

Com relação à utilização do grupo focal como método de investigação, observou-se que foi possível abordar as temáticas das intervenções por meio da compreensão da opinião, da percepção e das experiências de cada criança, estimulandose o debate entre elas e a compreensão da perspectiva do outro, conforme apontado por Trad (2009). Dessa forma, pontua-se que a intervenção conseguiu fomentar a empatia e a civilidade por intermédio dos grupos focais estabelecidos. Isso porque os comportamentos observados demonstram o desenvolvimento do senso de cooperação, de cuidado do outro, de responsabilidade e de respeito. Esses temas foram também apresentados por Lee (2016), ao apontar que o fomento dos valores centrais de cuidado, coragem, cooperação, respeito, responsabilidade e honestidade incrementavam os relatos de professores sobre comportamentos e interações sociais positivas em seus estudantes.

Salientam-se, também, alguns aspectos relacionados ao desenvolvimento social e cognitivo das crianças decorrentes dessa intervenção. Verificam-se capacidades de reflexão sobre relações entre elas em sala de aula e o incremento da claridade no seu debate. Isso reflete a distinção de comportamentos socialmente aceitos, fluidez do discurso e o estabelecimento de sua seletividade e raciocínio lógico, o que está de acordo com os aspectos desenvolvimentais já reconhecidos para essa faixa etária (Papalia et al., 2013). Esses aspectos são essenciais para a consecução e o bom aproveitamento de intervenções em habilidades sociais.

Outro item interessante de se verificar é a capacidade demonstrada de transposição do tema teórico para sua aplicabilidade na realidade. As crianças demonstraram raciocínio crítico-reflexivo sobre a temática, também espelhando sua possibilidade de pensar por meio da exemplificação e de situações cotidianas, sobressaltando sua via de compreensão utilizando a concretude. Essa capacidade é essencial no processo de aprendizagem das crianças, permitindo-lhes transitar entre o abstrato e o concreto ao compreender as situações a partir do particular e do universal e vice-versa, transpondo o conhecimento do seu plano mental e/ou externo (Pereira, 2017).

Verificou-se que as crianças demonstram entender o conceito de empatia a partir da ideia de compartilhamento, seja de experiências, seja de objetos. Esses dados vão ao encontro do exposto por Pavarino e colaboradores (2005), ao salientarem que a empatia se consolida com base na interação social, facilitando o estabelecimento de vínculos. Dessa forma, entende-se que, para as crianças dessa intervenção, os aspectos relacionais são essenciais para a compreensão e o exercício da empatia. Também é possível evidenciar o aumento de comportamentos pró-sociais nas crianças (Rodrigues & Silva, 2012; Schellenberg et al., 2015).

São representados aspectos de civilidade nas crianças por meio da utilização de tipologias de cortesia e cumprimentos, bem como da capacidade de auxiliar na resolução de conflitos entre colegas e amigos. Rodrigues, Dias e Freitas (2010) destacaram a importância da civilidade nos aspectos citados como base para o desenvolvimento da assertividade e da competência social, conforme proposto por Fava (2017). Assim, observa-se o aparecimento de aspectos de civilidade considerados, como a empatia, no espaço relacional das crianças.

Ao encontro do proposto por Costa-Giomi (2015), pode-se identificar, também, o incremento de habilidades verbais, necessárias desde o debate nos grupos focais até as interações cotidianas das crianças. Ao avaliar seus comportamentos sociais, é importante destacar que, conforme Gresham (2016) pontua, escalas de classificação de comportamentos são pouco sensíveis a mudanças de curto prazo e tampouco podem ser aplicadas repetidamente em pequenos espaços de tempo. Assim, a avaliação por meio de observação direta e sistemática é um método mais adequado para monitorar a resposta a intervenções em habilidades sociais como a apresentada neste artigo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Destaca-se a relevância dessa intervenção no ambiente escolar, uma vez que proporcionou aprendizagens socioemocionais, em especial, habilidades de empatia e de relacionamento interpessoal, conforme abordado por Hallam (2016). Essas habilidades são consideradas fatores de proteção importantes para o desenvolvimento saudável dos indivíduos (Marin, Silva, Andrade, Bernardes, & Fava, 2017).

Espera-se, com esse artigo, contribuir com a discussão sobre a importância do desenvolvimento de habilidades sociais em ambientes pré-escolares para a melhora do comportamento social. Como limitações desse relato, aponta-se a variação da presença dos participantes e a pouca literatura existente que pudesse funcionar como base para auxiliar na construção das atividades de civilidade na faixa etária dos 3 aos 4 anos.

 

REFERÊNCIAS

Bee, H. (1997). O ciclo vital. São Paulo: Artes Médicas.         [ Links ]

Bandura, A. (1986). Social foundations of thought & action: A social cognitive theory. Englewood Cliffs: Prentice-Hall.         [ Links ]

Casali-Robalinho, I. G., Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2015). Habilidades sociais como preditoras para problemas de comportamento em escolares. Psicologia: teoria e pesquisa, 31(3), 321-330.         [ Links ]

Costa-Giomi, E. (2015). The long-term effects of childhood music instruction on intelligence and general cognitive abilities. Update: Applications of Research in Music Education, 33(2),20-26.         [ Links ]

Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: Teoria e prática. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Falcone, E. M. O., Ferreira, M. C., Luz, R. C. M., Fernandes, C. S., Faria, C. A., D'Augustin, J. F., Sardinha, A., & Pinho, V. D. (2008). Inventário de Empatia (IE): desenvolvimento e validação de uma medida brasileira. Avaliação Psicológica: Interamerican Journal of Psychological Assessment, 7(3),321-334.         [ Links ]

Fava, D.C. (2017). Guia prático do professor: Atuando com crianças na primeira infância. Belo Horizonte: Artesã         [ Links ].

Fernandes, L. D. M., Leme, V. B. R., Elias, L. C. D. S., & Soares, A. B. (2018). Preditores do desempenho escolar ao final do ensino fundamental: histórico de reprovação, habilidades sociais e apoio social. Temas em Psicologia, 26(1),215-228.         [ Links ]

Gatti, R. (2012). A importância da música no desenvolvimento da criança. Monografia de Conclusão de Curso, Faculdade Cenecista, Capivari. http://www.cneccapivari.br/libdig/index.php?option=com_rubberdoc&view=doc&id=536&format=raw        [ Links ]

Godoi, L. R. (2011). A importância da música na Educação Infantil. Monografia de Conclusão de Curso, Universidade Estadual de Londrina, Londrina. https://www.meloteca.com/wp-content/uploads/2018/11/a-importancia-da-musica-na-educacao-infantil.pdf        [ Links ]

Gohn, M. D. G., & Stavracas, I. (2010). O papel da música na educação infantil. EccoS Revista Científica, 12(2),85-101.         [ Links ]

Gooding, L. F. (2011). The effect of a music therapy social skills training program on improving social competence in children and adolescents with social skills deficits. Journal of Music Therapy, 48(4),440-462.         [ Links ]

Gresham, F. M. (2016). Social skills assessment and intervention for children and youth. Cambridge Journal of Education, 46(3),319–332.         [ Links ]

Hallam, S. (2010). The power of music: Its impact on the intellectual, social and personal development of children and young people. International Journal of Music Education, 28(3),269-289.         [ Links ]

Hallam, S. (2016). The impact of actively making music on the intellectual, social and personal development of children and young people: A Summary. Voices: A World Forum for Music Therapy, 16(2).         [ Links ]

Ilari, B. (2015). Música, empatia e comportamentos pró-sociais em crianças. Anais do SIMPOM, 3(3),24-33.         [ Links ]

Ilari, B. (2016). Music in the early years: Pathways into the social world. Research Studies in Music Education, 38(1),23–39.         [ Links ]

Lee, A. (2016). Implementing character education program through music and integrated activities in early childhood settings in Taiwan. International Journal of Music Education, 34(3),340–351.         [ Links ]

Magnuson, K., & Duncan, G. J. (2016). Can early childhood interventions decrease inequality of economic opportunity? RSF: The Russell Sage Foundation Journal of the Social Sciences, 2(2),123-141.         [ Links ]

Marin, A. H., Silva, C. T. D., Andrade, E. I. D., Bernardes, J., & Fava, D. C. (2017). Competência socioemocional: conceitos e instrumentos associados. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 13(2),92-103.         [ Links ]

McClelland, M., Tominey, S., Schmitt, S., & Duncan, R. (2017). SEL interventions in early childhood. The Future of Children, 27(1),33-47.         [ Links ]

Murta, S. G. (2005). Aplicações do treinamento em habilidades sociais: Análise da produção nacional. Psicologia: Reflexão e crítica, 18(2),283-291.         [ Links ]

Oliveira, D. A. (2001). Musicalização na educação infantil. ETD: Educação Temática Digital, 3(1),90-105.         [ Links ]

Papalia, D. E., Feldman, R. D., & Martorell, G. (2013). Desenvolvimento humano (12. ed.). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Paternostro, J., Sullivan, P. J., Behar, S. M., Berlyant, M. J., & Friedberg, R. D. (2015). Terapia cognitivo-comportamental em grupo em escolas. In C. B. Neufeld (Org.), Terapia cognitivo-comportamental em grupos para crianças e adolescentes (pp. 72-87). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Pereira, N. M. (2017). O desenvolvimento do pensamento da criança em idade escolar: Do abstrato ao concreto. Perspectivas em Psicologia, 21(1),179-188.         [ Links ]

Pavarino, M. G., Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2005). O desenvolvimento da empatia como prevenção da agressividade na infância. Psico, 36(2),127-134.         [ Links ]

Peixoto, F. J. B. (2003). Auto-estima, autoconceito e dinâmicas relacionais em contexto escolar. Tese de Doutorado, Universidade do Minho, Braga. http://repositorio.ispa.pt/handle/10400.12/48        [ Links ]

Rodrigues, M. C., Dias, J. P., & Freitas, M. F. R. L. (2010). Resolução de problemas interpessoais: Promovendo o desenvolvimento sociocognitivo na escola. Psicologia em Estudo, 15(4),831-839.         [ Links ]

Rodrigues, M. C., & Silva, R. L. M. (2012). Avaliação de um programa de promoção da empatia implementado na educação infantil. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 12(1),59-75.         [ Links ]

Schellenberg, E. G., Corrigall, K. A., Dys, S. P., & Malti, T. (2015). Group music training and children's prosocial skills. PLoS One, 10(10), e0141449.         [ Links ]

Skinner, B. F. (2003). Ciência e comportamento humano (Vol. 10). São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Trad, L. A. B. (2009). Grupos focais: conceitos, procedimentos e reflexões baseadas em experiências com o uso da técnica em pesquisas de saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 19(3),777-796.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Andrey Carvalho de Deus
Instituição: Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
Rua Sarmento Leite, 245, Prédio 3/504
Porto Alegre, RS CEP: 90050-170
E-mail: ancardeus@gmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 4 de Fevereiro de 2019. cod. 731
Artigo aceito em 7 de Setembro de 2019

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons