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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.26 no.1 Goiânia jan./abr. 2020

https://doi.org/10.18065/RAG.2020v26n1.9 

ESTUDOS TEÓRICOS OU HISTÓRICOS

 

Happenings e aqui e agora - diálogos entre abordagem gestáltica e living theatre

 

Happenings and here and now - dialogues between Gestalt approach and Living Theatre

 

Happenings y aquí y ahora - los diálogos entre el enfoque de la gestión y el Living Theatre

 

 

Jessé Guimarães da Silva

Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), com Especialização em Psicologia Clínica - Gestalt-terapia (atendimento de indivíduo, casal e família), pelo Instituto de Gestalt-Terapia (IGT), Psicólogo do Hospital Naval Marcílio Dias e Professor da Universidade Estácio de Sá / (Orcid: 0000-0002-9621-5916) / E-mail: psi.jsilva@gmail.com

 

 


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo propor uma reflexão acerca dos conceitos envolvidos na experiência aqui e agora tratada pela abordagem gestáltica. Para tanto, com base na proposta vanguardista do Living Theatre, grupo fundado por Julien Beck e Judith Molina, em 1947, tal debate terá como dispositivo analítico a metodologia performática teatral denominada happening. A partir de um olhar sobre o grupo teatral e a retomada de referenciais bibliográficos que abordem a definição e as características deste conceito, a finalidade do texto é propor uma leitura crítica acerca da expressão "aqui e agora" enquanto experiência marcada por vivências humanas imediatas e singulares sempre interpretadas com base na sua processualidade contínua. A partir deste intuito, verifica-se a significativa relevância de determinados termos, tais como contato, experiência, espontaneidade e improvisação ao lidar com a vivência presente.

Palavras-chave: Abordagem Gestáltica; Happening; Aqui e agora; Experiência; Improvisação; Espontaneidade.


ABSTRACT

The present article aims to propose a reflection on the concepts involved in the experience here and now treated by the Gestalt approach. To do so, based on the avant-garde proposal of Living Theater, a group founded by Julien Beck and Judith Molina in 1947, such a debate will have as an analytical device the theatrical performance methodology called happening. From a look at the experience of the theater group and the resumption of bibliographic references that address the definition and characteristics of this concept, the proposal is to assume experience here and now in its continuous processuality marked by immediate and unique human experiences. From this point of view, there is a significant relevance of certain terms, such as contact, experience, spontaneity and improvisation in dealing with the present experience.

Keywords: Gestalt approach; Happening; Here and Now; Experience; Improvisation; Spontaneity.


RESUMEN

El presente artículo tiene por objetivo proponer una reflexión sobre los conceptos involucrados en la experiencia aquí y ahora tratada por el abordaje gestáltico. Para ello, con base en la propuesta vanguardista del Living Theatre, grupo fundado por Julien Beck y Judith Molina, en 1947, tal debate tendrá como dispositivo analítico la metodología performática teatral denominada happening. A partir de una mirada sobre la experiencia del grupo teatral y de la reanudación de referencias bibliográficas que aborden la definición y las características de este concepto, la propuesta es asumir experiencia aquí y ahora en su procesualidad continua marcada por vivencias humanas inmediatas y singulares. A partir de este propósito, se verifica la significativa relevancia de determinados términos, tales como contacto, experiencia, espontaneidad e improvisación al lidiar con la vivencia presente.

Palabras clave: Enfoque Gestáltico; Happening; Aquí y Ahora; Experiencia; Improvisación; Espontaneidad.


 

 

Art and life are not simply commingled; the
identity of each is uncertain1
Allan Kaprow

 

Introdução

Um dos temas centrais trazidos pela Gestalt-terapia é a noção aqui e agora. Um conceito que reforça a necessidade do ser humano tratar suas questões a partir da experiência imediata. Diferente de buscar parâmetros ou respostas advindas do passado, a abordagem apregoa a escuta e intervenção humana com base na premissa de que todo desconforto humano, por mais que tenha a sua origem em eventos situados no tempo e no espaço, sempre remete ou se atualiza no presente.

Contudo, é imprescindível destacar que tal concepção implica esforços teóricos e práticos que, aparentemente, podem passar despercebidos. Muitas vezes, conforme dito acima, é expressiva a inclinação humana em investir em fatos do passado com a finalidade de atribuir explicações aceitáveis para comportamentos ou ações situadas no presente. Não é incomum a tendência de lançar os olhos para eventos da vida pessoal, familiar ou coletiva a fim de identificar as raízes que justificam a emergência de atitudes humanas vistas como desajustadas ou fora do padrão de normalidade. Com base nisto, sobram explicações e racionalizações que não apenas explicitam a causa de toda a anormalidade identificada em determinada pessoa ou família, mas também produzem modos padronizados de comportamento.

Sob estes termos, é necessário retomar a experiência aqui e agora a partir de um viés que, de fato, preserve, minimamente, aspectos que a constituem, tais como, o caráter imediato, a improvisação e a espontaneidade. Contrária a toda proposição teórica capaz de prejudicar um real contato com determinada experiência, seja com o outro ou com uma lembrança, a pergunta que se devolve para a abordagem gestáltica é a seguinte: a partir de quais caminhos e esforços se torna possível manter uma postura fenomenológica diante da experiência humana? Como adotar uma conduta capaz de suspender certos saberes a priori, conceitos provenientes de uma pré-experiência, a fim de lançar-se, de forma autêntica e livre, em direção a uma vivência de presentificação afetiva, emocional e narrativa?

Ao mesmo tempo em que se deseja atualizar esta questão junto à abordagem, é necessário voltar os olhos para ela e perceber certas pistas deixadas ao longo de sua construção sócio-histórica. Tratam-se de vestígios de práticas e reflexões que deixam transparecer na abordagem certa preocupação com a presença de dinâmicas e experimentos que sejam disponíveis a experiência estética aos modos de funcionamentos que o campo revela, às estratégias e aos discursos. Algo diferente de uma metodologia técnica e científica construída previamente e que, a cada demanda, pode se lançar mão dela no intuito de descobrir, de desvendar algo disfuncional no indivíduo ou no grupo.

De certa forma, o modo como a Gestalt-terapia vem sendo proposta revela diferentes articulações com outros campos do saber humano de modo a atender ou contemplar esta preocupação. Aproximações e diálogos com discursos, fora do saber psicológico, que contribuem para um olhar menos objetivo, rígido e manipulativo, e muito mais dialógico, construtivo e atualizante. Trata-se de interlocuções produzidas no encontro da abordagem com o campo da arte, da dança, da música, do teatro, entre outros, que suscitam outras perspectivas estéticas.

Alguns dos fundadores da Gestalt-terapia parecem provocar ou deixarem-se levar por tais orientações. Dois dos seus principais colaboradores, Laura Perls e Paul Goodman, ao longo de suas vidas, mostraram envolvimento com diferentes técnicas de expressão artística. Laura, por exemplo, exercia seus dotes artísticos, desde a infância, na dança moderna, além do piano e da literatura. Apoiada numa precoce capacidade de ler partituras, Laura encontrava na musicalidade um importante recurso para trabalhos corporais, concepção esta que ela fazia uso no exercício profissional, assim como em sua vida pessoal (Alvim, 2007).

Já Paul Goodman, norte-americano, nascido em Nova York, carregava em sua trajetória profissional expressivas relações com a poesia e a novela, duas áreas que mais se destacavam na sua produção literária e através das quais ele constituiu seu pensamento e seu estilo de escrita. É justamente neste modo particular de expressão literária que ele revelou seu tom agressivo, argumentativo e contrário às leis e regras sociais impostas (Ginger & Ginger, 1995; Alvim, 2011).

Por fim, Fritz Perls levou consigo, durante toda a vida, um enorme desejo pelo teatro, principalmente quanto a se tornar um bom ator e diretor - realização esta não consumada (Ginger & Ginger, 1995). Inicialmente, esta inclinação para a arte, principalmente o teatro, tinha como motivação sua mãe que recorrentemente o levava a museus e óperas. Acrescido disso, ele passou a estudar numa escola liberal, Askanische Gymnasium, em Berlim, onde lecionavam alguns professores de orientação humanista. Nesta mesma época, entre 1906 e 1907, quando completou quatorze anos de idade, ele ingressou no Teatro Real de Berlim onde chegou a interpretar alguns papéis como figurante (Tellegen, 1984) e se mostrou bastante empolgado com a riqueza dos figurinos e das encenações e o contato com a literatura (Perls, 1979)2

No tocante ao desenvolvimento da Gestalt-terapia, Fritz passou a praticar o psicodrama de Moreno - particularmente, a sua variante intitulada monodrama, na qual o paciente/ cliente interpretava sozinho os diferentes personagens que evocava como uma forma de observar a situação em questão através de novas perspectivas. Quanto ao ensino desta abordagem terapêutica, alguns centros de treinamento abriam as suas portas para a realização de workshops, estágios e laboratórios, sob os títulos, por exemplo, de "Teatro, Gestalt e psicodrama" e "A Gestalt e a arte" (Ginger & Ginger, 1995).

Interessante pontuar o quanto a construção de olhares dos principais fundadores da abordagem foi permeada pelas práticas artísticas. Aparentemente, tais interlocuções com a arte pareciam ser traduzidas em termos de constructos teóricos e práticas estéticas destinadas a um trabalho de auto-conhecimento e desenvolvimento humano. Embora Fritz não tenha dado seqüência aos seus investimentos no campo do teatro, seu interesse constantemente aparecia, fosse em sua vida particular, fosse no aprofundamento teórico e prático da gestalt-terapia. Por exemplo, poucos anos depois do contato com o Teatro Real de Berlim, ele estendeu seu círculo de amizade a filósofos, poetas e artistas da chamada contracultura, com os quais se encontrava freqüentemente em cafés "esquerdistas", incluindo neste grupo, mais à frente, pessoas como o próprio Paul Goodman e o grupo Living Theatre3 (Ginger & Ginger, 1995).

Uma destas pistas pode ser identificada nos encontros e diálogos construídos com o Living Theatre, particularmente com Fritz Perls e Paul Goodman. Sob a liderança do casal Julien Beck e Judith Molina, surge, em 1947, este grupo de teatro que, além de estar imerso na contracultura americana, adotava como princípios as concepções do Teatro da Crueldade, de Antonin Artaud, com o intuito de produzir trabalhos que inserisse no debate público não apenas questões de interesse da sociedade - relação com o poder público, educação -, mas também uma crítica ao próprio teatro. Montagens estas que, certas vezes, recebiam também a contribuição de Paul Goodman que, além de poemas e estórias para revistas literárias, também exibia a sua inclinação à literatura na escrita a partir de textos dramatúrgicos (Cohen, 2004).

Um grupo que adotava, entre outras metodologias, o happening como recurso técnico para produção de suas peças e para a condução de suas intervenções urbanas. Técnica criada por Allan Kaprow, no final da década de 60, que sugere o fazer artístico enquanto construção coletiva (atores e público) endereçada a mostrar e colocar em debate, de forma crítica e complexa, assuntos atuais. Tal estratégia aborda temas diversos a partir da sua própria presentificação, de um experimentar compartilhado com o público, que se desdobra não em reminiscências, resgate de memórias, mas sim na vivência pulsante e natural das contradições, dos desconfortos vividos pelas pessoas que compõem aquele coletivo.

Nestes termos, a dialogicidade e a experimentação do presente são aspectos identificados na criação artística. Fatores estes que se apresentam também como elementos fundamentais para a compreensão das relações humanas com base na abordagem gestáltica. A partir desta provocação técnica/ vivencial, busca-se, neste artigo, com base nas possibilidades favorecidas pelo happening, conduzir o debate proposto e resgatar aspectos primários presentes na vivência do aqui e agora. Indagar acerca das possibilidades de (re)experimentar, a partir desta escrita, o imediato, o improvisacional e o espontâneo, presentes nesta vivência e que fazem dela uma possibilidade real e humana de experiência transformadora no campo da abordagem gestáltica.

 

Arte e vida - Living Theatre

O Living Theatre foi um grupo fundado por Julian Beck, marcado por sua trajetória na pintura abstrato-expressionista, em Nova York, e por Judith Molina, alemã influenciada pelas ideias do teatro político de Piscator, além de Luigi Pirandello e Antonin Artaud. Desconfortáveis com o teatro comercial de Nova York e da Broadway, ambos passaram a se mobilizar, em pequenos espaços alternativos, na intenção de criar uma espécie de movimento de contra-corrente, de off-Broadway capaz de produzir um teatro experimental, de modo a dedicar a arte a causas políticas (Troya, 2015; Simões, 2015).

Em 1951, o grupo iniciou sua trajetória artística quando apresentou, em um pequeno apartamento, quatro peças teatrais. Espetáculos montados a partir de autores que compartilhavam de semelhantes princípios da contra-cultura, tais como, Bertold Brecht, Garcia Loca, Gertrude Stein e Luigi Pirandello. Além de montagens teatrais, o grupo também produzia atividades destinadas a concertos de música, leituras de poesia de autores contemporâneos e dos clássicos gregos, assim como dança, cinema de arte e oficinas de arte dramática. Ações estas alternadas pelo envolvimento com manifestações pacifistas com a finalidade de fazer frente à política imperialista do governo norte-americano, redundando em episódios que, entre os anos 50 e 70, se desdobraram na prisão de alguns integrantes do grupo e na busca por novos espaços a fim de dar continuidade ao trabalho (Troya, 2015).

À medida que o grupo favorecia espaços de criação artística, seu trabalho tornava-se conhecido e recebia o apoio de artistas de diferentes áreas, entre eles, os artistas plásticos Franz Kline e Salvador Dali, o bailarino Merce Cunningham e o músico John Cage. O que repercutia, por exemplo, em convites que o grupo recebia para levar suas montagens a festivais e premiações realizadas em Paris, Londres, Pittsburgh e Roma, nos primeiros anos de 1960, o que lhe rendeu prestígio e condecorações. Incursões estas que pareciam não desviar o grupo de suas inclinações políticas, como pode ser observado nas participações em manifestações (greves, passeatas) em torno de questões, por exemplo, relacionadas a crueldade presente nas prisões correcionais das corporações militares americana (Troya, 2015).

A convite do diretor teatral Zé Celso e do ator Renato Borghi4, o grupo Living Theatre foi convidado para vir ao Brasil com a esperança de que pudessem fazer algo em relação atual a situação dos artistas brasileiros acerca da censura, repressão e condição de exílio de muitos com a ditadura5 (Patriota, 2006). Somado a isto, os seus integrantes também compreendiam que tal visita representava uma oportunidade para conhecer outras realidades, condições de vida marcadas pelo sofrimento e sinalizadoras da eficácia da ação do imperialismo europeu sobre o povo brasileiro. Como reforça Troya (2015),

O passado colonial, tão presente nas instituições sociais brasileiras, serve perfeitamente como contexto para o estudo do contrato social, isto é o compromisso assumido pelo escravo em relação ao senhor, uma relação de ódio e amor, implicitamente sado-masoquista. A perversão do amor em domínio e submissão, a propriedade privada, a violência e a guerra, a cultura da morte, o trabalho escravo para o acúmulo de riquezas e miséria, são as formas de servilidade do povo ao Estado e ao status quo de que fala Masoch.6 (p. 145)

Com este pensamento, os atores, por entenderem que a favela representava este grande locus explosivo de deterioração do sistema capitalista, mas também a possibilidade de uma insurreição dos oprimidos, resolveram se dedicar ao estudo da língua portuguesa, assim como estudar melhor as razões históricas e antropológicas relacionadas aos dispositivos de repressão presentes a fim de fazer da arte um apoio na luta pela libertação dos reprimidos. A título de exemplo, às vésperas do Natal de 1970, o grupo, apoiado por estudantes da USP, levou para a favela do Buraco Quente, situada em São Paulo, um de seus trabalhos (Troya, 2015; Vannucci, 2015). Intervenções estas que, geralmente, acabavam em ações de censura e repreensão, assim como ocorreu com o grupo ao tentar levar para as dependências do Masp, o Museu Arte Moderna de São Paulo, durante o V Congresso Internacional de Psicodrama, as suas ideias e encenações contestadoras, quando foram convidados a deixar o país pelo Departamento da Ordem Política e Social (Perazzo, 1999).

Entre as intervenções artísticas do grupo, destaque para a encenação nas ruas de Rio Claro, cidade de São Paulo, realizada em 1971, em pleno Dia das Mães, na qual, com o apoio de estudantes de escola, mesmo sob a ameaça de delatores e de reacionários, tratavam a violência doméstica sofrida pelos filhos dos mineradores de Ouro Preto. Assim como em uma penitenciária na capital mineira onde, com o aval de um padre contrário ao regime de delação presente entre os presos, retrataram, por intermédio da criação "Sonhos de prisioneiros", todo o seu desconforto frente ao sistema carcerário (Passetti, 2008; Troya, 2015).

Aliás, foi nesta mesma cidade que, um ano antes, o Living Theatre participou do Festival de Inverno. Marcada pelas ações de repressão por parte do regime militar, assim como prisões e execuções sumárias, a vila colonial mineira, conhecida até então como um destino privilegiado de artistas e hippies, tornou-se o local escolhido no qual o grupo pretendia realizar uma intervenção artística a partir da peça O Legado de Caim e Seis sonhos sobre mamãe, com base em uma série de atividades espalhadas pela cidade - visitas recorrentes a bares, aulas de ioga, encontros semanais de treinamento com os atores (Troya, 2015; Vannucci, 2015).

 

(Des)articulações: arte e vida

O caráter experimental, a abertura a espaços de criação artística e coletiva, a busca por intervenções urbanas e a produção de peças que afrontam os modos de atuação repressivos dos governos ditatoriais são características por intermédio das quais o Living Theatre coloca a seguinte questão: quais as possibilidades de se tomar e (re)fazer os limites entre arte e vida? Diferente de lidar com uma espécie de arte de cunho extraordinário e fora da própria vida, toda a produção artística deve ser encarada a partir da ótica da própria vida. Diferente de suscitar no público sensações prazerosas a ponto de levá-lo a certos níveis de felicidade, o que se reafirma aqui é a possibilidade de um saber criativo dissimular novos sentidos para as coisas da vida, sugerir outros sentidos para o que é da ordem do indizível (Nietzsche, 1974; 1981; 1992).

Em meio ao período ditatorial presente em países sul-americanos, o Living Theatre adotou não apenas o ato artístico como dispositivo tático, mas principalmente os modus vivendi presentes nas diferentes escolhas e posturas do grupo, dentro e fora dos espetáculos, como um movimento, a todo o momento, de luta política. A começar, por exemplo, pelos episódios nos quais o grupo foi preso após denúncias ao DOPS em razão de adotarem ações subversivas - o que foi atestado pelo fato de encontrarem sob a posse de alguns de seus integrantes determinados medicamentos, vitaminas e livros.

A experiência carcerária vivida pelo grupo em 1971, em Ouro Preto e Belo Horizonte, fez que Judith Malina registrasse tais eventos através de uma série de anotações que, futuramente, foram publicadas no jornal O Estado de Minas e no Correio da Manhã (Passetti, 2008). Escritos que exerciam um registro autobiográfico, uma espécie de terapia auto-aplicada, uma forma de controlar seus impulsos e transcender a rotina diante de certos traumas vividos no passado, tais como, o afastamento da filha, a ameaça constante de repressão e da separação do casal (Vannucci, 2015).

Mas a escrita também situava um caráter performativo do diário, carregado de sentimentalismo, de dramaticidade e de amor pela vida. Uma forma de construir e expor, durante o encarceramento, a imagem positiva de boa mãe, esposa, em meio a um processo de desmoralização que o grupo sofria por conta de seus hábitos de vida hippie. Modos de expressar uma postura pacifista, cujo discurso reforçava a adoção de formas mais pacatas de submeter-se a reclusão, de uma convivência mais amorosa com suas companheiras, por exemplo. Contudo, o que se buscava nestes modos de narrativa eram táticas que produziam novos sentidos para aquela vivência, inversões naquele "cenário". Pois, agora, por exemplo, ao fazer a descrição dos guardas que a custodiavam, não era mais ela o alvo da vigilância, mas sim eles que passavam a serem os vigiados. Como afirma Vannucci (2015),

acatando preventivamente a censura imposta por estar presa, pode encenar a si mesma naquele cenário, driblando uma possível repressão. Nessa coincidência entre vida e arte, o diário é uma performance articulada como tática de resistência. A sinceridade é suspensa em nome da possível performatividade retórica da palavra e da subjetivação no papel de presa dócil e bem relacionada com os seus carcereiros. (p. 220)

A própria elaboração deste diário, segundo Vannucci (2015) era feita durante os ensaios das peças enquanto forma de documentar o processo criativo. Como um registro, um repertório o qual devia ser visitado sempre que necessário para a construção do espetáculo. Propostas cênicas estas que, diferente da mera ilustração da vida, funcionavam como um compartilhar com os espectadores das experiências performativas e terapêuticas que, por sua vez, eram tomadas como táticas de provocação e de contágio, capazes de produzir degraus de conscientização. Uma espécie de teatro livre a partir do qual a prática de improvisação teatral faria a mediação com o público com a finalidade de não apenas compartilhar temas abertos, mas também responder, respirar o que estava sendo posto ali de modo a "que ninguém imitaria o drama de alguém ou falaria em nome de outro, mas cada um, como si mesmo, aconteceria com seu próprio drama" (p. 207). De modo a deslocar os corpos dos lugares e funções previstas (ator e público) e fazer que o espectador se emancipasse de sua passividade imposta pelo sistema revelando, assim, a contingência de qualquer ordem social e a falta de fundamentos de qualquer opressão vivida (Vannucci, 2015).

A pretensão posta pelo grupo passava pela ideia de performar uma visão, que poderia ser compreendida como uma tentativa de sair dos limites da representação em direção ao compartilhar sensorial que passava pelo olhar. Um teatro que afetasse os corpos e suscitasse a participação espontânea do público, por exemplo, como o que ocorreu em Ouro Preto a partir de uma espécie de respiração coletiva dos ares contaminados diante da fumaça produzida pela fábrica de alumínio, situada em Saramenha, instituição responsável por boa parte da exploração de mão-de-obra da época. Tratou-se aqui de um problematizar as relações patriarcais localizadas na base da pirâmide social naquele lugar, de um compartilhar e fruir de experiências físicas de libertação, partindo da noção de que "as visões não são marcadas no espaço representativo, pelo contrário, mas desarticulam as expectativas da visibilidade de modo a manter a estrutura aberta para incluir a ação dos espectadores em montagem simultânea" (Vannucci, 2015, p. 217).

Tendência identificada de forma notável na montagem Paradise Now, em 1968, no Festival de Avignon, espetáculo que o grupo buscou explorar os limites entre arte e vida ao trabalhar com diferentes possibilidades de "levar o público passivo a atuar em cena através de rituais, visões e ações". Ocasião na qual se "procura unir o pessoal e o coletivo, o espiritual e o político, numa viagem a um tempo interior e exterior, atuando a dialética da revolução" (Troya, 2015, p. 143). Rituais com os quais se reconhecia recíproco e politicamente, assim como se começava a falar, se reunia, se desmistificava, se libertava e desarticulava as tiranias7. Como reforça Vannucci (2015),

O contágio performativo, possível no espaço/ tempo compartilhado das ações propostas, é passagem para a emancipação do espectador, que ao decidir que vai tomar parte, de repente se reconhece como aquele que cria liberdade. A dramaturgia investe na flexibilidade do pacto cênico ao ar livre, onde o espectador também é livre de condicionamentos, que se adapta a descrever um jogo que ainda deve ser jogado; algo que não atende mais pelo nome de peça, mas de ritual, ressaltando sua função alquímica e transformadora. (p. 214-215)

O trabalho do grupo europeu trata-se de "performar atos públicos visando saturar os regimes de visibilidade para que a verdade se revele" (p. 222). Proporcionando, assim, o favorecimento de comunidades conscientes de sua potencialidade subversiva, mesmo que temporárias. Não por intermédio de ações pautadas no confronto armado, mas sim no que se poderia chamar de uma militância da Maravilhosa Revolução Não Violenta8(Vannucci, 2015).

Diferente de certas expectativas, embora o grupo alcançasse destaque no meio das ações de contracultura da época através, por exemplo, do lançamento de livros destinados a retratar a sua trajetória em terras italianas, os seus integrantes se lançavam em novos projetos9. Com o intuito de vivenciar experiências mais autênticas, o grupo deslocava-se para certas cidades e passava a compartilhar técnicas de respiração e de mantra, para conseguir estados de transe. Tais episódios, por mais breves que fossem, para Vannucci (2015), revelava a necessidade do grupo em fazer de uma vida itinerante, mais do que uma simples trajetória, mas o seu modo vivendis nômade, um modo de reafirmar uma produção cultural autônoma capaz de escapar das armadilhas constituídas pelos grandes teatros enquanto formas institucionalizadas de fazer arte, da dependência e da institucionalização enquanto aparato de controle. Como ressalta o autor:

A assunção do nomadismo como opção é, portanto, um dispositivo de guerrilha, pois permite escapar da repressão, e um comportamento messiânico, já que desarticula as relações com o espaço e o tempo instituído por fronteiras e calendários e permite a entrada em um tempo revolucionário, de preparação do mundo a porvir, que pulsa no interior do tempo cronológico, capaz de resignificar a vida cotidiana e potencializá-la como processo criativo permanente, desvinculado da produção de espetáculos. (p. 209)

O que se observa, nestes modos, é a presença de uma forma comunitária e itinerante de conduzir aquela organização artística, assim como pautada em criações coletivas (Dorna, Cunha e Rodrigues, 2006; Troya, 2015). A relação entre espectador e ator refundava novas ações e posições em favor de olhares e saberes que somente existiam com bases em relações transversalizadas. A ritualização de certas vivências tornava-se o meio pelo qual o Living Theatre não apenas compartilhava/ democratizava a informação, mas suscitava a conscientização de determinadas condições de vida, assim como fazia existir outras legitimações, autonomias e formas de luta que encontravam no ato performativo as potencialidades necessárias para sua existência.

Possibilidades favorecidas a partir dos Happenings

A dissolução/ transversalização dos limites entre arte e vida, em termos teóricos, precisa ser observado de modo cuidadoso e crítico. Quando o Living Theatre resolveu, em 1968, sob o agito de bandeiras esquerdistas, ocupar as dependências do Théâtre de l'Odéon acompanhados por atores, trabalhadores e estudantes, eles desejavam colocar em jogo muito mais do que a relação entre palco e platéia. A ocupação do teatro era estratégica na medida em que ele representava "o elitismo social e a separação entre arte e vida". O que a performance ressaltava era a necessidade de "ir ao encontro do povo, na rua, para que conheça as suas possibilidades de ser" (p. 205), pois ali que residia o espetáculo enquanto acontecimento, revolução possível, ato público (Vannucci, 2012, 2015).

É o que o artista norte-americano Allan Kaprow10 convencionou chamar de happenings, uma espécie de teatro livre, experimental e anárquico, no qual o processo, o rito e a interação interessam muito mais do que o resultado estético final. Influenciado pelo grupo de teatro japonês Gutai e o teatro do diretor Antonin Artaud, mais do que uma expressão artística que faça referência à vida, ele a engloba de modo a provocar uma ruptura nas formas teatrais convencionais (cenário, público, representação). Este corte se dá em razão das situações de improviso que ocorrem, o que torna tênue a linha que separa ficção e realidade. O que pode ser observado, por exemplo, no fato do público não saber o que vai ocorrer - muito menos que poderá participar de certa forma -, no fato do performer "mostrar" ao espectador os bastidores e o modo de funcionamento daquela expressão artística. Happenings podem ser definidos como a contestação, com bases ideológicas, em acontecimento, enquanto atividade de grupo (Kaprow, 2003ab; Cohen, 2004).

Não há personagens configurados, mas sim os performes, como são chamados, "apenas executam tarefas, sem que esteja depositada sobre eles alguma matriz ou camada semântica que viria a engendrar a consolidação de outra pessoa, outra história, outra narrativa que não aquela que, por natureza, emite o corpo ali apresentado" (p. 90). A dramaturgia é composta pela colagem de ações sem, necessariamente, apresentar uma relação de causalidade, nem tampouco uma temporalidade cronológica, presente no teatro convencional (Nardim, 2013).

Happenings não apresentam um único plano, nem filosofia própria, mas sim envolvem o acaso e comportam possíveis falhas. Pelo fato de não serem incluídos na categoria "mercadorias", mas sim tomados como eventos breves, cuja repetição é impossível, eles ocupam espaços distintos daqueles comumente reservados às produções artísticas - museus, teatros, galerias (Sneed, 2011).

... eles parecem não ir a lugar algum e nem fazer sentido literário específico. Em contraste com as artes do passado, não têm um início estruturado, meio ou fim. Sua forma é aberta, inacabada e fluida: nada, obviamente, é solicitado e, portanto, nada se ganha, exceto a certeza de um número de ocorrências às quais estamos mais atentos. (Kaprow, 2003a)

Happening como dispositivo analítico para a abordagem gestáltica

Estas inclinações artísticas, políticas e teóricas suscitadas a partir das montagens do Living Theatre, assim como de seus modos de atuação e ocupação, remetem a expansão das fronteiras entre arte e vida. Movimento este identificado, como visto anteriormente, na convocação do público a interagir ativamente no espetáculo, na reconfiguração dos seus lugares e papéis e na produção de distintas sensorialidades a partir de experiências coletivas. Interessante que tais posturas e racionalidades também podem ser situadas entre as distintas interlocuções vivenciadas pelos primeiros autores da abordagem gestáltica. É possível se afirmar isto não apenas porque tais autores freqüentam os mesmos ambientes onde artistas e boêmios circulam, assim como intelectuais de esquerda, músicos, além dos atores do Living Theatre. Também não é possível identificar que tais discursos, presentes no Zeitgest europeu, na primeira metade do século XX, no campo das diferentes produções de idéias, nutrem e caracterizam os diferentes encontros e diálogos.

Porém, é fundamental pontuar este contexto como uma das possibilidades de contribuição que Fritz Perls traz consigo não apenas para reavivar o "velho amor pelo teatro", mas principalmente para auxiliá-lo em uma "radical tentativa de abolir as dicotomias entre vida pessoal e profissional" junto à abordagem gestáltica (Tellegen, 1984, p. 31). Mais do que isto, produz nele, cada vez mais, ao deslocar e pensar as experiências cênicas vividas por ele, a defesa da "expressão direta do sentimento 'aqui e agora' mediante um contato espontâneo com o público, mais do que a aprendizagem tradicional por repetição" (p. 55). A arte teatral surge não como uma metodologia técnica e diretiva de ensino/ aprendizagem, mas sim como a viabilização de experiências vividas no aqui e agora.

Pontua-se a expressão "aqui e agora" enquanto fenômeno intermédio do qual se concebe a realidade e os modos de lidar com ela. Com base em um viés holístico, este conceito aponta para a totalidade da experiência humana do indivíduo de modo responsável e engajado. São vivências que sinalizam possibilidades do agir humano no ato imediato, no momentum (Ribeiro, 1994), ou seja, o "aqui e agora" surge enquanto processo criativo, ato de criação (Perls, 1979; Perls, Hefferline & Goodman, 1997).

Possibilidades de ressurgimento eventual e de uma vivência antiga, por exemplo, a partir de experiências integrativas (intelectual, afetiva, espiritual) de modo intenso e vivo. Enquanto vivência imediata, única e singular que pode ser percebida e sentida (o 'aqui e agora' como algo que se sente corporalmente), assim como significados, produção de sentidos (as produções e os sentidos) que se processam em curso na interação e na ação (Perls, 1979; Ginger, 1995).

Esta condição é imprescindível para lidar com situações inacabadas, ou seja, situações que emergem na vida cotidiana e sinalizam um dado comprometimento do equilíbrio organísmico. O que, muitas vezes, produz uma constante fonte de atenção e tensão, cuja solução está situada nas formas como o organismo encontra para lidar, de modo criativo, com tal quadro, restaurando, assim, o equilíbrio - completando a gestalt (Perls, 1979; Ginger & Ginger, 1995; Perls, Hefferline & Goodman, 1997).

Ao "somatório" de todas estas razões, emoções, corpo, escolhas e significados, a este "todo" se atribui a expressão gestalt. Diz respeito a uma configuração de necessidades que norteiam a vida humana em termos do nível de energia a ser investido com a finalidade de buscar meios de solucionar, dar conta de determinados impasses. Dinâmica que se expressa a partir da noção de "figura e fundo", ou seja, a figura como algo dominante, demanda que surge no dado instante e cujo sentido somente existe na relação com o "fundo", com um dado contexto (Ginger & Ginger, 1995).

A partir do qual se observa a busca por uma auto-regulação organísmica, ou seja, uma forma do organismo interagir com o mundo, de forma criativa, de modo a se atualizar dentro de suas próprias possibilidades. Importante ressaltar que o organismo é tomado como um ser dotado de potencialidades enquanto capacidades com natureza própria que permitem que o mesmo, a partir de ações de rejeição, fuga, adaptação e equilíbrio, em relação ao meio, se atualize. Com base em um prisma holístico, tais tendências atualizantes propiciam ao indivíduo o fechamento de gestalten incompletas, a conclusão de situações inacabadas (Goldstein, 1995).

Inspirada nestas ideias, Tellegen (1984) destaca um pequeno trecho de Carlos Castaneda, a partir de palavras atribuídas ao personagem Don Juan Matus:

Olhe bem para cada caminho... / Experimente-o tantas vezes quanto achar necessário / Depois, pergunte-se: Esse caminho tem coração? / Se tiver, o caminho é bom / Se não tiver, não presta / Ambos os caminhos não conduzem a parte alguma, / Mas um tem coração e o outro não. (p. 11)

As breves palavras convidam para uma reflexão acerca do caminho não enquanto meio a priori pelo qual se alcança algo ou alguém, nem tampouco um trilhar marcado por princípios estético-morais ou regido por funcionalidades pré-concebidas. Trata-se, na verdade, de um caminhar cuja distinção é sugerida pelo modo como ele é feito, assim como a implicação e o investimento de vida em jogo. Diante de um questionamento desta ordem, a real significação deste caminhar reside em quanto o indivíduo se disponibiliza a partir de seus desejos, anseios, resistências, expectativas.

Condições estas através das quais ele se permite lidar com impasses, desafios de modo criativo e, assim, se experimentar produzindo formas novas de tratar o mundo. As situações, antes abertas, incompletas, agora sinalizam possibilidades reais de transformação, de constante dinamismo na relação figura-fundo. Neste sentido, não se trata de identificar os erros ou falhas do agir humano, nem tampouco restaurar as relações de causalidade que justificam o modo de ser escolhido. Mas sim voltar os olhos para estes "erros", "falhas" e "causas" e encará-los como modos de formação, destruição e reconstituição de gestalten. Como reforçam Polster & Polster (2001), as resistências, enquanto forças que impedem ou interferem na execução de um dado comportamento/tarefa simples (escolher uma roupa, ir a uma determinada praça pública), não devem ser tratadas como algo a ser removido, mas sim compreendidas como "força criativa para administrar o mundo" (p. 67), parte da própria identidade. Tratam-se de modos de significação do mundo, assim como de sua relação com o mesmo.

Neste sentido, reaver algumas particularidades da noção de "happening" contribui para repensar os desafios diante dos quais a abordagem gestáltica se coloca. Dito de outro modo, a viabilização de uma experiência imediata por intermédio da arte teatral, não deixando de lado que tal conceito reitera a liberdade e a possibilidade de experimentar, reintroduz no cerne do debate da abordagem psicológica a necessária radicalidade de um "aqui e agora" enquanto real vivência humana.

A dialogicidade é vista como característica marcante de um evento que se dá a partir das relações humanas e transcorre de modo não-diretivo. O encontro entre as pessoas, quando ocorre de modo a revelar a autenticidade nas relações interpessoais, pode se transformar em garantia de uma consideração mútua, ou seja, uma aceitação do outro como de fato ele aparece para mim. São encontros que um se disponibiliza ao outro a ponto do dialógico se comprometer com o "entre", com a experiência coletiva na qual se está verdadeiramente envolvido e interessado. O "entre", cunhado por Buber (2001), aponta a vivência conjunta entre as pessoas de modo que, ao transcender possíveis noções de identidade, a ênfase excessiva no individual, passa a funcionar como elemento constitutivo da própria experiência humana - o inter-humano enquanto "reconhecimento da dimensão ontológica no encontro entre pessoas" (Hycner, 1995, p. 11).

O "entre", o dialógico surge como espaços de acontecimento de um aqui e agora intenso, de gestalten que, terminantemente, são tecidas, destruídas e reconfiguradas, em meio à dinâmica figura e fundo, diante da inconstância e complexidade do mundo. Toda esta radicalidade e vitalidade das experiências humanas podem encontrar ressonância, muitas vezes, nas estratégias e técnicas que o homem produz para dar (re)significado ou revivê-las de outras formas. Assim como o happening para a arte performática, a abordagem gestáltica também lança mão de dinâmicas e experimentos (Stevens, 1978; Stevens, 1988) que visam criar recortes na vida, suspender determinados conceitos e sentidos diante dos eruptivos fenômenos da vida, refazer narrativas antes inquestionáveis.

Conforme dito anteriormente, a finalidade não se torna, por intermédio destes experimentos, tomar a vida como um objeto de estudo científico a ser explicado definitivamente. A intenção reside na possibilidade de mostrar aquilo que está presente. Fazer ver (chamar a atenção para) as funcionalidades presentes nas ações humanas, as subseqüentes direções que elas assumem, as tensões e resistências que se apresentam, os discursos ratificados, os fazeres políticos que configuram modos de viver. Não se representa - nem tampouco (re)apresenta -, não se faz "como se fosse", não se "fala sobre", não se diz o que é do lado de fora: trata-se de um acontecimento em movimento, um viver-se agora, um perder e ganhar que não se narra - apenas se vive na experiência.

E saiba que tudo isto, por mais simples que seja, não se permite conluio qualquer ou dívida de qualquer ordem com as demandas do tecnicismo, do cientificismo, do positivismo. Não é conivente com técnicas frias, nem tampouco recursos exatos destinados a apreensão do "humano". São formas de vida que, seja no teatro, na terapia ou qualquer outra forma de ser, produzem novas transversalidades na chamada "cisão entre arte e vida". Fala-se em "novas transversalidades", pois aqui não se promete afirmar, de modo ingênuo e prepotente, a emergência de modos de vida que rompem, por completo, as barreiras que separam arte e vida. Na verdade, insinuam, sugerem novas direções, solicitam e indicam outros meios pelos quais, talvez, seja possível produzir os "entres" que tanto alimentam a nossa vida, as dissonâncias que falam dos seres viventes.

Conduzidos por esta reflexão, cabe aqui, antes de finalizar o texto, produzir alguns recortes teóricos, talvez de caráter didático, na abordagem gestáltica para se pensar quais conceitos tornam-se fundamentais para uma postura fenomenológica de vivência do aqui e agora. O encontro com o outro, o experimental e a ação criativa são alguns dos elementos fundamentais que o happening suscita dentro da arte performática e sugere enquanto possível caminho a ser trilhado, dentro da abordagem em questão, para se produzir ou se permitir a vivência imediata e presente do aqui e agora. Neste sentido, serão destacados, em poucas palavras, quatro termos presentes na Gestalt-terapia enquanto alicerces para a reflexão proposta: contato, experiência, espontaneidade e improvisação.

O termo contato, segundo Perls (1977), implica a possibilidade de ampliação das fronteiras existentes na relação com o outro, no encontro entre o organismo e o ambiente, o que necessita de uma mobilização de recursos interiores. Diz respeito ao espaço entre o self11 e o outro, local onde se organizam e se envolvem mutuamente, no qual, a partir da assimilação do novo, da rejeição ou apropriação do diferente, se dá o crescimento pessoal. Neste sentido, o objeto do contato é sempre o difuso, a novidade, mas nunca o indiferente (Perls, Hefferline & Goodman, 1997).

O que aparece na fronteira de contato entre o indivíduo e seu meio revela o modo como a pessoa funciona em seu meio. Pensamentos, emoções, ações, sentimentos, entre outros, são os eventos psicológicos, os modos de experiência e de encontro nessas fronteiras (Ginger & Ginger, 1995). Ao mesmo tempo em que a fronteira de contato é determinada pela amplitude das distintas fronteiras do eu na relação com o mundo, tal fronteira define "as ações, ideias, pessoas, valores, ambientes, imagens, memórias etc com o quais ela está disposta e comparativamente livre para se envolver plenamente tanto com o mundo externo a ela quanto com as reverberações internas que este envolvimento possa despertar" (Polster & Polster, 2001, p.120).

Este contato, seja na relação consigo ou com o outro, pode levar o indivíduo ao que Ginger e Ginger (1995) e Ribeiro (2009) denominam de experiência. O segundo conceito aqui pontuado é definido, pela abordagem gestáltica, como algo situado única e exclusivamente no presente. Diz respeito à experiência imediata do aqui e agora enquanto fenômeno. O que implica, por sua vez, a totalidade da experiência enquanto unidade absoluta e inseparável, necessariamente, englobando linguagem, pensamento e comportamento no contato com as necessidades vividas (Ribeiro, 1994). Ou seja, o fato de tornar-se experiência não restringe a sua definição apenas ao que é da ordem da linguagem verbal, daquilo que é dito ou racionalizado, mas o corpo também tem a sua inteira participação. Mais do que o corpo físico e limitado previamente, trata-se do realidade corpórea enquanto outras possibilidades existenciais, de encontro do sujeito com o mundo12.

Para a abordagem gestáltica, assumir verdadeiramente a experiência significa tomá-la no fluxo natural dos relacionamentos, sem se deixar levar pelas possíveis conexões simbólicas que tal evento tenha com o passado nem tampouco se orientar por vetores psicológicos que a justifiquem ou expliquem (Polster & Polster, 2001). Significa reafirmar o ineditismo e a singularidade da experiência que sempre se colocam de forma estranha a qualquer teorização preestabelecida13 (Ginger & Ginger, 1995). Neste sentido, "o presente é a experiência da especificidade em que nos tornamos ao nos dissolver em várias possibilidades significativas, e a reforma dessas possibilidades para produzir uma nova especificidade única e concreta" (Perls, Hefferline & Goodman, 1997, p. 144).

A ausência de uma fixidez espaço-temporal presente na experiência parece ser assegurada, ou pelo menos favorecida, pelo aspecto da espontaneidade, como salientam Perls, Hefferline e Goodman (1997). O caráter espontâneo surge como algo marcado tanto pela atividade quanto pela passividade, pois reside ali a disponibilidade por fazer algo, mas também que lhe façam algo. Uma imparcialidade criativa capaz de sugerir certo desinteresse.

A espontaneidade é o sentimento de estar atuando no organismo/ ambiente que está acontecendo, sendo não somente seu artesão ou seu artefato, mas crescendo dentro dele. A espontaneidade não é diretiva nem autodiretiva, e nem nada a está arrastando embora seja essencialmente descompromissada, mas é um processo de descobrir-e-inventar à medida que prosseguimos, engajados e aceitando o que vem. (p. 182)

Deste modo, a não-diretividade de uma experiência espontânea e presente não pode ser tomado como algo que se "fala sobre". Tratar a questão como se fosse um assunto, de modo distanciado, acaba por conduzir o indivíduo a se distanciar de questões abertas do passado por intermédio da intelectualização (Yontef, 1998; Rodrigues 2009). Acaba por levá-lo a olhar para o problema apenas com base em deliberações do passado. A forma mecânica e sem vida a partir da qual certas questões são abordadas, neste prisma, acabam por sufocar quaisquer possibilidades de improvisação ao entrar em contato com aquilo que se torna figura. O que se propaga aqui não é o exercício desenfreado de buscar, pelo método de tentativa e erro ou pelo livre desenvolvimento de novas direções, soluções ou respostas para si, mas sim reintegrar o processo de "falar sobre" a possibilidade de agir. Reinserir a ação no cerne da tomada de decisão favorece ao indivíduo decisões com as quais ele se reconhece, longe da influência de ruminações levianas e de sugestões que funcionam como explicações padronizadas (Polster & Polster, 2001).

Para tanto, a abordagem gestáltica se lança no sentido de produzir modos de ampliação da consciência ou conscientização a partir de ferramentas que favoreceram o contato consigo, a experimentação de uma dada vivência, um aqui-e-agora que sinaliza para formas de funcionamento da pessoa (Stevens, 1988). Enquanto metodologia de intervenção, a todo o momento, ela se debruça sobre a tentativa de exteriorização de situações vividas ou fantasiadas. O desafio aqui é proporcionar ao outro, de modo mais intenso, viver, o re-presentar (no sentido de torná-las presente de novo), a dramatização14 de determinadas ocorrências de maneira a implicar corpo e emoções, o que favoreceria, por sua vez, a conscientização e a awareness15 (Ginger & Ginger, 1995).

Neste sentido, a improvisação torna-se um método pelo qual se pode tornar possível a atenção e o destaque para as vivências em curso. Importante ressaltar que o uso da palavra "método" deve ser feito com devido cuidado para que a improvisação não se transforme em mera técnica fria a ser utilizada, mas que ela, a partir do momento em que toda metodologia técnica se torna pano de fundo (Jacobs & Hycner, 1997), possibilite que o terapeuta intervenha, o músico toque, o performer atue.

A Gestalt-terapia foca o vivido, o situacional, a consciência pré-reflexiva - o momentum improvisacional. Trata-se aqui de uma abordagem que privilegia a improvisação enquanto vislumbre de possibilidades e de seus desdobramentos. Não se refere aqui "improvisação" na sua concepção vulgar e pobre, como a ação tomada a partir de recursos impróprios e inadequados, de forma despreparada, limitada e irresponsável. Mas pensar a ação enquanto vir-a-ser, cuja existência somente tem sentido na vivência da improvisação, pois apenas aqui a ação pode ser vista como um pré-ser na vivência de ser no mundo, um ato do possível. A possibilidade como um modo particular de existência e que somente existe enquanto brilho, vislumbre da vivência de um possível (Fonseca, 2005).

A improvisação, enquanto envolvimento orgânico com o ambiente, faz uso da liberdade, da espontaneidade e da inter-relação com o mundo que está a volta (Spolin, 1982). Contudo, não se pode perder de vista, conforme é proposto para o objetivo deste texto, a necessária radicalidade presente no happening, principalmente em termos da compreensão da noção de improvisação. Nardim (2013) afirma, ao retomar as intenções de Allan Kaprow, de que a inter-relação vivenciada na improvisação, a partir da performance teatral, deve ser tomada não como uma abertura ao outro, como uma mera celebração do coletivo, uma defesa das diferenças. Porém, como ela defende,

Todos são apenas um corpo, a priori: há um pulso, e ele é mais ou menos rápido em mim ou no outro, mas não é a diversidade das reações que se apresenta como questão quando eu estou vivendo o meu e o seu pulso. É, sim, a unidade da existência desse constante batimento e a realidade do afastamento que o cotidiano nos impõe, dessa nossa condição comum. Somos todos a existência desse pulso - que, como a presença, oscila: vai e vem. (p. 93)

O "entre", passível de ser revelado no contato, demanda a presença da improvisação, de forma imprescindível, a fim de que seja possível o compartilhar de uma vivência de modo integrado, em uma dedicação construtiva ao outro, se desdobrando em diferentes "composições com os materiais da vida comum" (Nardim, 2013, p. 95). É neste fluxo vivencial, nesta experiência inter-humana que são não apenas alimentados e reinventados a espontaneidade e a improvisação, mas é também aqui que se produz o conhecimento de vida (Nardim, 2011).

 

Considerações finais

Após percorrer estas linhas é possível perceber, a partir de uma dada perspectiva, que o esforço que a abordagem gestáltica empreende ao produzir técnicas e experimentos apresenta certa ressonância com o campo da arte performática. Certos conceitos parecem apontar para experiências e debates no campo da arte acerca da reflexão sobre as ações humanas e criativas que dialogam, a todo o momento, com as contradições da existência, os desafios impostos e os projetos de vida lançados.

A finalidade atribuída ou esperada por Fritz Perls para a abordagem gestáltica é romper com esta ideia rígida de atuações restritas ao campo clínico-terapêutico. A pretensão de tornar a abordagem algo vivenciado no contexto dos encontros da vida acaba por situar a Gestalt-terapia, segundo Ginger e Ginger (1995), não apenas como uma ciência, mas também uma arte. Contudo, com muito mais ênfase, o que se reafirma é que ela é uma arte de viver, é uma linguagem que "não reivindica o estatuto de ciência, mas tem a honra de permanecer uma arte" (p. 30).

A reafirmação do caráter artístico (ou performático) da abordagem, mantendo a orientação do presente texto, pode se espelhar nos esforços que o próprio criador do happening sugere ao longo de seus trabalhos. Durante a década de 70, Allan Kaprow transforma, cada vez mais, suas obras em intervenções intimistas, destinadas a pequenos grupos, com a finalidade de brincar/ jogar com os outros, conhecer novas pessoas e fazer amizades - um dos temas de grande valor para ele. O que se busca é produzir espaços de intimidade fraterna e de alegria espontânea. Com isto, durante o desenvolvimento de seus trabalhos, ele passa a intensificar cada vez mais o caráter de divertimento, de brincadeira, de gozo ao trazer determinados materiais do cotidiano, da vida comum para o ato criativo, de modo a se afastar dos sistemas de arte legítimos e propor muito mais vida do que obra (Kaprow, 2003a; Kaprow, 2003b; Nardim, 2013).

Enquanto a arte é mecânica, é programada, é previsível, é racionalizada, a vida, nestes termos, é falha, é autêntica, é limítrofe, é incompleta de sentido - por isso, é humana! E é justamente sob este prisma que a abordagem também é conduzida na tentativa de suscitar formas novas (e inovadoras) que deem conta do mundo, por intermédio de ajustamentos criativos. O desafio reside no "disponibilizar-se", "estar disponível" para experimentar outras ações, capazes de resignificar, de produzir outros sentidos para questões, aparentemente, já concluídas (fechadas). Trata-se de permitir-se levar por espontaneidades não-diretivas capazes de pré-visionar (ou improvisar) outros fazeres, outros caminhos. Tudo isto permeado por encontros dialógicos, relações coletivizantes, inter-relações humanas, dialogicidades transversalizadas - seja na clínica, na praça pública, nas empresas, nas escolas, nos motins, nas passeatas, nas mobilizações, nas palavras e no silêncio.

Conforme Judith Molina revela, uma das contribuições de Paul Goodman para o Living Theatre está situada em sua postura política, independente e anarquista, expressa um estilo de vida atravessado pela inquietude. Seu caráter pragmático assinala uma preocupação com o aqui e agora enquanto experiência cotidiana, possibilidade de evidenciar os focos de perturbação, de ansiedade, de restrição de habilidade para criar (Alvim, 2007). Tomar consciência desta inquietude é assumir de forma responsável e autoral o aqui e agora para além dos limites pré-concebidos no discurso, nas instituições, nos conceitos, nos saberes. Consciência esta que pode ser notada no clamor traduzido no texto da peça Paradise Now, em 1968, do Living Theatre, quando diz: "O teatro está na vida. Na nossa, na de vocês. Porque esta agora é a vida de vocês também. Não voltem ao teatro, nunca mais. O teatro está nas ruas!". De modo semelhante, o aqui e agora não está na clínica, mas sim nas ruas, na vida, nas contradições, no olhar e no pulsar dos indivíduos e de seus encontros.

 

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Recebido em 27.12.17
Primeira decisão editorial em 06.07.18
Segunda decisão editorial 06.10.2018
Aceito em 13.02.19

 

 

1 Arte e vida não estão simplesmente fundidas; a identidade de cada uma é incerta (Tradução do autor).
2 Durante sua adolescência, Fritz conheceu Max Reinhardt, diretor teatral com expressiva atuação na Alemanha, nas duas primeiras décadas do século XX. Em seu livro, Escarafunchando Fritz, o autor, que anos depois fundaria a Gestalt-terapia, destaca a infinita paciência com que Max ensaiava o seu elenco de modo que suas vozes alcançassem uma combinação tamanha, chegando, assim, a uma harmonia sonora. Ele compreendia o ritmo das tensões e do silêncio de seus atores, a ponto que a aquela "prosa" se transformasse em "música" (Perls, 1979). Assim, Tellegen (1984) nos recorda que o próprio Fritz afirma que com o teatro de Max ele pode desenvolver a sua capacidade de perceber as sutilezas de entonação de voz e linguagem corporal, recursos estes tão explorados mais tarde em seu trabalho terapêutico. O vislumbre de Fritz era tão expressivo que ele considerou Max como "o primeiro gênio criativo" que ele conhece. Ao envolver-se com Max Reinhardt e o grupo Bauhaus, Fritz Perls desejava por um estilo de vida de maior autenticidade e menos submisso às normas sociais vigentes (Perls, Hefferline & Goodman, 1997).
3 Além dos fundadores deste grupo, outros artistas também faziam parte deste círculo de amigos, tais como Andy Wahrol, Jaspers John, Mercê Cunningham e John Cage, sendo estes dois últimos os responsáveis por uma companhia de dança que adotava o acaso e improviso como elementos fundamentais na estruturação de suas coreografias (Alvim, 2007).
4 José Celso Martinez Corrêa e Renato Borghi destacavam-se, no cenário teatral brasileiro, entre os principais diretores, além de dramaturgos e atores. Tendo atuado ao lado de atores de destaque, como Amir Haddad, Raul Cortez, Augusto Boal, Fernanda Montenegro.
5 Experiências estas vivenciadas, por exemplo, pelo Grupo Opinião, Teatro Oficina e Teatro de Arena que, com declarações diretas ou indiretas de apoio ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), montavam e produziam encenações performáticas que somavam teatro, música e dança a serem apresentadas em cidades de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Conduzidas por textos de Chico Buarque, Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, Dias Gomes, Oduvaldo Vianna Filho e Nelson Rodrigues, entre outros, os artistas buscavam diversas táticas para expressar seus posicionamentos e inconformismos, além de burlar as estratégias impostas pelos dispositivos de controle e censura impostos pelo Estado e lidar com episódios de prisão (Kühner & Rocha, 2001).
6 Autor de obras que inspirara, por exemplo, a peça O Legado de Caim.
7 Em 1975, por exemplo, o grupo leva para as ruas de Pittsburgh o espetáculo itinerante Seis Atos Públicos para Transformar a Violência em Concórdia, Rituais e Ações, Prólogo do Legado de Caim, ocasião em que, por intermédio de rituais, os integrantes interagem com o público conduzindo-o de modo a passar por edifícios e locais representativos do poder, da propriedade, assim como provoca-los a uma discussão aberta (Troya, 2015).
8 Uma das influências acerca do ideia de uma postura não-violenta adotada pelo grupo pode ser identificada nas ideias do anarquista John Cage, diretor musical da companhia de dança Merce Cunningham (Simões, 2015).
9 Como a viagem a Essaouira, em Marrocos, em uma tribo nômade chamada gnaoua, praticante de transes terapêuticas (Vannucci, 2012).
10 Allan Kaprow encontra-se entre os principais escritores e teóricos da arte (Sneed, 2011).
11 Ver PERLS, F; HEFFERLINE, R; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. São Paulo: Summus Editorial, 1997, 2ª. ed.
12 Para melhor compreensão do conceito de corpo enquanto retorno ao mundo da experiência, como categoria transcendental e matriz da qual emergem o sujeito e o objeto, ver Alvim (2011).
13 Uma importante contribuição, a partir da reflexão acerca do método fenomenológico, trata-se da tarefa de realizar uma descrição da experiência vivida. Também chamada de descrição pura, a fenomenologia sugere, diante da vivência de uma experiência singular, a tomada de consciência dos distintos elementos que a compõem, de forma o mais completa possível, atendo-se a vivência em questão, pois nenhum indivíduo o pode fazer como faz aquele que a vivencia. Contudo, conforme salientado por Depraz (2011), é irresistível a tendência de se acrescentar a esta descrição elementos que provêm de uma vivência anterior, de modo a prolongar tal narrativa a partir de artefatos conceituais. Assim, torna-se necessário ser o mais completo possível, na sua completude máxima, porém sem concluir com aspectos artificiais - dito de outro modo, completar sem completar.
14 Enactement, em inglês.
15 Ver Polster & Polster (2001), D'Acri, Lima & Orgler (2007) e Rodrigues (2009).

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