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Pesquisas e Práticas Psicossociais
versão On-line ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.14 no.4 São João del-Rei out./dez. 2019
Aproximações entre a Psicologia Analítica e a transdisciplinaridade: as pontes de afinidades
Approaches between Analytical Psychology and transdisciplinarity: the affinity bridges
Aproximaciones entre la Psicología Analítica y la transdisciplinariedad: los puentes de afinidades
Victor de Freitas Henriques
Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (História e Filosofia da Psicologia). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei (Processos Psicossociais e Socioeducativos). Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo abordar as relações entre a Psicologia Analítica de C. G. Jung e a transdisciplinaridade, a partir da noção de pontes de afinidades. Trata-se de trabalho teórico que analisa a prática desenvolvida pelo médico suíço de busca pelas afinidades entre sintomas em quadros psicopatológicos de difícil compreensão. Para tanto, uma revisão de literatura com base nas Obras Completas de C. G. Jung foi feita, na qual recuperamos o modo como Jung utilizara as noções de arquétipo, instinto e amplificação e pudemos perceber traços do que pode ser considerada uma atitude transdisciplinar quando observadas pelo viés das diretrizes traçadas na Carta da Transdisciplinaridade.
Palavras-chave: Psicologia Analítica. Transdisciplinaridade. Conceitos.
ABSTRACT
The aim of this article is to discuss the relationships between Analytical Psychology of C. G. Jung and transdisciplinarity, through the notion of affinity bridges. This theoretical work analyzes the practice developed by the Swiss doctor, searching for the affinities between symptoms in some psychopathological conditions that are difficult to understand. In order to do so, a literature review based on the Collected Works of C. G. Jung was done in which we recovered the way Jung had used the notions of Archetype, instinct and Amplification and we could perceive traces of what can be considered a transdisciplinary attitude when observed through the guidelines outlined in the Letter of Transdisciplinarity.
Keywords: Analytical Psychology. Transdisciplinarity. Concepts.
RESUMEN
El presente artículo tiene por objetivo abordar las relaciones entre la Psicología Analítica de C. G. Jung y la transdisciplinariedad, a partir de la noción de puentes de afinidades. Se trata de trabajo teórico que analiza la práctica desarrollada por el médico suizo, de búsqueda por las afinidades entre síntomas en cuadros psicopatológicos de difícil comprensión. Así, fue hecha una revisión de literatura basada en la Obra Completa de C. G. Jung en que recuperamos el modo como Jung utilizaba las nociones de Arquetipo, instinto y Amplificación y pudimos percibir rastros de lo que puede ser considerada una actitud transdisciplinaria cuando observadas por el sesgo de las directrices trazadas en la Carta de la Transdisciplinariedad.
Palabras clave: Psicología Analítica. Transdisciplinariedad. Conceptos.
Introdução
A Psicologia Analítica tem como uma de suas características o diálogo com outras áreas do conhecimento. Ao elaborar as suas concepções teóricas, Jung empreendeu intensos debates com psiquiatras, psicanalistas, antropólogos, mitólogos, historiadores, filósofos, teólogos, artistas, físicos etc. Esse tipo de postura em relação à produção do conhecimento pode nos auxiliar na criação de estratégias para lidar com o conhecimento transdisciplinar no contexto da pesquisa no ensino superior (Melo, 2015). A universidade é, em princípio, um espaço favorável para se pensar a transdisciplinaridade e, mais ainda, para se organizar pesquisas de cunho transdisciplinar, pois favoreceria a articulação entre as fronteiras dos saberes. Assim, de acordo com Domingues (2012), a excessiva especialização poderia ser questionada e a cooperação entre as áreas, fomentada.
Ter condições que favoreçam a cooperação e o conhecimento transdisciplinar não significa que isso aconteça com facilidade. Ao contrário, é necessário um esforço. Em primeiro lugar, há que se ter conhecimentos necessários de sua área de atuação e a compreensão sobre as bases da(s) área(s) a que se propõe(m) dialogar. Esse diálogo pode ocorrer de maneira multi, pluri, inter ou transdisciplinar, sendo necessário, portanto, compreender as diferenças entre essas concepções de produção do conhecimento.
Essas tentativas de estabelecer diálogo apontam para a fragilidade do modelo tradicional de conceber a ciência e de organizar os centros universitários, que incentivam, de maneira preponderante, a especialização como o caminho mais seguro e eficaz para a coleta e a produção de dados. A complexidade dos fenômenos e dos campos de atuação exige, no entanto, que áreas distintas estabeleçam parcerias, trabalhem de maneira articulada, ultrapassem as fronteiras disciplinares. Sem abandonar o seu campo de conhecimento, Jung organizou a Psicologia Analítica a partir da metáfora da ponte e da busca por afinidades. Em suas atividades como psiquiatra, Jung (2012a, p. 13) observou que "não existe caso algum que não esteja ligado de perto a outro caso típico, através da ponte de um caso intermédio".1 O objetivo de construir tais pontes, para Jung, é revelar as afinidades existentes entre os sintomas presentes nas diversas patologias psíquicas2.
Partindo de seu campo de atuação, Jung formulou ideias e conceitos. Assim, podemos caracterizar as pontes de afinidades como um movimento de sobreposição de definições e conceitos em busca da extração de uma caracterização tipificada, mediana, na tentativa de mapeamento das possibilidades e pontos de vista sob os quais determinados fenômenos são compreendidos. Esse movimento foi amplamente utilizado por Jung, como veremos adiante.
Da disciplina à transdisciplinaridade
O aprofundamento, diversificação e especialização das concepções científicas durante o século XIX e início do século XX possibilitaram o nascimento de variadas disciplinas, organizadas de maneira devidamente separadas. Esse é, sem dúvida, um período de extrema riqueza, mas, ao mesmo tempo, preocupante, pelo fato de intensificar a fragmentação do conhecimento. Esse tipo de concepção científica passou a ser questionado e o movimento compensatório que abrange as posições inter e transdisciplinar tem como crença uma possível unidade científica como fundamento (Unesco, 1986).
A noção de transdisciplinaridade não se constitui como a primeira tentativa para ultrapassar à excessiva especialização que organiza o modelo disciplinar. Diversos autores e instituições abordaram as maneiras de organização entre as áreas (Nicolescu, 1999; Vasconcelos, 1999; Morin, 2005, 2007a, 2007b, 2007c; Unesco, 1986, 1994) enfatizando a relação estabelecida entre as disciplinas, a existência ou não de coordenação entre elas, os possíveis modos de coordenação e a possibilidade de ultrapassar as fronteiras disciplinares.
Nesse sentido, a multidisciplinaridade se caracteriza pela presença simultânea de diversas áreas do conhecimento, sem apresentar relação entre elas. Assim, os objetivos são variados e não há cooperação. A pluridisciplinaridade, por sua vez, se caracteriza por apresentar relações entre as diferentes disciplinas, que se encontram no mesmo nível, ou seja, há cooperação, mas sem coordenação. A interdisciplinaridade é organizada a partir de um problema em comum, mas como os objetivos das disciplinas são, muitas vezes, variados, há a necessidade de coordenação, que pode tender à verticalização das relações. E a transdisciplinaridade radicaliza a proposta da interdisciplinaridade e, ao mesmo tempo, modifica os modos de relação e de coordenação, que passam a contar com níveis e objetivos múltiplos, com coordenação que visa à unificação da finalidade, possibilitando relações horizontais de poder (Vasconcelos, 1999).
Assim, no encontro entre diversas disciplinas, os modos de relação entre elas podem ocorrer a partir da justaposição sem nenhuma relação ou com a comunicação reduzida ao mínimo (multidisciplinaridade), as disciplinas se comunicarem de maneira esporádica e simétrica ao redor de um determinado problema (pluridisciplinaridade), a complexidade do problema identificado ou proposto exige ser abordado de maneira convergente pelas diversas disciplinas (interdisciplinaridade) e a partir de um sistema axiomático geral ou de uma teoria, as disciplinas se organizarem de maneira conjunta para a resolução de um problema em comum, podendo, daí, surgir uma nova disciplina que ultrapassa as fronteiras anteriores e unifica as disciplinas precedentes - transdisciplinaridade (Unesco, 1986).
A ideia de disciplina remete a um ideal de totalidade, algo abrangente, mas que, ao mesmo tempo, encontra-se encerrada em si própria. Domingues (2012) resgata os diversos significados históricos da palavra, revelando como na Roma antiga a ideia de disciplina abarcava tanto o campo do ensino formal como o político, o militar e o ético. Com o passar do tempo, disciplina passou a significar também controle, regras e limites, bem como punições e até mortificações. É no período renascentista que o autor localiza a reestruturação da noção de disciplina como a conhecemos hoje no campo da produção de conhecimento: especialidades que compõem campos delimitados, como as ciências, as artes e as filosofias.
As delimitações dos campos de conhecimentos em disciplinas corroboram para o fenômeno do isolamento entre elas. Kuhn (1997) discute como as comunidades produtoras de conhecimento tendem a se organizar a partir de paradigmas, produzindo, muitas vezes, discursos e práticas circulares, já que se reportam à mesma literatura e técnica de outrora, o que reforça, cada vez mais, a ideia de limite entre um campo e outro, suas fronteiras, bem como o que é permitido e deve ser investigado. Assim, todo fenômeno que escapa à concepção paradigmática é considerado anômalo, sendo, em princípio, afastado do campo de pesquisa.
Quanto mais as diversas áreas do conhecimento avançam, mais evidente fica a dificuldade de abarcar toda a complexidade dos fenômenos em uma disciplina: o homem multidimensional é fatiado e as disciplinas se organizam como modos de saber também fatiados (Morin, 2007a, 2007c). Para superar essa situação, o diálogo entre as disciplinas é extremamente necessário. De acordo com Carneiro (1994), o isolamento nas áreas do conhecimento gerou um problema global de ordem prática. Para a autora, o ímpeto de conhecer e dominar a natureza levou nossa espécie a lidar com o meio ambiente de modo displicente. Se, de um lado, tínhamos o desenvolvimento industrial fomentado pelos avanços científicos e tecnológicos, de outro, observamos o impacto da intervenção humana em seu entorno, testemunhando nossa capacidade de mudar drasticamente a aparência de nosso planeta e, ao mesmo tempo, destruí-lo. Essa constatação gerou o entendimento de que para resguardar o futuro de nossa espécie e as condições necessárias para habitarmos nosso planeta as diversas áreas do conhecimento devem se unir para estabelecer um planejamento sustentável que vise à integração dos conhecimentos sociais e ambientais produzidos por elas.
Assim, a partir da década de 1960, há o reconhecimento de que a produção de conhecimento não deve estar pautada na separação entre as disciplinas e, muito menos, em uma visão antropocêntrica. Dessa maneira, a colaboração entre as diversas áreas do conhecimento visa ultrapassar a hiperespecialização e o individualismo, para alcançar o benefício mútuo entre os campos do saber e para a vida cotidiana (Carneiro, 1994). A interdisciplinaridade surge, portanto, de uma necessidade prática, um imperativo que demanda a solução de problemas e está relacionada a questões epistemológicas.
A ciência ocidental moderna tem sua base na compartimentalização do conhecimento, mas tem postulados implícitos que apontam para a unidade de método: objetividade, eliminação do sujeito, utilização da Matemática como meio de comunicação e de justificação de cientificidade, e formalização. No entanto, esses mesmos princípios favorecem, paradoxalmente, que aconteça "o enclausuramento disciplinar" (Morin, 2005, p. 136). Os diferentes recortes epistemológicos que caracterizam e orientam cada campo do conhecimento, suas disciplinas e abordagens, podem ser utilizados como estratégias de defesa que dificultam a aproximação entre os campos, e cada área tende a se reconhecer como única, hermeticamente estruturada, edificando impossibilidades de diálogo sob o pretexto da existência de divergências conceituais, incompatibilidades, incomensurabilidades e diferentes visões de mundo. Esses pontos acabam por se fazer presentes mesmo quando há tentativas de uma produção interdisciplinar.
Nicolescu (1999) define a interdisciplinaridade como um estado em que há a transferência de métodos de um campo para outro, visando à expansão das possibilidades de aplicação do conhecimento anteriormente formulado por parte das disciplinas envolvidas. Desse modo, o contato de uma determinada disciplina com outra acontece de modo que estas continuam preservando sua orientação epistemológica. O objetivo é expandir-se em direção a novos horizontes, mas, de maneira circunscrita, orientando-se fortemente por um arcabouço técnico e teórico pré-determinado.
A interdisciplinaridade pode ser entendida como uma primeira tentativa de resposta a um modelo secular de acúmulo e retenção de informação por parte das instituições produtoras de conhecimento. Morin (2007b) afirma que as universidades ainda carregam consigo a mentalidade que as dominou nos séculos XVII e XVIII. O conhecimento acumulado e compartimentado, percebido de maneira física e geográfica com a criação de departamentos que não dialogam entre si, é evidenciado também na dificuldade da extrapolação do saber ali gerado para além do contexto institucional, revelando grande defasagem na relação entre as universidades e os demais segmentos da sociedade: "Sabemos cada vez mais que as disciplinas se fecham e não se comunicam umas com as outras. Os fenômenos são cada vez mais fragmentados, e não se consegue conceber a sua unidade" (Morin, 2005, p. 135).
Morin (2007b) alega que a interdisciplinaridade continua operando na lógica da compartimentalização dos saberes, sobrepondo as disciplinas entre si segundo certos critérios valorativos precários. Tal movimento pode ser visto nas tentativas malsucedidas de transposição de conceitos e ideias de um campo para o outro, o que, geralmente, acontece nos moldes de um discurso de autoridade e legitimação, sendo que o campo das humanidades, fundamentado no objetivo da reflexão acerca da vida, se torna violentado pelo discurso tecnicista e teórico das disciplinas consideradas mais científicas, sendo mais valorizadas.
Uma falsa impressão de comunicação pode advir de tais tentativas de transposição e, assim, as fronteiras são confirmadas "à custa de algumas magras trocas" (Morin, 2005, p. 135). De acordo com Morin (2007b), o discurso de autoridade de uma disciplina sobre a outra fomenta a manutenção da posição dos produtores de conhecimento como especialistas e experts, que acabam trabalhando em direção à fragmentação do saber para resguardarem seus campos de atuação. Desse modo, podemos pensar que os pesquisadores, muitas vezes, atuam na intenção de guardarem reservas de mercado, ou seja, procuram se apropriar de determinados fenômenos e circunscrevê-los a qualquer custo sob seus domínios, criando a demanda de serem consultados por outras áreas para que possam conceder-lhes permissões para abordarem determinado tema.
A complexidade do mundo moderno, contudo, não pode ser abarcada por um viés. A transposição tanto de conceitos quanto de linhas de raciocínio e reflexão de uma disciplina para outra parece não bastar. Nesse sentido, o discurso e a prática transdisciplinar buscam oferecer um movimento mais amplo, procurando se orientar constantemente em direção àquilo que Morin (2007b) descreve como a principal característica do mundo complexo: a necessidade de estabelecermos e compreendermos as relações e as inter-relações entre os diversos sujeitos da realidade, ou seja, não se trata simplesmente de explicarmos algo de um campo com base no conhecimento formulado anteriormente em outra área, é preciso gerar a inter-relação, a partir do encontro igualitário das disciplinas.
O marco inicial da transdisciplinaridade pode ser localizado no Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, em Portugal, no ano de 1994. Um dos frutos desse congresso foi a elaboração da Carta da Transdisciplinaridade (Unesco, 1994), tendo Morin e Nicolescu como redatores, além do artista plástico José Lima de Freitas. Nessa carta, os autores elencam os motivos que justificam a necessidade do pensamento e da atuação transdisciplinar, assim como descrevem princípios com o objetivo de fornecer orientações a quem se propuser a produzir conhecimento em uma sociedade complexa.
Podemos condensar os pontos levantados pelos autores da Carta da Transdisciplinaridade como necessidade de articular os saberes restritos ao ambiente acadêmico de maneira transdisciplinar e com os diversos aspectos da vida humana, buscando o resgate do indivíduo que parece empobrecer-se na mesma proporção em que produz conhecimento. A produção de conhecimento não é, muitas vezes, vinculada às questões motrizes e cotidianas da humanidade, podendo gerar angústias (como no caso da produção de tecnologias de destruição em massa), nem sempre proporcionando bem-estar. Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos (1997) apresenta as seguintes contradições que estruturam as universidades: (i) produção de alta cultura e de cultura de conhecimentos para a formação das elites versus produção de padrões culturais médios e de conhecimentos para formação de força de trabalho qualificada; (ii) hierarquização dos saberes versus democratização e igualdade de oportunidades; (iii) autonomia institucional versus submissão a critérios de eficácia e produtividade. Assim, temos a universidade estruturada, respectivamente, a partir de dicotomias entre alta cultura e cultura popular, educação e trabalho, teoria e prática.
Os princípios condutores formulados na Carta da Transdisciplinaridade caracterizam uma tentativa para enfrentar essas dicotomias, afirmando a pertinência de não reduzir um saber ao outro, bem como a não delimitação do ser humano em categorias disciplinares específicas. Dessa maneira, a cooperação entre as disciplinas é proposta de maneira não hierarquizada e há a pretensão do retorno do sujeito na produção de conhecimento, mas não apenas nas chamadas ciências humanas. São especificados outros princípios, como: incentivo ao confronto entre as disciplinas com o objetivo de produção de novos dados e articulação entre estes e as áreas envolvidas; quebra do formalismo conceitual tão caro e, por vezes, estruturante em determinadas disciplinas, que impedem a relativização do conhecimento, tornando-o, muitas vezes, obscuro e enrijecido; diálogo para além do mundo dito científico que engloba também as artes e a religião; diálogo com diversas culturas (transculturalidade) e necessidade de rigor no tratamento e na contextualização dos fenômenos abordados, reforçando que a transdisciplinaridade não é uma alternativa ao discurso acadêmico, mas, sim, parte dele (Unesco, 1994). Não se trata, portanto, de uma filosofia de vida pessoal, adotada por determinados pesquisadores. Não se trata, também, de uma proposta metafísica.
A partir desse panorama acerca dos determinantes e das motivações que acompanham a prática transdisciplinar, Arnt (2007, 2010) elaborou cinco princípios para a docência transdisciplinar: reconhecer o mundo em que vivemos, ou seja, ter consciência dos fenômenos contemporâneos; ter abertura para o seu próprio tempo, garantindo o cuidado de si; reconhecer e acolher o outro; tecer a trama da convivência, criando espaços de comunhão para a aprendizagem; e ter postura dialógica, a partir da qual docentes e discentes possam contribuir no processo educativo, criando juntos.
Tendo como base os princípios que regem a proposta transdisciplinar, podemos analisar o processo de trabalho de C. G. Jung, levando em consideração os diálogos que estabeleceu com autores de diversos campos do conhecimento, evidenciados em sua extensa troca de cartas (Jung, 1999), em sua vasta biblioteca (Shamdasani, 2014), em sua expressiva participação no Círculo de Eranos3 (Bair, 2006; Merlini, 2015), enfim, na criação de pontes de afinidades. A construção da Psicologia Analítica como campo de prática e de conhecimento se desenvolve como um ciclo pedagógico, como descrito por Morin (2005, 2007a), em um movimento que vai da parte para o todo e do todo para a parte.
Os imperativos transdisciplinares no contexto da formulação da Psicologia Analítica
Em 1896, ainda como estudante de Medicina, Jung (1983) apresenta o texto Border zones of exact science4 na sociedade Zofingia, tradicional fraternidade de estudantes suíços que se reuniam para debater assuntos e interesses diversos. Nesse texto, Jung aborda determinadas posturas adotadas por acadêmicos e cientistas no que concerne à produção e transmissão de conhecimento dos assuntos investigados e tratados como científicos: a figura do carreirista; o consumo superficial de novidades e de descobertas científicas; indiferença em relação à produção de conhecimento; e tendência a explicações circulares ou metafísicas.
As duas primeiras posturas encontram-se diretamente relacionadas, pois o carreirista é o indivíduo que, imiscuído no contexto da produção de conhecimento, busca sedimentar para si uma trajetória em determinado espaço acadêmico e, para tanto, acaba por violar e distorcer certos princípios que deveriam guiar a busca científica em prol da demarcação de sua posição como autoridade frente a seus pares. O consumo superficial de novidades, muitas vezes, alimenta o posicionamento carreirista de alguns acadêmicos, pois os tornam falsamente necessários, à medida que se comportam como facilitadores na transmissão do conhecimento. Essa facilidade é fruto da falta de empenho em desenvolver o papel de ajudar o público a se emancipar intelectualmente por meio da apreensão dos dados divulgados, mas, sim, buscam se transformar em figuras indispensáveis, tradutores, sem os quais a compreensão não seria possível. Essas duas posturas fazem do carreirista uma figura ameaçadora para a ciência e para as instituições de ensino (Jung, 1983).
A postura de indiferença e descaso com que a produção de conhecimento é tratada se deve a quatro fatores: grande produção e consumo de obras vazias; preocupação entre os universitários, docentes e discentes, de criarem um estilo de vida com base na imagem de especialistas e não em produzir conhecimento relevante; dogma de que as ciências realmente conseguem explicar algo de maneira definitiva; e falta de engajamento, cuidado e interesse dos acadêmicos em relação aos objetos de estudo. As explicações circulares ou metafísicas, cada qual ao seu modo, fecham o conhecimento em si mesmo, impossibilitando a atitude científica, pois os argumentos passam a ser autoevidentes, desconsiderando que o conhecimento se produz a partir de hipóteses e como hipótese (Jung, 1983).
Em 1902, em trabalho intitulado Sobre a Psicologia e patologia dos fenômenos chamados ocultos, já tendo concluído o curso de Medicina e trabalhando como primeiro assistente na clínica psiquiatra Burghölzli, Jung faz transparecer o que podemos considerar um passo decisivo para o que estamos chamando de uma atitude transdisciplinar na Psicologia Analítica. Nesse trabalho, Jung relatou uma série de comportamentos manifestos que observara em uma jovem de 15 anos durante sessões mediúnicas. Os primeiros parágrafos de seu texto são dedicados à discussão acerca da dificuldade de se obter um diagnóstico preciso em certos casos de perturbações psíquicas, já que muitos deles têm características incomuns que escapam ao escopo dos critérios considerados para se realizar um diagnóstico. Jung disse que as perturbações psíquicas acabavam sendo alocadas em grandes quadros mórbidos bem estabelecidos, como epilepsia, histeria ou neurastenia, e a prioridade recaía sobre os sintomas típicos, ou seja, aqueles que se repetiam de modo geral. Assim, os sintomas atípicos, muitas vezes, não recebiam a devida atenção (Jung, 2012a).
Para Jung, abordar um fenômeno para o qual não se tem muita referência na literatura disponível e nem na experiência prática não constitui um impedimento para a compreensão. Utilizando o trabalho clínico como exemplo, diz que os diferentes diagnósticos e classificações são criados a partir de pequenas variações em um conjunto de sintomas comuns entre patologias. Nesse caso, a preocupação passa a ser o fechamento de um diagnóstico e não a compreensão da trama erigida pelos sintomas. No entanto, em seu ponto de vista, uma manifestação psicopatológica pouco observada pode ser abordada por um viés comparativo, ou seja, a partir de pontes de afinidades. Essa atitude caracteriza o modo de proceder e o pensamento de Jung, seja em questões psicopatológicas, seja em questões teóricas.
Antes de relatar o caso da jovem que participava de sessões mediúnicas, Jung apresenta outro caso que tinha peculiaridades que não o permitia endereçá-lo a um único quadro dos agrupamentos diagnósticos. Trata-se de uma mulher que, após ingerir pequena quantidade de bebida alcoólica, dirige-se a um cemitério e escava as sepulturas com as mãos. A partir daí, começa a ter visões com os mortos. Nos dias seguintes, parece não se recordar das visões. Dentre os diagnósticos da época, o quadro parecia transitar entre a histeria e os distúrbios sonambúlicos, estes compreendidos em diagnóstico mais amplo de epilepsia. A solução encontrada por Jung para poder aproximar-se desse fenômeno foi procurar bases de comparação em descrições de quadros patológicos com sintomatologia afim. Desse modo, Jung nos apresenta 10 narrativas,5 nas quais evidencia os sintomas de casos que estão situados no campo da epilepsia ou da histeria, na tentativa de traçar pontes de afinidades com o caso da jovem que escavara a sepultura (Jung, 2012a).
A solução encontrada por Jung para uma apreciação diagnóstica do caso de sua paciente foi a de pensar no termo coloração. Ao dizer que se tratava de um caso com coloração histérica e sonambúlica, ou seja, que tem traços desses dois quadros, sendo uns mais marcantes que outros, Jung aponta para um caso fronteiriço, que não pode ser bem delimitado. Isso não quer dizer, de modo algum, que não possa ser tratado. Com o objetivo de esclarecer o comportamento de sua paciente, Jung mantém a criação das pontes de afinidades circunscrita às áreas da Psiquiatria e da Neurologia.
Afinidades entre ideias subjacentes
Desde 1919, quando Jung utilizou pela primeira vez o conceito de arquétipo, em um simpósio na Universidade de Londres, no qual apresentou um trabalho intitulado Instinto e inconsciente, este é um tema polêmico em sua obra e alvo de muitas incompreensões. Com o intuito de esclarecer os mal-entendidos, em 1934, Jung publica o artigo Sobre os arquétipos do inconsciente coletivo, propondo evidenciar como chegara ao conceito. Passa, então, a elencar os diversos usos do termo arquétipo na Filosofia, na Teologia etc. Na Filosofia, cita a maneira efetuada por Filo Judeu e complementa dizendo que, apesar de Platão e Santo Agostinho não utilizarem o termo, a ideia de arquétipo está presente nas obras dos dois autores (Jung, 2012b).
O conceito em si não era a principal preocupação de Jung, mas, sim, a ideia subjacente. Como discutimos anteriormente, muitas vezes as conceituações e os jargões são utilizados como estratégias de demarcação do domínio de um campo por determinadas disciplinas e, a partir disso, surgem outras justificativas que operam na contramão do diálogo transdisciplinar, como a existência de incompatibilidades teóricas, visões de mundo etc. Ao deslocar o lugar da primazia de um campo do conhecimento de seus conceitos para suas concatenações teóricas e dinâmica das relações estabelecidas entre os fenômenos, Jung estava propiciando o diálogo entre campos diferentes, quebrando uma linha de defesa e facilitando a comunicação por meio da suspensão dos termos anteriormente entendidos como condição para a compreensão.
Podemos perceber o mesmo processo no modo como Jung utiliza o termo instinto em sua dinâmica do aparelho psíquico. Ainda na comunicação de 1919, Jung diz que, para entendermos os arquétipos, é preciso pensarmos nos instintos. Para isso, faz uma sobreposição de quatro definições do termo, advindas de áreas diferentes: uma da Medicina, de William Rivers; três da Filosofia, de Thomas Reid, Immanuel Kant e Herbert Spencer. Com a sobreposição dessas definições, Jung percebe várias pontes de afinidades, condensando-as em outra definição mediana: ações espontâneas dirigidas a uma finalidade (Jung, 2013a).
Mais um exemplo dessa sobreposição está na apropriação que Jung fez do termo psicoide para falar da natureza dual dos processos psíquicos e biológicos. Em um texto de 1946, intitulado Considerações teóricas sobre a natureza do psíquico, Jung retoma a criação do termo pelo filósofo Hans Driesch, designando uma força elementar que nos prepara para a ação. Eugen Bleuler se apropria do conceito, abordando a relação dos aspectos biológicos e psicológicos na porção subcortical de nosso cérebro. A partir dessas duas definições, uma filosófica e outra psiquiátrica, Jung utiliza o termo psicoide para se referir a uma porção inconsciente de caráter inacessível tanto dos aspectos psíquicos quanto biológicos (Jung, 2013b).
Entendemos que a sobreposição de definições não visa encontrar um denominador comum no sentido de realizar uma síntese que abdica os elementos que a constituem e passa a ser algo novo, permitindo a recuperação de suas fontes de informação, sempre divulgando suas referências bibliográficas.6 Esse modelo de sobreposição é, portanto, pensado por Jung para que uma ideia, ou conceito, nunca esteja totalmente fechada, concluída, permitindo espaço para o acréscimo de novas conjecturas e análises a partir de diferentes pontos de vista. Tal atitude coaduna perfeitamente com as diretrizes que seriam redigidas décadas depois na Carta da Transdisciplinaridade (Unesco, 1994), na qual é preconizado que determinado fenômeno não deveria ser encapsulado por nenhuma disciplina. As pontes de afinidades não buscam traduzir um fenômeno desconhecido, ou pouco conhecido, em um já bem estabelecido por outra área. Elas servem como uma tentativa inicial de encontro com o fenômeno.
A atitude de não encerrar o fenômeno em um único significado advém do modo como Jung procurava lidar com os símbolos e imagens produzidas por seus pacientes. Para ele, o símbolo "deve ser compreendido como expressão de uma concepção para a qual ainda não se encontrou outra melhor" (Jung, 2012c, p. 70). Jung dizia não ter uma teoria que procurava traduzir os símbolos, as imagens e os sonhos. Seu método consistia em demorar-se, juntamente aos seus pacientes, nos conteúdos espontâneos do inconsciente e da consciência, meditando sobre eles, o que poderia levar a alguma compreensão como resultado. Na Carta da Transdisciplinaridade, Nicolescu e Morin ressaltam que a postura transdisciplinar deve prescindir de formalismos excessivos e rigidez quanto às definições, pois se tratam de atitudes excludentes e empobrecedoras do exercício compreensivo.
No momento em que um paciente se dirigia a Jung com uma imagem - de sonho, fantasia, alucinação etc. - cujos elementos escapavam da esfera pessoal e as associações individuais pareciam não conseguir abarcar e integrar tal conteúdo, iniciava-se uma busca por paralelos para além das vivências pessoais, procurando, nas mais variadas produções da humanidade, alguma afinidade (Jung, 2013c). Esse método foi denominado por Jung (2012d) por amplificação.
A Psicologia Analítica é fundada com base nas experiências clínicas de Jung. Sua teoria da compreensão do psiquismo carrega o método utilizado com seus pacientes. Encaramos as pontes de afinidades como um movimento concomitante ao processo de amplificação. A diferença sutil entre uma e outra está no fato de que a amplificação está inserida no contexto clínico e tem como objetivo final uma intervenção no sujeito. Por mais que durante o processo de amplificação possam aparecer afinidades entre conteúdos do sujeito e conteúdos produzidos em diferentes culturas, o objetivo é a busca pelo sentido individual. Já as pontes de afinidades procuram manter a abertura sem direcionamento de recortes, que podem acontecer de inúmeras maneiras, a partir de variados interesses inscritos nas disciplinas e áreas envolvidas. Do encontro entre as disciplinas, variados temas podem surgir. O modo como essas novidades repercutem em cada disciplina não pode ser previsto.
A transdisciplinaridade pressupõe um novo modelo de busca do conhecimento, no qual diferentes disciplinas dialogam entre si. Contudo, não parece ser possível que uma disciplina se dispa de todos os seus pré-conceitos, o que poderia acarretar, inclusive, em perda de identidade. O conceito pontes de afinidades está pautado, portanto, nas ideias de encontro e de processo. Trata-se de um fenômeno de interação entre disciplinas, correntes teóricas, próximas ou não, cujo objetivo é articular conhecimentos. Em um encontro, a relação de privilégio do todo em função de suas partes está em evidência: as afinidades prevalecerão em um momento inicial, para que, posteriormente, as singularidades possam ser valorizadas e destacadas, ampliando os conhecimentos existentes e produzindo novos. Trata-se, também, de um movimento contínuo, ou seja, de processo, cuja ideia de resultado não depende de uma conclusão e nem mesmo de um acordo entre as partes. Assim, as afinidades não devem ser entendidas exclusivamente como ponto de concordância, mas, sobretudo, como possibilidade de diálogo. As afinidades são pontos de apoio, cujo objetivo é fazer convergir teorias e pressupostos diversos. A concordância pode ser uma das possibilidades, mas o principal é o debate que se instaura como atitude transdisciplinar.
Outro ponto de afinidade entre a prática de Jung e a atitude transdisciplinar descrita na Carta da Transdisciplinaridade é a característica trans-histórica da Psicologia Analítica. Nos exemplos de sobreposição de conceitos que citamos anteriormente para ilustrar as pontes de afinidades - arquétipo, instinto e psicoide -, podemos notar tal faceta. Ao recorrer ao pensamento de Platão, Santo Agostinho e Kant, por exemplo, percebemos que Jung transita por um longo período de tempo e por vários espaços. A preocupação de Jung recai sobre os grandes temas que movem a humanidade na tentativa de conseguir desvelar os motivos psicológicos que estavam em jogo em cada época. Os conceitos advindos da sobreposição de ideias separadas no tempo e no espaço fazem com que a teoria produzida a partir deles seja atemporal, não localizada e comprometida com apenas um recorte histórico, político e social. Sendo o principal motivo da transdisciplinaridade a preocupação com o estabelecimento de relações e inter-relações, podemos dizer que as pontes de afinidades (e a amplificação) cumprem essas funções.
Considerações finais
Se transportarmos a questão das pontes de afinidades para o contexto das pesquisas no ensino superior, podemos encará-las como uma interessante diretriz na tentativa de disseminação da prática transdisciplinar. Vimos que, ainda estudante, no fim do século XIX, Jung apresentou a seus colegas de fraternidade um texto extremamente crítico quanto ao papel das universidades, dos estudantes e dos pesquisadores, como produtores de conhecimento. Ao descrever os chamados carreiristas, ataca o pesquisador que se fecha em seu campo de atuação e vai na contramão do diálogo com outros campos. Atualmente, parece que não nos encontramos em situação muito diferente da apontada por Jung há mais de um século.
Carlotto e Garcia (2018) caracterizam o trabalho acadêmico em instituições de ensino superior como uma profissão moderna, na qual o alto nível de especialização é a principal característica. Outro ponto importante é a grande autonomia propiciada aos profissionais dessas instituições, que criam resistências em relação à avaliação de seus trabalhos, alegando que uma produção dessa natureza não pode ser avaliada segundo critérios formais. A avaliação do que é produzido acontece de maneira endógena, fortalecendo a posição do especialista como responsável pela apreciação de toda produção. Assim, a separação entre as áreas é mantida, o diálogo impossibilitado, tanto com outros especialistas quanto com a comunidade.
Muitas vezes, os especialistas adotam posturas carreiristas. Essa atitude endógena concorre contra a abertura preconizada pelo discurso transdisciplinar. A Carta da Transdisciplinaridade (Unesco, 1994) é enfática ao dizer que não está sendo proposta uma metafísica ou filosofia de vida, e, sim, uma atitude fundada no compromisso científico de produção do conhecimento compartilhado por pensamentos diferentes. Não se trata, portanto, do conhecimento compartilhado que exclui o que não cabe no seu escopo, como descreve Kuhn (1997) a partir da noção de paradigma. Esse tipo de produção compartilhada confere segurança e coesão interna a determinada comunidade científica, mas o diálogo com outras áreas e disciplinas fica pautado em maneiras de desmerecer perspectivas divergentes.
Em 1913, Jung encaminhou uma carta à revista The Psychoanalytic Review, na qual dizia: "precisamos dos trabalhos não só dos psicólogos médicos, mas também dos trabalhos dos filólogos, historiadores, arqueólogos, mitólogos, estudiosos do folclore, etnólogos, filósofos, teólogos, pedagogos e biólogos" (Jung, 1999, p. 45). Nessa época, Jung demonstrava descontentamento com seu percurso na Psicanálise, considerando que o ambiente dogmático ao seu redor não oferecia espaço para suas proposições. A nova etapa de seu trabalho, que começaria com a criação da Psicologia Analítica, nasce em resposta ao dogmatismo com o qual as questões psíquicas costumavam ser tratadas na Psicanálise e na Psiquiatria. Desse modo, abrir-se ao encontro de novas áreas se mostrou condição necessária para seu trabalho, adotando uma postura transdisciplinar antes mesmo que o termo fosse criado. Nesse sentido, as pontes de afinidades procuram delinear não uma técnica - com início, meio e fim -, mas uma atitude.
Referências
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Recebido em: 20/6/2019
Aprovado em: 10/10/2019
1 Notamos que na segunda edição da versão em inglês do texto Sobre a Psicologia e patologia dos fenômenos chamados ocultos, publicado pela Princeton University Press, em 1970, a palavra "ponte" não é utilizada, com a frase terminando com as palavras "others that are typical" (Jung, 1970, p. 15), "a outro caso típico". Na versão original em alemão desse texto, a palavra ponte, Brücke, se encontra empregada com o mesmo sentido encontrado na versão em português, publicada pela Editora Vozes, "so ist doch gewiss kein Fall, der nicht durch die Brücke eines Zwischenfalles nahe mit dem andern typischen Falle verbunden wäre" (Jung, 1902, p. 1). Em tradução livre: com certeza, não há um caso que não possa ser aproximado através da ponte de um caso intermediário similar ao caso típico. Para mais informações acerca das ressalvas de Jung acerca da tradução de sua obra para a língua inglesa, consultar o livro Jung stripped bare: by his biographers, even, de Sonu Shamdasani.
2 Na edição em inglês, anteriormente citada, a palavra afinidade não aparece. Esta é substituída pela palavra relação (relationship). Na versão original em alemão, a palavra afinidade está presente (Verwandtschaft) e em consonância com o texto publicado pela Editora Vozes. Ressaltamos o modo como os termos pontes e afinidades foram utilizados, pois, neste artigo, abordaremos a transdisciplinaridade a partir da noção de pontes de afinidades.
3 O Círculo de Eranos, ainda em atividade, foi fundado em meados de 1930 e é descrito por Merlini (2015) como a maior experiência interdisciplinar do século XX. Trata-se de um grupo de pessoas das mais diversas áreas do conhecimento, como a Religião, a Medicina, a Filosofia, a História, a Literatura e outras mais, que buscam dialogar entre si.
4 Em tradução livre: Zonas limites das ciências exatas.
5 Além dos 10 casos, Jung cita definições de sintomas de 16 personalidades do campo da Psiquiatria e Neurologia, como: Charcot, William James, Bleuler, Kraft-Ebing, Binet, dentre outros. Entre os sintomas que Jung descreve para comparar com o de sua paciente estão os état second (estados secundários), a vigília sistematicamente parcial, a grande hystérie (histeria aguda), a amnésia periódica, os automatisme ambulatoire (automatismos de locomoção) e a double conscience (dupla consciência).
6 Shamdasani (2014) nos conta que uma única obra de Jung, Mysterium Coniunctionis, tem mais de 2.300 notas de rodapé, das quais a maioria é constituída por referências bibliográficas.