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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.7 no.2 São Leopoldo dez. 2014

https://doi.org/10.4013/ctc.2014.72.03 

PSICOLOGIA CLÍNICA E FAMÍLIA

 

Família, trabalho e aposentadoria: uma revisão da produção científica no cenário brasileiro

 

Family, labor and retirement: a review of the scientific production in the Brazilian scenario

 

 

Marcos Henrique Antunes; Carmen Leontina Ojeda Ocampo Moré

Universidade Federal de Santa Catarina. Departamento de Psicologia. Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima, Trindade, 88040-970, Florianópolis, SC, Brasil. marcos.antunes@live.com, carmenloom@gmail.com

 

 


RESUMO

Este estudo apresenta uma revisão integrativa da produção científica brasileira sobre família, trabalho e aposentadoria no intuito de identificar o estado da arte e analisar as ênfases e as inter-relações observadas em publicações sobre essas temáticas. Para tanto, foi realizada uma busca nas bases de dados Scielo e Index Psi acerca de artigos que apresentam resultados de investigações científicas publicadas em Português de 2003 a julho de 2013. Por meio da combinação das palavras-chave, foram identificados 25 artigos, os quais se detêm em discutir, predominantemente, o trabalho relacionado à família ou à aposentadoria. Os resultados indicam a escassez de produção científica que trate, especificamente, da relação entre aposentadoria e família. Discute-se a importância de considerar o contexto familiar nas pesquisas que abordam as temáticas do trabalho e da aposentadoria, haja vista a complexidade de fatores imbricados em sua apreensão.

Palavras-chave: família, trabalho, aposentadoria.


ABSTRACT

This study presents an integrative review of the Brazilian scientific production on the issues of family, labor and retirement in order to identify the state of the art and to analyze emphases and interrelations observed in publications on these themes. To this end, queries on databases such as Scielo and Index Psi were performed, searching for articles presenting results of scientific investigations published in Portuguese between 2003 and 2013. A total of 25 articles have been identified through keyword combination, which predominantly discuss labor in relation to family and retirement. Results indicate scarcity of scientific production relating specifically to retirement and family. The importance of considering familial contexts in research approaching labor and retirement issues is discussed considering the complex factors which overlap in its understanding.

Keywords: family, work, retirement.


 

 

Introdução

A família é o primeiro contexto de socialização dos indivíduos e, portanto, o lócus no qual ocorrem as principais experiências associadas ao desenvolvimento humano ao longo de todo o ciclo vital (Kreppner, 2003; Carter e McGoldrick, 1995). O pensamento sistêmico considera a família como um sistema ativo, um conjunto ou um todo integrado, com regras e funções dinâmicas, no qual as partes estão em constante relação e se transformam com o decorrer do tempo. O comportamento entre os membros do sistema familiar é interdependente, de modo que a compreensão de um fenômeno não pode ocorrer unicamente pelo entendimento de questões individuais de seus membros, e sim pensado em um contexto, no qual há uma rede de relações que se afetam mutuamente (Andolfi, 1980; Minuchin et al., 2011).

Considerando a importância do envolvimento familiar para o indivíduo, é importante notar que, na intersecção entre os domínios do trabalho e da família, situam-se os principais papéis a serem exercidos no decorrer da vida. No que tange ao trabalho, destaca-se que este se constitui como o principal meio que possibilita a participação do indivíduo na sociedade e através do qual é conquistada a subsistência individual e familiar. Nesses termos, ao pensar a interface trabalho e família, evidencia-se que ambas as esferas demandam tempo, energia, investimento emocional e, com frequência, resultam em pressões a serem enfrentadas (Rocha-Coutinho, 2007).

Dadas as diversas mudanças que se apresentam na cena contemporânea, as quais afetam tanto as relações familiares quanto as profissionais, é necessário ampliar a apreensão acerca dessa interface. Exemplo disso é que a combinação de trabalho remunerado com envolvimento familiar deixou de ser uma conquista feminina e está sendo, também, o ideal masculino, na medida em que possibilita equilibrar e usufruir dos benefícios de ambas as esferas. Entretanto, os estudos desenvolvidos nessa área, usualmente, exploram a existência de conflitos, demonstrando o desafio em coadunar obrigações, lazer e bem-estar (Nahum-Shani e Bamberger, 2011; Bahram e Vanalli, 2012).

Ao incluir a aposentadoria nessa discussão, observou-se a emergência deste estudo, haja vista que esse fenômeno é referido como um processo comumente envolvido em estresse e ansiedade, cujas repercussões atingem tanto o indivíduo, quanto o contexto no qual ele encontra-se inserido (Denton e Spencer, 2009; Zanelli, 2012). Conforme assinalam França et al. (2013), a aposentadoria possui um caráter multideterminado, visto que a tomada de decisão sobre a efetivação desse período está interligada a diversas questões, tais como o vínculo laboral, o campo das organizações, o cenário demográfico atual e os fatores individuais, sendo que, nesse último aspecto, estão incluídas as relações familiares.

Dessa forma, considera-se que a aposentadoria é um fenômeno complexo e o seu estudo envolve diferentes áreas do conhecimento, constituindo-se um desafio para o campo da produção científica. Contudo, é importante mencionar que a preocupação em explorar a aposentadoria interligada a outras esferas da vida, dentre as quais se situa a família, é uma prática recente e pode ser encontrada, preponderantemente, na literatura internacional (Szinovacz et al., 2012; Antunes et al., 2013). Indo ao encontro disso, Szinovacz (2003) afirma que a lacuna na produção científica que visa aprofundar as implicações que ocorrem sobre esses domínios pode ser particularmente problemática, cabendo analisar que a família é um dos principais espaços que serão habitados pelo indivíduo aposentado e, com frequência, motivo de apreensão acerca dos desdobramentos nos padrões relacionais após a efetivação da aposentadoria.

Mediante tais apontamentos, o presente trabalho apresenta uma revisão integrativa da produção científica brasileira sobre família, trabalho e aposentadoria, no intuito de identificar o estado da arte e analisar as ênfases e as inter-relações observadas em publicações sobre essas temáticas. Considera-se relevante a sua execução, sobretudo, pela importância de reconhecer demandas e possibilidades de novos campos de investigação nas interfaces dos temas apontados.

 

Método

Conforme mencionam Beyea e Nicoll (1998), um estudo de revisão integrativa deve ser capaz de sumarizar pesquisas passadas e apresentar conclusões acerca de um corpo de literatura. Esse tipo de revisão bibliográfica propõe-se a analisar tópicos amplos da produção científica para, com isso, tecer discussões em relação aos procedimentos metodológicos e os resultados de pesquisas desenvolvidas, bem como apontar contribuições e perspectivas para futuras investigações.

O presente trabalho apresenta os resultados identificados a partir da busca de artigos nacionais que versam sobre família, trabalho e aposentadoria. Com o intuito de assegurar a abrangência de revisão, foi realizado um levantamento nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Index Psi Periódicos Técnico-Científicos. A pesquisa ocorreu a partir da combinação de duas palavras-chave, as quais foram intermediadas pelo uso do operador booleano "AND". Desse modo, as estratégias de busca foram as seguintes: (i) "família AND trabalho", (ii) "trabalho AND aposentadoria" e (iii) "aposentadoria AND família".

Para esta revisão, foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: (i) exclusivamente artigos que apresentam resultados de investigação científica; (ii) publicações desenvolvidas no contexto brasileiro e em língua portuguesa, com o objetivo de verificar quais as produções veiculadas no país; (iii) publicações realizadas no período entre 2003 e julho de 2013. Salienta-se que foram excluídos diversos tipos de trabalho, tais como teses, dissertações, livros e capítulos de livros, resenhas e ensaios teóricos. Essas delimitações assim como o uso combinado das palavras-chave no levantamento devem-se ao fato de que este estudo pretende conhecer como as temáticas de interesse têm sido tratadas em publicações nacionais, além de evidenciar as ênfases e as recorrências envolvidas nesse processo.

O procedimento para seleção dos artigos que compõem o corpus de análise deste trabalho consistiu na leitura das palavras-chave e dos resumos, de modo a priorizar as pesquisas que atendiam aos objetivos do presente estudo. A partir dessa triagem, os artigos eleitos foram lidos, descritos, analisados e discutidos.

 

Resultados e discussão

Por meio da busca realizada nas referidas bases de dados, foi localizado um total de 214 artigos. Dessas publicações, 169 encontravam-se na Scielo e 45 no Index Psi Periódicos Técnico-Científicos. Mediante a leitura dos resumos desses artigos, foram subtraídos do resultado inicial: 19 que encontravam-se duplicados, 109 que não atendiam aos critérios de inclusão e 61 que não contemplavam os temas de interesse, ou, ainda, exploravam tais questões de maneira superficial e indireta, isto é, associada a outros fatores que não estavam vinculados aos propósitos desse estudo. Dessa maneira, foram selecionados 25 artigos, os quais foram lidos na íntegra e serão discutidos ao longo deste trabalho.

Referente ao período de publicação dos trabalhos analisados, verificou-se que 18 deles foram publicados de 2009 a julho de 2013, conforme apresentado na Tabela 1. Esse dado indica a concentração de produção nos últimos anos e revela a atualidade dos temas.

Em relação ao tipo de pesquisa, observou-se que, dos 25 artigos analisados, 14 foram realizados com abordagem qualitativa, 6 com abordagem quantitativa e 5 utilizaram ambas as abordagens, portanto, quali-quantitativa. Sobre os procedimentos de pesquisa mais utilizados, foi possível verificar que predominam as entrevistas do tipo semiestruturada, fechada ou em profundidade, seguidas pelo uso de questionários e escalas, estudos de caso único ou múltiplos, realização de grupo focal e estudo etnográfico.

Os elementos de discussão dos artigos que compõem o corpus deste trabalho foram congregados em categorias de análise que tiveram como referência as palavras-chave utilizadas na busca desta revisão integrativa, ou seja: família e trabalho, trabalho e aposentadoria, família e aposentadoria. A seguir, serão explorados os principais resultados identificados em tais investigações.

 

Família e trabalho

Referente aos resultados obtidos na busca pela produção científica sobre família e trabalho, observou-se que, dos 13 artigos encontrados, 04 deles direcionam a discussão para as transformações ocorridas no contexto familiar e social a partir da intensificação da participação feminina nas atividades de trabalho. Sobre esse assunto, convém retomar Ariès (1981), o qual esclarece que, tradicionalmente, foram circunscritos espaços a serem ocupados pelas pessoas de acordo com o sexo biológico, cabendo aos homens vincular-se a atividades externas, tais como o trabalho, e, às mulheres, a preocupação preponderantemente com as questões emocionais e de intimidade da família, dentre as quais é possível citar o desenvolvimento das tarefas domésticas e o papel maternal.

O estudo desenvolvido por Silva et al. (2010), por exemplo, enfatiza que as dicotomias históricas envolvendo homens e mulheres e atribuindo espaços a serem ocupados por esses encontram-se em modificação. Por meio de seus resultados, constatou-se que, embora ainda permaneça uma certa visão da mulher como "rainha do lar", a qual deve utilizar o seu tempo em algumas atividades domésticas, tal realidade é cada vez menos comum. A autonomia e a complementariedade entre os sexos, proporcionadas pelo trabalho assalariado, têm minimizado diferenças de gênero e demandado o desempenho de papéis e funções familiares diferentes dos habituais.

A esse respeito, a pesquisa desenvolvida por Lago et al. (2009), em uma cidade de pequeno porte em Santa Catarina, demonstrou que, nesse contexto, é comum o envolvimento das mulheres em múltiplas atividades, as quais são executadas na própria casa, na agricultura e na comunidade. Especialmente em relação aos afazeres domésticos e na lavoura, embora ainda predominem as configurações tradicionais de família e haja espaços mais demarcados de acordo com o gênero, tais atividades são desenvolvidas a título de "ajuda" e em conjunto por homens e mulheres. Constatou-se, também, que o cuidado com a casa nem sempre é percebido como trabalho, mas como atividade que pode ser desenvolvida pelos diferentes membros, o que inclui os filhos e os idosos residentes no lar.

A pesquisa de Amazonas et al. (2011) destaca as mudanças no modo de ser e nas relações conjugais ocorridas na contemporaneidade. Exemplo disso são as buscas por parceiros que incentivem a independência feminina, a procriação retardada em virtude da busca pela realização profissional, a ampliação da participação do homem no cuidado com os filhos e as diversas configurações familiares. No entanto, as autoras observam que essas modificações não impedem a vivência de um conflito, especialmente em mulheres, as quais se encontram face à necessidade de escolher entre agir de acordo com seus interesses ou em conformidade aos padrões nos quais foram educadas.

Tal conflito pode ser verificado no estudo de caso realizado por Silva e Lima (2012), no qual é discutida a sobrecarga das funções exercidas pela mulher em razão das demandas familiares e de trabalho. Nessa perspectiva, o estudo identificou que a multiplicidade de papéis desempenhados pelas mulheres na cena contemporânea torna a sua rotina densa, e, quando não é compartilhada com outros responsáveis, pode potencializar o risco de adoecimento. Constatou-se também que, nessas condições, a identidade profissional pode estar imersa em sentimentos ambíguos, tais como a satisfação pelo que realiza e a frustração ou culpa quando não é possível atender a todas as exigências.

Por sua vez, os estudos desenvolvidos por Paschoal e Tamayo (2005), Faria e Rachid (2007), Silva e Rossetto (2010), Oliveira et al. (2013) destinam-se a compreender as implicações decorrentes da interferência e dos conflitos entre trabalho e família. Os resultados apresentados nesses trabalhos demostraram que essas dimensões podem se afetar mutuamente, uma vez que não haja um equilíbrio entre as demandas provenientes delas.

Além do mais, foi possível constatar que as excessivas exigências do envolvimento laboral são potenciais geradoras de dificuldades nos vínculos familiares, sendo que as condições de trabalho e o cargo ocupado na empresa delimitam o tempo destinado à convivência e à participação do trabalhador nesse contexto. De igual maneira, a impossibilidade de conciliar as demandas pode acarretar consequências no cenário organizacional, causando estresse nas relações de trabalho, diminuição da satisfação e, consequentemente, desejo de abandonar a empresa. Em relação aos cargos gerenciais, Silva e Rossetto (2010) constataram, inclusive, a dificuldade de esses profissionais cuidarem de si mesmos face à existência de tais conflitos.

Numa perspectiva correlata, Chambel e Santos (2009) investigaram o impacto de práticas organizacionais que proporcionam a conciliação entre trabalho e família, dentre as quais é possível citar a existência de horários flexíveis e de programas de apoio e assistência a dependentes. Esse estudo identificou que a execução dessas práticas possui relação positiva com a satisfação no trabalho, podendo ajudar os trabalhadores a desenvolverem competências para melhor gerir suas vidas nos dois domínios.

Acerca da influência das condições de trabalho no relacionamento familiar, o estudo desenvolvido por Cia e Barham (2008) apontou que pais que trabalham no turno da noite apresentam menor satisfação no envolvimento com seus filhos, tendo em vista a dificuldade de tempo para convivência com eles. Conforme sugerem as autoras, a avaliação pouco positiva quanto ao desempenho do papel parental indica a falta de oportunidades para realizar atividades com os filhos, o que, por sua vez, afeta o desenvolvimento socioemocional deles.

Tais aspectos também foram abordados na pesquisa realizada por Lima et al. (2012), a qual indicou uma relação entre a idade dos filhos e o nível de satisfação no trabalho. Nessa linha, verificou-se que o executivo jovem sente maior cobrança familiar para equilibrar a sua vida, de modo que seja possível interagir mais com seus filhos pequenos. O executivo sênior, embora faça o mesmo relato em relação ao seu passado, não descreve sentir essa pressão no momento atual, haja vista que possui filhos adultos e, nesse período, dedica-se à função de avô.

Por conseguinte, as pesquisas desenvolvidas por Raitz e Petters (2008) e Coutrim (2006) contribuem para a apreensão da organização familiar face à precarização das relações laborais. A coabitação e a interação entre diferentes gerações tornam-se comuns, uma vez que os jovens encontram-se desempregados ou subempregados e necessitam da assistência de seus progenitores, sobretudo dos idosos. Dessa forma, constatou-se que a família se configura como um núcleo de apoio para lidar com as adversidades, especialmente, em situações que aliam pobreza e trabalho informal.

Tomando os elementos discutidos nesta categoria, destaca-se a necessidade de considerar criticamente os constructos sociais que influenciam padrões relacionais, por meio dos quais são instituídas diferenças de acordo com o gênero, ocasionando hierarquia e desigualdade de poder no casal. Os resultados apresentados pelos estudos que foram analisados permitem observar que os formatos rígidos de organização familiar não contribuem para o desenvolvimento saudável de indivíduos, visto que, nesses casos, as relações carecem de equidade entre homens e mulheres e podem ocasionar conflitos e tensões nas dimensões da família e do trabalho.

Nesse sentido, cabe notar que as crenças culturais machistas e patriarcais constituídas ao longo da história e que refletem na estrutura e no funcionamento das famílias e, também, nos contextos laborais encontram-se em franca mudança, possibilitando formas mais flexíveis na vivência de papéis e funções desempenhados por mulheres e homens em ambas as esferas da vida. Os valores que balizam tais crenças estão sendo questionados e, com isso, novos modelos são apresentados e exercitados no cenário atual. Inclusive, o conceito tradicional de família precisa ser repensado a fim de abarcar a diversidade de dinâmicas familiares possíveis, sendo que isso já é um consenso nos estudos desenvolvidos no campo da Psicologia da Família.

Cabe ainda enfatizar a importância de pensar a interface entre família e trabalho, considerando as questões intergeracionais que nela encontram-se imbricadas. Nessa linha, foi possível verificar que as demandas apresentadas por outros integrantes do contexto familiar estão diretamente relacionadas aos aspectos presentes na discussão. Isto é, o desejo e a necessidade de cuidado compartilhado dos filhos entre os pais, bem como a participação da geração mais velha da família oferecendo subsídios financeiros e amparo emocional são exemplos de questões que se apresentam na contemporaneidade e trazem implicações sobre a forma como os indivíduos irão executar suas tarefas em ambos os âmbitos da vida.

 

Trabalho e aposentadoria

Dos estudos analisados, 11 deles tiveram como objeto de investigação a interface entre trabalho e aposentadoria. Constatou-se que, em 03 desses estudos, o foco de análise foi a compreensão dos imaginários e dos significados às quais a aposentadoria, usualmente, é associada.

As pesquisas desenvolvidas por Souza et al. (2010) e Moreira (2011) evidenciaram a importância do trabalho para o desenvolvimento e a organização de vida do indivíduo. Observou-se que, em virtude dos preceitos capitalistas que estruturam o funcionamento societário contemporâneo, há uma nítida dissociação entre trabalho e aposentadoria, sendo o primeiro entendido como mecanismo de produção, enquanto o segundo é percebido como inatividade. Ademais, verificou-se que a aposentadoria encontra-se relacionada ao processo de envelhecimento, o qual é compreendido pelo viés das perdas, tornando-se alvo de preocupação e comportamentos que visam a sua evitação.

De modo correspondente, o estudo desenvolvido por Selig e Valore (2010) identificou que, para um grupo de pré-aposentados, a aposentadoria é compreendida como continuidade da inserção no contexto produtivo. De acordo com as autoras, esse dado aponta para as decorrências subjetivas relacionadas ao desligamento do trabalho, sendo que a definição pela ruptura ou pela continuidade impõe a resolução de um conflito psíquico no qual está presente a necessidade de pertencimento e o medo de tornar-se inútil e se perder.

Nessa perspectiva, convém destacar que o fenômeno da ininterrupção do vínculo laboral após a aposentadoria foi objeto de investigação em 2 estudos. A pesquisa realizada por Khoury et al. (2010) assinalou que a necessidade de sentir-se produtivo foi o principal motivo pelo qual ocorre o retorno ao trabalho. Constatou-se que os fatores de ordem psicossocial no trabalho, tais como a necessidade de realização pessoal, interação e atualização, influenciam diretamente nessa decisão.

Em contraponto, o estudo desenvolvido por Cintra et al. (2010) demonstrou que, no caso dos aposentados que permanecem trabalhando informalmente no setor calçadista, as demandas de ordem financeira se sobrepõem à preocupação com a inserção social. Nesses casos, a aposentadoria é percebida como uma possibilidade de complementação de renda, uma vez que o trabalho informal possibilita subsídios econômicos que se somam ao benefício previdenciário. Assim sendo, considera-se que essa perspectiva precisa ser devidamente considerada, uma vez que a representação que a aposentadoria assume na vida do indivíduo pode distinguir-se em função da necessidade de continuidade, ou não de suas atividades laborais.

Constatou-se que a transição para a aposentadoria constitui-se como um dos principais eventos críticos da vida adulta, havendo diversos fatores que influenciam em sua vivência. A pesquisa realizada por Pimenta et al. (2008) evidenciou que, indiferentemente do sexo, os aposentados que se encontram casados ou em união estável e que permanecem com alguma ocupação após a aposentadoria tendem a ter maior qualidade de vida no que se refere às suas condições gerais de saúde e às relações sociais.

Por outro lado, Canizares e Jacob Filho (2011) demonstraram que o desligamento do trabalho afeta, sobremaneira, os homens. Além disso, nesse estudo, foi observado que as mudanças decorrentes da aposentadoria atingem potencialmente os indivíduos com idade mais avançada, bem como aqueles que ocuparam cargos com menor autoridade e possuem menor escolaridade.

O estudo desenvolvido por França (2009) com "top" executivos brasileiros e neozelandeses, evidenciou que, entre os preditores sociais de maior influência sobre as atitudes de aposentadoria, estão as relações familiares e de amizade. Especialmente no caso dos brasileiros, os executivos cujos cônjuges influem positivamente na decisão de aposentar-se, foi possível verificar uma maior percepção de ganhos em relação a esse período. Cabe destacar que esse apontamento também foi indicado na pesquisa de Bressan et al. (2013), a qual enfatizou que o planejamento financeiro, a saúde e os relacionamentos familiares constituem-se em fatores-chave que contribuem para o bem-estar na aposentadoria.

Resultados semelhantes foram encontrados nas pesquisas realizadas por França et al. (2012) e Magalhães et al. (2004). Nessas pesquisas, constatou-se que a aposentadoria é compreendida como um recomeço nos diversos âmbitos da vida, e os relacionamentos familiares ocupam lugar de destaque nos projetos para esse período. Ademais, foi possível identificar que os indivíduos que consideram ter atingido seus objetivos pessoais relativos ao trabalho e percebam o desempenho de outras atividades e papéis como sendo alternativas satisfatórias podem apresentar mais facilidade de ajustamento à aposentadoria.

A partir dos elementos discutidos nesta categoria, verifica-se a diversidade de fatores e situações que se encontram imbricados na interface entre aposentadoria e trabalho. Distante de ser um processo linear no qual o indivíduo simplesmente encerra suas atividades profissionais e realiza a passagem para um novo momento de sua carreira, a aposentadoria envolve uma série de ideias, expectativas e condições que retratam o seu cenário de vida.

Cabe reiterar a importância que o trabalho possui no desenvolvimento humano, posto que este se constitui em uma das esferas mais significativas da vida do indivíduo. É possível observar que o engajamento em atividades profissionais ocupa um largo espaço no tempo de vida e, inclusive, regula o desempenho do indivíduo no cuidado consigo, com suas relações familiares e de amizade. Assim, a aposentadoria configura-se como um período oportuno para o resgate e o investimento nos âmbitos da vida que não receberam atenção suficiente, ou, ainda, para a ampliação das fontes de satisfação e felicidade do indivíduo.

 

Aposentadoria e família

Dentre os resultados obtidos na busca sobre aposentadoria e família, foram identificados os trabalhos de França (2009) e Bressan et al. (2013), os quais já foram apresentados e não serão retomados nesta categoria, uma vez que abordam as questões relativas à família de maneira superficial, ou seja, sendo somente um dos elementos de análise em sua investigação acerca da aposentadoria. Desse modo, foi selecionado apenas 1 artigo, o qual se propõe a discorrer especificamente sobre a referida interface.

O estudo produzido por Azevedo e Carvalho (2006), ao enfatizar o lugar da família na rede social do aposentado, observa que a aposentadoria é compreendida como um momento de liberdade, no qual os indivíduos encontram-se desprendidos de suas tarefas profissionais e investem em seus relacionamentos. Nesses termos, constatou-se que há uma diminuição da rede social de lazer após a efetivação do desligamento laboral, sendo que os vínculos familiares concentram significativamente o interesse e as atividades desenvolvidos nesse momento do ciclo vital.

Por essa via, vale ressaltar que as relações entre cônjuges bem como destes com seus filhos e netos são entendidas como de grande valia e uma das principais fontes de prazer. A convivência direta com a família ampliada oportuniza o contato intergeracional, especialmente, representado pela função de avô/avó, havendo a necessidade de rever os laços estabelecidos de modo que as obrigações do aposentado possam favorecer espaço para usufruir do tempo livre e, consequentemente, interagir com as gerações mais novas.

Ao considerar os aspectos discutidos nessa categoria, ressalta-se que a família se constitui um fator importante para o entendimento das mudanças que acontecem em razão da efetivação da aposentadoria, seja nos papéis cumpridos nesse contexto ou na identidade do indivíduo. Convém analisar que tais modificações são concernentes às particularidades e às demandas que refletem a organização da família nesse período do seu ciclo vital.

Dessa maneira, julga-se pertinente retomar que, na perspectiva sistêmica, a aposentadoria é compreendida como um evento estressor no processo desenvolvimental familiar. Conforme postularam Carter e McGoldrick (1995), esse evento representa a passagem para uma nova organização e estrutura da família, sendo que há uma série de tarefas desenvolvimentais que se somam, as quais exigem que seus integrantes se atenham tanto na manutenção do funcionamento, quanto na exploração de novos papéis familiares e sociais. Observa-se, portanto, a necessidade de atentar para as questões relacionais que se encontram imbricadas nesse processo, haja vista que se torna possível identificar fatores significativos e que podem influenciar a decisão e a adaptação ao desligamento laboral.

 

Considerações finais

Este artigo apresentou uma revisão integrativa da produção científica brasileira sobre família, trabalho e aposentadoria, discutindo os principais achados que derivam de investigações sobre essas temáticas, além das suas características metodológicas. Nesse sentido, foi possível observar a prevalência de estudos qualitativos e com o uso de entrevistas semiestruturadas. A partir desse dado, indica-se que novas pesquisas sejam desenvolvidas numa abordagem quantitativa, utilizando-se de instrumentos que possibilitem mensurar aspectos do funcionamento familiar atrelado aos temas do trabalho e da aposentadoria. Além disso, convém destacar que uma parcela significativa da produção analisada foi publicada nos últimos quatro anos e meio, confirmando o que havia sido indicado pela literatura internacional sobre a aposentadoria ser um tema que tem recebido maior destaque na produção apenas nos últimos anos.

A partir dos resultados obtidos nesse estudo é possível constatar que a relação entre família e trabalho está recebendo maior ênfase, seguida pela interface trabalho e aposentadoria. A análise dos artigos que versam sobre esses assuntos evidenciou a inter-relação das esferas de modo que foram identificadas múltiplas facetas envolvidas em sua apreensão. Exemplo disso são as diferentes configurações familiares que emergem na cena contemporânea, cujos modelos se diferenciam dos desenhos tradicionais, seja no modo como as relações são estabelecidas na família ou nas organizações de trabalho. Dessa forma, somam-se novos desafios para pensar as características e as repercussões que estão envolvidas nessas dimensões.

De igual maneira, a análise das questões em torno da aposentadoria e da família permitiu identificar a interconexão entre os temas, denotando que o contexto familiar está intrinsecamente vinculado ao processo de desligamento laboral na medida em que se configura como um elemento que compõe desde expectativas até condições para a efetivação e a adaptação a esse período. Contudo, embora diversas pesquisas tenham referido a influência da família na vivência da aposentadoria, não foram encontradas, de modo expressivo, produções científicas que se proponham a discutir especificamente essa relação. Verifica-se que, no Brasil, as produções com esse foco são ainda incipientes, haja vista o número escasso de investigações que se detenham em explorar unicamente esse assunto, sobretudo, se considerado o total de trabalhos analisados e o período de tempo que compõe este levantamento, ou seja, 9 anos e meio.

Essa constatação parece se relacionar ao fato de que a aposentadoria, enquanto fenômeno de estudo, ganhou evidência muito recentemente, sendo um fenômeno ainda compreendido predominantemente pelo viés individual do aposentado e/ou da dinâmica do contexto laboral e organizacional. Além disso, esse apontamento se comprova pela igual escassez de publicações em livros e por não haver linhas de pesquisas cadastradas no Diretório dos Grupos de Pesquisas do CNPq com essa problemática explícita em sua descrição. Assim sendo, é possível afirmar que o diálogo entre aposentadoria e família carece de maior atenção por parte dos pesquisadores brasileiros, tendo em vista que a análise dos dois fenômenos tem ocorrido de maneira isolada ou associada a outros fatores.

Nesses termos, ressalta-se a necessidade de uma leitura abrangente do fenômeno, a qual possibilite analisar a sua complexidade bem como os elementos envolvidos de maneira conectada. Para tanto, é pertinente que novas pesquisas sejam desenvolvidas com o intuito de compreender, em pormenores, os fatores imbricados nessa temática, considerando a perspectiva dos diversos atores nela envolvidos, tais como cônjuges e filhos de aposentados. Cabe destacar a necessidade de estudar o tema, também, pela relevância que há em fazêlo a partir da realidade brasileira, evidenciando as condições inerentes ao contexto do país.

Por fim, enfatiza-se que, referente aos principais resultados das investigações que compõe o corpus de análise deste estudo, foram encontradas algumas indicações sobre como a família, o trabalho e a aposentadoria têm sido tratados no cenário brasileiro da produção científica. No entanto, acredita-se que a inclusão de outras bases de dados, além das pesquisadas, pode oferecer mais informações sobre o estado da arte de pesquisas sobre tais temas. Assim, sugere-se que novas revisões sobre a inter-relação desses âmbitos sejam realizadas, abarcando um período de tempo mais abrangente no intuito de verificar se tais tendências também podem ser observadas.

 

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Submetido: 29/01/2014
Aceito: 15/05/2014

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