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Revista do NUFEN
versão On-line ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.7 no.2 Belém dez. 2015
Artigo
A formação do self e a dependência afetiva: uma revisão bibliográfica da abordagem centrada na pessoa
The Self Formation and the Affective Dependence: a Person Centered Approach literature review
La Formación del Selfy la Dependencia Afectiva: una revisión bibliográfica del enfoque centrado en la persona
Aline Pinheiro Macedo Guimarães; Melchisedech César Silva Neto
Faculdade Estácio de Macapá
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo discutir a compreensão da Abordagem Centrada na Pessoa sobre a Dependência Afetiva, especificando os sintomas da dependência afetiva, conceitos de formação do self, e a relação entre os conceitos da abordagem e as características presentes no transtorno. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, dentro do período de 2005 a 2015 (com exceção de obras clássicas que estão presentes em edições mais antigas). Os resultados encontrados comprovam que por não perceber a aceitação através do meio o sujeito de personalidade dependente está sempre se adequando ao outro, ou seja, distorce seu verdadeiro self. Para tanto, discutiu-se que o processo de formação de self somado ao ambiente disponível para o desenvolvimento da personalidade, quando não se demonstra favorável, ocorre uma distorção da noção de si,provocando a formação do transtorno de personalidade dependente.
Palavras-chave: Dependência afetiva; Abordagem centrada na pessoa; Self.
ABSTRACT
This article aims to discuss the Person Centered Approach understanding about the affective dependence, specifying the symptoms of the affective dependence, the self concept formation, and the relationship between the concepts of the approach and the characteristics present in the disorder. For this, a literature review will be held within the period from 2005 to 2015 (except for work basis that are stated in earlier editions). The results were that by the lack of acceptance found in the enviroment that surounds the human being affected by this disorder, the person with the dependent personality will be always adapting to the others, causing the distortion of the true self. To do so, it was discussed that the self -forming process plus the environment available for the personality development, when it is not favorable, it occurs a distortion of the self, causing the dependent personality disorder formation.
Keywords: Affective dependence; Person centered approach; Self.
RESUMEN
Este Este articulo tiene como objetivo discutir lacomprensióndel Enfoque Centrado enla Persona sobre la Dependencia Afectiva, especificando los sintomas de ladependenciaefectiva, conceptos de formación del self, y larelación entre los conceptos del enfoque y las características presentes enel transtorno. Para esto, fuehecha una busqueda bibliográfica, desde elaño 2005 hasta elaño 2015 (conexepción de losclásicos que están presentes enlasediciones más antiguas). Los resultados obtenidoscomprueban que por no percibirlaaceptación a través del médio, elsujeto de personalidaddependiente está siempreadecuandose al otro, es decir, distorsionasuverdaderoself. Para esto, se discutió que elproceso de formación de self, sumado al ambiente disponible para eldesarrollo de lapersonalidad, cuando no se demuestrafavorable, se produce una distorción de lanoción de símismo, provocando laformacióndel transtorno de lapersonalidaddependiente.
Palabras-clave: Dependencia afectiva; Enfoque centrado em la persona; Self.
INTRODUÇÃO
Rogers, Wood, O‟Hara e Fonseca (1951/1992) acreditavam que o self era formado através da tendência atualizante e da convivência da criança com os pais, onde estão suas primeiras relações. Logo, o self acaba se formando sob o olhar que estes depositam nele, e desenvolve de maneira natural a necessidade de consideração positiva.
Essa teoria inicialmente desenvolvida por Stanley, um aluno de Rogers, foi acrescentada à teoria da abordagem centrada na pessoa, pois Rogers et al. (1951/1992), percebeu sua importância e relevância para a compreensão da formação do self. Dessa forma, durante o processo de formação do self, a criança precisa do retorno de seus pais, aprovando ou não o seu comportamento, para que se constitua como pessoa. Dependendo de como é esse ambiente, o retorno pode não ser realizado de forma saudável e como consequência, o self também não se forma de maneira saudável. Messias e Cury (2006) citam Gendlin (1964, p. 111) que afirma que essa matéria prima psicológica é constituída de sentimentos e a compreensão experiencial coloca o afeto como causa e não como consequência dos comportamentos.
Estados afetivos consistem de experiências que são resumidas em sua natureza e, portanto, temporalmente mal definidas. São claramente reconhecíveis quando inundam a consciência do sujeito, mas sua associação regular com desencadeantes e circunstâncias sociais não é clara. Dessa forma, a personalidade dependente tem como característica o comportamento de prestar cuidados ao parceiro de maneira repetitiva e desprovida de controle. Logo, como consequência, surge de uma necessidade difusa e excessiva de ser cuidado, leva às atitudes de submissão, apego e a temores de separação.
Essas reações, por sua vez, quando explicadas com base na Abordagem Centrada na Pessoa, aparecem inerentes a cada momento, de forma que ocorrem no fluxo do tempo e não de forma estagnada. Ou seja, essas reações vão sendo construídas desde a formação da criança, através do ato de experienciar e registrar, como parte de sua personalidade, suas vivências. Isto foi o que Rogers et al. (1951/1992) chamaram de Tendência atualizante, e acaba que a noção desta, está atrelada à concepção de homem como um processo constante de abertura às possibilidades.
O presente artigo tem como tema: A formação do self e a dependência afetiva e tem como objetivo apresentar a compreensão da Abordagem Centrada na Pessoa sobre a dependência afetiva. Para isso foi realizada uma pesquisa bibliográfica de cunho exploratório. Para a elaboração desse artigo foi necessário descrever a dependência afetiva, relacioná-la com os conceitos da Abordagem Centrada na Pessoa e conceituar a formação do self. Logo, o interesse em pesquisar sobre a Dependência Afetiva surgiu da identificação com esse tema e por apresentar assunto relevante ao da teoria Centrada na Pessoa.
Desta maneira, o corpo do texto foi dividido em 4 tópicos, sendo eles: Dependência Afetiva, Abordagem Centrada na Pessoa, Formação do Self e Resultados e Discussões. No primeiro tópico é feito um apanhado em torno do termo dependência afetiva, expondo o que são os afetos e o que representam, as paixões e por fim, a dependência afetiva, descrevendo as atitudes exercidas por quem possui esta síndrome. No segundo tópico são esclarecidas as contribuições da abordagem em relação aos conceitos que são apresentados na discussão. No terceiro destaca-se, de maneira mais específica, o processo de formação do indivíduo. Por fim, no quarto tópico, enfatiza-se o objetivo geral desta pesquisa, que é Discutir a compreensão da Abordagem Centrada Na Pessoa sobre a dependência Afetiva, onde ocorre uma discussão do tema, relacionando o transtorno de personalidade dependente com os conceitos desta abordagem.
Em suma, a construção deste artigo volta o olhar para esse construto doente ou incongruente que o self de um dependente afetivo se põe a registrar, uma vez que receber cuidado e afeto durante a infância é fundamental para que os indivíduos se desenvolvam com segurança e proteção. No entanto, quando esse afeto não é registrado de maneira segura, mas sim distorcida, o indivíduo torna-se apagado, submetendo-se somente às reações e posições do outro quanto sua imagem.
DEPENDÊNCIA AFETIVA
Estados afetivos, como diz Berrios (2012), consistem de experiências que são difusas em sua natureza e, portanto, temporalmente mal definidas. São claramente reconhecíveis quando inundam a consciência do sujeito, mas, sua associação regular com desencadeantes e circunstâncias sociais não são claras, ou seja, quando o sujeito se depara com alguma situação que desperte ou favoreça o aparecimento de determinado sentimento, sua consciência afetiva reconhece-o e ativa as reações do sujeito, por mais que o indivíduo não conheça sua origem, e ainda assim,ele o sente e reproduz.
Como se não fossem suficientes estas dificuldades, segundo Berrios (2012), o sujeito ainda tem, em geral, sido convidado a perceber seus estados afetivos pela introspecção e, se possível, a nomear suas sensações ou imagens mediadoras. Sendo assim, Berrios (2012) afirma que os "sentimentos" eram considerados como estados mentais enganosos brevemente representados por algumas manifestações comportamentais mal definidas. Dessa forma, eram estados mentais camuflados, que acabavam despertando uma série de comportamentos sem definição ou sem sentido.
Para tanto, Berrios (2012), ainda diz que "emoção e paixão são definidos como estados sentimentais que são de curta duração, mais ou menos intensos, salientes e relacionados a um objeto reconhecível e, geralmente, vêm acompanhados por mudanças corporais e, portanto, possuem propriedades motivacionais". Diferentemente de humor e afeto, que por outro lado, Berrios os define como estados mais duradouros e sem objeto, capazes de fornecer uma espécie de tonalidade de sensação de fundo para o indivíduo. Berrios (2012), ainda afirma que o afeto também é considerado como "disposicional" na sua natureza, isto é, estar com "afeto A"1 significa que, se certas condições forem cumpridas, o sujeito se comportará de uma forma particular.
O aspecto "disposicional", como diz Pantaleão (2011), está presente na gênese da explicação dos fatos no mundo, ou seja, está enquanto potencialidade de comportamento do indivíduo cognitivo que é inserido em um meio e capaz de "saber como" desempenhar ações. Estas potencialidades são decorrentes das propriedades dos corpos e se efetivam ou não dependendo, essencialmente, da interação com o meio em que estão imersos. De acordo com Pantaleão (2011), este termo foi utilizado pelo colaborador das teorias cartesianas, Gilbert Riley, (1949, citado por Pantaleão, 2011)2 : "Na filosofia cartesiana o conhecimento diz respeito somente à coisa pensante, inteiramente racional e desvinculada de qualquer dado perceptivo do ambiente" (p. 130).
Isto posto, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-V (2014), aponta que o transtorno de personalidade dependente, também denominado de dependência afetiva, tem como característica diagnóstica, uma necessidade difusa e excessiva de ser cuidado que leva ao comportamento de submissão e apego e a temores de separação, seja de um relacionamento amoroso, familiar ou amizade. Estes comportamentos surgem com o intuito de conseguir cuidado e derivam de uma autopercepção de não ser capaz de funcionar adequadamente sem a ajuda de outros. Sendo assim, o indivíduo detentor dessa forma de funcionar, despende energia ao outro para que o outro retribua com o mesmo e se puder em mesma intensidade.
Segundo o DSM-V (2014), essa necessidade, de que outras pessoas assumam a responsabilidade, vai além de solicitação de auxílio que tenha uma condição ou incapacidade médica grave, ela torna o indivíduo dependente e a dificuldade em assumir responsabilidade precisa ir além daquilo que estaria normalmente associado a essa condição ou incapacidade médica. Ela passa a ocupar um espaço maior do que deveria, ou seja, passa a fazer parte da forma de ser do indivíduo. Ele não sente necessidade porque não pode ou está limitado, mas sim, porque sente que não tem o que precisa.
Indivíduos com transtorno de personalidade dependente podem ir a extremos para conseguir o cuidado e apoio de outros, a ponto até de voluntariar-se para tarefas desagradáveis caso esse comportamento possa proporcionar a atenção que precisam. Estão dispostos a se submeter ao que os outros desejam, mesmo que as demandas não sejam razoáveis (DSM-V, 2014, p. 676).
Devido à sua necessidade em manter esses vínculos importantes, torna-se capaz de suportar até abusos: sexuais, verbais ou físicos. Se por algum acaso este vínculo vier a terminar, é capaz de procurar quase que imediatamente outro relacionamento para continuar obtendo tais cuidados. Segundo o DSM-V (2014), com frequência sentem medo de serem abandonados.
Sabe-se que a atitude de fixar atenção e cuidados em relação ao outro é esperada em qualquer relacionamento saudável, mas, se existe a impossibilidade de autonomia no indivíduo, ou seja, se este possui uma imagem distorcida de si e não consegue autoafirmar-se, se sente que precisa do outro para gerenciar sua própria vida, isto pode provocar a falta de controle e de liberdade de escolha sobre essa conduta de depender, de modo que ela passe a ser prioridade para o indivíduo. Seria como se ele assumisse para si esta forma de ser, no mundo.
ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA
A Abordagem Centrada na Pessoa é produto da significativa experiência clínica e acadêmica de Carl Rogers. Como citado por Maia, Germano e Moura (2009, p. 35-36), "Este autor foi importante, segundo Hall, Lindzey e Campbell3, para a consolidação da Psicologia Humanista e para o desenvolvimento do conceito de self". Seus trabalhos, iniciados por volta de 1940, abrangeram desde questões vinculadas à psicoterapia, à dinâmica dos relacionamentos interpessoais até os aspectos do funcionamento da personalidade.
Para tanto, é necessário discorrer a respeito de um dos seus conceitos fundamentais, a partir do qual praticamente toda a teoria se desenvolve: o conceito de tendência atualizante. Para Rogers, esta tendência seria parte de todo organismo que, como afirma Maia et al. (2009, p. 36), "é movido por uma tendência inerente para desenvolver as suas potencialidades e para desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e seu enriquecimento". Ou seja, a tendência atualizante é inerente ao indivíduo e ela está presente à medida que este precisa manter-se vivo no momento presente, buscando alternativas dentro daquilo que já conhece de si e de suas experiências para sobreviver ou buscar novas formas de viver.
Essas reações, por sua vez, são inerentes a cada momento, de forma que ocorrem no fluxo do tempo e não, de forma estagnada. É como se o objetivo da tendência atualizante fosse a contínua superação dos estados atuais dos indivíduos em direção à atualização de suas potencialidades. A noção de tendência atualizante, como diz Telles, Boris e Moreira (2014), está atrelada à concepção de homem como um processo constante de abertura às possibilidades, tanto daquelas já pertencentes ao indivíduo, quanto para aquelas que podem ser adquiridas. Além de pertencer a um processo organísmico, o que corrobora a ideia de Rogers (1983), de que a tendência atualizante se manifesta em qualquer organismo vivo.
Portanto, o importante para a abordagem centrada na pessoa é o indivíduo e não o problema que é posto em foco, pois, para Rogers et. al. (1951/1992), o objetivo não é resolver um problema particular, mas sim o de ajudar o indivíduo a desenvolver-se. Desta forma, o que interessa em um olhar centrado na pessoa são as possibilidades a serem construídas a partir de um relacionamento que favoreça o crescimento da pessoa. Dentro desta perspectiva, busca-se que o indivíduo encontre em suas relações um ambiente que favoreça sua autoestima, sua busca pela satisfação de suas necessidades de maneira congruente ou saudável, para que este indivíduo não construa uma personalidade e imagem distorcida de si. Ainda neste sentido, a teoria centrada na pessoa não busca a melhora ou piora do organismo, mas as potencialidades que este pode desenvolver a partir do que ele é para si.
Bervique, Parrera e Pessim (2014), afirmam que o princípio básico da Teoria Organísmica consiste em "descobrir as leis pelas quais o organismo inteiro funciona, para que se possa compreender a função de qualquer de seus componentes" (p. 2). Formulada por Kurt Goldstein, como citado por Bervique et al. (2014), o processo organísmico tem como motivo básico e único, um propósito soberano da vida, ou seja, as necessidades são suas manifestações.
Por conseguinte, o organismo depende de maneira natural do ambiente para que possa se construir, se este ambiente favorece que o indivíduo possa experienciar o que verdadeiramente é, tanto de forma consciente, afetiva e organísmica, ele consegue funcionar coerentemente, o que é confirmado por Rogers (1902-1987/1983):
Com isto quero dizer que quando o que estou vivenciando num determinado momento está presente em minha consciência e quando o que está presente em minha consciência está presente em minha comunicação, então cada um desses três níveis está emparelhado ou é congruente.
O exercício desta capacidade requer um contexto de relações humanas positivas, favoráveis à conservação e à valorização do „eu‟, ou seja, para que este sujeito consiga ser autêntico ou côngruo são necessárias relações desprovidas de ameaças ou de desafios à concepção que o sujeito faz de si mesmo, ou melhor, precisa de relações que não firam ou distorçam o self do sujeito. Além disso, Maia et al. (2009) afirma, que esses caminhos que os indivíduos são habilitados a traçar não possuem um caráter universal e, sim, de ordem fenomenológica, ou seja, eles se dão a partir da percepção do sujeito a respeito do que este considera a melhor maneira de agir em determinado momento.
A teoria da fenomenologia foi descrita por Husserl, como cita Ziles (2007), por volta de 1900, e que tinha como pressupostos a descrição da estrutura específica do fenômeno, que incluem as vivências que constituem a consciência e, como estrutura da consciência enquanto consciência, ou seja, como condição de possibilidade do conhecimento, de forma que esses fenômenos podem contribuir para as experiências do sujeito.
Se todo o sentido e valor a dar ao Ser se baseiam em funções intencionais, com essa redução, o eu se manifesta como condição de possibilidade de ter em vista o mundo (fenômeno). Sob esse aspecto, a redução conduz ao eu como subjetividade. Assim, pela redução fenomenológica, chega-se, de maneira reflexiva, ao conhecimento do eu como fonte original de toda a certeza e de todo o saber e ter do mundo. (Ziles, 2007, p. 218).
Ou seja, a construção do eu é reduzida aos fenômenos. Logo, as relações que o sujeito desenvolve com os fatos vivenciados durante sua construção, enquanto pessoa, é o que desenvolve sua subjetividade. "Esta tendência construtiva e poderosa é o alicerce da abordagem centrada na pessoa". (Rogers, 1902-1987/1983. p. 41). O que se quer dizer é que para que se entenda tal abordagem é necessário que se enxergue o sujeito além, ou seja, enxergue-o em seu complexo jeito de ser e estar no mundo. Pois é a partir do que ele constrói e absorve, como personalidade (self), durante sua vida, que ele será capaz de lidar com o mundo e consigo mesmo. Portanto, percebe-se que a tendência atualizante é inerente ao indivíduo, "sendo uma disposição para que sejam desenvolvidas suas potencialidades, porém, parcialmente condicionadas às limitações do meio" (Telles et al., 2014, p. 14).
A FORMAÇÃO DO SELF
Scartezini, Rocha e Pires (2013), dizem que Rogers desenvolveu sua teoria da personalidade; e um dos pressupostos dessa teoria é que as pessoas usam suas experiências para se definirem. Logo, Rogers et al. (1951/1992), afirma que existe um campo de experiência ou campo fenomenológico único para cada indivíduo, que inclui tudo o que é experimentado pelo organismo, quer se trate de experiências conscientemente percebidas ou não.
Rogers (1951/1992) entende o self como um campo fenomenológico em que o indivíduo organiza uma percepção e conceito de si mesmo. Desta forma então, constitui-se de um encontro entre as demandas internas do organismo e as demandas externas (valores sociais etc.) a ele. Branco (2012), afirma que, "ainda que seja um setor funcional da experiência, o eu (self) não é sinônimo de organismo, pois possui organizações autoconceituais que podem restringir o funcionamento do organismo e deste se diferenciar" (p. 88).
Considerando-se que a tendência atualizante [à realização] rege todo o organismo, ela se exprime igualmente no setor da experiência que corresponde à estrutura do 'eu' – estrutura que se desenvolve à medida que o organismo se diferencia. Quando há acordo entre o 'eu' e o 'organismo', isto é, entre a experiência do 'eu' e a experiência do organismo', na sua totalidade, a tendência atualizante [à realização] funciona de maneira relativamente unificada. Ao contrário, se existe conflito entre os dados experienciais relativos ao 'eu' e os relativos ao 'organismo', a tendência à atualização [realização] do organismo pode ser contrária à tendência à atualização do 'eu' (Rogers, 1951/1992, p.161).
Essas experiências quando vivenciadas de forma concordante, que seria o grau de precisão entre a experiência da comunicação e a tomada de consciência, mostra um indivíduo ajustado, maduro e que funciona de modo completo; "ele aceita viver diversas experiências organísmicas sem ansiedade ou sentimentos de ameaça, e é capaz de pensar realisticamente" (Scartezini et al., 2013, p. 2). Caso contrário se ele vivencia o mundo de forma incongruente, que é o inverso da congruência, o indivíduo se sente ameaçado e ansioso, se comportando defensivamente, com um pensamento limitado e rígido.
Messias e Cury (2006) afirmam que para compreender o processo de Experienciação4 é indispensável que se mantenha a ideia de algo que se move. Ou seja, é como um fluxo, um fluxo que alimenta a vida psíquica de cada sujeito. "Experienciação é o processo de sentimento, vivido corpórea e concretamente que constitui a matéria básica do fenômeno psicológico e de personalidade" (Gendlin, 1964, p. 111 citado em Messias & Cury, 2006).
Desta forma, Moreira (2013) cita que para Rogers (1965/1977, citado em Moreira, 2013) o comportamento incongruente surge quando o sujeito tenta se atualizar, mas se torna incapaz de se compreender, pois verifica que por um lado faz as coisas que não gostaria de fazer, e por outro lado se abstém das quais gostaria de realizar. E ao fazer isto tenta atualizar o eu com o qual ele não concorda e, por esse motivo não consegue ser ele mesmo, e adoece.
Quando criança, o indivíduo aprende a diferenciar ações e sentimentos que são aprovados ou reprovados, através da avaliação dos pais sobre o comportamento do mesmo. De acordo com Scartezini et al. (2013), as experiências "reprovadas" são rejeitadas, mesmo que para o organismo sejam corretas e isto acaba levando a um autoconceito em desacordo com as experiências organísmicas. Ou seja, por mais que o indivíduo perceba que determinadas experiências reprovadas pelos seus pais, façam parte de seu self, ele descarta buscando a aprovação destes. Contudo, ao fazer isso, a sua percepção de si começa a ser distorcida, uma vez que seu organismo sente e deseja ser de outro modo, mas racionalmente ele não se permite para não perder a aprovação de seus pais.
Sabe-se, contudo que isto pode ocorrer não só na fase da criança, uma vez que o self está em um continuum, ou seja, sempre em transformação. Neste sentido, afirma Branco (2012) que Rogers (1959/1977 citado em Branco, 2012):
considera, ainda, que o eu (self) é um estado de fluxo continuo disponível para a consciência. O eu (self) pode ser ideal (quando o indivíduo tem uma percepção e conceito do que ele gostaria de ser) ou real (quando de fato ele vivencia um estado de acordo interno entre o sentido e o simbolizado). (p. 88)
Ou seja, pode ocorrer uma grande diferenciação entre o self ideal, que seria aquele percebido pelo sujeito que está dentro de uma ideia da qual ele gostaria de ser. E o real que seria o que de fato ele vivencia, experienciando e simbolizando o que é percebido.
O termo self5 foi utilizado por Rogers et al. (1951/1992) num sentido mais restrito, ou seja, como a consciência de ser, de funcionar, ou como noção de si, de personalidade propriamente dita. Isto se daria como resultado da interação com o ambiente, e particularmente como resultado da interação avaliatória com os outros. Então, "é formada a estrutura do self - um padrão conceituaI organizado, fluido e coerente de percepções de características e relações do "eu" ou do "mim", juntamente com valores ligados a esses conceitos". (Rogers, 1902-1987/1983).
Assim, cada ser humano é motivado por necessidades e as suas necessidades mais básicas são inatas. Bervique et al. (2014) afirma, que o ser humano, sendo sem dúvida alguma, um ser gregário, as necessidades afetivas e de amor vêm-lhe imprimidas no código biológico. Quando nasce, o homem está dotado de sistemas que facilitam e alimentam a necessidade de carinho, disponibilidade, segurança e suporte por parte do meio envolvente. Ou seja, é inerente ao ser humano a necessidade de amor e carinho, entre outros, devido este possuir característica grupal, precisando estar em grupo, seja familiar, amigos, entre outros.
Para tanto Maslow por volta de 1943, como cita Bervique et al. (2014), desenvolveu sua teoria sobre as necessidades, criando assim uma pirâmide de necessidades básicas de todo ser humano, sendo composta por três pontos principais: na base, as necessidades básicas que englobam as necessidades fisiológicas e de segurança; necessidades psicológicas que conglomera as necessidades de relacionamento, amor e estima e por último as necessidades de auto realização que supõe ser a de realização pessoal.
A busca de satisfação das necessidades superiores é, em si, um indicador de saúde psicológica e Maslow (1943 citado em Bervique et al., 2014) afirma que a satisfação de necessidades superiores é intrinsecamente mais gratificante e que a meta motivação é uma indicação de que o indivíduo foi além do nível de funcionamento por deficiência. A partir daí Maslow (1943 citado em Bervique et al., 2014), concluiu que as pessoas realizadas aceitam a si mesmas e aos outros, sendo capazes de responder à singularidade de pessoas e situações, ao invés de responder de maneira mecânica e estereotipada, capazes de ser espontâneas e criativas, entre outras.
O conceito de necessidade de consideração positiva foi criado por Stanley Standal, que foi aluno de Rogers, na década de 1950; segundo Almeida (2009) Standal afirma, que esta seria uma necessidade adquirida e a definiu como sendo uma necessidade básica de todo indivíduo. Suas experiências relativas a si mesmo tem habilidades de afetar o campo experiencial dos outros de uma maneira positiva.
Quando o terapeuta está tendo uma atitude positiva, aceitadora, em relação ao que quer que o cliente seja naquele momento, a probabilidade de ocorrer um movimento terapêutico ou uma mudança aumenta. [...] Essas tendências, que são a recíproca das atitudes do terapeuta, permitem que a pessoa seja uma propiciadora mais eficiente de seu próprio crescimento (Rogers, 1902-1987/1983. p. 39).
Se estas necessidades forem adequadamente supridas, encontra-se criada uma natureza íntima que possibilita o desenvolvimento integral de potencialidades do sujeito psicológico. Segundo Almeida e Caldas (2012), uma construção identitária segura, associada a disposições que permitem o experimentar de sensações de bem-estar e saúde, são base e consequência da vontade de investir em novas relações, de procurar novos vínculos e assim alimentar a construção da imagem que o indivíduo tem de si, agregando mais possibilidades às suas experiências.
Neste sentido, Telles et al. (2014) cita que Rogers considerava a tendência atualizante uma capacidade do indivíduo de se reorganizar e se reestruturar, uma vez que certas condições facilitadoras deste processo sejam atendidas. Sendo assim, a tendência à atualização é a mais fundamental do organismo em sua totalidade, que preside o exercício de todas as funções, tanto físicas quanto experienciais e visa constantemente desenvolver as potencialidades do indivíduo para assegurar sua conservação e seu enriquecimento, levandose em conta as possibilidades e limites do meio, ou seja, é através da tendência atualizante que o indivíduo é capaz de dar sentido ao seu self, sempre atualizando-o a partir de cada nova experiência, acrescentando sempre novas oportunidades e potencializando suas características de enfrentamento ao ambiente.
Nessa autorrealização, ele pode atingir um estado de equilíbrio consigo e com o ambiente, de modo a manter um funcionamento que lhe é satisfatório. Dessa maneira, Barros (2012) diz que, denota a ideia de que o organismo possui alento próprio para se estabelecer e se desenvolver em relação ao ambiente em que está inserido. Tão logo, entretanto, atinge esse estado homeostático de preservação, equilíbrio, o organismo busca mais tensão, de maneira que ele pode transcender a si em suas limitações e acomodações, bem como pode fazer o mesmo com o ambiente.
Dessa forma, Ewald (2008) diz que identidade pode estar relacionada à existência, a forma de existir no mundo: "a palavra existência está ligada ao termo existere, que significa sair, sair de um domínio, de uma casa, de um esconderijo; é movimento para fora e por extensão mostrar-se" (p. 156). O que, por ocasião da interação entre o indivíduo e o contexto em que vive, tem uma parcela desta experiência desdobrada em "experiência de si", fazendo com que este indivíduo crie uma "noção do eu", a partir da qual, também irá guiar suas ações.
Logo, a experiência subjetiva diz respeito "ao mundo interior do ser humano, àquilo que ele sente como particular, único, genuíno e que se expressa através do self ou autoconceito". (Moreira & Dutra, 2013). Segundo Maia et al. (2009), para Rogers, todas as noções que este adquire fazem parte do seu mundo fenomenológico, de forma que "não se trata tanto do „eu‟", tal como existe em realidade, mas do „eu‟ tal como é percebido pelo indivíduo.
Então, existir vai além de apenas estar vivo, de nascer, passa a ser os significados e símbolos que o próprio indivíduo dá à sua forma de estar com o mundo, de perceber a si. Vai também além da noção que os outros lhe atribuem pertencendo apenas a ele significar até mesmo o olhar e impressão que o outro tem dele, pois quem dá o sentido é o próprio sujeito àquilo que o mundo lhe atribui.
Logo, o que define um corpo em geral são suas relações de forças, que significam suas capacidades de afetar e de ser afetado, ou ainda: "o poder de ser afetado é como uma matéria da força, e o poder de afetar é como uma função da força". (Furlan, 2012, p. 105). Ou seja, a dinâmica psíquica é fundamentada numa intuição orgânica, ou seja, o organismo comporta-se mediante uma realidade subjetiva (experiencial) percebida, e não mediante condições externas de estimulação. "O organismo, em seu estado normal, busca a sua própria realização, a autorregulação e a independência do controle externo". (Rogers, 1902-1987/1983. p. 41).
Este sentido de existência aponta para o sentido próprio da filosofia onde é constituído como um problema: "o problema que o homem põe a si em torno de si, é o próprio homem como problema de si próprio". (Ewald, 2008, p. 156). Dessa forma, Almeida e Caldas (2012) afirmam que as interações e relações de intimidade, por definição, envolvem partilha de elementos intrínsecos e pessoais, de onde resultam sentimentos positivos (afeto, prazer) em relação a si próprio e ao outro (ação recíproca e complementar). A reciprocidade da partilha defende que cada elemento do processo interativo se envolve em comportamentos verbais e não verbais em grau similar.
Moreira e Dutra (2013) consideram que o self, à medida que se desenvolve, é permeado por valores, expectativas sociais, modos de pensar, sentir e agir característicos do contexto no qual o ser humano está inserido. A consciência estaria, neste caso, mais ligada ao self, pois este se refere a significados conscientes que a pessoa seleciona para identificá-la.
Os significados se mantêm como unidades idênticas, mas remetem originariamente às intuições, às evidências, ao retorno às "coisas mesmas". As palavras variam, as vivências vão e vêm, mas isso não impede que algo seja intencionado ou significado como objetividade lógica capaz de transcender o fato psicológico. (Fabri, 2012, p. 8).
Contudo, independentemente de toda matéria cognoscitiva 6 , as vivências são direcionadas a objetos e a estados de coisas. A atividade da consciência se apreende, então, como unidade identificável numa multiplicidade de vivências, ou seja, tudo não passa de significados e sentido apreendidos a partir das experiências do indivíduo, facilitando que este somente se torne sujeito a partir do que apreende. "A unidade do geral pode apresentar-se no próprio fluxo das vivências: uma proposição, uma hipótese, uma pergunta, uma lei lógica, e assim por diante". (Fabri, 2012, p. 8).
Entretanto, os dois, tanto esse campo como a consciência, são estruturados a partir dos significados que são aprendidos pela pessoa no curso da ação, demonstrando, assim, o matiz pragmático do self rogeriano. Pode-se dizer, a partir de Furlan (2012), que tudo que é, é em relações e que a própria definição de cada ser particular se encontra na sua relação com os outros, o que é uma maneira de não separar a singularidade da totalidade onde ela é.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Dependência Afetiva Na Visão Centrada Na Pessoa
Partindo desta premissa, existe a tendência atualizante tanto do organismo quanto do self. Ou seja, ao mesmo tempo em que o organismo percebe o seu entorno e naturalmente busca satisfazer-se, existe, também, a tendência do self, que já vem encorpada, isto é, com a estrutura de personalidade definida naquele momento. Por conseguinte, quando acontece a convergência entre organismo e self, eles atuam de uma forma mais abrangente e enriquecedora, o que facilita o crescimento deste sujeito, pois aquilo que é percebido e o que é simbolizado estão em equilíbrio, em congruência. Entretanto, o inverso disso acarreta o conflito, pois, a tendência atualizante do organismo está agindo de forma contrária à do self e é aí que se pode perceber o transtorno de personalidade dependente ou dependência afetiva.
O DSM-V (2014) define o transtorno de personalidade dependente como uma necessidade difusa e excessiva de ser cuidado, como citado anteriormente, leva a um comportamento de submissão e apego e a temores de separação, mas sabe-se que esses comportamentos surgem com o intuito de conseguir cuidado, e derivam daauto percepção de não serem capazes de funcionar adequadamente sem a ajuda de outros. Seguindo os preceitos de Maslow (1943 citado em Bervique et al. 2014), esta seria uma necessidade real e natural de qualquer ser humano, assim como para Scartezini et al. (2013), que afirma que enquanto criança é preciso que exista a interação com os pais, que são quem inserem nela a cultura social.
Contudo ao se olhar sob a ótica patológica discutida por Moreira (2013), esse tipo de personalidade acaba assumindo um corpo que não lhe pertence, ou seja, o indivíduo encorpase, constrói-se a partir dessa forma de ver, estar e se relacionar com o mundo e que se percebe ser uma forma doentia ou incongruente, causando sofrimento a quem funciona desta forma e a quem está ao seu redor. Deve-se, portanto, "conceituar as experiências que constituem as assim chamadas desordens como fazendo parte de um continuum desde baixos níveis de sofrimento e disfunção até altos níveis de sofrimento e disfunção" (Joseph & Worsley, 2005, p. 3. Citado em Moreira, 2013).
Assim, o padrão de relacionamento construído pela criança, como diz Sophia, Tavares e Zilberman (2007), através do relacionamento com os pais, por quem tem como característica a dependência afetiva, pode ser registrado e consequentemente, repetido nos relacionamentos afetivos atuais, contudo Rogers (1961/2009), afirma que a estrutura de personalidade não é fixa, ela está em constante movimento. Por consequência, a estrutura de funcionamento dependente pode ser desenvolvida não só no período de formação da criança, mas também quando em outras relações.
Logo, o que acontece é que a tendência à atualização de cada indivíduo tende, além de movimentar o self para atualização, a preservar aquilo que o sujeito entende como sendo ele mesmo, e se ele entrar em algum tipo de relação que desperte a necessidade de proteção, ele pode desenvolver uma personalidade com estrutura dependente naquela relação. Este possui, neste caso, significados que não estão próximos das significações baseadas em avaliações organísmicas, pois como Scartezini et al. (2013) afirma, estão mais próximos de significados que foram construídos levando em conta prioritariamente inferências de pessoas das quais eles se sentem dependentes: pais, parceiros, amigos.
Para Rogers (1951/1992) um dos pressupostos de sua teoria é que as pessoas usam suas experiências para se definirem, e o que se pode perceber em pessoas com dependência afetiva é que a experiência de depender em si, é tão presente que se tornou parte de sua constituição de personalidade. O self dessas pessoas assume uma forma completamente distorcida da qual sua percepção organísmica consegue compreender. É como se esta forma de significar o mundo não fosse nem pertencente ao sujeito, mas aos sujeitos que lhe construíram. Este autor diz que a congruência se refere ao grau de equilíbrio entre a experiência da comunicação e a tomada de consciência; ou seja, indica o estado de coerência interna e autenticidade do indivíduo, levando-o a aceitar os sentimentos, experiências e atitudes do outro.
Então, se as experiências simbolizadas que constituem o self assemelham-se às experiências do organismo, então o indivíduo é ajustado, maduro e funciona de modo completo. Caso contrário a incongruência faz com que o indivíduo se sinta ameaçado e ansioso, se comportando defensivamente, com um pensamento limitado e rígido. O que é observado no transtorno de personalidade dependente.
Por isso, é como se fosse uma fluência sobre o "eu", quer dizer , algo que é natural, ou que há espontaneidade. Parece assumir uma qualidade da pessoa que se expressa com clareza, assumindo uma forma ou um papel que só ocorre se algumas condições estiverem presentes no seu contexto de vida, de forma que alguns acontecimentos e relações estabelecidas pelos indivíduos podem cristalizar a noção que eles têm de si mesmos: tornar dependente para depender. Consequentemente, Moreira e Dutra (2013), dizem que o sofrimento permanente na relação amorosa revela um modo de estar no mundo, de se perceber na relação com os outros e consigo. Nesse tipo de personalidade a pessoa está o tempo inteiro utilizando-se de suas potencialidades e de sua tendência a se atualizar para se manter nesta forma de agir e de perceber as coisas ao seu redor, dando significados distorcidos para se manter vivo, para preservar aquilo que conhece como vida.
Assim, essa noção do eu, pode ou não ser confirmada a partir das relações sociais que o sujeito estabelece ao longo da vida. Se esta confirmação existir, a tendência atualizante atuará no sentido de fornecer energia para aquela direção para a qual a noção de eu está apontando. Quer dizer, como afirma Furlan (2012), o sentido do mundo que se traz nas pernas, nos braços, nos olhos, nos movimentos ou estados de repouso, todos convergem ao sentido que se dá às coisas, e toda a energia orgânica, todo o desejo e todos os fenômenos registrados, acabam possibilitando ao sujeito a permanência neste ambiente.
Pode-se dizer que esta noção doeu foi baseada nos fenômenos registrados durante a construção do self, como foi apresentado anteriormente. Para acontecer a construção do self, o indivíduo passa por inúmeras experiências que facilitam ou não a aceitação do indivíduo de si mesmo. Quando este precisa que o outro diga o que ele é e o que pode fazer, e na medida em que esta proposta for aceita, o self do sujeito se forma com certa autenticidade e autonomia. Caso o ambiente não favoreça ao sujeito que ele pode entrar em contato consigo mesmo, ele mesmo passa a se rejeitar, aceitando somente o self idealizado, como citado por Berrios (2012), as experiências são muito subjetivas, e focalizando isto para os sentimentos, até os sintomas percebidos por pessoas que possuem qualquer tipo de transtorno se torna um desafio para o profissional da saúde que lida com isto.
Como se sabe, Rogers (1951/1992) olhava para além do problema ou doença que a pessoa possuía, buscava em sua abordagem reconhecer através do que era trazido pela própria pessoa o que ela percebia de si, o que ela sentia e quais os significados que tais doenças ou problemas poderiam estar acarretando.
Dessa maneira, Bloc e Moreira (2013) mostram que a noção de sintoma é central, principalmente na medicina e representa muitas vezes a única via de compreensão de um sujeito em sofrimento e de referência para um diagnóstico. A conversão da experiência do sintoma àquela do fenômeno não é simples, nem fácil para o clínico nem para o indivíduo, o que limita o campo de compreensão do sujeito e produz um processo terapêutico também limitado por somente se orientar sobre aquilo que o paciente traz como sintoma.
Um sintoma, considerado somático, sinaliza para um processo corpóreo patológico ligado por uma cadeia causal com a qual é possível inferir a existência de uma doença. Contudo, Rogers (1951/1992) não concordava com o termo "patológico", Moreira (2013) afirma que apesar de não concordar com tal termo, em suas teorias deixa claro que quando a tendência atualizante não consegue fluir naturalmente o sujeito também não funciona adequadamente e incentiva condições de vida não facilitadoras para o seu desenvolvimento natural, o que acaba bloqueando a tendência atualizante.
Ou seja, para que o sintoma seja entendido como referência causal (fenomenológica) é necessário que o sujeito saiba identificar seus significados de maneira mais profunda e natural. Como se sabe a doença se anuncia no sintoma, sem se mostrar; sinaliza apenas que algo está presente, obrigando a inferências diagnósticas.
Ao se trabalhar com uma doença, síndrome ou transtorno bem delineados como é o caso da personalidade dependente, percebe-se a necessidade de compreensão da doença, de sua base de funcionamento, para que assim a escuta e percepção do clínico seja mais atenta. E ao que se percebe, ao se escutar um dependente afetivo o seu discurso chegará cheio de distorções, significados e percepções talvez não pertencentes a ele, porém, são de qualquer maneira a sua forma de entender seu mundo, de perceber o que está agregado nele através de suas experiências.
Heidegger conceitua inicialmente fenômeno sugerindo que se mantenha o significado de fenômeno como "o que se revela, o que se mostra em si mesmo" (p. 58). Sendo assim, a fenomenologia se definiria como "deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo" (Bloc & Moreira, 2013, p. 33).
Neste caso, o sintoma seria para este transtorno a palavra crucial para o entendimento da pessoa, uma vez que os fenômenos falam por si só, e uma pessoa não deixa de ser um fenômeno, tendo em vista que se constrói deles. O dependente afetivo acaba por assumir a forma de seu sintoma, e ele se transforma em seu próprio alarme, quando não consegue se autogerir. Cria-se a sensação de que a noção do eu possui lacunas, que têm características ambíguas, de forma que não apresenta um caminho claro a seguir, fazendo com que a tendência atualizante atue no sentido de velar essas ambiguidades, levando o indivíduo a frustrações, a fracassos, enfim, a uma forma de existência marcada por um mal-estar.
Em outros termos, "a realidade do cérebro ou do corpo é para fora, completa-se com sua abertura ao mundo, sendo um desvirtuamento de sua realidade considerar o que está fora como se fosse uma imagem ou representação no cérebro, assim como considerar o que está dentro [...] sem sua relação com o fora" (Furlan, 2012, p. 103). Em síntese, o cérebro ou o corpo são para a percepção do mundo; percepção que faz parte de sua realidade também e, assim, de nós mesmos; na verdade, como cita Furlan (2012), é onde a maior parte de nossa vida se realiza, é como se todo o corpo se movimentasse para fora, como se já estivesse destinado a se relacionar com o mundo para poder crescer, amadurecer e construir-se como pessoa.
Ou seja, "o indivíduo torna-se um organismo que funciona mais plenamente e, devido à consciência de si mesmo que corre livremente na e através da sua experiência, torna-se uma pessoa que funciona de modo mais pleno" (Rogers 1961/1976, citado em Moreira, 2013).
Percebe-se, então, que "o indivíduo possui uma necessidade de consideração positiva" (Maia et al., 2009, p. 39), ou seja, é preciso que sua noção do eu seja confirmada para que este siga o rumo de sua tendência atualizante. Essa consideração positiva localizada externamente ao indivíduo, aos poucos, vai se tornando consideração positiva de si, isto é, à medida que o sujeito vai tendo sua noção do 'eu' aceita, ele vai, cada vez mais, aceitando-se a si próprio, de forma a seguir o seu curso de autoatualização.
O que é visivelmente percebido nas características da personalidade dependente é justamente o contrário disto. É como se quem a possui registrasse em seu self que só pode existir no mundo através do outro, através das necessidades do outro que se tornam suas próprias necessidades e, enquanto que suas reais necessidades são rejeitadas pelo outro e por ele mesmo que acaba registrando em seu self que, o que o outro não aceita não é digno de existir, desde a blusa para sair, até a forma de rir. Quem a possui baseia suas escolhas a partir do que o outro almeja para ele afim de conseguir aceitação destes outros e, como consequência, aceitação de si mesmo ou a não aceitação de si mesmo.
Percebe-se aqui, a incongruência deste transtorno, se o indivíduo possui uma necessidade de consideração positiva, isto deveria ocupar um espaço de naturalidade dentro do indivíduo, e que através do outro ele passasse a se aceitar, porém, o que se observa é que essa necessidade de consideração positiva para o dependente afetivo se torna o seu "martírio" uma vez que de tanto tentar ser aceito, acaba não aceitando a si mesmo, rejeitando tudo o que seu organismo percebe como sendo dele.Cobre todo o seu eu real com um eu metafórico, um eu criado para poder sobreviver.
Isso acontece, porque o ser humano também necessita dos relacionamentos interpessoais para construir seu self. Maia et al. (2009), diz que o problema se encontra quando esses relacionamentos estão baseados em uma postura impositiva em que as pessoas ditam para as outras quais seriam os caminhos adequados e corretos para se viver.
Rogers (1902-1987/1983), diz que ao tratar de pacientes hospitalizados, percebeu que as condições em que se desenvolveram essas pessoas têm sido tão "desfavoráveis que suas vidas quase sempre parecem anormais, distorcidas, pouco humanas" (Rogers, 1902- 1987/1983. p. 41). Igualmente presente em pessoas dependentes afetivas, existe uma incongruência do self, de estar e fazer no mundo, uma vez que o indivíduo dependente aprendeu a ser a partir dos outros, e não a ser por si, pois, na verdade estes outros que lhe impõem uma forma de ser acabam não aceitando o eu real do sujeito, e se o outro não aceita, o próprio sujeito percebe que também não pode se aceitar.
Estas imposições podem ser percebidas como agressões ao self da pessoa, pois acabam moldando uma outra forma de ser, com base naquilo que acham e percebem ser mais adequado para si, e o dependente afetivo em busca deste afeto e desta aceitação mergulha neste mar de sofrimento, e por mais que já esteja na fase adulta, continua repetindo e castigando a si mesmo com aquilo que foi simbolizado. Deste modo, acaba por esperar sempre a reação do mundo para se firmar, para se identificar o que torna a sua visão de si distorcida, anormal e pouco humana, tal qual aos pacientes hospitalizados. Dado isto, é como se esses indivíduos se perdessem ou nunca tivessem encontrado suas particularidades, sua individualidade e amor próprio.
Só se vive uma língua, porque não se pode viver dois mundos a uma só vez, daí a experiência de quase "loucura" daqueles que vivem a passagem de uma para a outra. Em síntese, retornando ao sentido da epígrafe inicial, é no mundo em que nos encontramos, isto é, no sentido do que fazemos e na forma como sentimos, que esposamos ou rejeitamos o sentido do comportamento uns dos outros (Furlan, 2012, p. 107).
Ou ainda, como dizia Hume (1739/2009 citado por Furlan, 2012, p.108), "sem paixão a percepção seria a tal ponto indiferente que não seria suficiente para um sentido se destacar sobre qualquer outro". Perceber, portanto, já é se afetar, o que implica sempre um interesse vital. Isto quer dizer que, pessoas com transtorno de personalidade dependente precisam for assim não existirão. Acabam, portanto, acreditando que só podem existir se for através do ato de se doar excessivamente, afim de conseguir o mesmo em troca, de conseguir a aceitação e o afeto.
CONCLUSÃO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar a compreensão da Abordagem Centrada na Pessoa sobre a dependência afetiva, para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica de cunho exploratório. Para elaboração deste artigo, foi necessário descrever a dependência afetiva, conceituar a formação de self e ainda relacionar a dependência afetiva com os conceitos da Abordagem Centrada Na Pessoa.
A partir disto foi possível observar que o funcionamento da personalidade dependente não passa de uma distorção de self adquirida através das experiências do próprio sujeito no decorrer de sua formação. Como foi observado uma das principais características deste tipo de personalidade é que o sujeito acredita que para ter o afeto e aceitação que precisa, ele necessariamente precisa fazer tudo pelo outro, inclusive adaptar o seu self ao do outro. E ao fazer isso, acaba abstendo-se de seus desejos, ou de sua forma de pensar e ser no mundo.
Então, é como se ele registrasse em sua consciência que só pode existir no mundo através do que o outro diz que ele é, e por mais que este perceba fisicamente que sua necessidade é outra, sua forma de estar no mundo mostra outra forma de agir. Uma das contribuições mais pertinentes da abordagem centrada na pessoa, para poder explicar esta forma de funcionar, é a tendência atualizante, que afirma que todo ser vivo tem presente essa motivação de procurar o que é melhor para si, de forma a manter a sua vida e também como um meio de preservação de sua própria existência.
No caso do dependente afetivo, esta tendência vai reforçar estas características do self dependente, uma vez que este aprendeu a existir assim, aprendeu que para conseguir suprir suas necessidades, de maneira distorcida, ele procura agir de maneira a satisfazer primeiramente o outro, onde ele necessita ser aceito.
Observou-se que para que a pessoa desenvolva verdadeiramente seu self real ela necessita de um ambiente favorável a isso, ou seja, para que o próprio sujeito se aceite, ele precisa primeiramente ser aceito, aceito em toda sua complexidade, toda a sua natureza. No entanto, o dependente afetivo não entende que pode ser aceito como é, mas, que só será aceito se adaptar-se às expectativas do outro, que por sua vez também não demonstra a aceitação deste eu real.
Em suma, por não perceber esta aceitação o sujeito de personalidade dependente está sempre se adequando e nunca sendo o que verdadeiramente é, isto é, acaba rejeitando a si mesmo por acreditar que é uma forma imprópria de existir. Logo, a leitura da abordagem centrada na pessoa vem mostrar o porquê de este sujeito entender seu mundo assim e facilitar no entendimento do objetivo geral proposto por este artigo.
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Nota sobre as autoras
Aline Pinheiro Macedo Guimarães. Graduanda do 10º semestre do curso de Psicologia da Faculdade Estácio de Macapá. E-mail: alineguimaraes14@gmail.com.
Melchisedech César Silva Neto. Docente Orientador Professor Esp. da Faculdade Estácio de Macapá. E-mail: melchint@live.com.
Recebido em: 24/11/2015.
Aprovado em: 12/08/2016.
1 Termo utilizado por Berrios (2012)
2 Não encontrada a referência utilizada pelo autor Pantaleão (2011)
3Não encontrada a referência utilizada pelo autor Maia et al. (2009)
4"Experienciação consiste em um neologismo, quando incorporada à língua portuguesa, devido à dificuldade de sua tradução a partir do original experiencing, pois a utilização de substantivos no gerúndio é comum na língua inglesa, conferindo a conotação de algo em processo" Messias & Cury (2006)
5 Termo utilizado por ROGERS (1902-1987/1983)
6 Que tem a capacidade de conhecer