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Saúde & Transformação Social

versão On-line ISSN 2178-7085

Saúde Transform. Soc. vol.4 no.4 Florianopolis out. 2013

 

METASSÍNTESES QUALITATIVAS E REVISÕES INTEGRATIVAS

 

Os Discursos Envolvendo o Direito Humano à Alimentação Adequada e Segurança Alimentar e Nutricional na Prática dos Profissionais de Saúde.

 

The talks involving the Human Right to Food and Nutrition and Food and Nutrition Security in the practice of health professionals.

 

 

Maria Cristina MarconI*; Patrícia Maria de Oliveira MachadoI**; Rodrigo Otávio Moretti-PiresI***

I Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Direito Humano a Alimentação Adequada – DHAA e a Segurança Alimentar e Nutricional – SAN são temas que permeiam muitos debates no Brasil, principalmente no âmbito das políticas públicas de alimentação e nutrição. Ao trazerem em seus conceitos o acesso ininterrupto à alimentação adequada à todos os seres humanos, necessitam para sua efetivação uma abordagem interdisciplinar e intersetorial. O presente artigo trata-se de uma metasíntese dos artigos que contemplam metodologias qualitativas envolvendo a alimentação e nutrição, no âmbito da atenção básica à saúde. Coube no presente estudo identificar os diferentes discursos sobre alimentação e nutrição na ótica do DHAA e SAN no que concerne à atuação do nutricionista, e outros profissionais em saúde coletiva e, se este tem ou não interferido no planejamento e nas ações de alimentação e nutrição desenvolvidas na atenção básica de saúde. Realizaram-se buscas de artigos em portais de periódicos. Inicialmente obteve-se 92 artigos que após a leitura e aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, resultaram em 43 trabalhos. Após leitura dos artigos originais 08 artigos foram selecionados. Foi realizada a sistematização das informações, seguida da categorização das principais temáticas abordadas, o tipo de estudo, o marco-teórico e a reinterpretação das análises de dados, originando 3 categorias e 8 subcategorias de análise. Evidenciou-se uma discussão limitada e fragmentada de DHAA e SAN presente na prática dos profissionais de saúde, em especial do nutricionista. Por tratar-se de um tema de caráter intersetorial para sua efetivação, percebe-se a necessidade desta discussão ultrapassar os campos de conhecimento específico de cada profissão, iniciando com a formação acadêmica. Ainda assim, reitera-se a necessidade da definição de indicadores de DHAA e SAN nos espaços de atuação dos profissionais de saúde para a partir destes fomentar a intersetorialidade e o controle social em alimentação e nutrição.

Palavras-chave: Direito Humano a Alimentação Adequada; Segurança Alimentar e Nutricional; Profissionais de saúde; Metasíntese.


ABSTRACT

The Human Right to Food and Nutrition (HRFN) and the Food and Nutrition Security (FNS) are subjects involved in many debates in Brazil, mainly in the scope of food and nutrition public policies. On account of bringing into their concepts the uninterrupted access to the adequate food to all the human beings, it is necessary an interdisciplinary and inter-sectoral approach to its effectively. This paper is a meta synthesis of articles that contemplate qualitative methodologies involving food and nutrition in the scope of primary care in health. Identify the different talks about food and nutrition by the HRFN and FNS point of views concerning the nutritionists practices, and others public health professionals and if this has or has not interfered in the planning and actions of food and nutrition developed in health primary care, was contemplated in this study. Search of articles in database was done. Initially 92 articles were obtained and after the application of criteria of enclosure and exclusion, turned into 43. After reading the originals, 8 articles were selected. A systematization of the information was done followed by the categorization of the main themes mentioned, the kind of study, the milestone and the reinterpretation of data analyses, originating 3 categories and 8 subcategories of analysis. A limited and fragmented argument of HRFN and FNS present in the practical of health professional, specially nutritionists was showed up. By treat of a subject of inter-sectoral character for its effectiveness, the necessity of this argument goes beyond the fields of specific knowledge of each profession, initiating with the academic formation was perceived. Furthermore, reiterate the need of definition of HRFN and FNS indexes at the health professionals places of practices and from these promote the inter-sectoral and the social control in food and nutrition.

Keywords: Human Right to Food and Nutrition; Food and Nutrition Security; Health Professional; Meta-synthesis.


 

 

1. INTRODUÇÃO

O Direito Humano a Alimentação Adequada – DHAA e a Segurança Alimentar e Nutricional – SAN tem sido tema de muitos debates no Brasil, nestas duas últimas décadas. Este debate tem contribuído para a consolidação destes temas junto a sociedade, representados por conquistas no âmbito do DHAA e SAN, tais como a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN e, mais recentemente a inclusão na Constituição Brasileira, do Direito a Alimentação1,2,3.

A efetivação do DHAA e SAN caracterizam-se por necessitar de uma abordagem interdisciplinar e intersetorial, pois ao trazerem em seus conceitos o direito ao acesso a uma alimentação adequada nutricionalmente e a segurança alimentar como a condicionalidade do acesso ao alimento, respeito a cultura, relevância das condições socioeconômicas e políticas públicas da sociedade2,4,5.

Assim, quando abordamos DHAA e SAN estamos diante de temas que visam aprofundar questões como produção, distribuição, abastecimento e consumo de alimentos como também, políticas e programas relacionados à saúde, agricultura, alimentação e nutrição, distribuição de renda, direitos humanos entre outros4,5,6,7.

Ao abordarmos estes temas devemos também, entender que os mesmos estão profundamente imbricados com a promoção da saúde. No Brasil, desde os anos 80 muitas propostas foram formuladas na área da saúde no sentido de buscar um novo modelo de atenção, onde as ações programáticas não estivessem limitadas a assistência, mas que incorporassem em seus planejamentos ações de promoção da saúde e a prevenção de doenças1,6,8.

Para tanto, o desenvolvimento de ações de promoção à saúde e de prevenção de doenças requerem uma atuação multiprofissional e intersetorial, visto a amplitude e complexidade para a sua efetividade. As ações governamentais que podemos destacar na saúde e em especial na área de alimentação e nutrição, com a intenção de construir este novo modelo de atenção, respectivamente são - a Estratégia Saúde da Família – ESF e a Política Nacional de Alimentação e Nutrição – PNAN como parte integrante da Política Nacional de Saúde - PNS6,7,8.

A PNAN tem se mostrado elemento chave nas ações relativas à Segurança Alimentar e Nutricional junto ao SUS, tendo como propósito segundo Assis et al7, "a garantia da qualidade dos alimentos colocados para o consumo no país, a promoção de práticas alimentares saudáveis e a prevenção e o controle dos distúrbios nutricionais" e para tal exige-se a intervenção intersetorial e o desenvolvimento de um controle tanto no âmbito social como governamental7,8.

Neste sentido, ao aprofundarmos a relação do DHAA e SAN com a prática de saúde na atenção básica, buscou-se verificar se esta discussão está presente no cotidiano dos diferentes profissionais que fazem parte da ESF e, em especial do nutricionista. Além disso, entender como a discussão do DHAA e de SAN tem ou não interferido no planejamento e nas ações de alimentação e nutrição desenvolvidas na atenção básica de saúde.

Deste modo, o presente artigo trata-se de uma metasíntese de artigos existentes na área da saúde que contemplam o uso de metodologias qualitativas envolvendo a alimentação e nutrição, no âmbito da atenção básica à saúde. Coube no presente estudo a tentativa de identificar os diferentes discursos sobre alimentação e nutrição na ótica do Direito Humano à Alimentação Adequada e da Segurança Alimentar e Nutricional no que concerne à atuação do nutricionista, e outros profissionais em saúde coletiva.

 

2. PERCURSO METODOLÓGICO

Realizaram-se buscas a artigos existentes, disponíveis à comunidade científica nos portais de periódicos com a utilização de palavras-chave envolvendo o tema. Foram construídas expressões com estas palavras-chave em cada um das bases de dados utilizadas, sendo estas, Web of Science, Scielo, Science Direct, Scopus, Bireme, Medline/Pubmed, EBSCO, Lilacs. Obteve-se a seguinte expressão ["human right" AND "adequate food" OR ("food and nutrition security") AND ("public health" OR "SUS") AND ("Nutritionist" OR "Nutrition")], sendo que esta se tornou a estratégia de busca com maior consistência de resultados no que diz respeito à coerência dos artigos com o tema pesquisado.

Inicialmente encontraram-se 92 artigos, sendo realizadas a leitura do resumo de cada um deles pelos autores deste trabalho. Em caso de dúvidas quanto ao conteúdo e temática pesquisada, alguns tiveram sua leitura realizada na íntegra nesta primeira etapa. Previamente foram determinados critérios de inclusão e exclusão para a seleção dos artigos, conforme demonstra o Quadro 1.

Quadro 1. Critérios de inclusão e exclusão utilizados para a seleção dos artigos utilizados para a metassíntese.

 

 

Após a primeira etapa, e exclusão dos artigos que não atendiam aos critérios foram selecionados 43 trabalhos. Estes passaram por nova avaliação por meio da leitura dos artigos originais, sendo que por fim 08 estudos fazem parte desta metassíntese. Com os 08 artigos selecionados foram realizadas a sistematização das informações com a categorização das principais temáticas abordadas, o tipo de estudo, o marco-teórico e a reinterpretação das análises de dados, de acordo com metodologia indicada por Paterson et al9 para o desenvolvimento de metanálise e metassíntese de dados qualitativos.

Neste contexto, as categorias encontradas por meio desta revisão surgiram no intuito de aproximar as diversas subcategorias presentes nos dados analisados. As subcategorias a serem analisadas e categorias correspondentes podem ser conferidas no quadro2.

Quadro 2. Subcategorias e Categorias emergentes das análises de dados.

 

 

2.1 O processo de Metanálise

De maneira geral, o número de artigos presentes neste trabalho pode indicar a escassez de trabalhos qualitativos no âmbito da alimentação e nutrição na atenção básica em saúde, ainda mais quando relacionados com a busca de discursos sobre SAN E DHAA pelos profissionais atuantes na Estratégia Saúde da Família. Reconhece-se desta forma a tímida inclusão desta temática nas pesquisas realizadas em nível nacional, ainda que a discussão sobre o tema esteja presente nas pesquisas quantitativas e nas reflexões teóricas e avaliações a respeito das Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição.

Segundo Freitas & Pena10, os sujeitos necessitam ser ouvidos no processo de construção da SAN, é esta escuta que possibilita uma análise profunda para a compreensão dos problemas deste tema, em suas diversas dimensões, já que é no processo interdisciplinar e nos conhecimentos produzidos por indivíduos e grupos que estes se organizam para dar significado ao acesso, direito, e ética nas políticas sociais de SAN10.

 

3.DESENVOLVIMENTO

3.1 Os conceitos de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) na prática em saúde

Os conceitos de SAN e DHAA presentes nos trabalhos analisados foram em sua grande maioria condizentes com as publicações oficiais sobre o tema. No entanto, percebe-se que em alguns momentos a SAN limita-se às ações específicas, principalmente nos textos em que o relato de experiência abordava atividades educativas com comunidades e equipes de saúde, sem considerar outros aspectos como produção e distribuição de alimentos, contexto presente em apenas um dos artigos analisados.

Desta forma fica evidente de que o conceito amplo de SAN e DHAA é relevante nas atividades desenvolvidas no contexto da atenção básica, sendo que estas ações não agregam a realização de todos os aspectos presentes neste conceito.

Para Maluf11 a maneira como são tratadas as questões relacionadas à produção e consumo de alimentos são fundamentais à construção da SAN, uma vez que esta é um objetivo das ações e políticas públicas subordinados aos princípios do DHAA e da soberania alimentar.

3.1.1. Discurso sobre SAN como premissa da prática em saúde na discussão do acesso aos alimentos e alimentação saudável

Verifica-se a presença do tema SAN e DHAA enquanto um conceito que perpassa dois aspectos na prática em saúde: a promoção da alimentação saudável e o acesso aos alimentos, desconsiderando aspectos ligados à produção, distribuição, promoção de cidadania e direito. Tendo por base as Políticas Nacionais na área da Alimentação e Nutrição no processo de planejamento e justificativa dos trabalhos de promoção de saúde, a SAN e o DHAA são utilizados como fator proponente da realização de tais estratégias, no entanto, veremos que estes limitam a prática em saúde, uma vez que os profissionais não conseguem ser resolutivos nestes dois aspectos.

Nota-se um limiar entre o uso do conceito enquanto justificativa de ações em nutrição, uma vez que a promoção da alimentação saudável mesmo pautada pela SAN é evidenciada nos artigos enquanto estratégias para transmitir conhecimentos sobre os nutrientes, e o modo correto de alimentar-se, bem como para o acesso aos alimentos, efetivado exclusivamente nas ações assistenciais, desconsiderando os demais aspectos relacionados a esta discussão.

3.1.2 Acesso aos alimentos pautados por ações emergenciais e pela capacidade financeira dos indivíduos

No que diz respeito aos achados sobre os conceitos de SAN e do DHAA, os artigos analisados apontam para o acesso aos alimentos enquanto um fator primordial para esta construção, tal reconhecimento é um passo importante rumo à construção da SAN, já que a alimentação não depende exclusivamente de escolhas individuais, mas sim da disponibilidade alimentar e possibilidade deste acesso ser realizado pelos indivíduos. Entretanto, os trabalhos indicam que o acessar os alimentos, quando na presença da fome, é efetivado apenas por ações emergenciais e, assistencialistas, não sendo citados relatos e experiências que pudessem promover a garantia do acesso, ou emancipação dos sujeitos que necessitam de assistência.

Outro marco importante é o reconhecimento em parte das pesquisas do acesso à alimentação adequada apresentar-se, em nossa sociedade, limitado à capacidade financeira individual, e a concepção de "salários dignos" como parte do processo de inclusão ao mundo do consumo, e neste contexto ao processo de compra de alimentos. Tendo o alimento seu reconhecimento enquanto mercadoria, a presença ou ausência dos salários nas famílias torna-se um obstáculo à efetivação do DHAA e SAN.

Mais uma vez a presença de um componente como o acesso alimentar e seus determinantes nos discursos da prática em saúde, alimentação e nutrição analisados aqui, manifestam o avanço e amplitude das políticas públicas nesta área na atualidade, porém minimizam-se na dificuldade de encontrar saídas constituídas no enfrentamento à pontualidade das ações assistenciais.

No texto "Consumo Logo Existo" de Frei Betto, este coloca que o alimento convertido de direito à mercadoria, com valores simbólicos acima de sua real utilidade restringe o ser humano ao ser consumidor, e àqueles privados do consumo, fica reservado o espaço da exclusão que gerando infelicidade e frustração encontra outros meios para ter acesso e existir, geralmente adaptados à violência, drogas e prostituição12.

Desta forma, a articulação das instâncias comunitárias e governamentais, são fundamentais para a identificação e atuação junto aos grupos populacionais mais vulneráveis à situações de insegurança alimentar. Cabe às políticas públicas de SAN, a capacidade de articular redes de proteção, introduzindo às ações três aspectos indispensáveis a concretização do DHAA, o emancipador, o organizativo e o educacional, de forma que as ações de suplementação alimentar não se limitem a prática tradicional da assistência11.

3.1.3 Presença de ações e estratégias para efetivação do DHAA e SAN para além do setor saúde

Evidencia-se a possibilidade da efetivação do DHAA e promoção de acesso aos alimentos por meio de hortas comunitárias, e domiciliares, entre lideranças comunitárias, e espaços de controle social fora do setor saúde. Tal evidência fica clara em apenas dois artigos, mesmo que não relatando diretamente o trabalho de profissionais de saúde no que concerne o âmbito "formal", apresentou-se como campo qualitativo vasto de conhecimentos e ações mais efetivas em SAN e DHAA, e ainda a presença de questionamentos quanto a ineficiência do setor saúde na resposta à insegurança alimentar.

Nesta subcategoria percebe-se a estreita ligação dos espaços de promoção de saúde, controle social e efetivação do DHAA e SAN para além do setor saúde., Este reconhecimento estabelece a necessidade de refletir sobre os processos de territorialização, inserção nas ações comunitárias e inter-relação entre as equipes de saúde e a comunidade, ações e princípios que estão claramente previstos no modelo de atenção proposto pela Estratégia de Saúde da Família.

3.1.4 Diagnóstico da situação alimentar e nutricional pautado na avaliação antropométrica

O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) ainda em busca de sua efetiva implantação em todos os municípios brasileiros, trata-se de um instrumento fundamental para a aferição e planejamento da atuação acerca das condições alimentares e nutricionais da população, desempenhando o importante papel na tarefa de introduzir o enfoque de SAN entre os profissionais de saúde12.

Entretanto, nota-se a partir dos discursos analisados o enfoque ao diagnóstico da situação alimentar e nutricional no âmbito da realização de avaliação antropométrica (aferições de peso e estatura), quando na obrigatoriedade de preenchimento de planilhas e programas específicos como o Programa Bolsa Família. Este processo ressalta a relevância dos aspectos nutricionais importantes para a caracterização de cenários em saúde e nutrição, porém restringe a análise do quesito alimentar e avaliação de suas condições na população brasileira, e em conjunto com estas condições o entendimento de determinantes e fatores associados ao estado nutricional e alimentar.

Neste contexto, a realidade dos discursos sobre a prática em saúde no âmbito da SAN e DHAA, levanta a reflexão de que o conhecimento sobre as situações de insegurança da população na realidade dos serviços de saúde ocorre na presença de situações limites, ou seja, na presença da fome, pois apenas avaliando o estado nutricional não se propõe atualmente a efetividade do termo vigilância, nem em seu aspecto alimentar, nem nos fatores condicionantes do estado nutricional.

Ainda segundo Burity et al13, os fatores determinantes ou condicionantes do estado nutricional referem-se às condições que se acreditam influenciar na saúde e na nutrição dos indivíduos ou de coletividades. Esses fatores determinantes não atuam isoladamente, mas interagem entre si, e estão localizados entre as condições sócio-ambientais e os aspectos fisiológicos. Tendo os profissionais de saúde aptidão de resolutividade frente aos aspectos biológicos, na medida em que o estado nutricional é o único diagnóstico de SAN, a intervenção para modificação da realidade é restrita a este aspecto, tornando a construção de indicadores de SAN e DHAA um processo importante e primordial para balizar o trabalho em saúde na atenção básica e interferindo assim, na construção e planejamento de políticas de saúde e alimentação e nutrição a serem adotadas pela esfera pública8.

É com o interesse de realizar o monitoramento progressivo dos indicadores da realização do DHAA no país, que o Grupo Técnico de Indicadores e Monitoramento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), desenvolve uma matriz para a seleção, análise e discussão dos indicadores de monitoramento, visando atender às funções do SISAN. A partir desse estudo escolheram-se sete dimensões de análise da realização do DHAA no país, quais sejam: produção de alimentos, disponibilidade de alimentos, renda e despesas com alimentação, acesso à alimentação adequada, saúde e acesso aos serviços de saúde, educação, políticas públicas e orçamentos relacionados à Segurança Alimentar e Nutricional14.

3.2 Limites para a efetivação do DHAA e SAN na prática em saúde

A efetivação do DHAA e SAN é contextualizada enquanto um processo coberto de limitações nos artigos que expõem os discursos dos profissionais de saúde, das lideranças comunitárias e relatam experiências nas atividades em alimentação e nutrição desenvolvidas a nível local. É notável que enquanto as estruturas governamentais para o desenvolvimento de ações estruturantes em SAN estarem em processo de construção, tais discursos perante as dificuldades, obstáculos e limitações estarão presentes, porém necessitam ter espaços para reflexão e modificação da realidade.

3.2.1 Impotência do profissional de saúde na presença de insegurança alimentar e vulnerabilidade social

Os artigos analisados evidenciam a imobilidade dos profissionais de saúde quando ocorrem situações que evidenciam a fome, ou acesso restrito aos alimentos. Esta situação pode ser envolvida de dois aspectos, primeiro a formação em saúde, limitada na construção de possibilidades para além do corpo biológico, e em segundo na ausência de ações do estado que acolham resolutivamente as demandas em SAN.

Nos discursos encontrados existe um sobressalto que demonstra o quanto os profissionais de saúde não sabem orientar a alimentação adequada, ou mesmo prescrever dietas alimentares diante do baixo poder aquisitivo da população usuária dos serviços de saúde. Em contrapartida, esta mesma limitação da resolutividade do setor saúde é referida por sujeitos fora deste meio, no caso as lideranças comunitárias. Estes revelam que quando os agentes da Pastoral da Criança encaminham demandas sociais e de saúde às instituições públicas, as demandas não são resolvidas, e os próprios profissionais de saúde, diante de demandas sociais, passam a encaminhar famílias para as organizações não-governamentais presentes na comunidade, gerando um "papel invertido" sobre a responsabilidade que seria do Estado12,14.

3.2.2 Alimentação saudável como um somatório de nutrientes e culpabilização do indivíduo;

Presença marcante nos estudos que fazem parte deste trabalho, esta subcategoria diz respeito ao entendimento dos profissionais de saúde na constituição de uma alimentação saudável e adequada como o balanceamento de macronutrientes (proteínas, carboidratos e lipídios) e micronutrientes (vitaminas e minerais) em uma dieta alimentar. Associado a isto, o processo de adequação dependente das escolhas alimentares de um indivíduo, e desta forma, um indivíduo plenamente instruído destes conhecimentos sobre alimentação adequada possui capacidade de constituir uma vida saudável para si e sua família.

A priori tal interpretação dos profissionais nos aguça a tentativa de achar qual equívoco aparece neste entendimento e ainda, o porquê desta ser um limite para a efetivação do DHAA e SAN, não cabe aqui o julgamento de certo e errado nestes conceitos, porém iniciar discussões para avançá-lo nestes aspectos. Enquanto a alimentação adequada ser defendida apenas como um somatório de nutrientes, retiramos da alimentação seu principal elemento, o alimento. Valente5 nos remete à noção de humanidade no processo alimentar, defendendo assim a alimentação como um processo maior, e por isso não restrito aos nutrientes.

Para Silva, Recine e Queiroz14, os nutrientes fazem parte de uma referência simbólica do discurso biomédico, uma vez que a racionalidade do pensamento científico na medicina, e suas vertentes como a nutrição, valoriza o organismo e o biológico, e não a sua humanidade.

Considerando que a distribuição de renda também interfere na SAN e DHAA, torna-se explícito que o indivíduo despido de condições para efetivar seu processo alimentar não é culpado pelas escolhas, uma vez que este é parte de um meio social excludente e desta forma este não determina um acesso igualitário. Por sua vez, na medida em que o profissional de saúde se comprometa enquanto parte do processo de promoção da SAN, este precisa deixar de ser um veículo de informações, e transmissão de "palavras de ordem", para se tornar um sujeito de ações educativas14.

3.2.3 Ausências e silêncios do profissional de Nutrição na discussão sobre SAN e DHAA

A discussão apresentada pelos autores dos artigos objeto do presente estudo sobre Direito Humano à Alimentação Adequada e Segurança Alimentar e Nutricional é realizada de modo a resgatar o processo de discussão e mobilização dos mais diferentes setores da sociedade civil e da esfera pública sobre os referidos temas.

Neste resgate os autores afirmam que a discussão sobre SAN e DHAA tem conquistado espaços importantes junto a sociedade, mas ainda apresenta debilidades na implantação e efetivação de seus preceitos visto que envolvem os mais diversos setores presentes tanto no nível público, como no privado.

Ainda os autores ao definirem SAN se utilizam do conceito presente na LOSAN e, o DHAA passa a ser relacionado aos programas de incentivo e práticas de alimentação saudável, não apresentando um conceito sobre o tema construído pelo conjunto da sociedade.

Deste modo percebe-se que os textos consultados apresentam um silêncio com relação ao entendimento e efetivação da SAN e do DHAA tanto pelos profissionais de saúde como pela população, de modo geral.

No tocante ao nutricionista, percebe-se nos referidos textos que ainda a discussão está pautada na teorização dos temas, buscando as relações com as ações da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) e da Política Nacional de Saúde (PNS).

A discussão está pautada na defesa da inclusão de DHAA e de SAN na formação do nutricionista, de modo a possibilitar que o profissional venha a atender as mudanças de paradigmas de atenção à saúde, que o governo está tentando implantar15.

Também, percebe-se a existência da defesa de inclusão do nutricionista na atenção básica à saúde para atuar de forma multiprofissional, nas questões de alimentação e nutrição. Para tal, os autores dos textos colocam várias propostas de atuação para o nutricionista, mas, os textos não apresentam resultados de discussão realizados por estes profissionais.

Ao não ser abordada a visão do nutricionista sobre DHAA e SAN, o conhecimento que este profissional tem sistematizado e as relações que constrói com sua prática em saúde, os textos deixam um hiato necessário de ser preenchido de modo a aprofundar a atuação do nutricionista na atenção básica de saúde.

3.3 A formação do Nutricionista no âmbito da Saúde Coletiva

As discussões presentes nos textos selecionados apontam para a necessidade de se concretizar a proposta presente nas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Saúde proposto pelo Ministério da Educação em articulação com o Ministério da Saúde onde, colocam a necessidade de formação de profissionais da saúde capacitados para atuarem no Sistema Único de Saúde (SUS). Para tanto a formação destes profissionais devem propiciar o contato ainda nas primeiras fases dos cursos com a realidade, por meio de práticas nos territórios em saúde16.

Também, apontam para a necessidade de superação da formação centrada no modelo biomédico, com ações curativas para um novo paradigma onde o conceito de saúde parte da concepção de que esta é determinada por questões sociais, econômicas e políticas da sociedade da qual o indivíduo e o grupo do qual este faz parte, estão inseridos. Deste modo, a construção de saberes necessários para a formação do profissional de saúde deve privilegiar enfoque multidisciplinar, multiprofissional e intersetorial e para tal a inserção do estudante nos territórios em saúde coloca para o mesmo o desafio de vivenciar situações que lhes propiciem uma reflexão crítica desta realidade e dos conhecimentos abordados, nos espaços acadêmicos17.

3.3.1 A Inserção do estudante de Nutrição nas comunidades para prática em saúde como possibilidade frente ao modelo biomédico

Os diversos autores dos textos aqui analisados quando se referem ao acadêmico de nutrição desenvolvendo ações de atenção à saúde junto as Unidades Básicas de Saúde (UBS), o fazem de modo a apontar possibilidades na modificação de sua formação rumo ao entendimento da SAN e DHAA na convivência com a realidade das comunidades e dos serviços. Tais estratégias não garantem a modificação da formação, uma vez que estas podem reproduzir a continuidade do modelo biomédico na formação em saúde, por não deixar claro uma atualização dos profissionais do serviço, do ensino, e ainda a realização de reflexão sobre a prática em saúde.

Também encontramos nos textos a discussão de que o acadêmico de nutrição ao atuar no território em saúde se depara com uma realidade para a qual não estava preparado, não conseguindo por vezes propor ações frente a uma realidade que se mostra antagônica, pois ele encontra situações de fome ao lado de casos de obesidade. Este antagonismo fome/obesidade em síntese é a negação do Direito Humano à Alimentação Adequada Nutricionalmente e da Segurança Alimentar e Nutricional, e uma vez que serviço e ensino não estejam preparados para tal reflexão, este espaço não se constitui na garantia de modificação da realidade.

Desta forma, a formação do profissional de saúde em especial do nutricionista, deve envolver ações formativas que privilegiem a ação-reflexão-ação, de modo a construir saberes capazes de romper com a visão do alimento enquanto medicamento e, com ações centradas no modelo biomédico, onde a doença é o centro de atenção. Para tanto, deve-se buscar construir relações entre o ensino e a realidade social, política e econômica do país fortalecendo o reconhecimento da interdependência existente entre estes fatores, a saúde e o acesso e escolhas alimentares.

Assim, incluir a discussão de DHAA e de SAN é reconhecer a necessidade de ser constituída uma concepção de educação que ultrapassa os conhecimentos técnicos da nutrição sendo capaz de problematizar a realidade vivenciada pelo acadêmico, de modo a que este venha a compreender a necessidade de ações que privilegiem a integralidade das ações propostas, com caráter multiprofissional e intersetorial.

 

4. METASSÍNTESE

Diante da análise dos discursos apresentados nos textos, pode-se perceber lacunas na discussão sobre SAN e DHAA incorporados na prática dos profissionais de saúde, sejam pelas limitações da formação profissional e processos de educação permanente, ou ainda pela desestruturação das ações de SAN por parte da esfera pública.

Deve-se reconhecer que as estruturas sociais, políticas e as relações de poder existentes na sociedade definem estratégias que dificultam a efetivação da SAN e DHAA. E ainda a debilidade que hoje a sociedade civil apresenta no que concerne a sua capacidade de organização, possibilita que os diferentes espaços de reivindicação sejam institucionalizados, retirando dos mesmos a sua capacidade de exigir mudanças que venham garantir o DHAA.

Na medida em que são diversos os fatores que influenciam a ausência de efetividade das ações para a promoção da SAN e efetivação do DHAA, não é possível pensar que os motivos desta ausência passem apenas pela responsabilidade do setor saúde e educação, uma vez que estão diretamente relacionados com o modelo social no qual estamos imersos. O capitalismo nos propõe a divisão de classes, e consequentemente a separação entre os indivíduos com maior ou menor acesso aos benefícios de consumo, desta forma, para efetivação do DHAA e SAN existe a necessidade de mudança de sociedade, e de mecanismos efetivos de manutenção da acessibilidade aos alimentos, que envolvem desde a ordem econômica, o processo de produção agrícola e a distribuição igualitária de renda.

Há necessidade de compreendermos que o alimento em uma sociedade organizada sobre a égide do capital assume o caráter de mercadoria e, como mercadoria possibilita ou não, o acesso ao alimento como também, a qualidade e quantidade deste.

Assim, para a concretização do DHAA e da SAN, as ações de saúde e de educação devem privilegiar estratégias que possibilitem a manifestação das vozes existentes na sociedade, de modo que seja dado significado e significância ao alimento e à alimentação adequada enquanto direito, possibilitando estabelecer estratégias que permitam a modificação da realidade social, e garantia de maior controle e participação da sociedade nas ações da esfera pública.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluirmos este estudo nos deparamos com a fragilidade com que a discussão de Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) está presente na prática dos profissionais de saúde, em especial do nutricionista.

Quando presente os temas DHAA e SAN na prática em saúde, esta se direciona frequentemente para o nutricionista. Este por sua vez, se pauta por apresentar orientações nutricionais baseadas em aspectos técnicos, envolvendo a biodisponibilidade de macro e micronutrientes e aspectos higiênicos-sanitários. Além de uma culpabilização do indivíduo por não adquirir alimentos com a qualidade e quantidade recomendadas.

O presente estudo mostrou a necessidade de fomentarmos uma discussão que ultrapasse os campos específicos de formação profissional, uma vez que DHAA e SAN possuem em sua essência a discussão de garantia de vida e cidadania.

Assim, ultrapassar a visão hibrida, destituídas da visão classista e descolada da realidade social em que as técnicas profissionais estão baseadas se mostra importante para avançarmos na busca por espaços de discussão e de garantia do DHAA e SAN.

Também como, a necessidade de buscarmos indicadores de DHAA e SAN nos espaços de atuação dos profissionais de saúde, para a partir destes estabelecermos uma aproximação com outros setores da sociedade, possibilitando o fortalecimento do controle social.

 

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Endereço para correspondência
Maria Cristina Marcon
Universidade Federal de Santa Catarina.
Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Nutrição.
Trindade. Rua Delfino Conti, s/nº.
CEP: 88049-900 - Florianopolis, SC .
Telefone: (48) 33319784
Email: mcmarcon@ccs.ufsc.br

 

Artigo encaminhado 23/05/2013
Aceito para publicação em 09/11/2013

 

 

Notas

* Professora Assistente IV
** Professora Substituta
*** Professor Adjunto