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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.10 no.19 São João del Rei jul./dez. 2021

 

Educação inclusiva: (im)passes contemporâneos a partir da óptica psicanalítica

 

Inclusive education: contemporary (im)passes from the psychoanalytic perspective

 

Éducation inclusive: (im)pass contemporain du point de vue psychanalytique

 

Educación inclusiva: (im)pases contemporáneos desde la perspectiva psicoanalítica

 

 

Victória Caroline Souza Pinheiro SantosI; Rogério de Andrade BarrosII

IMestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Psicóloga. Pesquisadora do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão dos Fundamentos Litorais entre Linguagem, Psicanálise e Educação (Entraste/UFG). Associada ao Instituto de Psicanálise da Bahia. E-mail: victoria.cspinheiro@gmail.com
IIDoutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Auxiliar da Universidade Estadual de Feira de Santana. Coordenador do Laboratório de Pesquisa em Psicanálise (LAPPSI/UEFS). Membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise. E-mail: contaterogerio@gmail.com

 

 


RESUMO

A Educação Inclusiva (EI) convoca vários saberes e centraliza a diferença e a diversidade na escola, campo fértil para analisar o encontro do sujeito com o grupo, sob a dinâmica do funcionamento escolar. A EI abre espaço para novas formas de educar, ao passo que também amplia o estranhamento no ambiente escolar. É possível observar que, no que tange à inclusão, existe um ordenamento que aponta de forma bastante evidente para fatores de ordem prática. Aqui, apostamos na importância de uma análise que não minimize as questões práticas, mas, para além, questione o próprio discurso da EI e como ele vem sendo postulado, podendo-o articular, sobretudo, sob a égide do discurso capitalista, entendendo-o como um discurso que dá notícias da contemporaneidade. O presente trabalho configura-se como uma pesquisa que objetiva investigar o discurso da EI na contemporaneidade. Para tanto, partimos dos três ofícios impossíveis de Freud para, posteriormente, retomá-los em Lacan na teoria dos discursos. Por meio desses operadores lacanianos, realizamos uma leitura da inclusão na contemporaneidade, evidenciando seus impasses e efeitos de mal-estar.

Palavras-chave: Psicanálise. Educação Inclusiva. Contemporaneidade.


ABSTRACT

Inclusive Education (EI) promotes various flavors and centralizes the difference and diversity in the school, an ideal field to analyze the encounter of the subject with the group, under school performance. EI opens a space for new forms of education, while also expanding or separating the school. It is possible to observe that, it does not include an inclusion, there is an order that indicates a very evident form for practical factors. Here, the importance of an analysis that does not minimize as practical questions, but, in addition, questions the EI discourse itself and how it has been postulated, allows it to articulate, mainly, under the argument of capitalist discourse, understanding it as a discourse that gives contemporary news. The present work is configured in a research, which aims to investigate the discourse of EI in contemporary times. To do so, participate in the analysis of three impossible crafts by Freud to, later, resume them and put Lacan in the theory of discourses. Thus, from these Lacanian operators, you read the inclusion in contemporary times, showing their impasses and the effects of malaise.

Keywords: Psychoanalysis. Inclusive education. Contemporaneity.


RÉSUMÉ

L'éducation inclusive (IE) rassemble diverses connaissances et centralise la différence et la diversité à l'école, un terrain fertile pour analyser la rencontre du sujet avec le groupe, sous la dynamique du fonctionnement de l'école. L'IE ouvre la voie à de nouvelles façons d'éduquer, tout en élargissant l'étrangeté à l'école. Il est possible d'observer que, non en ce qui concerne l'inclusion, il existe un ordre qui indique très clairement des facteurs pratiques. Ici, nous parions sur l'importance d'une analyse qui ne minimise pas les problèmes pratiques, mais qui interroge en outre le discours de l'IE lui-même et comment il a été postulé, en étant capable de l'articuler, surtout, sous l'égide du discours capitaliste, en le comprenant comme un discours qui donne des nouvelles de l'époque contemporaine. Le présent travail est ensuite configuré comme une recherche, qui visait à enquêter sur le discours IE à l'époque contemporaine. Pour ce faire, nous avons commencé par analyser les trois professions impossibles de Freud pour, plus tard, les reprendre et mettre Lacan dans la théorie des discours. Ainsi, a partir de ces opérateurs lacaniens, nous parions sur une lecture de l'inclusion à l'époque contemporaine, montrant leurs impasses et effets de malaise.

Mots-clés: Psychanalyse. Éducation Inclusive. Contemporanéité.


RESUMEN

La Educación Inclusiva (IE) convoca diversos conocimientos y centraliza la diferencia y la diversidad en la escuela, un campo fértil para analizar el encuentro del sujeto con el grupo, bajo la dinámica del funcionamiento escolar. La IE abre espacio para nuevas formas de educación, al tiempo que amplía la extrañeza en la escuela. Es posible observar que, no con respecto a la inclusión, hay un orden que señala con bastante claridad los factores prácticos. Aquí, apostamos por la importancia de un análisis que no minimice los problemas prácticos, sino que, además, cuestione el discurso de la IE en sí mismo y cómo ha sido postulado, pudiendo articularlo, sobre todo, bajo los auspicios del discurso capitalista, entendiéndolo como un discurso que da noticias de los tiempos contemporáneos. El presente trabajo se configura como una investigación, cuyo objetivo es investigar el discurso de la IE en los tiempos contemporáneos. Para hacerlo, comenzamos analizando las tres profesiones imposibles de Freud para luego retomarlas y poner a Lacan en la teoría de los discursos. Por lo tanto, con base en estos operadores lacanianos, apostamos por una lectura de inclusión en los tiempos contemporáneos, mostrando sus impases y efectos de malestar.

Palabras clave: Psicoanálisis. Educación inclusiva. Tiempo contemporáneo.


 

 

O termo inclusão tem sua etimologia no latim includere, que, segundo o dicionário Larousse (1999), significa compreender, envolver. É nesse sentido que discorrer acerca da Educação Inclusiva (EI)1 concerne não apenas à discussão da entrada de sujeitos com deficiências no espaço escolar, mas também aponta para a afirmação de um âmbito educacional capaz de sustentar a diversidade daqueles que poderiam ser alvos de algum tipo de discriminação, impedindo o desenvolvimento pessoal e/ou a aprendizagem (Prioste, 2006). Dessa forma, o tema da EI convoca vários saberes e centraliza a questão da diferença na escola, tratando-se de um campo fértil que enuncia, de forma bastante evidente, o encontro entre o sujeito e o grupo, sob a dinâmica do funcionamento escolar. A fim de uma compreensão mais ampla acerca da EI, cabe retomar seu percurso histórico a partir de alguns marcos relevantes.

 

Origem e perspectivas da Educação Inclusiva

De acordo com Prioste (2006), a origem do debate sobre as diferenças no campo educativo se dá a partir do deslizamento do movimento da integração para a inclusão, marcando pontos conceituais que apresentam aproximações e distanciamentos. Mendes (2006) assinala que a integração tem seu fundamento nos movimentos sociais e dos direitos humanos, vinculando-se fortemente aos pressupostos filosóficos da Reforma Antipsiquiátrica.2 Para o autor, a reforma foi determinante para a proposta da integração escolar, pautando-se na ideia irrefutável de que todas as crianças com alguma deficiência deveriam ter o direito inalienável de participar de todas as atividades escolares com as demais crianças. Nessa perspectiva, a integração se apoia na sensibilização acerca da marginalização dos grupos minoritários.

Correia (1999) assinala que a integração parte da concepção de meio menos restritivo possível, a partir da Public Law (2004/1975), criada nos Estados Unidos. Essa lei obrigava as instituições escolares a melhorarem seus sistemas educativos, criando estruturas que pudessem oferecer igualdade de oportunidades educacionais a todas as crianças. Dessa forma, creditava uma espécie de "normalização" ao ambiente escolar, oportunizando às crianças ditas deficientes conviver em meio comum, com todas as outras crianças sob um ambiente dito normal. É possível perceber no movimento de integração, desde seu início, a presença de princípios ideológicos "normatizadores", embebidos de uma clara diferenciação daquilo que concebemos como normal e patológico (Canguilheim, 2011).

No Brasil, o movimento da integração assumiu características distintas, expandindo as chamadas classes especiais, de modo que as crianças ditas deficientes frequentavam a escola, porém, em classes específicas (Sassaki, 1997). Ainda que de suma importância para o processo de inserção das crianças deficientes na escola, a integração em classes especiais pautava-se em um movimento unilateral, já que esperava que as crianças se adequassem ao meio dito "ideal", sem haver uma clara contrapartida da escola na diferença do processo. Assim, mesmo que essas crianças estivessem na escola, sobre elas estaria a responsabilidade de se adequar a um ambiente adverso.

A mudança terminológica da integração para a inclusão se deu a partir do reconhecimento da integração como um movimento que tratava de medidas técnicas e administrativas para que a criança frequentasse a escola regular (Lerner, 2013), porém em nada propunha uma mudança na lógica que rege as relações escolares ou que fosse capaz de mudar a estrutura escolar. Assim, o movimento da integração foi ultrapassado e um novo paradigma surge, tendo a Declaração Mundial da Educação para Todos, chamada de "Declaração de Jomtien" (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco, 1990) e a "Declaração de Salamanca" (Unesco, 1994) como os marcos centrais, provenientes do ordenamento jurídico e do deslizamento paradigmático de integração para inclusão. Essas duas Declarações são as bases legais da EI, demarcando a entrada da inclusão na educação de maneira efetiva (Bueno, 2001; Lerner, 2013). Ribeiro (2014) sublinha que é a partir desses dois documentos que a temática da EI encontra-se presente em uma discussão de âmbito internacional.

A primeira delas, a "Declaração de Jomtien", ou "Declaração Mundial da Educação para Todos" (Unesco, 1990), tem como fundamento a satisfação das necessidades básicas educacionais como via do desenvolvimento humano, a partir da universalização do acesso à educação (Prioste, 2006). Essa declaração compreende a universalização da educação como a necessidade de maior importância a ser atendida e que deve visar a resultados, efetivando, capacitando e desenvolvendo os sujeitos.

A educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro; entendendo que a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, e que, ao mesmo tempo, favoreça o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional; [] É preciso universalizar o acesso à educação e promover a equidade; é preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo. (Unesco, 1990, p. 2).

Quatro anos mais tarde, surge a "Declaração de Salamanca" (Unesco, 1994), referência obrigatória na elaboração de políticas educacionais inclusivas (Lerner, 2013), que versa sobre os princípios, políticas e práticas direcionadas a crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais. No seu artigo segundo, temos que:

Toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem; toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas; sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades. Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades. (Unesco, 1994 p. 1).

É possível constatar que as duas Declarações apresentam propostas que visam à inserção, em classes regulares, dos alunos considerados portadores de necessidades especiais. Como sinaliza Ribeiro (2014), ambos os documentos defendem que cabe à escola providenciar todo o aparato material possível para que o objetivo da inclusão escolar seja alcançado.

No ano de 2000 ocorre o Fórum Educativo Mundial, com a proposta de fazer um balanço da educação em todo o mundo, com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), avaliando os progressos da última década e continuando os objetivos de Salamanca (Lerner, 2013). Nesse momento, objetiva-se incentivar os governos a efetivar as leis que fortalecessem a educação para todos, bem como destinar recursos financeiros para esse objetivo. Esse Fórum foi também determinante na desarticulação das chamadas das escolas especiais, entendidas como único método de inserção das crianças com necessidades especiais no âmbito escolar, de modo que esses serviços passaram a ser complementos do ensino regular (Unesco, 2000). Como resultados, propôs-se a integração entre o ensino regular e a educação especial, viabilizando o intercâmbio de saberes construídos dessas duas vertentes.

Cabe ressaltar que o Brasil, país participante da Declaração de Salamanca, passou a legitimar a inclusão escolar por meio de leis e decretos que buscam garantir o acesso das crianças com necessidades educacionais especiais nas escolas regulares (Prioste, 2006). Inicialmente, em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases (LBD), Lei n. 9.394/1996, definiu a educação especial como a "[...] modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educando portador de necessidades especiais". Bueno (2008) marca que a LDB de 1996 foi disparadora de políticas e ações para a inclusão, fomentando também diversas discussões e atividades acadêmicas sobre o tema. A partir desse documento, a educação inclusiva começa a ser consolidada no Brasil.

Entretanto, a LDB de 1996 não foi capaz de causar mudanças efetivas no cotidiano das escolas regulares brasileiras (Prioste, 2006). Alguns pontos ainda causavam certa confusão para a implantação de um novo projeto educacional, como o que diz que o atendimento especializado para os alunos com alguma deficiência pode ocorrer em turmas/escolas especializadas, quando a escola regular não tiver meios de oferecer esse tipo de atendimento.

Lerner (2013) advoga que há problemas apontados na LDB que dizem respeito à ambiguidade. Ela indica a incorporação dos princípios universais da educação, sem tomá-los como obrigatórios, gerando múltiplos entendimentos. Em 2001, o Plano Nacional de Educação revelou a urgência para a criação de políticas mais intensas para a realidade da educação brasileira, por meio da Lei n. 10.172/2001. Nesse ano, um novo documento foi elaborado trazendo resoluções e diretrizes específicas acerca da EI. Tal documento esclarece pontos da LDB que se apresentavam ambíguos naquele momento (Ribeiro, 2014). Assim, no art. 2º da Resolução n. 2, elaborado em setembro de 2001 pelo Conselho Nacional de Educação, temos que "os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos" (s/p.). Entretanto, é só a posteriori, com o Decreto n. 6.571 do ano de 2009, que a obrigatoriedade da matrícula da criança com necessidades especiais se torna uma realidade, mudança contundente para a EI (Brasil, 2009). Nessa perspectiva, concordamos com Ribeiro (2014, p. 7), quando afirma que "ao conferir às classes regulares o estatuto de obrigatoriedade, esse instrumento jurídico parece ter atravessado a instituição escola".

Ademais, passa a ser ofertada pela escola não só as vagas, mas também toda a responsabilidade pelas melhores condições para que a EI se desenvolva. Esse fato não se dá sem consequências para a escola, para os pais e para os alunos. Jerusalinsky e Páez (2000) marcam que o movimento da EI veio para corrigir equívocos advindos de práticas educacionais discriminatórias, que colaboraram para que muitas crianças fossem rejeitadas sob o pretexto de não se ajustarem à escola e sua normatização dos corpos. Apoiando-se nos ideais de igualdade, a EI vem se difundindo, cada vez mais, e tem se consolidado pautadas em leis e princípios.

Atualmente, a EI ocorre sob a forma da inserção de alunos considerados portadores de necessidades educativas especiais em classes regulares, ampliando o campo de estranhamentos na escola, ao passo que, também, dá espaço para novas formas de educar (Prioste, 2006). Essa inserção não se faz alheia aos efeitos de uma contemporaneidade marcada por transformações, intensificadas e capturadas pela lógica neoliberal e pela expansão da tecnologia, que marcam o advir de novas formas de subjetivação do sujeito pautados pela busca incessante de gozo, pelo narcisismo exacerbado e pela acentuada desregulação do consumo (Pereira, 2016).

Nessa perspectiva, analisar a EI a partir do entremeio entre os campos da Psicanálise e da educação possibilita desvelar subjetividades e nuances para além do âmbito técnico-burocrático. Acreditando que "os princípios da educação são pautados em certezas" (Rubim & Besset, 2007, p. 42), o que é possível apreender por meio da sustentação de discursos baseados ora na ciência, ora nos engendramentos jurídicos, ora nas premissas pedagógicas, a Psicanálise pode ser uma via capaz de "balançar certezas", de modo não a destituí-las, mas causando provocações e deslocamentos.

 

Dos ofícios impossíveis de Freud aos discursos de Lacan

Pulsão, para Freud (1996/1915, p. 67), é uma ideia abstrata, fundamental à metapsicologia. Isso implica dizer que seu conceito está para além dos dados descritivos, sendo concebido a partir de um viés dinâmico. "Nos esforçamos para estabelecer uma concepção dinâmica dos fenômenos anímicos. Os fenômenos percebidos devem, segundo nossa concepção, ceder lugar para as tendências que nós apenas supomos". Desse modo, o mestre de Viena diferencia a Psicanálise das outras psicologias, ao indicar que "ela propõe, no lugar de uma simples descrição, uma explicação dinâmica fundada na interação de forças psíquicas" (p. 69). Assim, ele situa a pulsão na fronteira entre mental e somático, ou seja, como um conceito limítrofe.

A pulsão se trata de uma força interna no sujeito que atua constantemente e da qual ele não pode se omitir ou fugir (Freud, (1996/1915). É nesse sentido que é possível afirmar que educar a pulsão é uma tarefa impossível, uma vez que ela não é civilizável (Freud, 1996/1937). Se não é possível educar a pulsão e esta tem objetivo de se satisfazer (Freud, 1996/1915), é justamente esse o ponto que nos interessa neste trabalho: tomar o impossível freudiano como relativo à parcela indomesticável da pulsão. Ribeiro e Bastos (2007) contribui, lançando luz nessa premissa freudiana, apontando-a em relação à inclusão escolar, sob a necessidade da atenção às particularidades dos sujeitos.

A partir do texto "O mal-estar na civilização" (Freud, 1996/1930), apreendemos que só podemos ter notícias da pulsão por meio da cultura. Com Lacan (1986/1953-54), acrescentamos ao termo cultura a linguagem, já que é por meio dela que a pulsão se aparelha às representações de objetos que a satisfazem. Nesse sentido, podemos elucubrar de que modo a educação, especialmente a EI, encontra limites impostos pelo próprio caráter indomesticável da pulsão.

Esse é propriamente o preço de estar em civilização: a satisfação é sempre parcial e insatisfeita, acarretando mal-estar (Freud, 1996/1930). Não obstante, "as possibilidades de felicidade sempre são restringidas por nossa própria constituição" (p. 84), trazendo à baila a discussão acerca dos limites impostos ao sujeito pela convivência em sociedade e os respectivos conflitos. Aponta, assim, a impossibilidade de uma fórmula universal de felicidade, ao defender que as normas sociais são contrárias ao princípio de prazer, que seria o propósito da vida humana. Desse modo, o mal-estar é marcado pela finitude da qual não se pode fugir, pela imprevisibilidade e pela falta de garantias.

Miller (2014), ao tecer elaborações acerca da Psicanálise no século XXI, indaga que se Freud inventa a Psicanálise em plena era vitoriana, fortemente marcada por grande repressão sexual, na contemporaneidade, o que vemos é de ordem oposta: a sexualidade se encontra exposta, de fácil acesso, de modo que, fazendo referência à lógica totêmica (Freud, 1996/1913), não passamos apenas da interdição à permissão, "mas à incitação, à intrusão, à provocação, ao forçamento" (s/p.). Destarte, o laço social não é indiferente à época. As mudanças na estrutura de gozo da cultura afetam diretamente os laços, como Lacan (1992/1969-1970) vai expor em sua teoria dos discursos. É nesse sentido que podemos apostar que existem atravessamentos produzidos pela própria contemporaneidade que reverberam na EI. Assim, se com Freud o impossível do ofício de educar é relativo à parcela indomesticável da pulsão, sempre atravessada pela cultura, com Lacan, evocamos a cultura pelos impasses entre gozo e linguagem.

No Seminário 17, Lacan (1992/1969-1970) retoma os ofícios colocados por Freud como impossíveis, tomando-os por uma lógica discursiva. Governar, educar e psicanalisar passam a corresponder aos discursos, modos possíveis de se fazer laço com o Outro. Ele acrescenta a estes um a mais: o discurso da histérica. Tem-se, portanto, quatro discursos: o do mestre, o do universitário, o do psicanalista e o da histérica. Trata-se de quatro discursos radicais que nos servem para analisar os importantes discursos da contemporaneidade, "uma espécie de polo de atração para o qual convergem, num movimento de báscula constante, todos os discursos existentes" (Jorge, 1998, p. 158).

É interessante ressaltar que a palavra "discurso" aparece em Lacan (1988/1955-1956), pela primeira vez, no Seminário sobre as psicoses. Nesse momento, sua definição aponta não apenas para um meio de comunicação, mas para um instrumento da sociedade. Conforme Lacan (1992/1969-1970), a linguagem é a estrutura do inconsciente e é a partir dela que "certo número de relações estáveis, no interior das quais certamente pode se inscrever algo bem mais amplo, que vai bem mais longe do que as enunciações efetivas" (p. 11). O discurso, então, apresenta-se como "uma estrutura necessária, que ultrapassa em muito a palavra [...], um discurso sem palavras" (p. 11). Estrutura essa que caracteriza o que se passa na relação de um significante com outro significante, "donde resulta a emergência disso que chamamos de sujeito" (p. 11). A teoria lacaniana, assim, toma os discursos para apresentá-los de forma matémica, em uma escrita algébrica.

No Seminário 17 - "O avesso da Psicanálise", Lacan (1992/1969-1970) os denomina de aparelho de quatro patas, correspondendo, assim, a quatro posições. Nesses quatro discursos, percebe-se o funcionamento dos laços sociais, vinculados pela linguagem. São quatro elementos que formam a estrutura de todo discurso: significante mestre (S1), a rede discursiva que constitui o saber (S2), o sujeito barrado ($) e objeto causa da incompletude do sujeito e, portanto, causa do seu desejo (a). O S1 é um significante que tem função de domínio. O S é barrado para indicar que o sujeito em questão não é um sujeito autônomo, mas determinado pelo significante, e o objeto a é o que não se alcança do gozo e, por isso, promove a condição de ser desejante do sujeito (Jorge, 1997).

São quatro, ainda, os lugares que esses elementos podem ocupar nos matemas: agente, outro, produção e verdade. Esses lugares são escritos por meio de dois binômios que são ligados por uma seta. O que pode ser traduzido do seguinte modo: quando falamos, ocupamos um lugar, abordamos o Outro a partir do lugar de agente, mobilizados por uma verdade, e o colocamos também em um determinado lugar. A palavra endereçada ao Outro surte um efeito que é o produto desse discurso e que está alocado no lugar da produção. A rotação dos quatro elementos nos quatro lugares vai configurar a estrutura de cada discurso.

No que tange à EI, diversos saberes a atravessam, bem como suas discussões e perspectivas que tocam questões ligadas tanto a fatores subjetivos quanto a diversas contingências que envolvem fatores sociais, sobretudo, mudanças que englobam, por exemplo, vieses econômicos e políticos. Para Vanier (2002), é justamente no trabalho com os discursos que a articulação entre sintoma e social fica mais evidenciado na obra de Lacan. Por isso, partiremos dessa composição para propor uma abordagem do discurso sobre a EI que leve em consideração esses operadores da Psicanálise.

A contribuição da Psicanálise, nesse sentido, visa "isolar os elementos da subjetividade empregados nas práticas sociais e esclarecer o que dessas práticas enriquece o conhecimento das engrenagens da subjetividade" (Rosa, 2004, p. 338). Souza (1991), por sua vez, pontua que a Psicanálise não deve se resumir a aquisições pessoais que ocorrem no âmbito da análise em intensão, mas também deve se projetar em direção à sociedade, fazendo ela própria sintoma social, isto é, "modificando a relação do sujeito com o seu ato" (p. 92).

Desse modo, utilizar a teoria lacaniana dos quatro discursos parece fértil para construir reflexões acerca da EI, porque toma o discurso pela via do significante, abordando o tipo de laço social que se estabelece. Assim, é possível, como afirma Pacheco (2009, p. 17), "que a Psicanálise traga suas contribuições, também, para a análise daqueles fenômenos particulares que, surgindo no campo social, provocam descontinuidades e rupturas no laço social e/ou conflitos e sofrimentos nos sujeitos por ele articulados".

 

(Im)passes contemporâneos na Educação Inclusiva

No discurso do mestre, o dominante é a lei. Lacan (1991/1959-1960) afirma que esse discurso é pautado em uma relação de expropriação do saber do escravo, que tem o savoir-faire que se transforma em saber do senhor. Assim, Lacan estabelece a distinção entre duas vertentes do saber: um saber do consciente, voltado à realização de tarefas, e o saber inconsciente, saber que "não se sabe", central para a Psicanálise. Ele equivale o discurso do mestre à própria constituição do sujeito, pois o discurso que faz advir o sujeito parte também da incidência do significante mestre (S1) sobre o saber (S2). Outro fator de igualdade é a do saber recalcado e da combinação de significantes a fim de instaurar um significado.

Ainda no discurso do mestre, o saber recalcado é aquilo que é da ordem do singular, ou seja, é representado pela posição do $ abaixo da barra, no lugar da verdade. O sujeito barrado está sob a barra para representar que não participa do discurso anunciado, entretanto, ele está presente. Nesse discurso, algo do singular precisa perder-se para que nada da singularidade se sobreponha à instituição e/ou às leis e regras impostas. Nesse caso, a operação evidencia que nesse circuito o agente desconhece aquilo que mobiliza. A incompletude no mestre é recalcada para que ele ordene ao Outro, esperando que ele responda com seu saber fazer. Assim, o mestre não deseja o saber, deseja que as coisas funcionem (Lacan, 1991/1959-1960).

É possível apreendermos que esse discurso funciona como aquilo que regula e estabelece normas, marcando um único sentido, imaginário (Lerner, 2013). Na EI, podemos observar isso de forma bastante evidente. A EI erige-se nessa fórmula, já que é estabelecida a partir de leis e diretrizes, repassada e trabalhada pelas instituições pedagógicas e tem um forte viés político do próprio movimento inclusivo atravessada. Em consequência, o que vemos ocorrer é a busca pela univocidade educativa e por polarizações do tipo "isso ou aquilo".

Para a Psicanálise freudiana, a descoberta radical foi o inconsciente que comanda as atividades psíquicas e o fazer no mundo, o que, por si só, já coloca em cena, segundo Lacan (1992/1969-1970), o avesso do discurso do mestre. É justamente aí que a Psicanálise faz um "furo" nesse discurso do mestre vigente no social, atravessando as dicotomias e elevando a discussão para um campo mais complexo. Nessa esteira, André (1999) sublinha que a Psicanálise tem uma relação distinta com o saber, que leva em conta aquilo que está sob a barra do recalque e inacessível ao controle consciente. Tal proposta não se assemelha com aquilo que estabelece a EI, que pressupõe uma regulação completa, desconsiderando algo do desconhecimento que se faz ver. Assim, Bastos (2004) aponta que as políticas públicas de integração não garantem um lugar para a criança capaz de transpor o espaço escolar.

Nos documentos que originam e norteiam a EI, prevalecem classificações e nomenclaturas (incluídos portadores de necessidades especiais, entre outros) que acabam por tamponar a falta. Nas suas leis e diretrizes, é possível visualizar a maneira pela qual crianças estão sendo referenciadas, apontando as deficiências, em detrimento de algo que dê vez à singularidade. Voltolini (2009) traz a ideia da existência "d'A criança", com letra maiúscula, apontando para a operação da transmutação da criança em objeto. "A" criança, para o autor, não é coerente com as crianças em suas diversidades e singularidades. Pelo contrário, ao se objetificar a criança, aumenta-se a ignorância e acaba levando para o desencontro com um sujeito ativo nas metodologias de aprendizagem. É possível apreender que categorizar as crianças já evidencia uma generalização subjetiva na qual desaparecem os alunos e suas particularidades, lançando luz à existência do "O aluno incluído" (p. 12). Tal apreensão desdobra-se em informações sobre como fazer para incluí-lo, afinal, trata-se aqui não mais de um sujeito, mas de um objeto que, por assim ser, torna possível algum nível de captura.

Além do discurso do mestre, importa-nos destacar o discurso do universitário, tal qual proposto por Lacan (1992/1959-1960). Nesse discurso, o saber (S2) está na posição do agente, toma o outro como objeto e o faz trabalhar em favor da concretização desse saber. O agente fala em nome de um saber que não é seu, e que, apesar de aparentemente objetivo, tem a sua verdade em um saber sustentado por uma posição subjetiva, dada por um significante (S1) que fixa um sentido específico na cadeia significante (S2).

É justamente nesse discurso que observamos um conhecimento formal ao qual o aluno deve se assujeitar. Dessa forma, existe um saber (S2) sobre o Outro e sobre como esse Outro, na posição de objeto, deve ser. A colocação do objeto a no lugar do Outro demonstra a impossibilidade de esse Outro ser capturado pelo saber formal. Afinal, nenhum conhecimento diz tudo sobre o Outro. Como efeito, no discurso universitário algo sempre escapa, o que resulta em um sujeito dividido, indicado pela localização do sujeito barrado ($) no lugar de produto.

Podemos identificar, com Voltolini (2009), que a definição d'A criança serve, sobretudo, para aspectos instrumentais, estratégias de controle e apagamento, buscando uma uniformização das práticas pelos imperativos da ciência e da técnica. Dessa forma, a técnica parece guardar uma relação direta com o saber e remete a uma ação sobre aquilo que está sendo objetificado. Em outras palavras, o saber racional da técnica, lido como experiência e colocado a serviço do homem para o apagamento da dor (Lerner, 2013). Assim, o saber "específico" do objeto e do seu funcionamento define quais os melhores meios para atingir o objetivo esperado.

É aí que observamos o mandamento do saber-mais, atribuído por Lacan (1992/1969-1970) ao discurso do universitário, quanto à lógica da especialidade, que consiste em conhecer bem para controlar todos os aspectos da criança. Em termos lacanianos, "é impossível deixar de obedecer ao mandamento que está aí, no lugar do que é a verdade do discurso da ciência - Vai, continua. Não para. Continua a saber sempre mais" (p. 98).

A esse respeito, destacamos um trecho de Laurent (2007, p. 217) que pode nos inspirar para, a partir da proposta da Psicanálise, estabelecer um outro tipo de relação com a técnica

Não há tratamento standard, nem protocolo geral que venha a reger a sessão e o tratamento psicanalíticos. Freud utilizou a metáfora do xadrez para indicar que só havia regras ou tipos para o início e o fim da partida. [...]. Nós o constatamos pelo próprio Freud, que transmitiu a Psicanálise com a ajuda de casos particulares: o Homem dos Ratos, Dora, o pequeno Hans etc. [...] A experiência da Psicanálise, longe de ser reduzida a um protocolo técnico, tem uma única regularidade: a originalidade do cenário por meio do qual a singularidade subjetiva se manifesta. A Psicanálise, portanto, não é uma técnica, mas sim um discurso que encoraja cada um a produzir sua singularidade, sua exceção.

Na EI, podemos ainda observar como a técnica é significativa em relação aos aspectos investigativos das patologias, remetendo a uma tendência dessubjetivante. Partindo dos operadores do discurso universitário, podemos apontar, então, a técnica como o produto derivado do saber formal (S2) na posição de agente, que elabora um saber sobre o aluno, na posição de objeto. Com isso, tenta-se definir as formas corretas de incluir. Em consequência, a posição dos especialistas é "supervalorizada" como aqueles que têm um saber sobre o aluno. Existe, assim, uma suposição de que esse saber garante a inclusão, o que leva profissionais e alunos à submissão do discurso do universitário.

Além dos quatro discursos, Lacan (1991/1959-1960) propõe um quinto, que é considerado uma variação do discurso do mestre na contemporaneidade: o discurso do capitalista. Segundo Voltolini (2009), a ideia do discurso do capitalista surge da articulação realizada por Lacan entre o marxismo e a Psicanálise. Essa modalidade de discurso diz respeito à impossibilidade de satisfação do desejo e traz a prevalência do objeto sobre o sujeito. Seu matema é constituído a partir da inversão nos lugares do agente e da verdade: o sujeito barrado passa a ocupar o lugar do agente do discurso e o significante mestre ocupa o lugar da verdade.

Podemos observar a dificuldade para o estabelecimento dos laços e como, muitas vezes, existe a crença de que fatores externos seriam o que é "preciso" para poder incluir. Dessa forma, para Quinet (2006), o essencial do discurso capitalista é justamente aquilo que não promove o laço social entre os seres humanos: ele propõe ao sujeito a relação com um objeto de consumo curto e rápido [$ a].

O discurso do capitalista desfaz os laços e as solidariedades sociais ao criar um contexto em que o sujeito tem diante de si como único projeto de vida o seu sucesso pessoal, seus bens e suas aquisições. Soler (2011) sublinha a relação estabelecida por Lacan entre o capitalismo e a "exclusão das coisas do amor" (p. 64). Ao apagar a dimensão do laço social, o capitalismo pretende excluir a castração. Não somos somente instrumentalizados pelos produtos, mas ameaçados pelos efeitos da produção.

Bastos (2004) aponta que existe também um trabalho fundamental a ser feito, que trata de fazer o gozo avançar, não só de um estado de reclusão, mas também a uma forma de articulação e endereçamento. Entretanto, notamos que não há esse lugar no discurso capitalista, no qual a ordem é tamponar a falta e viver sem desejar, exceto na condição degradada de objeto de consumo, de pouco valor e de uso descartável. Assim, como pensar o ato educacional na EI, uma vez que educar supõe a existência de uma falta, que pode ser direcionada ao desejo de saber?

 

Para concluir

É inegável a importância da democratização da educação e toda virada possibilitada pela inclusão. Entretanto, como aponta Lerner (2013), devemos estar atentos para a manutenção de certas formas de exclusão. É nesse sentido que partimos para a articulação com o impossível, tal como apreendido pela Psicanálise, diante da meta do discurso de "todos incluir", como um ideal impossível, graças à irredutibilidade do sujeito a modos de funcionamentos padronizados. Para tanto, retomamos os ofícios impossíveis freudianos para questionar a possibilidade da inclusão total, uma vez que reconhecemos o indomesticável da pulsão (Freud, 1996/1930).

O saber objetivo, bastante presente na inclusão, parece obturar possibilidades de práticas e saberes engendrados em soluções subjetivas. Em contraposição à tendência atual da EI, entremeada pelos discursos capitalista, universitário e do mestre, apostamos na possibilidade de formas de atuação apoiadas na singularidade e na compreensão dos (im)passes como inerentes ao ato educativo. Afinal, como nos aponta Pommier (1989), a função política da Psicanálise é interrogar o tecido social. Nesse sentido, questionamos aqui os significantes de mestria que se escondem sob a autoridade da lei ou da verdade para que seja possível, a partir deles, fazer furos nos ideais e dar espaço para a criação de condições de enfrentamento do real da condição humana.

 

Referências

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1 No corpo do texto, será utilizada a sigla EI para falar em Educação Inclusiva.
2 Não é interesse do artigo elucidar a história da EI nos pormenores. Pretendemos nos servir da história para articular a EI com a impossibilidade de civilização pulsional. Por esse motivo, não entraremos de forma minuciosa na questão da Reforma Antipsiquiátrica. Para ler mais sobre o tema, sugerimos vivamente o livro Da antipsiquiatria ao movimento antimanicomial: Trajetória Histórico-Cultural, de Pérola do Amaral Santos, publicado em 2006.

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