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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.11 no.20 São João del Rei jan./jun. 2022

 

ARTIGOS

 

O trauma e a urgência psíquica na clínica do suicídio

 

Trauma and Psychic Urgency in the Suicide Clinic

 

Traumatisme et urgence psychique à la clinique du suicide

 

Trauma y urgencia psíquica em la clínica del suicidio

 

 

Isabel NoletoI*; Maria Isabel FortesI, II**

IPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio - Brasil
IIEspaço Brasileiro de Estudo Psicanalíticos - Brasil

 

 


RESUMO

Neste trabalho pretende-se discutir a questão do suicídio pela perspectiva da psicanálise. O suicídio é um fenômeno complexo, apresentando-se de diversas formas na clínica - pelo movimento em direção à morte, em tentativas de tirar a própria vida e na forma mais extrema, a do próprio suicídio. Compreende-se o suicídio como uma situação limite em que a vida se tornou demasiadamente penosa. A experiência analítica oferece uma escuta singular que possa acolher a dor do paciente e apostar que o tratamento permita possíveis desdobramentos e alternativas para lidar com a dor. Neste artigo utilizamos como referência o trauma e os efeitos da pulsão de morte tal como concebido por Freud no "Além do princípio de prazer" e buscamos relações com os textos de Ferenczi "A criança mal acolhida e sua pulsão de morte" e "Confusão de línguas entre os adultos e a criança".

Palavras-chave: Suicídio, Psicanálise, Trauma, Dor.


ABSTRACT

This work aims to discuss the issue of suicide from the perspective of psychoanalysis. Suicide is a complex phenomenon, present in git self-indifferent ways in the clinic - due to the movement towards death, inattempts to take one's own life and in the most extreme form, that of suicide itself. Suicide is understood as a limit situation in which life has become too painful. The analytical experience provides a singular process of listening that can both embrace the patient's pain and believe that the treatment will allow the possible outcomes and alternatives to cope with pain. Our the oretical reference is Freud in "Beyond the pleasure principle", in relation to Ferenczi's texts "The unwelcome childand his death drive" and "Confusion of languages between adults and children".

Keywords: Suicide, Psychoanalysis, Trauma, Pain.


RÉSUMÉ

Cet article vise à aborder la question du suicide du point de vue de la psychanalyse. Le suicide est um phénomène complexe, se présentant de différentes manières dans la clinique - em raison du mouvement vers la mort, des tentatives de se suicider et sous la forme la plus extreme, celle du suicide lui-même. Le suicide est compris comme une situation limite dans laquelle la vie est devenue trop douloureuse. L'expérience analytique offre une écoute unique qui permetd' accommoder la douleur du patientet parie que le traitement permet des conséquences possibles et des alternatives pour faire face à la douleur. Dans cet article, nous utilisons comme référence le traumatisme et les effets de la pulsion de mort tels conçus par Freud dans "Au-delà du príncipe de plaisir" et nous recherchons des relations avec les textes de Ferenczi "L'enfant indésirable et as pulsion de mort" et "Confision de langues entre entre adultes etenfants".

Mots-clés: Suicide, Psychanalyse, Traumatisme, Douleur.


RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo discutir el tema del suicidio desde la perspectiva del psicoanálisis. El suicidio es um fenómeno complejo, que se presenta de diferentes maneras em la clínica, debido al movimiento hacia la muerte, em los intentos de quitarse la vida y em la forma más extrema, la del proprio suicidio. El suicidio se entiende como uma situación límite em la que la vida se há vuelto demasiado dolorosa. La experiencia analítica ofrece uma escucha única que puede acomodarse al dolor del paciente y apostar a que el tratamiento permita posibles consecuencias y alternativas para afrontar el dolor. em este artículo utilizamos como referencia el trauma y los efectos de la pulsión de muerte tal como la concibe Freud em "Más allá del principio del placer" y buscamos relaciones com los textos de Ferenczi "El niño no deseado y su pulsión de muerte" y "Confusión de lenguas entre adultos y niños".

Palabras claves: Suicidio, Psicoanálisis, Trauma, Dolor.


 

 

No presente artigo, propomos refletir sobre a clínica do suicídio, destacando nela elementos que se articulam às temáticas da dor psíquica, do ato e do trauma. Durante um processo de análise, o sujeito se lança em uma experiência de falar para um outro sobre seus conflitos, traumas e perdas. Nesse sentido, a dor é a matéria-prima do trabalho analítico e uma das condições para que este aconteça. Um processo de análise é uma travessia, uma passagem necessária pela dor (Fortes, 2014).

Há muitos caminhos para dar vazão ao que sentimos e experimentamos como sofrimento, sendo o registro do ato uma das modalidades possíveis. Este trabalho propõe a reflexão a respeito do suicídio como uma via de descarga de uma dor psíquica insuportável e extrema. Nesses termos, o ato autodestrutivo inclui uma descarga de intensidades em que há um risco de morte e um desligamento da vida. Por outro lado, quando a tentativa de suicídio não efetua o ato de eliminação da vida, há a possibilidade de acolher e escutar a dor intensa que estaria por trás do ato.

A dor psíquica é uma noção que perpassa toda a obra freudiana, tendo um forte impacto nas mudanças conceituais, assim como na escuta da sintomatologia psicanalítica. Desde o "Projeto" (1996/1895), Freud investiga a dor e apresenta aspectos centrais, considerando-a um fenômeno que ultrapassa o limite de eficácia do sistema devido ao excesso de quantidade de energia que irrompe com ela. Dessa maneira, a dor provoca um rompimento/ruptura dos dispositivos de tela de proteção, que têm a função de manter afastado do sistema nervoso as grandes quantidades de energia, tanto exógena quanto endógena. Assim, em decorrência da ruptura das telas de proteção, o sistema vai se esforçar para traçar caminhos para processar aquilo que é sentido como desagradável ou incômodo. Entre as estratégias encontradas para escoar a energia em excesso, estão a tendência à descarga e o recurso à lembrança, ou seja, a imagem mnêmica do objeto que provoca a dor.

Segundo Pontalis (2005), a dor é um fenômeno, em outras palavras, algo que acontece, que irrompe no aparelho psíquico e tem como consequência a ruptura a das barreiras protetoras e um excesso de quantidade de energia. Assim, há uma tendência de descarregar no interior do corpo o que ficou aumentado/tensionado. Para esse autor, dor é implosão: "A dor é violação; ela supõe a existência de limites: limites do corpo, limites do eu; ela produz uma descarga interna, que poderíamos chamar de efeito de implosão" (Pontalis, 2005, p. 268).

Quando um sujeito tenta suicídio, estamos diante de uma situação de extremo sofrimento que produz uma ruptura, uma descontinuidade, uma vez que uma tentativa de suicídio é algo muito marcante na trajetória de vida de alguém. Ao mesmo tempo, esse momento pode, em alguns casos, tornar-se uma abertura para uma possibilidade de um recomeço, e é nessa aposta que uma escuta psicanalítica se inscreve - o termo "recomeço" é utilizado no sentido de que o contexto de fragilidade pode oferecer uma abertura para o sujeito falar sobre o que a desencadeou. Nesse sentido, em uma análise é possível encontrar um caminho para a investigação do que acontece como sujeito no âmbito dos sentimentos, afetos e intensidades. No decorrer do processo, pode-se encontrar e construir alternativas para o enfrentamento da dor.

Nessa modalidade de clínica, é fundamental distinguir a tentativa de suicídio do suicídio que de fato é consumado. A tentativa de suicídio inclui um a posteriori, que pode se dar nessa abertura que mencionamos anteriormente, uma vez que o suicídio não se efetivou. Assim, alguma coisa liga o sujeito à vida, incluindo um segundo tempo, que pode ser acompanhado por um tratamento. Por outro lado, quando há o suicídio propriamente dito, estamos diante da irreversibilidade da morte, não tendo possibilidade de volta ou recuo. Desse modo, os casos de tentativa de suicídio podem chegar posteriormente à clínica, assim como tais atos também podem acontecer no decorrer do processo analítico. Nessa perspectiva, é urgente que os profissionais da saúde reflitam sobre esse tema, que é complexo e mobiliza tantos sentimentos.

Segundo Macedo (2019), a tentativa de suicídio é uma modalidade de passagem ao ato que expressa uma dor psíquica extrema, na qual o "eu" é invadido e atacado por intensidades traumáticas que põem em risco sua existência. A dor psíquica pode ter consequências muito impactantes devido à impossibilidade de nomeá-la. Assim, há forças que o sujeito se vê incapaz de representar e dar sentido. Diante disso, uma tentativa de suicídio pode se apresentar como uma forma de descarregar o excesso por meio de um ato que elimina as tensões.

Para Cassorla (1991), o suicida tenta fugir de uma situação de sofrimento insuportável. De tal modo, a morte se apresenta como uma saída - não pelo desejo da morte em si, mas pelo sofrimento intolerável. Assim, não existe uma única causa para o suicídio. É um evento que inclui uma série de fatores que compõem a história de vida do indivíduo. Dessa forma, é necessário levar em consideração o conjunto de elementos constitucionais, ambientais, culturais, biológicos e psicológicos. Comumente, denomina-se como a causa o último fator da cadeia, ou seja, o que impulsionou ou o que apareceu como motivo último de tal ato. Para além da causa mais imediata, a psicanálise pode contribuir para a compreensão que está em jogo, ao permitir uma aproximação mais aprofundada a respeito do que acontece com um sujeito que pensa em morrer, tenta suicídio ou, mesmo, suicida.

Quando uma tentativa de suicídio ocorre, estamos diante de uma situação de fragilidade da vida, em que o viver se torna por demais penoso e doloroso. Para adentrar e trabalhar conceitualmente esse ato, consideramos fundamental o conceito de pulsão, entendido pela psicanálise como uma pressão energética permanente e constante, uma força espontânea, vital, que percorre o aparelho psíquico e move o humano. Assim, a pulsão nos conduz a buscar a construção de vínculos no sentido da união, assim como pode também nos guiar para caminhos mais violentos e até mesmo autodestrutivos. Dessa forma, a pulsão é um dos conceitos fundamentais da psicanálise e nos auxilia na sustentação de uma clínica do suicídio, em que as intensidades e urgências psíquicas são presentes.

Somos seres pulsionais; tudo o que pensamos e produzimos é movimentado pela pulsão. Freud (1996/1915) define a pulsão como um conceito-limite entre o psíquico e o somático, sendo uma energia que nos impulsiona e está em conexão íntima com o psíquico e o corpóreo. Um de seus destinos possíveis é a volta contra a própria pessoa, contra o próprio eu, que é de interesse para este artigo, uma vez que o suicídio é um ato violento que põe em risco a vida do próprio sujeito.

Freud parte de duas teorias pulsionais. A primeira, apresentada em 1905, é marcada pelo conflito psíquico entre a moral e o sexual, em que as pulsões do eu/de autoconservação e as pulsões sexuais estariam em conflito. Segundo essa ideia, as pulsões do eu buscam a preservação da espécie e as pulsões sexuais buscam a reprodução. Além disso, o recalque e exerce a função de tornar inconsciente a ideia/desejo sexual. A segunda teoria pulsional, formulada em 1920, é a conjugação de pulsão de vida, entendida como o que possibilita o sujeito estabelecer ligações; e a pulsão de morte, como o movimento que permite disjunções e separações.

Seguindo a linha dos aportes teóricos que possam sustentar uma escuta clínica para o sujeito que encontra no suicídio sua melhor saída, consideramos o trauma uma noção fundamental para compreender essa temática e os efeitos causa dos no aparelho psíquico. Essa noção perpassa a teoria psicanalítica e ocupa um lugar de importância em pacientes que vislumbram o suicídio como saída para a dor. Um dos aspectos centrais em relação ao trauma é a capacidade de inibir a simbolização, um dos processos que possibilitam ao sujeito representar, metabolizar as experiências pela via da subjetivação. Nesse sentido, o trauma, pelo ponto de vista do excesso e do irrepresentável, pode ser predominante em situações limite, tal como na problemática do suicídio.

O segundo dualismo pulsional volta, na obra freudiana, a dar destaque à concepção do trauma, noção presente desde o início da psicanálise. Nesses termos, o trauma é um dos principais objetos de investigação do criador desse campo do saber. Rudge (2009) pontua que o trauma retoma um lugar de relevância na atualidade, uma vez que as diversas situações de insegurança, violência, catástrofes e desastres produzem consequências para o psiquismo e para a vida de todos.

Essa autora (Rudge, 2009) realiza uma pesquisa sobre o trauma, destacando as principais concepções psicanalíticas acerca dessa noção. A psicanálise prioriza a singularidade, a escuta de cada sujeito e se apoia na história de vida infantil, que é sempre única. "O trauma não é o acontecimento em si, mas o modo como esse acontecimento incide sobre o psiquismo de alguém e por ele é processado" (Rudge, 2009, p. 8). Assim, podemos pensar que justamente e o fator decisivo para um acontecimento configurar um trauma é a forma como ele é tomado pelo sujeito. Quais os recursos e caminhos possíveis para lidar com um evento? O que torna esse evento um trauma? Mais uma vez, temos o valor da singularidade, no que diz respeito aos processos mentais e como estes podem ser processados pelo sujeito.

Uchitel (2011), em pesquisa a respeito do trauma, aponta que este tem a capacidade de questionar a teoria. Assim, impõe desafios de diversas formas: do lugar da realização de desejos presente nos sonhos, do princípio do prazer como o principal organizador dos processos psíquicos e do papel do conflito defensivo nos quadros clínicos. Além disso, o trauma nos coloca diante dos impasses e limites da interpretação em relação à compulsão à repetição, como também no que diz respeito à metapsicologia do funcionamento psíquico. Dessa forma, o traumático inclui um trabalho de pensar nas relações e integrações entre o dentro e o fora, psiquismo e corpo, como também nos diversos níveis da realidade humana, entre eles o físico, o psíquico e o químico.

Segundo a autora supracitada, os efeitos devastadores da Primeira Guerra Mundial fizeram com que Freud se debruçasse sobre as neuroses de guerra, evidenciando o trauma na forma da "neurose traumática", o que deu subsídios para o desenvolvimento da ideia de um "além do princípio do prazer". Assim, a "neurose traumática" apresenta uma especificidade em seus sonhos traumáticos, o que nos ajuda a compreender a repetição dos mesmos destinos, da compulsão repetitiva e dos processos que ocorrem no campo fora do princípio do prazer, ou seja, dominado pela pulsão de morte.

Vimos como o ser pulsional tende a buscar o equilíbrio entre o interior e o exterior que nos afeta e oferece muitos estímulos. Nesse sentido, a descarga ocupa uma função para as excitações internas e a fuga para as excitações externas. Contudo, na condição traumática, essa resposta não é possível, essa falha impede que o princípio de constância as segure o princípio do prazer. Assim, há um perigo decorrente do aumento do fluxo de excitação a mais, isto é, além do que é tolerável. A impossibilidade de responder por meio da luta e d da fuga provoca uma situação de paralisia. É nesse viés que o trauma é considerado excesso, surpresa, bloqueio e uma ameaça à vida. Além disso, podemos dizer que a falha do princípio do prazer e de constância encontra-se na base da teoria econômica do trauma.

Neste artigo, portanto, pretende-se pensar a respeito do suicídio com base em alguns aportes teóricos da psicanálise. O trauma será um conceito trabalhado com base no segundo dualismo pulsional, formulado no "Além do princípio de prazer", assim como seus desdobramentos na teoria ferencziana, no que se refere aos efeitos da pulsão de morte. Assim, buscas e relacionar o trauma com a situação de extrema fragilidade e ausência de recursos psíquicos no qual o suicídio está situado.

 

O trauma e a compulsão à repetição

Na esteira dos textos metapsicológicos de Freud, recorreremos ao texto "Além do princípio de prazer", no qual o autor apresenta novos aspectos sobre o funcionamento psíquico, formulando uma nova concepção da vida mental como segundo dualismo pulsional-as pulsões de vida e de morte que atuam em todos nós-e expõe a compulsão à repetição como um fenômeno clínico. Somado a isso, temos o tema da destrutividade, que é fundamental para a psicanálise, campo do saber que, desde sua inauguração, articula-se com a clínica. A experiência cultural e social d da guerra, somada ao contexto pessoal d de Freud, que vivia um câncer há muitos anos, contribuíram para a construção do conceito de pulsão de morte. Assim, esse conceito carrega a ideia de que há algo no humano que o move para a destruição, sendo considerado uma força primária.

Segundo Freud (1996/1920), o aparelho psíquico está, o tempo todo, suscetível a sentimentos de prazer e desprazer. A relação com o mundo externo, com o outro e a nossa própria capacidade de assimilar/processar estímulos e eventos faz com que tenhamos contato com diferentes níveis de tensão. Assim, esses diferentes níveis de tensão podem produzir sentimentos de prazer e de desprazer, questão associados à quantidade de excitação. Dessa forma, temos o ponto de vista econômico como um elemento importante na regulação do aparelho psíquico.

Os sentimentos de prazer e desprazer são dominados por princípios que controlam os processos mentais. Antes da formulação de um "além do princípio de prazer", acreditava-se que havia um esforço em manter a excitação mais baixa possível ou constante. Seguindo essa ideia, o aumento da quantidade é sentido como desagradável e contrário ao funcionamento do aparelho. Nesse sentido, o princípio de prazer decorreria do princípio de constância, tal como exposto no princípio de Fechner, em que, supostamente, haveria uma tendência na direção da estabilidade. Porém, Freud (1996/1920, p. 19) contraria a ideia de uma predominância do princípio de prazer no curso dos processos mentais:

Deve-se, contudo, apontar que, estritamente falando, é incorreto falar na dominância do princípio de prazer sobre o curso dos processos mentais. Se tal dominância existisse, a imensa maioria de nossos processos mentais teria de ser acompanhada pelo prazer ou conduzir a ele, ao passo que a experiência geral contra diz completamente uma conclusão desse tipo.

A ideia de que o objetivo do aparelho psíquico seria buscar o prazer e evitar o desprazer esteve presente desde o início da psicanálise. Assim, tal formulação se sustentava pela hipótese de que o aparelho tenta manter a energia mais baixa possível ou atingir uma constância. Contudo, por meio de observações pessoais e situações clínicas em que o desprazer era predominante no curso dos processos mentais, o criador da psicanálise começou a perceber que em algumas circunstâncias o psiquismo não consegue submeter seus processos ao princípio de prazer. Nesse sentido, o princípio de prazer é considerado um método primário de funcionamento do aparelho, porém, tem limitações na relação com o mundo externo, ameaçando a autopreservação e, por esse motivo, é substituído pelo princípio de realidade. Nas palavras de Freud (1996/1920, p. 20),

Sob a influência dos instintos de autopreservação do ego, o princípio de prazer é substituído pelo princípio de realidade. Este último princípio não abandona a intenção de fundamentalmente obter prazer; não obstante, exige e efetua o adiamento da satisfação, o abandono de uma série de possibilidades de obtê-la, e a tolerância temporária do desprazer como uma etapa no longo e indireto caminho para o prazer.

O quadro clínico nomeado por Freud (1996/1920) de "neurose traumática" demonstra a força da fixação na situação do trauma. Primeiramente, vinculado a acidentes ao contexto da guerra, os sintomas que retornam, nesse caso, expressam a presença e a atualidade do traumático. Rudge (2009) pontua que as neuroses de guerra, provenientes dos campos de batalha, desencadearam o interesse dos psicanalistas da época pelas neuroses traumáticas. Assim, os acontecimentos históricos tiveram consequências cruciais para a teoria do trauma e para a psicanálise como um todo. Os sonhos das neuroses traumáticas distanciam-se da realização de desejo e trazem de volta o momento do acidente. Destarte, o elemento marcante na neurose traumática é a fixação quando o trauma ocorreu.

Segundo Rudge (2009), as neuroses traumáticas desencadeadas no pós-guerra têm como característica principal uma fixação no momento do acidente. Tal evento passa a ser revivido e reeditado nos sonhos, ressurgindo como ataques que parecem colocar o sujeito novamente na situação do trauma. A repetição da experiência é tão forte que se assemelha a uma alucinação do acontecimento traumático, o que ficou conhecido atualmente como flashback. Tal sintoma não é de fato alucinatório, uma vez que o sujeito sabe que o trauma não está acontecendo novamente.

Rudge (2009) ressalta que, no caso das neuroses de guerra, há uma relação direta com um perigo externo. Para tentar compreender o motivo pelo qual muitos soldados adoeceram, podemos ter como hipótese, à luz do pensamento freudiano, que na neurose traumática ocorre uma cisão do eu, uma divisão intensa entre a vida do sujeito antes e depois do combate na guerra. Nesse caso, temos uma diferença importante em relação à histeria, pois o acontecimento traumático em questão é recente e não remete a uma experiência infantil.

No que diz respeito aos sintomas presentes na neurose traumática, estes são causados por acontecimentos da vida adulta, e a neurose que se apresenta não apresenta ligações com o passado do sujeito. Contudo, é fundamental ressaltar que aquele que apresenta uma neurose traumática também é marcado pelas vivências infantis, sendo assim, precisamos considerá-las para entender as implicações dos acontecimentos traumáticos na vida do sujeito.

O trauma é, pois, o impacto de um acontecimento sobre um psiquismo singular, e o solo constituído pela história passada do sujeito na determinação do significado que esse acontecimento assume para ele não pode ser desconsiderado, seu mundo de fantasias deve ser levado em conta. Entretanto, são as experiências recentes, que não se consegue assimilar nem esquecer, que são determinantes na constituição dos sintomas, até mesmo da forma que assume um reviver incessante (Rudge, 2009, p. 43).

Nesse momento teórico, Freud (1996/1920) está voltado para as observações clínicas que indicam a repetição de situações desprazerosas. Além da neurose traumática, temos a brincadeira das crianças, que por meio do jogo expressam experiências traumáticas, entre elas os períodos em que os cuidadores estão ausentes. O Fort-da, a brincadeira de desaparecimento e retorno, inclui um prazer de outra ordem, o prazer de se vingar daquele que o abandonou. Nesse sentido, a experiência de desprazer do abandono encontra caminho de expressão pela via do brincar. Nas palavras do autor, "Isso constitui prova convincente de que, mesmo sob a dominância do princípio de prazer, há maneiras e meio suficientes para tornar o que em si mesmo é desagradável num tema a ser rememorado e elaborado na mente" (Freud, 1996/1920, p. 28).

Freud (1996/1920) começa a perceber que a repetição é algo muito marcante na análise dos pacientes neuróticos. Com isso, nomeia esse fenômeno de "compulsão à repetição", sendo um elemento presente durante o tratamento. "É claro que a maior parte do que é reexperimentado sob a compulsão à repetição, deve causar desprazer ao ego, pois traz à luz as atividades dos impulsos instintuais reprimidos" (p. 31). A resistência aos conteúdos inconscientes funciona sob a influência do princípio de prazer, que tende a evitar o desprazer que seria produzido pelo acesso ao reprimido. "Nossos esforços, por outro lado, dirigem-se no sentido de conseguir a tolerância desse desprazer por um apelo ao princípio de realidade" (p. 31).

Segundo Freud (1996/1920), não é o reprimido que oferece resistência ao andamento do tratamento, uma vez que este exerce uma pressão para que o conteúdo inconsciente e encontre caminho pela consciência e possa ser descarregado por meio de uma ação. "A resistência durante o tratamento origina-se dos mesmos estratos e sistemas mais elevados da mente que originalmente provocam a repressão" (p. 30).

Sob a pressão da compulsão à repetição estão as experiências que não contêm possibilidade de prazer (algumas têm também prazer, como o Fort-da), ou seja, experiências que repetem o campo doloroso. Por meio desse fato, temos também uma limitação para a capacidade de recordar o material reprimido. Nesse sentido, o paciente não consegue recordar todo o material reprimido e justamente essa parte pode ser a essencial, podendo vir em forma de repetição. "É obrigado a repetir o material reprimido como se fosse uma experiência contemporânea, em vez de, como o médico preferiria ver, recordá-lo como algo pertencente ao passado" (Freud, 1996/1920, p. 29).

Freud (1996/1920) relembra algumas situações comuns em que homens e mulheres repetem a mesma situação de forma passiva e que a consequência é sempre a mesma. Essa repetição, o mais do mesmo, a "perpétua recorrência da mesma coisa" (p. 33), chama a atenção pelo nível de dominação da compulsão à repetição. "É o caso, por exemplo, da mulher que se casou sucessivamente com três maridos, cada um dos quais caiu doente logo depois e teve que ser cuidado por ela em seu leito de morte" (p. 33). Dessa forma, Freud postula a existência em nossa mente de uma compulsão à repetição que nos faz questionar a dominância do princípio de prazer. Assim, essa compulsão estaria relacionada com os sonhos das neuroses traumáticas e com a brincadeira das crianças. A hipótese de que uma compulsão à repetição opera em nossa mente aponta para algo mais primitivo e elementar do que o princípio de prazer.

Segundo Freud (1996/1920), a consciência seria uma das funções dos processos mentais presentes no aparelho psíquico. O sistema consciente tem a capacidade de receber as percepções do mundo externo e é no interior do aparelho psíquico que surgem os sentimentos de prazer e desprazer. Temos a tendência a relacionar consciência com memória, contudo, Freud (1996/1920, p. 35) marca uma diferença importante entre elas:

A consciência não é o único caráter distintivo que atribuímos aos processos desse sistema. Com base em impressões derivadas de nossa experiência psicanalítica, supomos que todos os processos excitatórios que ocorrem nos outros sistemas deixam atrás de si traços permanentes, os quais formamos fundamentos da memória. Tais traços de memória, então, nada têm a ver com o fato de se tornarem conscientes; na verdade, com frequência são mais poderosos e permanentes quando o processo que os deixou atrás de si foi um processo que nunca penetrou na consciência.

Diante dessas descobertas, Freud (1996/1920) se utiliza do modelo da vesícula para expressar o impacto dos estímulos externos no sistema. Nesse sentido, há uma parte da substância que está em contato com a estimulação que vem de fora e começa a ter como função, principalmente, a recepção dos estímulos. Como a estimulação é muito intensa, torna-se fundamental a formação de um escudo protetor contra os estímulos. Esse escudo tem como função preservar a energia para que o sistema não seja dominado pelas enormes energias que agem no mundo externo e podem ser ameaçadoras se até mesmo levar à destruição. Essa barreira contra os estímulos externos é fundamental para a preservação da vida: "A proteção contra os estímulos é, para os organismos vivos, uma função quase mais importante do que a recepção deles" (p. 38). Por outro lado, no que diz respeito às excitações internas, não podemos contar com essa proteção:

No sentido do interior, não pode haver esse escudo; as excitações das camadas mais profundas estendem-se para o sistema diretamente e em quantidade não reduzida, até onde algumas de suas características dão origem a sentimentos da série prazer-desprazer. As excitações que provêm de dentro, entretanto, em sua intensidade e em outros aspectos qualitativos - em sua amplitude, talvez -, são mais comensuradas com o método de funcionamento do sistema do que os estímulos que afluem desde o mundo externo. (Freud,1996/1920, p. 39).

Segundo Freud (1996/1920), essas condições resultam em duas situações definidas. A primeira delas é que os sentimentos de prazer e desprazer predominam sobre os estímulos externos; a segunda é a utilização de uma forma específica de lidar com as excitações internas que são desprazerosa - há uma propensão a tratá-las como se atuassem não de dentro, mas de fora, colocando o escudo contra os estímulos em trabalho, como forma de defesa contra elas. Para o autor, essa é a origem da projeção, mecanismo presente em grande parte dos processos patológicos.

Assim, o trauma pode ser considerado uma excitação que vem de fora e tem o poder de atravessar o escudo protetor, o que implica em um rompimento da barreira contra os estímulos externos. Nesse momento, podemos aproximar a noção de trauma de excesso, daquilo que produz ruptura e corte dos escudos e barreiras de proteção em nosso psiquismo:

Um acontecimento como um trauma externo está destinado a provocar um distúrbio em grande escala no funcionamento da energia do organismo e a colocar em movimento todas as medidas defensivas possíveis. Ao mesmo tempo, o princípio de prazer é momentaneamente posto fora de ação. Não há mais possibilidade de impedir que o aparelho mental seja inundado com grandes quantidades de estímulos; em vez disso, outro problema surge, o problema de dominar as quantidades de estímulo que irromperam, e de vinculá-las no sentido psíquico, afim de que elas possam desvencilhar. (Freud,1996/1920, p. 40).

O aparelho psíquico tem uma capacidade de receber energia nova e convertê-la em catexia quiescente, ou seja, energia que passa a ser vinculada psiquicamente. Assim, o sistema trabalha no sentido de tentar fazer ligações psíquicas, uma vez que a energia desligada atrapalha seu funcionamento e se torna um problema. Nas palavras de Freud (1996/1920, p. 41),

Quanto mais alta a própria catexia quiescente do sistema, maior parece ser a sua força vinculadora; inversamente, entretanto, quanto mais baixa a catexia, menos capacidade terá para receber o influxo de energia e mais violentas serão as consequências de tal ruptura no escudo protetor contra estímulos.

No que tange às energias que o aparelho psíquico está exposto e precisa lidar, Freud (1996/1920) indica que há dois tipos; uma delas flui livremente e tende a pressionar na direção da descarga e uma catexia quiescente, ligada psiquicamente. Podemos vislumbrar que quando a energia é ligada psiquicamente há um trabalho do aparelho de vinculação a alguma representação, o que impede que a energia fique solta e desconexa, o que poderia pressionar mais ainda, gerando mais tensão. Assim, Freud se aproxima da ideia de que a descarga estaria relacionada com um processo que se dá sem a participação do aparelho mental, que pode permitir respostas mais disruptivas. Nas palavras do autor, "Tampouco os fenômenos muito violentos de descarga a que o sofrimento dá origem influenciam nossa explicação, porque ocorrem de maneira reflexa, ou seja, decorrem sem a intervenção do aparelho mental" (p. 41).

Freud (1996/1920) considera a neurose traumática como uma resposta de uma ruptura muito grande que foi causada no escudo protetor contra os estímulos externos. Dessa forma, percebemos uma relação com a ideia de choque, de um impacto muito intenso que deixa marcas no sistema, que não consegue se proteger de tal invasão. Além disso, nesse momento, o susto é considerado um elemento importante nas situações de violência e que pode ameaçar a vida do sujeito. "E atribuímos ainda importância ao elemento de susto. Ele é causado pela falta de qualquer preparação para a ansiedade" (p. 42).

Segundo Freud (1996/1920), a preparação para o estado de ansiedade e a hipercatexia dos sistemas receptivos de estímulos constituem os últimos recursos de defesa do escudo contra estímulos. Com isso, temos a preparação do sistema psíquico como um fator decisivo para as situações traumáticas, o que indica que temos sistemas despreparados para lidar com o aumento de energia; contudo, nas situações em que a intensidade do trauma é excessiva e ultrapassa o limite, não há preparo que seja suficiente para suportar e evitar a ruptura do escudo protetor.

Nesse sentido, o exemplo dos sonhos que ocorrem na neurose traumática é utilizado, uma vez que este não representa uma realização de desejo. Quando o sonho tem como função a realização de desejo, esta é ocasionada por alucinação e está sob a dominância do princípio de prazer. Por outro lado, os sonhos das neuroses traumáticas não estão a serviço desse princípio, já que levam o sujeito de volta justamente para a experiência traumática. Nesse caso, esses sonhos estão tentando dominar retrospectivamente o estímulo, sendo algo anterior à dominância do princípio de prazer. Além disso, o sonho tem como tendência expressar a ansiedade que não se manifestou previamente à situação traumática. A ansiedade aqui poderia proteger o sujeito do trauma, sendo a omissão da ansiedade uma das causas da neurose traumática. Assim, esses sonhos e aqueles que ocorrem durante o tratamento e levam o sujeito aos traumas infantis acontecem em sujeição à compulsão à repetição.

Segundo Freud (1996/1920), o processo primário encontrado no inconsciente estaria relacionado com a catexia livre, que pressiona no sentido da descarga. Já o processo secundário, presente em nossa vida de vigília, estaria relacionado com a catexia vinculada. Assim, seria a função dos estratos mais elevados do aparelho psíquico sujeitar a excitação instintual que atinge o processo primário; no entanto, um fracasso em realizar essa sujeição poderia desencadear um distúrbio semelhante a uma neurose traumática. "Até então, a outra tarefa do aparelho mental, a tarefa de dominar ou sujeitar as excitações, teria precedência, não, na verdade, em oposição ao princípio de prazer, mas independentemente dele e, até certo ponto, desprezando-o" (p. 46).

No que tange ao tema da repetição, podemos pensar em sua relação com o pulsional. Nesta tradução, foi utilizado o termo "instinto", mas aqui tomo como preferência a utilização de "pulsional" ou "pulsão" no lugar de instinto. Assim, há uma parte do pulsional conservador a que impele a repetir aquilo que já é conhecido. "No momento, porém, é tentador perseguir até sua conclusão lógica a hipótese de que todos os instintos tendem à restauração de um estado anterior de coisas" (Freud,1996/1920, p. 48). A hipótese de que uma parte de nossas pulsões tende a conservar o estado anterior de coisas nos aproxima da ideia de que a vida caminha para um lugar comum, que é a morte. "O que nos resta é o fato de que o organismo deseja morrer apenas do seu próprio modo" (p.50).

Diante de tantos fenômenos que sugerem a atração pelo sofrimento e a repetição de situações desprazerosas, Freud (1996/1920) reformula a teoria postulando o segundo dualismo pulsional - composto pelas pulsões de vida e pulsões de morte. As pulsões de vida estão ligadas às pulsões sexuais, no sentido de que têm o potencial de encontrar outras células germinais e gerarem novas células. Além disso, são conservadores, na medida em que preservam a vida por um período mais longo. Por outro lado, há as pulsões que têm como intuito a morte.

É como se a vida do organismo se movimentasse num ritmo vacilante. Certo grupo de instintos se precipita como que para atingir o objetivo final da vida tão rapidamente quanto possível, mas, quando determinada etapa no avanço foi alcançada, o outro grupo a tira-se para trás até um certo ponto, a fim de efetuar nova saída e prolongar assim a jornada. (Freud,1996/1920, p. 51).

Assim, Freud (1996/1920, p. 57) postula duas espécies de pulsões, as pulsões de vida e as pulsões de morte: "aqueles que procuram conduzir o que é vivo à morte, e os outros, os instintos sexuais, que estão perpetuamente tentando e conseguindo uma renovação da vida". Freud utiliza como base a teoria de E. Hering para sustentar a presença das duas pulsões no humano, sendo uma delas responsável por uma função construtiva e assimilatória e a outra destrutiva e dissimilatória. O princípio de Nirvana, tal como pensado por Barbara Low, é utilizado por Freud para expressar a tendência do aparelho psíquico a reduzir as tensões ao nível mais baixo possível, mantendo o sistema livre das tensões. Esse princípio sustenta a ideia de que o nível zero de tensão pode ser atingido, sendo dominado pelas pulsões de morte. Podemos vislumbrar, a partir dessa reflexão, uma aproximação desse zero de tensão com situações clínicas em que o sujeito tenta escapar da dor e de qualquer tipo de tensão, como é o caso de pacientes que tentam suicídio. O princípio de Nirvana constitui

A tendência dominante da vida mental e, talvez, da vida nervosa em geral, é o esforço para reduzir, para manter constante ou para remover a tensão interna devida aos estímulos (o "princípio de Nirvana", para tomar de empréstimo uma expressão de Barbara Low [1920,73]), tendência que encontra expressão no princípio de prazer, e o reconhecimento desse fato constitui uma de nossas mais fortes razões para acreditar na existência dos instintos de morte. (Freud,1996/1920, p. 66).

No primeiro momento, Freud (1996/1920) aponta para um dualismo entre as duas pulsões existentes no sujeito. A ideia de dualismo transmite muito mais algo próximo a uma separação entre ambas e remete à ideia de conflito. Contudo, ao longo da formulação teórica, Freud ressalta que há uma conjunção entre elas, estando juntas no humano o tempo todo. "Se, portanto, não quisermos abandonar a hipótese dos instintos de morte, temos de supor que estão associados, desde o início, com os instintos de vida" (p. 67).

Uma das questões centrais lançadas nesse texto é a respeito do lugar do princípio do prazer na dinâmica psíquica quando falamos de experiências desprazerosas que insistem em reatualizar o trauma. Muitos processos da vida mental acontecem independentemente do princípio do prazer. Assim, tal princípio passa a ser pensado como "O princípio de prazer, então, é uma tendência que opera a serviço de uma função, cuja missão é libertar inteiramente o aparelho mental de excitações, conservar a quantidade de excitação constante nele, ou mantê-la tão baixa quanto possível" (Freud,1996/1920, p.73).

Outro elemento importante destacado por Freud (1996/1920) é que as pulsões de vida teriam mais relação com a percepção interna, produzindo tensões e excitações que rompem com o equilíbrio, mas o alívio é sentido como prazer. Já as pulsões de morte são mais discretas pela via da consciência e da percepção interna, tendo menor potencial para serem notados. A pulsão de morte é tida como silenciosa, na medida em que não está ligada à representação.

O princípio de prazer parece, na realidade, servir aos instintos de morte. É verdade que mantém guarda sobre os estímulos provindos de fora, que são encarados como perigos por ambos os tipos de instintos, mas se acha mais especialmente em guarda contra os aumentos de estimulação provindos de dentro, que tornariam mais difícil a tarefa de viver. (Freud,1996/1920, p.74).

Nesse sentido, a pulsão de morte é constitutiva do humano, uma vez que a agressividade é necessária para a vida. Podemos pensar que no caso de pacientes que tentam suicídio há uma tendência aumentada para a face autodestrutiva da pulsão de morte, no sentido do esvaziamento e de levar a zero as tensões. Assim, é importante construirmos formas de mediar essas forças primárias e intensidades para que a pulsão de morte encontre destinos mais razoáveis.

 

A noção de trauma em Ferenczi

O tema do trauma é central na obra do psicanalista húngaro Ferenczi, discípulo de Freud, que ficou conhecido pelos tratamentos de pacientes "difíceis", que, contemporaneamente a Freud, já ousava experimentar com psicóticos, somatizadores e criminosos (Ferraz, 1998). Esses pacientes considerados "difíceis" trazem em seus casos a marca do trauma. Aqui, estamos diante de uma fragilidade que aponta para um curto-circuito na ordem da simbolização e do modo de pensar associativo. Além disso, pode-se constatar que a interpretação, do lado da técnica usada pelo psicanalista, pode não ter aqui efetividade e, até mesmo, ser vivida na forma de uma invasão. Ferenczi atuava com pacientes hospitalizados, o que o levou a fazer do trauma ferramenta teórico-clínica central em suas teorizações. Nesse sentido, o trauma pode ser compreendido como algo que provoca um movimento, podendo ser tanto estruturante como desestruturante.

O trauma no sentido estruturante é aquele movimento de pressão, de saída, comum a todo ser humano, o que indica a presença da realidade. Já o trauma desestruturante diz respeito às experiências traumáticas que não puderam ser elaboradas, provocando muito sofrimento para o paciente. Dessa forma, a perda da onipotência é traumática, porém, é fundamental, uma vez que indica um limiar para sustentar as frustrações que a realidade impõe. Nesse sentido, podemos pensar que um certo nível de desprazer pode ser estruturante, mas o excesso pode causar invasão.

Em seu texto "A criança mal acolhida e sua pulsão de morte", Ferenczi (1992/1929) expõe alguns sintomas psicossomáticos graves e o histórico de tentativas de suicídio apresentados por pacientes, interpretando-os a partir das manifestações da pulsão de vida e da pulsão de morte. O autor relaciona tais sintomas com as dificuldades do acolhimento das crianças na família, ou seja, crianças que foram "hóspedes não bem-vindos" na família poderiam apresentar uma perturbação da "vontade de viver". Durante sua experiência de trabalho em um hospital militar, no período da guerra, atendeu casos de pacientes que tinham crises epiléticas típicas, o que lhe possibilitou compreender mais a fundo as manifestações e os efeitos da pulsão de morte. Além dos sintomas epiléticos, identificou também na asma brônquica sinais de tendências inconscientes de autodestruição. Nesse sentido, podemos perceber em algumas situações clínicas a presença de um destroçamento pulsional, o que leva a uma disposição aumentada para a atuação das pulsões de morte com seus efeitos mortíferos, como nos impulsos suicidas. "Todos esses sintomas condiziam bem, na ocasião, com a tendência psíquica geral dos pacientes que tinham de lutar muito contra tendências suicidas" (Ferenczi,1992/1929, p. 56-57).

A partir da observação desses fenômenos clínicos, Ferenczi (1992/1929) dedicou-se a buscar o que poderia ter conexão com tais manifestações sintomáticas intensas e graves. Assim, recolhendo elementos da história de vida pregressa, ou seja, de antes mesmo do nascimento e de como foi a vinda dessas crianças ao mundo, começou a perceber que havia um traço em comum nos casos que havia atendido na época: "Quando vieram ao mundo, os dois pacientes foram hóspedes não bem-vindos na família" (Ferenczi,1992/1929, p. 57).

Nesse sentido, os cuidadores dessas crianças não puderam acolhê-las com o amor, o cuidado e a ternura que precisavam. Há muitos motivos pessoais e do contexto de vida que podem dificultar que os adultos possam se disponibilizar afetivamente para desempenhar o cuidado e o acolhimento que as crianças precisam. Assim, a qualidade do encontro com a criança em seus primeiros momentos de vida é determinante para o sentimento de confiança e de vontade de viver. Dessa forma, a maneira como os cuidadores puderam acolhê-los afetou o sentido e a vontade de viver.

Todos os indícios confirmam que essas crianças registraram bem os sinais conscientes e inconscientes de aversão ou de impaciência da mãe, e que sua vontade de viver viu-se desde então quebrada. Os menores acontecimentos, no decorrer da vida posterior, eram bastantes para suscitar nelas a vontade de morrer, mesmo que fosse compensada por uma forte tensão da vontade. Pessimismo moral e filosófico, ceticismo e desconfiança, tornaram-se os traços de caráter mais salientes desses indivíduos. (Ferenczi,1992/1929, p. 57).

Ferenczi (1992/1929) aponta para a importância do ambiente na construção da base afetiva com a qual a criança pode contar ao longo de seu crescimento. Nos primeiros anos de vida, a criança apresenta uma vulnerabilidade marcante, uma vez que precisa de um outro que possa atender às suas necessidades. A qualidade dos encontros afetivos produz efeitos no sentimento que pode ser nutrido pela vida. O autor escreve: "A criança deve ser levada, por um prodigioso dispêndio de amor, de ternura e de cuidados, a perdoar aos pais por terem-na posto no mundo sem lhe perguntar qual era a sua intenção, pois, caso contrário, as pulsões de destruição logo entram em ação" (p. 58). O autor complementa essa reflexão com a seguinte hipótese: "Eu queria apenas indicar a probabilidade do fato de que crianças acolhidas com rudeza e sem carinho morrem facilmente e de bom grado. Ou utilizam um dos numerosos meios orgânicos para desaparecer rapidamente ou, se escapam a esse destino, conservarão um certo pessimismo e aversão à vida" (Ferenczi,1992/1929, p. 58).

O estado de vulnerabilidade dos primeiros anos de vida é significativo e pode levar a uma tendência aumentada das pulsões autodestrutivas e a um desligamento da vida. O bebê recém-nascido estaria, assim, mais suscetível às manifestações da pulsão de morte em sua face autodestrutiva por depender de um ambiente e que possa atender às suas necessidades. "E, no fundo, não há motivos de espanto, uma vez que o bebê, ao contrário do adulto, ainda se encontra muito mais perto do não ser individual, do qual não foi afastado pela experiência da vida. Deslizar de novo para esse não ser poderia, portanto, nas crianças, acontecer de um modo muito mais fácil" (Ferenczi,1992/1929, p. 58).

Nesse sentido, podemos perceber como as pulsões estão interligadas e se relacionam de forma visceral desde o começo da vida. Assim, a qualidade da presença afetiva do ambiente primário é a possibilidade da construção de um ego que sustente um psiquismo, servindo como base para que se construa o "prazer de viver", equilibrando as forças autodestrutivas com as pulsões de vida. Ferenczi (1992/1929, p. 59) assevera que

A "força vital" que resiste às dificuldades da vida não é, portanto, muito forte no nascimento; segundo parece, ela só se reforça após a imunização progressiva contra os atentados físicos e psíquicos, por meio de um tratamento e de uma educação conduzidos com tato. De acordo com o declínio da curva de morbidez e de mortalidade na meia-idade, a pulsão de vida poderia, na maturidade, contrabalançar as tendências para a autodestruição.

O traumatismo muito precoce tem consequências significativas na expressão do sentimento de prazer na vida. As "crianças não bem-vindas" na família encontram caminhos mais difíceis de acolhimento em seu ambiente, o que no decorrer de suas trajetórias pode se manifestar em um comprometimento do potencial de adaptação às situações e circunstâncias que perpassam nossa trajetória. Além disso, pode-se observar também uma relação mais próxima com a morte devido ao achatamento do sentido da vida. Tal como escrito pelo psicanalista húngaro,

Aqueles que perdem tão precocemente o gosto pela vida apresentam-se como seres que possuem uma capacidade insuficiente de adaptação, semelhantes àqueles que, segundo a classificação de Freud, sofrem de uma fraqueza congênita de sua capacidade de viver, com a diferença, porém, de que nos nossos casos, o caráter congênito da tendência mórbida é simulado, em virtude da precocidade do trauma. (Ferenczi,1992/1929, p. 59).

Também, em "Confusão de língua entre os adultos e a criança", a concepção do trauma é central, vista pela via da repetição na forma compulsiva em termos de pulsão de morte. Nesse momento da teoria, o psicanalista húngaro postula duas linguagens que perpassam o mundo da criança, sendo a linguagem da paixão relacionada aos adultos e a linguagem da ternura relacionada ao mundo infantil. Assim, a linguagem da ternura é, em algumas ocasiões, invadida pela linguagem passional que se impõe em um ser que se expressa com ternura.

Partindo de sua experiência clínica com pacientes que repetiam, em análise eventos traumáticos, Ferenczi (1992/1933) aponta para a importância de o analista ficar atento à hipocrisia profissional. Os pacientes tocam em pontos inconscientes do analista e, para o autor, é importante que o analista possa reconhecê-lo sem seu paciente, expressando suas falhas de forma sincera, o que transmite confiança ao paciente. "Essa confiança é aquele algo que estabelece o contraste entre o presente e um passado insuportável e traumatogênico" (p. 114-115). A diferença entre esses tempos e a forma como o que aconteceu pode ser acolhida no presente permite que o circuito da repetição seja interrompido e, assim, o paciente pode ter acesso à experiência pela via da lembrança. Destarte, uma análise que se dá de forma fria e distante reatualizaria experiências traumáticas infantis. "A situação analítica, essa fria reserva, a hipocrisia profissional e a antipatia a respeito do paciente que se dissimula por trás dela, e que o doente sente com todos os seus membros, não difere essencialmente do estado de coisas que outrora, ou seja, na infância, o fez adoecer" (Ferenczi,1992/1933, p. 114).

Nas experiências traumáticas, o mecanismo de defesa que entra em ação pode ser a clivagem, marcada por uma dificuldade, no que diz respeito ao acesso aos conteúdos traumáticos. Na clivagem, ocorre uma cisão, uma separação intensa do material e, assim, o uso da associação livre não é suficiente para que o paciente possa fazer conexões e ligações internas. Nesse sentido, a clivagem é diferente do recalque, que é um mecanismo de defesa de um ego mais maduro e formado. O recalque dá notícias do material inconsciente, uma vez que ele retorna, perturba e escapa.

Se mantemos uma atitude fria e pedagógica, mesmo na presença de um paciente e mopistótonos, quebramos o último vínculo que nos liga a ele. O paciente sem consciência é afetivamente, em seu transe, como uma criança que não é mais sensível ao raciocínio, mas, no máximo, à benevolência (Freundlichkeit) materna. Se essa benevolência vier a faltar, a criança vê- se sozinha e abandonada na mais profunda aflição, isto é, justamente na mesma situação insuportável que, num certo momento, a conduziu à clivagem psíquica e, por fim, à doença. (Ferenczi,1992/1933, p. 115).

Podemos perceber, assim, que as contribuições ferenczianas consideram a primeira teoria freudiana do trauma da sedução, no qual ele é um agente externo. Além disso, a segunda teoria do trauma se baseia no excesso que invade o aparelho psíquico e não consegue ser representado. Dessa maneira, o psiquismo está em permanente trabalho de simbolização, porém, o excesso não consegue ser ligado, sendo o risco do desligamento oriundo da pulsão de morte. No que tange ao trauma sexual, Ferenczi (1992/1933, p. 116) afirma que "As seduções incestuosas produzem-se habitualmente assim: um adulto e uma criança amam-se; a criança tem fantasias lúdicas, como desempenhar um papel maternal em relação ao adulto. O jogo pode assumir uma forma erótica, mas conservar-se, porém, sempre no nível da ternura".

O trauma sexual é vivenciado como uma violação, algo que fica muito confuso para a criança, algo indizível. Esse primeiro momento é marcado pelo campo relacional em que um adulto e uma criança se amam. Sabemos que a criança tem uma sexualidade que é diferente da sexualidade do adulto. O adulto tem um papel de agente provocador e, diante disso, a criança fica confusa, podendo viver esse momento como uma experiência de estar fora de si, uma espécie de despersonalização.

As crianças sentem-se física e moralmente sem defesa, sua personalidade é ainda frágil demais para poder protestar, mesmo em pensamento, contra a força e a autoridade esmagadora dos adultos que as emudecem, podendo até fazê-las perder a consciência. Mas esse medo, quando atinge seu ponto culminante, obriga-as a submeter-se automaticamente à vontade do agressor, a adivinhar o menor de seus desejos, a obedecer esquecendo-se de si mesmo, e a identificar-se totalmente como agressor. (Ferenczi,1992/1933, p. 117, grifos do autor).

No trauma muito precoce, a criança não tem como reagir diretamente ao agressor, mas reage anulando alguma coisa de si mesma. Assim, ela pode se identificar com aquele que a violentou por introjeção. "Por identificação, digamos, por introjeção do agressor, este desaparece enquanto realidade exterior, e torna-se intrapsíquico" (Ferenczi, 1992/1933, p.117). Podemos perceber a precariedade desse recurso, que implica em um mimetismo, sendo um mecanismo de defesa que tira o agente causador do trauma da cena. Assim, a criança passa a acreditar que foi ela quem provocou a reação no adulto, sentindo-se culpada, podendo achar que deve ser punida por algo que não fez.

Mais uma vez, percebemos que a criança se encontra em uma situação de vulnerabilidade e desamparo, principalmente nos momentos em que o adulto perde a noção de dissimetria. Com isso, a criança busca em outro adulto algum sentido para a experiência agressiva e indizível do trauma, o que também mostra que há esperança em sair do estado de confusão mental anterior. Contudo, nem sempre esse outro adulto pode lhe dar o acolhimento e reconhecer a sua dor. O tempo do testemunho implica em uma capacidade de escuta, de sensibilidade. Assim, o trauma ocorre no fracasso do testemunho, do reconhecimento do que aconteceu e dos afetos que estiveram presentes. "De um modo geral, as relações com uma segunda pessoa de confiança-no exemplo escolhido, a mãe-não são suficientemente íntimas para que a criança possa encontrar uma ajuda junto dela; algumas tênues tentativas nesse sentido são repelidas pela mãe como tolices" (Ferenczi, 1992/1933, p. 117-118).

Nesse momento, encontramos no desmentido o ponto crucial da experiência de agressividade, violência e invasão do trauma. O desmentido implica em uma negação do acontecimento, em um vazio e impossibilidade de a experiência ser simbolizada. O agressor que foi agente do trauma pode mentir, fingir que nada aconteceu. "Quase sempre, o agressor comporta-se como se nada tivesse acontecido e consola-se com a ideia: 'Oh, é apenas uma criança, ainda não sabe nada dessas coisas e acabará esquecendo tudo isso" (Ferenczi, 1992/1933, p. 117). Esse fingimento de que "nada aconteceu" é como uma mentira e impede a criança de encontrar algum sentido junto do outro. Dessa forma, o movimento de esperança da criança não encontra caminho e sentido, assim como a experiência vivida com o primeiro adulto agressor. Destarte, é muito importante que a criança encontre em um outro uma disponibilidade para receber o que aconteceu para que sua confiança nesse outro não seja comprometida e abalada. Sobre os efeitos de tais agressões, Ferenczi (1992/1933, p. 118) afirma que

Chega-se assim a uma forma de personalidade feita unicamente de id e superego, e que, por conseguinte, é incapaz de afirmar-se em caso de desprazer; do mesmo modo que uma criança, que não chegou ainda ao seu pleno desenvolvimento, é incapaz de suportar a solidão, se lhe falta a proteção materna e considerável ternura.

Ferenczi (1992/1933) também aponta como caminho para lidar com o choque traumático a progressão traumática, que é uma forma de incorporação do objeto e de mimetismo. Um exemplo é a criança "pseudoadulto", crianças que são muito maduras para sua idade. "Pensa-se nos frutos que ficam maduros e saborosos depressa demais, quando o bico de um pássaro os fere, e na maturidade apressada de um fruto bichado" (p. 119). O autor utiliza a imagem do "bebê sábio", que encontra na identificação completa com adultos uma forma de proteção para o perigo despertado pelas suas agressões.

Se os choques se sucedem no decorrer do desenvolvimento, o número e a variedade de fragmentos clivados aumentam, e torna-se rapidamente difícil, sem cair na confusão, manter contato com esses fragmentos, que se comportam o dos como personalidades distintas que não conhecem umas às outras. (Ferenczi, 1992/1933, p. 120).

Sendo assim, as formas que a criança encontra de se defender das invasões e agressões do meio ambiente apontam para uma ausência de conteúdo psíquico, e o risco que se corre é de vazio simbólico e uma impossibilidade de criar narrativas sobre o que aconteceu e o que lhe causa sofrimento. Essas cisões e separações psíquicas implicam em uma dificuldade de encontrar palavras para o que se sente, uma vez que esses furos têm uma relação intrínseca com o traumático. O desmentido impede que o sujeito possa se apropriar de sua própria história, podendo, portanto, comparecer em momentos de ruptura com a vida, com situações de dor muito intensas e até mesmo insuportáveis, pela impossibilidade de serem compartilhadas.

 

Considerações finais

Neste artigo, compreendemos a tentativa de suicídio como expressão de uma dor extrema, que se tornou insustentável. A dor é um terreno árido, que indica um excesso de intensidades, podendo causar situações limite de transbordamento pulsional. No momento em que escutamos um paciente, estamos acolhendo, principalmente, a dor que ele carrega. Quando essa dor se torna insuportável, vimos que o suicídio pode ser uma saída para aplacar o sofrimento. Assim, apostamos que um tratamento que sustente uma escuta singular possa contribuir para o reconhecimento da dor e viabilizar, aos poucos, a construção de outras saídas mais vitais para lidar com ela.

A compreensão do trauma como um acontecimento da vida marcado por intensidade(s) e incapacidade de reagir de forma adequada nos faz pensar na importância da relação que o sujeito estabelece com o evento. Dessa maneira, para a psicanálise, o evento em si não é determinante para ser considerado traumático e, sim, a forma como o sujeito responde àquele evento. Nesse sentido, o psiquismo e os recursos que dispomos são muito significativos, uma vez que a capacidade de linguagem, de dar sentido às experiências, nos protege do impacto das situações de perdas e das hostilidades na relação com o outro. Além disso, o caminho da escuta pode fazer frente às repetições do trauma, tal como no desmentido, que pode se expressar em ações autodestrutivas e violentas e, nesses casos, o suicídio aparece como solução para estancar a dor.

 

 

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*Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
**Professora adjuntada Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-Rio. Membro do Espaço Brasileiro de Estudo Psicanalíticos. Editora da Revista Psicologia Clínica.

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