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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.18 no.1 Rio de Janeiro jun. 2015
ARTIGOS
Compartilhando vivências: contribuição de um grupo de Apoio para mulheres com câncer de mama
Sharing experiences: contributions from a support group for women with breast cance
Ana Ruth B. Martins1;I; Thamara A. do Ouro2;II; Marília Neri3;III
IUniversidade do Estado do Pará, Belém, Pará
IIUniversidade Católica Dom Bosco, Jacobina, Bahia
IIIUniversidade Federal do Recôncavo Baiano, Santo Antônio de Jesus, Bahia
RESUMO
O câncer de mama é o segundo tipo mais frequente de câncer no mundo e o mais comum entre as mulheres. O tratamento para o câncer envolve efeitos não só físicos como psicológicos. Dessa forma, é importante que haja a inserção das pacientes em grupos de apoio com objetivo de atenuar os impactos gerados pela doença. Este estudo tem como objetivo identificar quais as contribuições o grupo de apoio oferece às mulheres com câncer de mama, qual o significado do câncer para as mesmas, o papel do grupo no enfrentamento do câncer e as transformações vivenciadas após a entrada no grupo. Trata-se de um estudo qualitativo descritivo com mulheres que fazem parte de um grupo de apoio, no qual utilizou-se entrevista semiestruturada e questionário sociodemográfico como instrumento de coleta de dados. Os resultados obtidos apontam no que o grupo de apoio, de fato, contribui no processo de enfrentamento do câncer de mama na medida em que é um espaço que oferece acolhimento, informação, além de gerar envolvimento em atividades preventivas e sociais.
Palavras-chave: Câncer de Mama; Grupo de Apoio; contribuição; impacto.
ABSTRACT
Breast cancer is the second most common cancer worldwide and the most common among women. Treatment for cancer involves not only physical effects but also psychological. Thus, the inclusion of patients in support groups is important in order to mitigate the impact caused by the disease. This study aims to identify the contributions support groups offer to women with breast cancer, investigate what is the meaning of cancer for these patients, the group's role in fighting cancer and experienced changes after entering the group. This is a descriptive qualitative study with women who are part of a support group, in which semistructured interviews were used, as well as a sociodemographic questionnaire as a data collection instrument. The results point to what, in the support groups, in fact, contributes to the process of coping with breast cancer, in the sense that the group is a space that offers holding, information, and also generates involvement in preventive and social activities.
Keywords: Breast Cancer; Support Group; contribution; impact.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2016), "câncer" é o nome dado às doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células (malignas) que invadem tecidos e órgãos, podendo também disseminar-se (metástase) para outros órgãos. O câncer de mama é o segundo tipo mais frequente de câncer no mundo e o mais comum entre as mulheres, representando 25% novos casos ao ano. As taxas de mortalidade por câncer de mama se mantêm elevadas no Brasil e até 2011, já levou à morte 14.206 mulheres. Para o Brasil, em 2016, são esperados 57.960 novos casos de câncer de mama (INCA, 2016).
As causas do câncer de mama podem estar associadas a fatores internos, como idade, aspectos endócrinos e genéticos, ou externos ao organismo, como por exemplo, a falta de atividade física, a má alimentação, a obesidade, e outros, sendo que ambos os fatores estão inter-relacionados. Segundo o INCA (2009, p.16), "estima-se que por meio da alimentação, nutrição e atividade física é possível reduzir em até 28% o risco de a mulher desenvolver câncer de mama".
Já o tratamento para o câncer de mama pode ser feito através de cirurgias, radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia e terapia biológica. A proposta terapêutica dependerá de uma série de variáveis como o estágio em que o câncer se encontra e a condição do paciente, visto que o tratamento tem por objetivo a cura ou prolongar a sobrevida do paciente e melhorar a qualidade de vida. Quando detectado precocemente, as chances de cura do câncer de mama aumentam significativamente (INCA, 2016).
Geralmente é atribuído ao câncer uma imagem negativa, comumente relacionada à morte ou a algo incontrolável e incurável. Segundo Caetano, Gradim e Santos (2009) esta visão do câncer é antiga e foi consolidada devido às poucas chances de cura que havia há alguns anos, quando as cirurgias envolviam a mutilação total do membro e tratamentos ineficazes. Assim, ao receber o diagnóstico de câncer o sujeito lida diretamente com o medo de morrer e se sente vulnerável. Kübler-Ross (1996) o descreve em cinco estágios: negação (quando o sujeito nega o adoecimento, podendo agir como se o adoecimento não existisse), raiva (revolta, inconformismo e etc.), barganha (o sujeito tenta negociar a solução para seu problema), depressão (caracterizado por tristeza e desesperança diante da doença) e aceitação (o sujeito aceita sua condição e está preparado para o desfecho dela).
A vivência do diagnóstico e tratamento do câncer acarreta perdas a todo tempo e essas fases podem ser observadas em diferentes momentos. Uma das questões que a vivência traz é em relação às mudanças corporais. A imagem corporal está relacionada a uma percepção de si e vai além dos níveis físicos, envolvendo também os emocionais e mentais (Secchi, Camargo & Bertoldo, 2009).
Entre as diversas repercussões da vivência do câncer, o comprometimento da constituição da imagem corporal feminina é uma das mais significativas. Durante o tratamento, pode haver queda de cabelo e pelos em geral, hiperpigmentação e esclerodermia (doença crônica que pode ser localizada ou sistêmica e é caracterizada por endurecimento dos tecidos da pele ou afeta outros órgãos e sistemas internos do organismo, respectivamente), bem como a indicação da mastectomia que gera a mutilação total ou parcial do seio. Esta cirurgia acarreta grandes repercussões por envolver um órgão do corpo que tem seu significado atrelado aos aspectos da feminilidade (Vieira & Queiroz, 2006).
Dessa forma, o câncer de mama pode influenciar na sexualidade tanto da mulher quanto na sua relação com o seu parceiro. De acordo com Macieira e Maluf (2008, citadas por Carvalho et al., p. 303, 2008) "a vivência da sexualidade é um dos aspectos essenciais do desenvolvimento humano. [...] Em seu sentido mais amplo, ela carrega consigo um senso de identidade pessoal, forma de relacionamento e senso de identidade pessoal". E, nos pacientes com câncer, problemas relativos à sexualidade estarão associados a mudanças na imagem corporal. Assim, uma mulher que tem câncer de mama e passa por mastectomia, pode sofrer uma mudança abrupta na sua imagem corporal, gerando problemas ligados à sexualidade. Diversas pesquisas também apontam que a submissão à quimioterapia pode gerar alterações hormonais (diminuição nos níveis de estrogênio) que consequentemente levam à diminuição do desejo sexual. O companheiro ou marido desempenhará um papel muito importante de suporte, tanto prático quanto emocional. Podendo colaborar, juntamente com a companheira ou esposa, na adaptação do casal à ocorrência do câncer de mama e outros fatores dele decorrentes.
O processo, desde o diagnóstico até o tratamento, impacta no cotidiano da mulher e demanda a elaboração de estratégias para enfrentamento do adoecimento e busca por equilíbrio emocional. Lazarus e Folkman (1984) definem o enfrentamento como um conjunto de estratégias para lidar com uma ameaça iminente. Cada sujeito pode utilizar diferentes estratégias, inclusive em momentos diferentes da vida e, no caso, do tratamento. Vale ressaltar que não existe uma estratégia melhor do que outra, sua execução depende de uma série de variáveis como tipo de câncer, etapa da doença e grupo social.
Portanto, torna-se imprescindível que a pessoa possua uma rede de apoio sólida, esta lhes auxiliará no enfrentamento da doença. A família é a principal rede de suporte do paciente oncológico e a sua participação ativa, do diagnostico ao tratamento, contribui para que a paciente lide melhor com o diagnóstico, uma vez que o câncer remete à ideia de sofrimento e morte.
Além do apoio social e familiar, outra estratégia que pode ser utilizada como facilitadora no processo de enfrentamento da doença são os grupos operativos. Pichon Riviére (1982) define grupos operativos como um conjunto de pessoas que possuem um objetivo em comum e, dessa forma, trabalham na perspectiva do ensino-aprendizagem. Assim, para mulheres com câncer de mama, a convivência e troca de experiência com outras mulheres que também estão passando ou já passaram por problemas semelhantes ao seu agrega valor terapêutico ao grupo, que, além de assistir, auxiliar e instruir, contribui para a melhora da expectativa e qualidade de vida (Gomes, Panobianco, Ferreira, Kebbe & Meirelles, 2003).
Um estudo realizado por Lacerda, Sampaio, Silva e Oliveira (2011) sobre mulheres com câncer que frequentavam grupos de apoio revela que através da comunicação, ou seja, através da troca de informações, as mulheres puderam aliviar suas tensões, tirar dúvidas e ampliar os conhecimentos de interesses comuns. Segundo Martins, Pereira e Cobucci (2010, p. 433), o grupo de apoio "visa trabalhar o paciente com um todo, fortalecendo seu lado psicoemocional e esclarecendo aspectos importantes sobre a doença". Visando o apoio psicossocial, é de suma importância a participação dessas mulheres em grupos, uma vez que isso tende a amenizar o sofrimento emocional decorrente do diagnóstico.
Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo compreender quais as contribuições o grupo de apoio oferece às mulheres com câncer de mama, qual o significado do câncer para as mesmas, o papel do grupo no enfrentamento do câncer e as transformações vivenciadas após a entrada no grupo.
Método
Trata-se de um estudo descritivo qualitativo com participação de sete mulheres que fazem parte de um grupo de apoio para mulheres com câncer de mama no interior da Bahia. O grupo de apoio realiza reuniões quinzenais e propõe atividades como interpretação de textos sobre o câncer, autoestima e reflexões sobre a vida, possui um espaço para o compartilhamento de experiências e oferecem palestras com profissionais de diversas áreas (direito, nutrição, farmácia, fisioterapia e outros) para tratar de temas que estão diretamente ligados aos pacientes oncológicos. Além disso, realizam ações sociais como campanhas informativas, passeatas, feiras de saúde, além de confraternizações frequentes. O grupo recebe acompanhamento de uma psicóloga e um oncologista em todos os encontros. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade Adventista da Bahia e aprovado. Visando a preservação do anonimato, foram atribuídos nomes fictícios para as participantes.
Houve um primeiro contato com o grupo para convidar asintegrantes para participarem da pesquisa e em seguida, após aceitação, foi agendado o dia para a realização das entrevistas. Em relação à entrevista (Anexo A), tratou-se de um questionário semiestruturado que continha quinze questões que, de modo geral, buscaram identificar qual o papel e o significado do grupo de apoio para o enfrentamento do câncer, além de perceber as transformações vivenciadas pelas mulheres no enfrentamento do câncer após a sua entrada no grupo de apoio e identificar o significado individual do câncer. Optou-se pela entrevista como forma de coleta dos dados por se tratar de uma técnica bastante adequada quando objetiva-se explorar em profundidade aspectos da vida do entrevistado (Lopes & Cordeiro, 2011).
Em um segundo encontro foram assinados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo B) e realizadas as entrevistas. A proposta inicial seria de que as entrevistas fossem realizadas individualmente, porém as participantes sugeriram que a entrevista fosse feita em grupo, uma vez que as deixariam mais confortáveis e otimizaria o tempo, e assim sucedeu.
A entrevista realizada em grupo estimula a discussão sobre um tema em comum a todos os participantes, e dar-se-á como um debate aberto. Este tipo de entrevista além de permitir que haja um espaço de troca de informações e a exploração de opiniões diferentes a respeito de um mesmo assunto, também possibilita o compartilhamento de experiências entre os participantes (Boni & Quaresma, 2005).
Antes de iniciar as entrevistas, as participantes responderam individualmente a um questionário sociodemográfico com algumas informações básicas sobre elas e sobre o seu adoecimento. Posteriormente foi realizada a entrevista em grupo. Os dados obtidos na entrevista foram gravados em áudio e posteriormente transcritos para análise. As informações coletadas foram organizadas de modo que possam ser comparadas com os dados encontrados na literatura a respeito dos benefícios e contribuições dos grupos de apoio.
As questões da entrevista foram analisadas por meio da Análise de Conteúdo Temática de Bardin (2009) que segundo a autora (citada por Farago & Fofonca, 2012) "é um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens". Após análise, os conteúdos das entrevistas foram divididos nas categorias: o significado individual do câncer, apoio familiar e o grupo de apoio e seus benefícios.
Resultados e Discussão
Os conteúdos coletados nas entrevistas foram divididos em três categorias, sendo elas: o significado individual do câncer; apoio familiar; e o grupo de apoio e seus benefícios. As categorias foram criadas a partir das informações colhidas nas entrevistas e a partir de dados encontrados na literatura.
Na Tabela 1 são apresentados os dados sociodemográficos da população estudada. A partir dela, podemos perceber que a maioria das entrevistadas se encontrava entre os 40 e 60 anos, possuía nível superior completo, era casada, possuía pelo menos um filho, encontrava-se aposentada e apresentavam tempos variados de conhecimento sobre seu diagnóstico.

Na tabela 2 são apresentados os resultados organizados em categorias.
| Tabela 2 - Categorias de Conteúdos das Entrevistas | ||||||||
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| Fonte: Dados coletados nas entrevistas (2013) |
Significado individual do câncer
Em relação a esta categoria, destacam-se dois pontos 1) a percepção do câncer e 2) a reação ao diagnóstico e enfrentamento. No que diz respeito à percepção do câncer, pode ser observado nas respostas das participantes que, em sua maioria, associaram ao câncer sentimentos negativos, tomando como exemplo o comentário de duas participantes:
"Um susto, um medo, um terror, um pavor, uma tristeza. [...] O câncer é simplesmente devastador, no primeiro momento, né? Depois você vê que tem jeito, tem cura. [...] Mas no início é devastador. Coisa tenebrosa." (Regina)
"Câncer é um susto. Quando você recebe um diagnóstico você não tem como não se abalar, né? Então pra mim foi um susto muito grande porque assim, você vê em novela, você vê com fulano e com sicrano,mas você nunca imagina que vai acontecer com você." (Carla)
Apesar dos avanços científicos, técnicos e de terapêuticas mais eficazes nos últimos tempos, o câncer continua sendo muito temido. Isto se dá porque foi consolidada uma imagem negativa, geralmente associada àmorte, ligada ao câncer devido aos poucos recursos que havia para o tratamento há algum tempo atrás, aos altos índices de mortalidade. Por conta de toda essa visão negativista e pelo significado que o câncer carrega, a pessoa ao ser diagnosticado vivencia um misto de sentimentos que impactam no sofrimento da dor do câncer (Cascais, Martini & Almeida, 2008). A participante comenta que:
"Eu tenho um pensamento diferente de todos os depoimentos que você já viu aí. Desde o primeiro momento em que eu recebi a notícia, eu não me preocupei, eu não me estressei, eu não pensei na morte, eu não pensei em nada. Eu recebi a notícia como se fosse uma notícia de que você tava gripada ou de que você precisava fazer um outro tratamento, mas não que fosse aquela coisa pra lhe desesperar, achando que ali era o seu fim. Eu saí muito tranquila, tão tranquila que eu deixei o médico nervoso (risos). Eu me questiono até hoje o porquê de que desde quando soube da notícia eu nunca me senti doente. Porque na minha concepção, a pessoa que está doente é aquela que tá prostrada numa cama dependendo tudo da mão dos outros, então eu nunca tive na minha cabeça que eu estava doente." (Rita)
A princípio, diante do comportamento da participante Rita, pode-se suspeitar de um possível quadro de negação frente ao diagnóstico. Sendo a negação, segundo Silva (2011), "a recusa do sujeito a aceitar a existência de uma situação penosa demais para ser tolerada" percebe-se que a participante não se enquadra neste diagnóstico, uma vez que através da fala "Eu recebi a notícia como se fosse uma notícia de que você tava gripada ou de que você precisava fazer um outro tratamento, mas não que fosse aquela coisa pra lhe desesperar, achando que ali era o seu fim", nota-se que ela entendia que estava doente, que precisava de tratamento, mas, diante do diagnóstico ela não se desesperou ou pensou que iria morrer.












