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Psicologia: teoria e prática

versão impressa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.17 no.3 São Paulo dez. 2015

 

PSICOLOGIA CLÍNICA

Suporte familiar ao idoso com comprometimento da funcionalidade: a perspectiva da família

 

Family support to elderly with commitment of functionality: a family perspective

 

Apoyo familiar para adulto mayor con compromiso de funcionalidad: una perspectiva familiar

 

 

Luciana Araújo dos ReisI; Leny Alves Bonfim TradII
I Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Jequié – BA – Brasil
II Universidade Federal da Bahia, Salvador – BA – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

Este estudo tem por objetivo caracterizar o suporte familiar ao idoso com comprometimento da capacidade funcional, segundo estratos socioeconômicos, na perspectiva do cuidador. O estudo foi realizado em quatro unidades de saúde, em Jequié-BA. Os dados foram colhidos por meio de entrevista semiestruturada e aplicação de questionário às famílias. Por meio da análise de conteúdo, emergiram as seguintes categorias: significado do comprometimento da capacidade funcional; relação familiar antes do comprometimento da capacidade funcional; relação familiar depois do comprometimento da capacidade funcional; percepção da família sobre as orientações da equipe de saúde; percepções e sentimentos de ser cuidador do idoso; avaliação sobre os limites e as potencialidades do suporte familiar; percepções sobre rede de suporte social. Entre os resultados encontrados, destacamos a constatação de falta de conhecimentos específicos e preparação das famílias para o cuidado prestado ao idoso dependente, e fragilidade de uma rede de suporte social e de saúde à família e ao idoso.

Palavras-chave: idoso; comprometimento funcional; família; atividades cotidianas; suporte familiar.


Abstract

This study aims to characterize the family support the elderly with impaired functional capacity from the perspective of the caregiver. The study was conducted in four health units in Jequié-BA. Data were collected through semi-structured interview and questionnaire to the families. Through content analysis yielded the following categories: significance of impairment of functional capacity; family relationship before the impairment of functional capacity; family relationship after the impairment of functional capacity; family’s perception of the guidelines of the health team; perceptions and feelings to be caregivers for the elderly, assessment of the limits and potential of family support, perceptions of social support network. Among the findings highlight the finding of a lack of expertise and preparation of families to care for the dependent elderly and weakness of a network of social support and health to the family and the elderly.

Keywords: elderly; functional impairment; family, daily activities; family support.


Resumen

Este estudio tiene como objetivo caracterizar el apoyo familiar a adultos mayores con deterioro de la capacidad funcional según los estratos socioeconómicos, desde la perspectiva del cuidador. El estudio fue realizado en cuatro unidades de salud en Jequié-BA. Los datos fueron recolectados a través de entrevista semi-estructurada y un cuestionario con las familias. A través de análisis de contenido emergieron las siguientes categorías: significado de la capacidad funcional deteriorada; relaciones familiares ante la disminución de la capacidad funcional, la relación de la familia después de deterioro de la capacidad funcional, la percepción de las orientaciones del equipo de salud de la familia; percepciones y sentimientos ser los cuidadores de las adultos mayores; revisión de los límites y el potencial de apoyo a la familia; percepciones de la red de apoyo social. Entre los resultados se destacan la constatación de la falta de experiencia y la preparación de las familias para cuidar a los adultos mayores dependientes y la fragilidad de una red de apoyo social y de salud para la familia y los adultos mayores.

Palabras clave: adultos mayores; comprometimiento funcional; familia; actividades cotidianas ; soporte familiar.


 

 

O processo de envelhecimento pode ser acompanhado pelo declínio das capacidades tanto físicas como cognitivas dos idosos, de acordo com as suas características de vida. Embora a grande maioria dos idosos seja portadora de, pelo menos, uma doença crônica, nem todos ficam limitados por essas doenças; muitos levam vida perfeitamente normal, tendo suas enfermidades controladas e manifestando satisfação com a vida (Reis, Torres, Reis, Fernandes, & Nobre, 2011).

Nas alterações concernentes à idade, percebem-se fatores de risco e a ocorrência de doenças crônico-degenerativas que determinam, para o idoso, certo grau de dependência relacionado diretamente com a perda de autonomia e dificuldade em realizar as atividades básicas de vida diária. Esses aspectos podem interferir na capacidade funcional e qualidade de vida, e promover consequentemente a necessidade de cuidados prestados por terceiros ou pela família (Ansai & Sara, 2013).

A capacidade funcional determina o quanto o indivíduo é capaz de realizar as atividades do dia a dia, seja com algum auxílio (dependente) ou sem nenhum auxílio (independente). A determinação da capacidade funcional é essencial para o diagnóstico das necessidades de uma população e serve como parâmetro para subsidiar a elaboração de programas direcionados à manutenção e/ou ao desenvolvimento da autonomia ou independência funcional do idoso (Barbosa, Almeida, Barbosa, & Rossi-Barbosa, 2014). O comprometimento da capacidade funcional é representado pela dificuldade de o indivíduo realizar as atividades do dia a dia, e esse comprometimento está associado à predisposição de fragilidade, dependência, institucionalização, risco aumentado de quedas, morte e problemas de mobilidade, acarretando complicações ao longo do tempo e originando cuidados de longa permanência e alto custo.

É imprescindível que, na prestação de cuidados aos idosos, a família esteja devidamente orientada sobre a importância do estímulo a eles para realização das atividades de vida diária, uma vez que frequentemente a imobilidade no envelhecimento é incentivada pela família que considera a velhice como tempo de descanso (Gratão et al., 2013).

O suporte familiar contribui de maneira significativa para a manutenção e a integridade física e psicológica do indivíduo. Seu efeito é tido como benéfico no membro da família que o recebe, na medida em que o suporte é percebido como disponível e satisfatório (Torres, Reis, Reis, Fernandes, & Xavier, 2010). Dessa forma, é fundamental, para o planejamento assistencial adequado ao idoso, a compreensão do contexto familiar, o que implica o entendimento das questões que envolvem a formação e a dinâmica de funcionamento das famílias em geral.

A família é um sistema dinâmico em interação dialógica que pretende (ou deve pretender) ajudar a pessoa a desenvolver uma presença afetiva, responsável e livre no mundo (Inouye, Barham, Pedrazzani, & Pavarini, 2010). Supõe-se que, em condições de disfuncionalidade, as famílias poderiam ter a capacidade assistencial prejudicada e, por isso, não conseguiriam prover adequadamente o atendimento sistemático das necessidades de cuidados de seus parentes idosos, o que seria prejudicial ao processo de independência, autonomia e qualidade de vida dos idosos (Floriano, Azevedo, Reiners, & Sudré, 2012).

Dada a importância da família como órgão de apoio e saúde, a impossibilidade de o idoso dispor desses recursos poderá levá-lo a situações de morbidade significativa, seja sob o prisma físico, psíquico ou social. Uma série de complicações derivadas de insuficiências psicológicas, afetivas e sobretudo materiais do grupo familiar em relação ao paciente idoso poderá levá-lo a situações de agressão potencial ou afetiva, física ou psíquica que acabam por interferir na capacidade funcional do idoso (Brondani, Beuter, Alvim, Szareski, & Rocha, 2010). Nessa perspectiva, a presente pesquisa tem por objetivo caracterizar o suporte familiar aos idosos com comprometimento da capacidade funcional, segundo estratos socioeconômicos, na perspectiva da família.

 

Método

Realizou-se uma pesquisa descritiva exploratória de caráter qualitativo, pelo fato de esse tipo de estudo permitir “uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto de maior relevância do aspecto subjetivo da ação social” (Haguette, 1992), como é o caso do conceito de suporte familiar com idosos que vivenciam comprometimento da capacidade funcional.

Segundo Goldenberg (1998), a pesquisa qualitativa consiste na descrição de termos e situações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos, pois ajuda a descrever a complexidade de determinados problemas e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais. Permite ainda contribuir para o processo de mudança de determinado grupo e possibilita entender as particularidades do comportamento dos indivíduos.

O estudo foi realizado com famílias de idosos com comprometimento da capacidade funcional cadastrados em quatro unidades de saúde (A, B, C e D) da cidade de Jequié-BA: três unidades de saúde da família (USFs) e uma classificada como centro de saúde. A amostra foi constituída por 12 famílias, divididas em dois grupos: 1. famílias de idosos de baixa renda ou classe popular (renda familiar  dois salários mínimos) e 2. famílias de idosos de classe média (renda  quatro salários mínimos).

As famílias foram selecionadas com base nos seguintes critérios: possuir um idoso com comprometimento de pelo menos uma das atividades de vida diária e ter baixa renda para as famílias do grupo 1 e renda referente à classe média para as famílias do grupo 2. Para avaliar o comprometimento da capacidade funcional dos idosos, aplicaram-se o Índice de Barthel (utilizado para avaliar as atividades básicas de vida diária) (Minosso, Amendola, Alvarenga, & Oliveira, 2010) e a Escala de Lawton (utilizada para avaliar as atividades instrumentais de vida diária) (Del Duca, Silva, & Hallal, 2009).

Participaram da amostra do estudo 12 famílias, e cada uma foi entrevistada duas vezes, no período de setembro a dezembro de 2013. Cada entrevista durou em média três horas, e todos os membros das famílias participaram nos dois momentos. O instrumento de pesquisa foi constituído de duas partes: um questionário e uma entrevista. Inicialmente, aplicou-se a cada família um questionário que abrangeu as características da família do idoso, considerando composição, nível de escolaridade, renda e idade (Quadro 1).

Em seguida, realizou-se uma entrevista semiestruturada com o propósito de contemplar os seguintes dados: significado do comprometimento da capacidade funcional, relação familiar antes do comprometimento da capacidade funcional, relação familiar depois do comprometimento da capacidade funcional, percepção da família sobre as orientações da equipe de saúde, percepções e sentimentos de ser cuidador do idoso, avaliação sobre os limites e as potencialidades do suporte familiar, e percepções sobre a rede de suporte social.

Os dados foram analisados à luz da análise de conteúdo segundo Bardin (2008), que a define como um conjunto de técnicas de análise de comunicação que visa obter, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas mensagens.

A aplicação dos questionários e a realização das entrevistas ocorreram nos domicílios, respeitando a disponibilidade dos entrevistados. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Protocolo n. 027/10).

 

Resultados e discussão

Os resultados do presente estudo são apresentados em duas partes. Na primeira parte, faz-se uma descrição de como cada família é constituída e do contexto de vida. Na segunda, apresentam-se as categorias que emergiram das falas das famílias. Para manter o anonimato de todas as famílias do estudo, faz-se a identificação de forma numérica.

Caracterização das famílias

 

 

Significado do comprometimento da capacidade funcional

As famílias referem que o comprometimento da capacidade funcional do idoso já é algo esperado, pois acreditam que quanto mais os anos passam, o idoso se torna mais fraco e debilitado:

Eu acredito que essa dificuldade de realizar o seu próprio cuidado é algo natural, próprio da velhice (F1).

A velhice é isso mesmo [...] é depender da família, é ser criança de novo [...] é precisar de ajuda para comer, tomar banho [...] (F7).

Entender o comprometimento da capacidade funcional como próprio do processo de envelhecimento é uma forma que as famílias encontraram para aceitar mais facilmente a situação atual do idoso. Dados semelhantes foram encontrados em estudo realizado no interior de São Paulo, no qual as famílias de idosos dependentes reconheciam a sua condição como um processo natural e comum a todos os seres humanos, mas que é antecipado ou retardado de acordo com a experiência de vida de cada um (Silva, 2007).

Constatou-se ainda que muitas famílias possuíam conhecimentos errôneos sobre a capacidade funcional, pois associavam geralmente a dependência à religiosidade. A aceitação da dependência do idoso ou a explicação para a sua ocorrência refletem também a religiosidade e as crenças das famílias.

É a vontade de Deus, tudo acontece como Ele quer, é Ele quem decidi, e a gente tem que aceitar e pronto (F10).

Isso é castigo de Deus, pois ele era muito ruim, maltratava a família e vivia de festa (F7).

No presente estudo, os significados atribuídos pelos cuidadores ao comprometimento da capacidade funcional, independentemente da classe social, demonstraram que muitos deles desconhecem o estado de saúde de seus idosos.

Relação familiar antes do comprometimento da capacidade funcional

Antes do comprometimento da capacidade funcional dos idosos, as famílias eram relativamente ajustadas, e cada membro desempenhava as funções de forma isolada, sem depender da atenção dos demais, sobretudo os idosos.

Antes ela era totalmente independente e fazia as suas coisas sozinhas, não precisava de tanta atenção da gente. A gente vivia bem, cada um cuidando de sua vida e pronto (F5).

Antes as coisas eram mais fáceis, porque ela se virava sozinha e não dependia da gente; hoje ela nos incomoda muito [...] (F3).

Nota-se que as relações familiares, antes da dependência do idoso, eram mais amenas, uma vez que cada um cuidava de si e não havia a necessidade de cuidados. Os problemas familiares existiam, mas eram contornados porque cada um tinha uma rotina, sem influenciar na rotina do outro. Os sentimentos de companheirismo, afetividade, compreensão, respeito à expressão, interesse, simpatia e acolhimento faziam parte da rotina familiar.

Nessa categoria, verificou-se que a presença do idoso dependente afeta diretamente as relações familiares, independentemente de classe social, uma vez que as famílias não estão preparadas para conviver com a dependência física e a necessidade de alteração da rotina familiar em prol de um único membro.

Quando ela não era dependente, nós saíamos, íamos à feira, ao centro da cidade, os vizinhos nos visitávamos. Nossa casa tinha paz, éramos felizes, respeitávamos um ao outro e, apesar das dificuldades financeiras, estávamos sempre juntos, rindo e brincando (F10).

Em nossa família, sempre tivemos brigas [...] mas agora é pior, pois, mesmo com raiva, eu tenho que cuidar dele, não posso sair, é horrível [...] (F6).

Em estudo realizado no município de Ribeirão Preto sobre o cuidado da família em relação ao idoso portador de doença crônica, verificou-se que, antes do comprometimento da capacidade funcional, o idoso compartilhava a vida em família de maneira ativa, participando das atividades domésticas e gerenciando o próprio cuidado (Carreira, 2006).

Relação familiar após o comprometimento da capacidade funcional

A dependência de um familiar idoso gera impacto na dinâmica, na economia familiar e na saúde dos membros da família que se ocupam dos cuidados. A presença de comprometimento da capacidade funcional gera um estado de dependência física e emocional da família, exigindo cuidados contínuos.

Antes ele incomodava menos, tomava banho sozinho, andava e fazia suas coisas só; hoje ele fica chamando a gente pra tudo, pra pegar as coisas pra tomar banho […] é muito cansativo […] ele dá muito trabalho (F3).

A nossa relação piorou muito, pois tem horas que sinto muita raiva dele [...] tenho vontade de sumir [...] ele incomoda demais, é muito agitado e ignorante (F12).

Verifica-se que essa condição de dependência vivenciada pelo idoso é uma situação difícil de ser enfrentada pela família, pois envolve perda de liberdade, a partir da qual a família se reorganiza e alguém se vê obrigado a deixar de executar as tarefas pessoais, domésticas e sociais, ou parte delas, para assumir o papel de cuidador (Carreira, 2006).

Ela antes era mais tranquila, hoje é agitada e bruta, xinga o tempo todo, é mal-educada, ninguém aguenta mais. Nossa vida virou um inferno depois que ela adoeceu (F9).

Antes era mais fácil, pois ela não dependia da gente e, por isso, ela era mais tranquila. Hoje ela está bem agitada, pois ela não aceita a dependência [...] (F8).

Carreira (2006) verificou, nas falas das famílias estudadas, que a dependência do idoso é uma situação difícil de ser enfrentada, pois exige cuidados 24 horas por dia que afetam a rotina e a liberdade dos demais membros da família.

Sentimentos negativos como raiva, isolamento, exclusão e falta de compreensão entre as pessoas se fazem presentes na relação familiar após o comprometimento da capacidade funcional do idoso.

Depois que ela adoeceu, nossa vida virou um inferno, uma maldição, não temos paz, ela pede as coisas o tempo todo, vivemos cansados e com raiva (F10).

Tudo mudou [...] não conseguimos viver com essa nova realidade, vivemos em clima constante de guerra [...] (F1).

Nessa categoria, percebeu-se que, independentemente da classe social, as famílias estudadas enfrentam dificuldades em se reestruturar diante da presença do idoso dependente. A necessidade de cuidado do idoso incomoda as famílias, uma vez que modifica a rotina de seus membros. Essa quebra da rotina, além de gerar sentimentos negativos, afeta o desenvolvimento das relações familiares e consequentemente a saúde de seus membros.

Percepções e sentimentos de ser cuidador do idoso

Diante do rápido envelhecimento populacional brasileiro, percebe-se que a organização do sistema público de saúde ainda não conseguiu atender satisfatoriamente às necessidades dessa população. Apesar das mudanças ocorridas no cenário nacional em relação às políticas de proteção social ao idoso, estas ainda se apresentam muito restritas na oferta de serviços e programas de saúde pública, como na amplitude da sua intervenção. Quando se trata de idosos residentes em domicílios de áreas periféricas, essa situação é ainda mais grave, pois esses idosos apresentam elevado grau de problemas de saúde e de incapacidades funcionais, e não se beneficiam da maioria dos programas relacionados ao envelhecimento.

A equipe de saúde da família nunca orientou, não recebemos visitas deles e dificilmente conseguimos pegar remédios e ser atendidos. Quando ela adoece, levamos para o hospital (F9).

Não recebemos atenção da equipe de saúde da família, de vez em quando o agente de saúde passa e confere a pressão dela e não fala nada (F6).

A problemática do idoso acaba se tornando um fardo para as famílias, que não apresentam conhecimentos básicos para o devido cuidado prestado ao idoso. Esse despreparo resulta em desgastes familiares, comprometimento na qualidade do cuidado prestado ao idoso e prejuízo à saúde do idoso e do cuidador.

A falta de entendimento sobre o fenômeno do envelhecimento e suas limitações é ainda mais prejudicada quando há ausência de uma adequada orientação em relação à manutenção do idoso em casa, bem como sobre a resolução de problemas, o que aumenta a confusão, a frustração e o desamparo de toda a família (Santos & Pavarini, 2012). Nessa categoria, as diferenças entre as classes se tornam evidentes, pois as famílias dos idosos de classe média, por poderem ter acesso à assistência à saúde particular, por meio de consultas médicas pagas, são orientadas quanto ao cuidado prestado ao idoso. Essas famílias, por terem a possibilidade de acesso fácil e direto aos serviços de saúde, esclarecem as dúvidas e recebem atendimento rápido aos problemas apresentados pelo idoso.

Por sua vez, as famílias de classe baixa enfrentam dificuldades de acesso aos serviços de saúde e, por isso, são obrigadas a resolver sem orientação os problemas apresentados pelos idosos. Além disso, o cuidador do idoso de baixa renda é, na maioria das vezes, um membro da família que, sem conhecimento, é designado para essa tarefa por causa do grau de parentesco ou da proximidade. Esse cuidador, além de cuidar do idoso, é quase sempre o responsável por todas as atividades domésticas que se referem aos demais membros da família.

Percepção da família sobre as orientações da equipe de saúde

Essa categoria permitiu verificar os sentimentos, os estados de espírito e a forma como os familiares experimentam internamente e expressam o ato de cuidar de um idoso. Entre as famílias, cuidar de um idoso com comprometimento da capacidade funcional mobiliza muitos sentimentos antagônicos em certo espaço de tempo: amor e raiva, paciência e intolerância, carinho, tristeza, irritação, desânimo, pena, revolta, insegurança, negativismo, solidão, medo de o idoso morrer, medo de não saber cuidar do idoso.

Temos medo que ele piore, pois não sabemos e nem podemos cuidar, iremos colocá-lo no abrigo (F7).

Temos medo de que ele se torne mais dependente, que necessite de mais cuidados, pois não temos mais como cuidar [...] (F10).

Contudo, o sentimento mais comum foi o medo, medo de que o idoso piore e que necessite de mais cuidados.

Nadir e Oliveira (2009), em pesquisa com cuidadores de idosos dependentes, constataram que as famílias, ao serem questionadas sobre como se sentem no desempenho desse papel, demonstraram, em suas falas, sentimentos negativos e positivos. Afirmaram que o ato de cuidar é uma tarefa difícil e cansativa que requer responsabilidade, dedicação, coragem, paciência e força de vontade. Quanto aos aspectos positivos, o cuidado foi relatado por alguns cuidadores como uma tarefa que deve ser realizada com muito amor, atenção, carinho e prazer.

Nessa categoria, os relatos das famílias evidenciam que o cuidado prestado ao idoso desperta incertezas e dúvidas constantes no cuidador, além de gerar angústia, medo e frustração. Os cuidadores não se sentem confortáveis para cuidar do idoso, pois não têm informações suficientes sobre o comprometimento da capacidade funcional nem conhecem o significado exato disso, não sabem como cuidar e não foram preparados para desempenhar essa tarefa. Dessa forma, os sentimentos de medo e frustração se tornam comuns no cotidiano deles.

Além desses sentimentos negativos, os cuidadores de baixa renda são influenciados por questões financeiras, pois, nesse caso, as incertezas envolvem não apenas a saúde do idoso, mas também o dinheiro necessário para o sustento do idoso e da família.

Percepção sobre o suporte familiar

A análise dessa categoria evidencia os transtornos no relacionamento dos familiares quando um dos membros adoece. As pessoas lidam com a eclosão e o prosseguimento da doença pautadas por crenças, mitos, normas e papéis estabelecidos, que concorrem para a dinâmica de cada família em particular. Em certas famílias, a regra é dividir as responsabilidades; em outras, é obrigação cuidar dos pais; em outras, os velhos atrapalham e assim por diante. Considerando a atual pluralidade de modelos de família, as reações são as mais variadas e refletem também as demandas econômicas e socioeconômicas.

Acho que o nosso suporte familiar para ela é ruim, não sabemos cuidar direito, não temos jeito nem paciência. Além disso, não temos dinheiro, e a nossa casa é muito pequena […] sei que ela é uma pessoa difícil, mas acho que, mesmo assim, como ela é nossa mãe, temos a obrigação de cuidar […], precisamos de ajudar (F11).

Eu acredito que o tratamos bem, damos atenção e tentamos ser carinhosos, mas somos impacientes. Não sabemos como agradar e aí, vira e mexe, temos discussões em casa, e isso o deixa chateado (F1).

A saúde de cada membro afeta o funcionamento da família da mesma forma que o funcionamento da família afeta os membros individualmente. Nota-se que a presença do idoso dependente compromete o suporte familiar, uma vez que ocorre alteração das rotinas familiares.

Não sei o que fazer, nem como conduzir esta situação. Compro tudo para ele, não falta nada. Mas não consigo me aproximar dele como antes, não consigo beijá-lo e abraçá-lo, sinto raiva de tudo, não queria que ele estivesse assim (F2).

Nossas vidas mudaram [...] tudo está diferente, ela precisa da gente, tem horário para comer, tomar banho [...] não podemos sair e viajar, temos que fazer tudo em função dela (F1).

De acordo com Nadir e Oliveira (2009), conviver com a família na idade avançada e possuir um suporte social que favoreça a manutenção do idoso na comunidade pode amenizar o declínio cognitivo e funcional, e, consequentemente, a probabilidade de morte em curto prazo.

Nessa categoria, verificou-se que a falta de suporte familiar ao cuidador do idoso independe de classe social, pois a maioria dos cuidadores avaliados declarou não receber apoio dos demais membros da família na realização do cuidado diário prestado ao idoso. Mencionaram ainda que essa falta de apoio familiar dificulta a realização das atividades pessoais e sociais, e acaba gerando estresse e sobrecarga.

Percepções sobre a rede de suporte social

Na comunidade estudada, a principal rede de suporte social oportunizada aos cuidadores de idoso é representada por família, amigos, vizinhos, comunidade e igrejas. Essa rede é marcada pela proximidade geográfica e pelo contato frequente.

Recebemos visita dos irmãos da igreja, os vizinhos sempre estão por aqui, e sempre o pastor faz culto de oração em nossa casa (F12).

Os meus irmãos sempre que podem nos visitam, e as amigas da igreja sempre passam aqui. E na segunda-feira, o padre traz a hóstia para ele (F7).

Nota-se, dessa forma, que o suporte social à família de idosos dependentes é precário, já que as famílias não desfrutam de suporte social formal (disponibilizado por profissionais). Sabe-se que todo tipo de suporte social – formal ou informal (amigos, família e comunidade) – é importante para a viabilização de propostas terapêuticas direcionadas à promoção da saúde do idoso e da família, com o propósito de obter um bom relacionamento familiar.

Segundo Avlund, Lund, Holstein e Due (2004), em estudo que analisou a vinculação entre relacionamento social e grau de incapacidade, constataram que quanto maior o estímulo para manter a diversidade das relações sociais, melhor era a manutenção da capacidade funcional entre idosos. Segundo os autores, as relações sociais, além contribuírem para a redução do risco de ocorrência de incapacidades, são fundamentais para o desenvolvimento de potencialidades.

Nas famílias de classe média, o suporte social, embora insuficiente, ainda é melhor que nas famílias de baixa renda, pois desfrutam de transporte próprio e recursos financeiros que lhes permitem a realização de atividades de lazer. O que falta na verdade para as famílias de classe média é a capacidade de estabelecer relações sociais que sirvam de suporte no cuidado prestado ao idoso.

 

Considerações finais

Os dados revelaram que, quando o comprometimento da capacidade funcional atinge o idoso, todo o sistema familiar também é afetado, independentemente de classe social. Com relação ao cuidador, constatou-se ainda que o suporte familiar fornecido ao idoso com comprometimento da capacidade funcional ocorre de maneira imposta, sem apoio/preparo emocional, social e informativo sobre o cuidado a ser prestado. Ressalta-se que, mesmo diante das dificuldades relatadas, as famílias conseguem se adequar à condição de cuidadoras.

Os resultados apontaram que existem duas dimensões na questão estudada:

• A falta de conhecimento das famílias sobre o cuidado prestado ao idoso dependente provoca alterações negativas no suporte e nas relações familiares.

• A falta de interação entre as equipes de saúde e a comunidade de abrangência demonstra a necessidade de reformulação da atenção à saúde destinada ao idoso.

Quanto à segunda dimensão, consideramos a necessidade de aprofundamento referente à rede de suporte social e de saúde ao idoso com comprometimento da capacidade funcional e da família.

Como limitação do presente estudo, destaca-se o fato de as famílias terem sido entrevistadas em grupo. Assim, sugere-se que novos estudos sejam realizados, nos quais os membros das famílias sejam entrevistados isoladamente e em momentos individuais.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Luciana Araújo dos Reis
Avenida Erasthotenes Menezes, 16, Edifício Bruno Baldacci, ap. 502
Vitória da Conquista – BA – Brasil. CEP: 45028-105
E-mail: lucianauesb@yahoo.com.br

Submissão: 12.1.2014
Aceitação: 10.8.2015

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